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O Primeiro de Maio

Portuguese 42,288 words 704h 48m read May 15, 2010

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Project Gutenberg's O Primeiro de Maio, by Sebastiăo de Magalhăes Lima

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Project Gutenberg's O Primeiro de Maio, by Sebastiăo de Magalhăes Lima This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org Title: O Primeiro de Maio Author: Sebastiăo de Magalhăes Lima Release Date: May 15, 2010 [EBook #32379] Language: Portuguese Character set encoding: ISO-8859-1 *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK O PRIMEIRO DE MAIO *** Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images of public domain material from BibRia) MAGALHĂES LIMA O 1.ş de Maio _Marchez, l'humanité ne vit pas d'une idée,_ _Elle en allume une autre á l'eternel flambeau_ CASA BERTRAND--JOSÉ BASTOS CHIADO LISBOA O PRIMEIRO DE MAIO O PRIMEIRO DE MAIO POR S. DE MAGALHĂES LIMA _Marchez, l'humanité ne vit pas d'une idée,_ _Elle en allume une autre á l'eternel flambeau_ LISBOA TYP. DA COMPANHIA NACIONAL EDITORA 1894 Á MEMORIA DO MEU QUERIDO MESTRE E SAUDOSISSIMO AMIGO BENOIT MALON _Lisboa, 2 de dezembro de 1893._ _Magalhăes Lima._ _SOLEMNIA VERBA..._ Recordo-me perfeitamente. Era uma manhă de agosto. Na vespera, Cipriani havia me dito: «amanhă, ás 11 horas, na _gare de S. Lazare_!» Fomos ambos pontuaes. Tomámos os nossos bilhetes, e seguimos no trem de Asničres. Era ali, na rua de Colombes, que vivia, ou que agonisava, para melhor dizer, Benoit Malon. Subimos a longa escadaria que conduzia a um terceiro andar. O mestre dormia tranquillamente. Mas, presentindo-nos, afastou docemente o lenço branco que lhe encobria o rosto, e estendeu-nos a măo com carinho e alvoroço, abraçando-nos e beijando-nos, ao mesmo tempo. A sua physionomia, abatida e amarellecida pelo uso da morphina, tinha o aspecto doentio, morbido, de quem, havia muito, năo dormira ou se achara dominado por terriveis convulsőes. O quarto era pequeno, illuminado por uma janella que deitava para a rua. Sobre o leito em desalinho, alguns jornaes, dobrados uns, abertos outros--_Le Rappel_, _La Petite Republique Française_, _La Justice_... A atmosphera estava impregnada d'aquelle cheiro caracteristico das longas enfermidades dolorosas. A um lado do leito uma mesa, completamente coalhada de garrafas e frascos, uma pequena pharmacia, para assim o dizer; e a outro lado a figura luminosa, transparente e doce de Mademoiselle Estelle Husson, a enfermeira querida e dedicada, que teve a rara coragem e a excepcional perseverança de atravessar os seis longos mezes da doença, passando as noites em vigilia, ao lado do enfermo, sem se deitar... --É uma heroina!--disse-me Amilcare Cipriani. E era-o, com effeito. Conservo ainda hoje a sua imagem, intensamente gravada no meu espirito saudosissimo. Uma bata branca envolvia o seu corpo flexivel e franzino, e uma pallidez marmorea se desenhava na sua figura delicada de _madona_, de olhos azues e de longas tranças louras. Dir-se-hia uma irmă do doente, pelo soffrimento e pela dôr que a caracterisavam. Benoit Malon năo podia fallar. Escrevia n'uma lousa que tinha sempre ao seu lado, e que elle mesmo limpava, de quando em quando, com uma pequena esponja. Fez-me muitas perguntas. Felicitou-me pela publicaçăo do meu livro--_La Fédération Ibérique_, que havia dado a Geisler, para que a elle se referisse na _Revue Socialiste_.--Porque năo publica V., em volume, as suas impressőes, sobre o congresso operario de Zurich?--disse-me por fim. Prometti-lhe solemnemente que o faria. Venho hoje cumprir a minha promessa; e, á tua memoria sacratissima, consagro o fructo do meu labor, ó morto querido! O PRIMEIRO DE MAIO O congresso confirma a resoluçăo do congresso de Bruxellas, assim concebida: O congresso, afim de conservar ao 1.ş de Maio o seu verdadeiro caracter de reivindicaçăo do dia normal de 8 horas de trabalho e de affirmaçăo de lucta de classes, resolve: Que deve fazer-se uma manifestaçăo unica em que tomem parte os trabalhadores de todos os paizes; Que esta manifestaçăo se realise no dia 1.ş de maio, e se suspenda o trabalho, n'esse dia, em toda a parte onde seja possivel fazel-o. Adopta tambem a emenda seguinte: A democracia socialista de cada paiz tem o dever de empregar todos os seus esforços para conseguir a suspensăo do trabalho no dia 1 de maio, encorajando todas as tentativas feitas, n'este sentido, pelas differentes organisaçőes locaes. O congresso resolve mais: A manifestaçăo do 1.ş de maio, pelo dia normal de 8 horas de trabalho, deve, ao mesmo tempo, ser, nos diversos povos, a affirmaçăo da energica vontade que anima o proletariado moderno de pôr um termo, por meio da revoluçăo social, ás desegualdades de classes, devendo tambem manifestar o pensamento commum ao proletariado de alcançar, pelas reformas sociaes, a paz universal, como uma consequencia da paz obtida dentro de cada naçăo. (_Congresso de Zurich._--Resoluçăo tomada na sessăo de 11 de agosto de 1893). A celebraçăo do primeiro de maio, significa e representa, ao mesmo tempo, uma affirmaçăo e um protesto: affirmaçăo de direito e de justiça contra os privilegios e os preconceitos do mundo, e protesto da humanidade trabalhadora contra o despotismo e a servidăo social. Affirmar esse direito e relembrar essa justiça é o dever dos que trabalham; protestar contra a iniquidade de que săo victimas, é a obrigaçăo dos que soffrem. Encontramos-nos em face de um velho mundo que desaba. Os reis e os dictadores esgotam os thesouros dos seus respectivos paizes em muniçőes e armamentos, e preparam-se para o supremo combate. Por toda a parte a duvida e a incerteza. Alguma cousa de sombrio e de lugubre caracterisa este terrivel periodo, chamado de transiçăo. De duas uma: ou a guerra irrompe, n'uma época mais ou menos proxima; ou a revoluçăo rebentará, como a consequencia logica, inevitavel, da crise economica a que esta nova barbarie, denominada pomposamente exercito permanente, arrastou as sociedades modernas. O capitalismo explora, e a guerra mata e aniquila. O operario encontra-se em frente d'estes dois inimigos; e elle, que representa o trabalho e a producçăo, combate os exploradores; e elle, que significa paz, amor e concordia, detesta e odeia a guerra. Reivindicar para a collectividade os beneficios do trabalho e da paz--eis a aspiraçăo do proletariado moderno. A essas aspiraçőes, chamamos nós socialismo; e, por seu turno, a gloriosa commemoraçăo do primeiro de maio, năo é outra cousa senăo a affirmaçăo solemne e collectiva das reivindicaçőes operarias. I O DESENVOLVIMENTO DAS IDEIAS SOCIALISTAS BENOIT MALON, LUIZ RUCHONNET, RAMÓN CHÍES, VICTOR SCHOELCHER E VICTOR CONSIDÉRANT.--THEODORO HERTZKA E O SEU FREILAND.--NO CONGRESSO DE ZURICH:--A ALLEMANHA, A BELGICA, A FRANÇA E A INGLATERRA.--A ITALTA, A SUISSA, A HESPANHA E PORTUGAL.--NOTAS E COMMENTARIOS. No proximo anno preterito que acaba de desapparecer, arrastando na sua cauda varredora todo um mundo de lagrimas e de ficçőes, a humanidade perdeu cinco dos seus melhores amigos e a revoluçăo cinco dos seus apostolos mais queridos e predilectos. O _primeiro de maio_, que, antes de tudo, significa paz e solidariedade, presta homenagem aos mortos illustres. Façamos reviver os Mestres. O seu exemplo é o nosso ensinamento, e a sua memoria luminosa é a origem dos nossos esforços e dos nossos sacrificios. Por elles vivemos, e pela sua liçăo sacratissima nos abalançamos aos supremos heroismos e aos supremos martyrios. Bem hajam elles, os bons, os santos, os immortaes, os calumniados de todos os tempos e de todos os paizes; bem hajam os simples, os eternamente ingenuos: foram elles que nos ensinaram; săo elles ainda os que, atravez dos escolhos que as paixőes semeiam na sociedade, nos guiam e conduzem ao ideal abençoado, á terra promettida da liberdade e da fraternidade humana! * * * * * BENOIT MALON O odio destróe e espalha a guerra. Só o amor póde construir e trazer a paz. Benoit Malon era a personificaçăo do altruismo e da bondade humana. Era um santo e um virtuoso. Ninguem o excedeu em virtude. Ninguem o egualou em abnegaçăo e desinteresse. Por isso a sua morte pôz o lucto nos coraçőes e encheu de affliçăo todas as boas almas, candidas e generosas. Elle năo foi só o mestre do socialismo: foi o exemplo vivo de quanto póde a vontade, quando levada e dirigida pelo amor e pela curiosidade do saber. Elle foi a encarnaçăo da alma moderna, em lucta com o presente e crente no futuro, pondo o ideal acima dos mesquinhos interesses do mundo e as ideias e os principios acima da ganancia sórdida dos homens e das sociedades. [Gravura: Benoit Malon] Ah! sim!--dizia-me, pouco tempo depois da sua morte, Aurelien Scholl, o scintillante chronista parisiense--elle foi um dos raros e um dos privilegiados d'este fim de seculo! O meu pobre amigo vinha almoçar commigo de quando em quando. Um dia a minha creada perguntou-me, se poderia aproveitar a hora do almoço, para coser o sobretudo do sr. Malon, e se elle repararia... Respondi-lhe que cosesse o sobretudo, porque o sr. Malon nem sequer daria por tal... É que elle era tăo bom, tăo bom--rematou Scholl--que até as creadas de servir o amavam! Eis aqui uma narrativa que vale bem por uma biographia! E tudo quanto podessemos accrescentar a estas palavras, ao mesmo tempo tăo simples e tăo pittorescas, seria superfluo e inutil. Nem mais ambicionaria, por certo, o chorado e saudosissimo author do _Socialismo integral_! * * * * * LUIZ RUCHONNET Luiz Ruchonnet foi, por duas vezes, presidente do conselho federal da florescente e grandiosa republica suissa. Era um sincero amigo da paz, e, como todos esses _visionarios_ e _sonhadores_, que em Inglaterra se chamam Cobden, Hodgson Pratt, Henry Richard, Cremer, Darby, em França, Charles Lemmonier, Frederico Passy, Emile Arnaud, René Goblet, Edmond Thiaudičre, A. Millerand, Camillo Pelletan, Augusto Vacquerie; na Italia, Bonghi, Siccardi, Mazzoleni, Theodoro Moneta; na Dinamarca, Frederico Bajer; na Belgica, Laveleye, Janson, Cesar de Paepe, La Fontaine; na Allemanha, Franz Wirth, Baumbach, Adolfo e Eugenio Richter; na Austria, a baroneza de Suttner e o dr. Adler; na Suissa, Angelo Umiltá, Carlos Menn, M.me Goegg; na America, Alfredo Love, dr. Trueblood, M.me Belva Lockwood--elle pertenceu a essa gloriosa raça de philantropos e humanitarios, que atravessam o mundo, deixando atraz de si um rasto de luz, e cujos nomes se perpetuam, atravez os tempos e as geraçőes, consagrados pela historia, pela sciencia e pelo trabalho. * * * * * RAMÓN CHÍES Na historia do livre pensamento, Ramón Chíes occupava um dos primeiros logares e era uma das personalidades mais em vista. Era um revolucionario por temperamento e por convicçăo. Năo queria a republica simplesmente pela republica. Queria a republica sim! para elevar e engrandecer a sua patria aos olhos de nacionaes e estrangeiros. Para elle a republica era uma phase transitoria; a phase organica e positiva estava no socialismo. Por isso foi, ao mesmo tempo, um socialista e um federalista. Tribuno, ninguem o excedeu em eloquencia, na defeza do luminoso principio da fraternidade e da solidariedade humana; publicista e jornalista de pulso, foi um apostolo constante, ardente, impetuoso e dedicado da federaçăo iberica. [Gravura: Ramón Chies] * * * * * VICTOR SCHOELCHER Victor Schoelcher pertenceu a essa mocidade alegre e enthusiasta que forneceu ao author dos _Miseraveis_ o seu typo d'Enjolras, o estudante de todas as sociedades secretas e de todas as conspiraçőes. Franco-maçăo e conspirador, filiou-se na loja franceza dos _Amis de la verité_ e na _Sociedade Aide-toi, le ciel t'aidera_. Estas eram, com algumas outras, as associaçőes dos _malfeitores_ d'aquelles tempos, no dizer picante e ironico de um distincto jornalista parisiense. [Gravura: Victor Schoelcher] A grande e gloriosa figura de Schoelcher destaca-se na sua brilhantissima campanha contra a escravidăo. Quiz vęr de perto e observar pelos seus proprios olhos a triste situaçăo dos negros. E, para poder denunciar ao mundo a ignominia e a barbarie dos homens, partiu para a America, d'onde regressou, com o coraçăo angustiado pela dôr e o espirito horrorisado por tudo o que havia presenceado e visto. Sendo sub-secretario d'Estado, no ministerio da marinha, por occasiăo da revoluçăo de 1848, o seu primeiro cuidado foi apresentar um decreto para a libertaçăo immediata dos negros. Schoelcher encontrava-se ao lado de Baudin, na celebre e já hoje historica barricada da Bastilha. A tropa marchava sobre a barricada, sem dar um tiro. «--Amigos! gritou Schoelcher, voltando-se para o povo, nem um tiro até que a tropa abra o fogo. Avancemos; se ella atirar, a primeira descarga será nossa; se nos matar, vós nos vingareis.» E dirigindo-se depois aos soldados: «--Nós somos os representantes do povo, exclamou. Em nome da constituiçăo, reclamamos o vosso concurso, para fazer respeitar as leis do paiz. Vinde a nós; será vossa a gloria.» E avançou para os soldados, commandados por um official. Seis dos seus collegas seguiram-n'o. A tropa parou indecisa. --Cumpro as ordens, respondeu o official. Retire-se, se năo quer que dę a voz de fogo. --Mate-nos, se quizer, replicou Schoelcher. E, dando o exemplo que foi seguido pelos companheiros, gritou: «Viva a Republica!» O official mandou carregar.--«Avançar!»--ordenou. Ouviu-se o ruido sęcco das baterias. Alguns representantes descobriram-se e quedaram-se com o chapéu na măo, esperando serenamente a morte. N'esse instante, um soldado atacou Schoelcher á baioneta. Os defensores da barricada, suppondo que se attentava contra a sua vida, desfecharam e mataram o soldado. A tropa respondeu por uma descarga geral. Foi entăo que Baudin subiu á barricada para exhortar os soldados. Uma bala feriu-o na fronte, cahindo logo fulminado. Schoelcher, n'esse dia memoravel da sua vida, esteve á altura dos grandes heroes; e, á semelhança dos antigos paladinos, só abandonou o campo, quando nada mais restava a fazer. A barricada da Bastilha fôra improvisada de um momento para o outro; construida no ar, para assim o dizer, sem elementos de resistencia, desfez-se e cahiu como um castello de cartas. Mas o patriotismo opera milagres. E só patriotas sinceros e devotados seriam capazes de semelhante audacia e de semelhante arrojo! Chamaram-lhe idealista--um puro e nobre idealista!--a elle, que todos os seis mezes, na camara franceza, apresentava um projecto de lei para a aboliçăo da pena de morte. Para o mundo, egoista e utilitario, săo idealistas e săo sentimentalistas, todos os que lhe năo acceitam as falsas convençőes e o tôrpe e vilissimo mercantilismo. E é precisamente de idealistas e de sentimentalistas que carecem e precisam as sociedades modernas! As grandes commoçőes da historia foram um producto do ideal e do sentimento humano. Assim como é preciso pensar para obrar, na phrase de Augusto Comte, é tambem preciso sentir para querer. Nem d'outro modo se comprehende o patriotismo, nem d'outro modo se poderiam comprehender as revoluçőes e os grandes dramas sociaes. Perdida a causa em que pozéra todo o seu heroismo e todos os seus esforços, Schoelcher emigrou para Inglaterra, onde permaneceu durante o imperio, regressando a Paris em 1870. Estava no Hotel-de-Ville, a 4 de setembro, e tomou parte na defeza de Paris, na sua qualidade de chefe d'Estado-maior da guarda nacional. * * * * * VICTOR CONSIDÉRANT Um dia Victor Consideram dirigia-se á Escola Polytechnica, e atravessava os caes de Paris, _bouquinant_, como dizem os francezes, isto é, entretendo-se a vęr as curiosas livrarias, de livros raros e antigos, que guarnecem as varandas dos caes, na margem esquerda do Sena, e que constituem uma das primeiras curiosidades da grande capital da França, quando, subito, se lhe deparou uma obra que lhe despertou a attençăo e a curiosidade. Era o _Nouveau monde commercial_ de Fourier. Abriu-o, leu-o e estudou o minuciosamente. [Gravura: Victor Considerant] No fim do livro, Fourier dizia, pouco mais ou menos, o seguinte: «Precisa-se um capitalista, para realisar um novo mundo. Carta para minha casa.» E designava a sua morada. Considérant apresentou-se em sua casa.--«Năo sou o seu homem, disse. Năo tenho dinheiro, mas comprehendi-o». Fourier havia encontrado o seu primeiro discipulo, que lhe levava a mais que os capitaes pedidos--o genio para vulgarisar as suas theorias. Fourier nutrira, desde creança, um horror invencivel pelo commercio. Filho de commerciante, e tendo apenas sete annos de edade, ouviu um dia o pae gabar-se á măe de haver enganado um cliente. Vexado por este proceder que qualificou de villăo, procurou o freguez, afim de participar-lhe o occorrido. Valeu-lhe a indiscriçăo um bom par de bofetadas; mas, desde esse momento, votou ao commercio esse odio que transparece nos seus primeiros livros. «Possuo o segredo da felicidade, para todos os homens--dizia».--Intimaram-n'o a provar praticamente a sua asserçăo.--«Escrevel-o-hei--respondeu». «O genero sahe das măos do productor, custando 3, por exemplo, e chega ás măos do consumidor valendo 9. O intermediario, isto é o commerciante, ganhou, portanto, 6, na sua commissăo, o que năo succederia evidentemente, supprimindo-se o intermediario, e estabelecendo-se, pura e simplesmente, a troca entre productores e consumidores. O seu systema baseava-se sobre o principio da felicidade humana, e o ideal do mosteiro de Théléme năo foi estranho ás suas concepçőes. «A felicidade consiste em cada um fazer o que quizer.» Mas, fazendo cada um aquillo que quer, corre tambem o risco de fazer o que os outros năo querem. A esta objecçăo respondia elle que na natureza tudo se equilibra--o mal e o bem. Fourier era um poeta, mas tinha-se por homem pratico. Uma occasiăo, terminando uma conferencia sobre o futuro da humanidade: «E agora, concluiu, preparemos o cosido.» Ninguem contesta o grande alcance philosophico, da theoria phalansteriana; mas a sua parte organica e sociologica, observou muito bem Anthero de Quental, é quasi a negaçăo do verdadeiro socialismo, positivo, liberal e moral. Victor Considérant pretendeu primeiro fundar um phalansterio em Conde-sur-Végre que năo passou de uma tentativa infructuosa. A ideia, poręm, fructificou mais tarde, embora de modo differente, por occasiăo da fundaçăo de uma colonia de velhos, n'aquelle mesmo paiz, que se denominou--«o phalansterio.» Em Texas estabeleceu Considérant, năo um phalansterio, mas uma colonia agricola. Uma sediçăo, organisada por Cantagrel, desapossou-o do territorio e obrigou-o a retirar-se com sua esposa. A colonia prosperou a principio; depois desaggregou-se. Era mal vista pelos naturaes por causa da sua falta de religiăo--diziam. Um pintor de Paris, Capy, ensinava a musica. «Todos os domingos, respondia elle a um inspector americano, fazemos musica.» Ah! n'esse caso, é differente, exclamaram os bons Yankees, sempre ali ha um pouco de religiăo, uma vez que se canta.» E a verdade é que as censuras cessaram. Os membros da colonia, tambem, por seu turno, deixaram de ser phalansterianos. É mister ir a Iowa, para encontrar uma colonia communista--a Icaria. Tudo ali é commum, sem mesmo exceptuar as mulheres. Podem-se estabelecer uniőes temporarias, mas de curta duraçăo; se as uniőes se prolongam, a authoridade intervęm, porque, nesse caso, affirmam os estatutos, a cousa torna-se immoral. Vejamos, poręm, como Victor Considérant considerava a _organisaçăo da nova ordem social_. O primeiro feudalismo que sahiu da conquista militar, havia feito concessăo do sólo aos chefes militares e aos nobres, subordinando as populaçőes conquistadas á _pessoa_ dos conquistadores pela servidăo da gleba. A guerra industrial e commercial, succedendo é guerra militar, sob a fórma de concorrencia, em que o capital e a especulaçăo ficam forçosamente senhores do trabalho pobre, tende a constituir, pelas suas conquistas, uma nova servidăo--năo a _servidăo pessoal e directa_, mas a _servidăo indirecta e collectiva_, o dominio, em massa, da classe dos possuidores de capitaes, das machinas e dos instrumentos de trabalho, sobre a classe dos desherdados. E, com effeito, os proletarios das cidades e dos campos, considerados _collectivamente_, estăo sob a dependencia absoluta d'aquelles que monopolisam os instrumentos de trabalho. Este grande facto economico e politico póde traduzir-se, pela seguinte formula, na vida pratica: «_Para ter que comer todo o proletario é obrigado a subjeitar-se a um patrăo._» A revoluçăo năo se completou, pela simples emancipaçăo politica, isto é pelo dogma metaphysico da egualdade perante a lei, ou da liberdade pura e simples. A antiga sociedade havia sido organisada, _pela guerra e para a guerra_. A nova sociedade terá de ser organisada pelo trabalho e pela paz e para o trabalho e para a paz. O problema dos nossos dias năo póde pois, visar senăo á libertaçăo dos servos da industria, dando a todo o homem que queira trabalhar o direito aos instrumentos do trabalho, tornando-o assim proprietario dos fructos do seu labor, e creando a ordem, a cooperaçăo e a convergencia no campo industrial. A soluçăo d'este problema, que năo é outra cousa senăo a transformaçăo do _salariado_, a moderna fórma de escravidăo, constitue o complemento da revoluçăo, e póde e deve intitular-se o _problema social_. Tal era, em rapidos traços, a doutrina d'essa altissima personalidade e d'esse bello caracter que se chamou Victor Considérant, e que tantas vezes vimos atravessar o boulevard S.t Michel, no bairro latino, consagrado pela mocidade das escolas e venerado por todos os que, acima dos materialismos do mundo, pőem o supremo ideal da bondade e da felicidade humana. * * * * * THEODORO HERTZKA E O SEU FREILAND _Freiland!_ (terra livre, paiz livre)--tal é o titulo do livro de Theodoro Hertzka, um austriaco e um sociologo eminente. [Gravura: Theodoro Hertzka] Pelos meados de julho de 18...--assim principia a narrativa de Hertzka--lia-se o seguinte nos principaes jornaes da Europa e da America: «_Sociedade livre internacional_ «Acaba de constituir-se um grupo de individuos de todas as partes do mundo civilisado, com o fim de emprehender e tentar a resoluçăo do problema social. «Ao cabo de muitas e pacientes investigaçőes, opinou-se pela creaçăo de uma communidade, estabelecida sobre as bases, ao mesmo tempo, da liberdade mais ampla e da justiça economica, a qual, mantendo de uma maneira absoluta a independencia pessoal de cada trabalhador, lhe assegure o gôso completo e integral do producto do seu trabalho. Para fundar a mencionada communidade, occupar-se-ha uma vasta regiăo, n'um local que năo tenha possuidor, mas que seja fertil e proprio para a colonisaçăo. «N'esta regiăo, a sociedade livre năo reconhecerá nenhum direito de propriedade sobre o sólo, quer a favor de um individuo quer a favor da communidade. «Para cultivar o sólo, como, de resto, para realisar toda a especie de producçăo, constituir-se-hăo associaçőes, sendo cada uma administrada como melhor o entender, e distribuindo, entre os seus membros, o resultado da producçăo, consoante o trabalho de cada um. É facultativo a cada membro o filiar-se na associaçăo que escolher e de a abandonar tambem a seu bel-prazer. A communidade encarrega-se de fornecer gratuitamente os capitaes aos productores, com a condiçăo d'estes os restituirem. Os individuos incapazes de trabalhar, assim como as mulheres, teem direito aos meios de subsistencia, á custa da sociedade. A receita indispensavel para a acquisiçăo dos objectos, acima mencionados, assim como para as despezas de interesse geral, será assegurada por uma quota tirada do rendimento bruto de cada producçăo. A sociedade livre internacional possue já o numero de membros e de capitaes sufficientes para a realisaçăo do seu plano. Sendo, porém, de opiniăo, por um lado, que o resultado d'esta tentativa ha de ser tanto mais seguro e efficaz, quanto maiores e mais importantes forem os meios de que disposer, e desejando, por outro lado, offerecer a todos o ensejo de poderem participar da empreza, a sociedade, pelo presente aviso, faz saber ao publico que os pedidos e offertas de qualquer natureza que sejam, devem ser dirigidos para Haya, Bochstraat, 57. «A sociedade livre internacional celebrará em Haya, no dia 20 do proximo mez de outubro, uma assembléa politica em que serăo apreciadas as ultimas resoluçőes, afim de realisar praticamente a sua obra. Haya,... de julho, 18.. _Pelo comité da sociedade livre internacional._ _Karl Strahl_ Este annuncio produziu uma profunda emoçăo na imprensa e no publico. O nome do signatario, que era conhecido năo só pela sua posiçăo social, senăo ainda por ser um dos primeiros escriptores da Allemanha em sciencia economica, afastava todo e qualquer pensamento de mystificaçăo ou de equivoco. Realisou-se um congresso que foi aberto pelo seguinte discurso de Strahl: «A convicçăo de que a communidade, á fundaçăo da qual vamos proceder, é destinada a extinguir a pobreza e a miseria pela base e a destruir com ella todos os desgostos e todos os crimes que devem ser considerados como uma consequencia forçada da miseria e da pobreza, essa convicçăo, apercebe-se năo só nas palavras, senăo tambem na maneira de obrar da maioria dos nossos consocios e no profundo e desinteressado enthusiasmo, segundo o qual cada um--na medida das suas forças--se tem applicado ao fim commum. Quando publicámos o nosso appęlo, eramos apenas 84; os recursos de que podiamos dispôr orçavam por 11.400 libras sterlinas; presentemente a sociedade compőe-se de 5.650 membros e o seu fundo monta a 205.620 libras sterlinas. Convęm notar que esta somma, năo nos foi fornecida simplesmente pelas classes pobres que habitualmente se consideram como as unicas interessadas no problema social. E isto torna-se ainda mais evidente percorrendo a lista dos socios. Irresistivelmente, chega-se á conclusăo de que a aversăo e o horror, inspirados pelas actuaes condiçőes sociaes, attingiram tambem as classes que, á primeira vista, parecem aproveitar com as privaçőes dos desherdados da fortuna. A resoluçăo do problema social impőe-se hoje, por tal fórma, que até os ricos e os favorecidos da sorte năo duvidam concorrer com alguns milhőes de libras, para a fundaçăo da nova communidade, auxiliando-nos e participando da nossa empreza. N'este facto, mais do que em qualquer outro, repousa a convicçăo de que a nossa obra năo poderá deixar de fructificar. «Trata-se de escolher a regiăo onde poderemos realisar o nosso projecto. Toda e qualquer localidade europeia está naturalmente posta de parte, por rasőes faceis de comprehender; a Asia, egualmente; e, em particular, devemos assignalar os pontos onde sóem acclimatar-se os emigrantes de raça caucasica, sendo facil que se estabelecessem conflictos com as organisaçőes juridicas e sociaes de outros tempos. Na America e na Australia, os governos conceder-nos-hiam, com prazer, um territorio espaçoso, bem como a liberdade dos nossos movimentos; mas ainda ahi difficilmente poderia a nossa communidade encontrar garantia contra os ataques hostis e assegurar o repouso e a segurança, indispensaveis a um successo rapido e certo. Resta-nos a Africa, o continente mais antigo, e, sem embargo, aquelle cuja descoberta foi a mais recente. A parte central interior encontra-se ainda sem possuidor. Podemos encontrar ali, năo só um espaço sem limite e um repouso assegurado, senăo tambem as condiçőes mais favoraveis, quanto ao clima e á fertilidade do sólo, desde que a escolha seja acertada. Ha paizes, a uma grande altitude, reunindo as vantagens dos tropicos e dos Alpes, que aguardam uma immigraçăo. As communicaçőes com esses paizes montanhosos, situados no coraçăo do continente negro, săo certamente muito penosas, mas é precisamente isso de que havemos mister para principiar. Propômos pois, que se procure a nova patria, no interior da Africa equatorial. E pensamos, principalmente, no paiz das altas montanhas do Kenia. Concorda a assembléa com a escolha?» Foi unanime o assentimento. Ouviram-se vozes que exclamavam: «Para deante, e antes hoje do que amanhă!» Era evidente que a maioria estava disposta a pôr-se a caminho sem mais delongas. De novo o presidente toma a palavra para declarar que as cousas nem sempre podem marchar tăo depressa, como muitas vezes se deseja. A nova patria terá primeiro de ser escolhida e conquistada, o que representa uma empresa arriscada e difficil. O caminho tem que fazer-se por entre desertos e florestas inhospitas. Năo poderemos evitar os combates com as tribus selvagens e hostis, e, por isso, só nos poderăo convir homens fortes e validos, e năo mulheres, creanças ou velhos. Alęm d'isso, teremos que apurar os milhares de immigrantes que deverăo acompanhar-nos, atravez d'aquellas regiőes, e de os organisar devidamente; 200 emigrantes, entre os quaes 4 naturalistas, 3 medicos, 8 engenheiros e 4 representantes de outros ramos technicos, ricamente providos de armas, de machinas, de sementes, de mercadorias e de utensilios de viagem, formarăo a vanguarda da expediçăo. A narraçăo d'esta marcha até ao Kenia, constitue uma das partes mais interessantes do livro, devendo accrescentar-se que a descripçăo das grandiosas montanhas africanas năo é obra de pura phantasia, mas é, ao contrario, extrahida das narrativas dos exploradores africanos que visitaram aquellas regiőes. A expediçăo faz a sua primeira paragem em um valle delicioso, situado a 1:700 metros de altitude, ao sopé de um formidavel massiço do Kenia e das suas magnificas geleiras, e que se appellidará, por causa da sua belleza e da sua fertilidade, o valle do Eden. Com as provisőes e os utensilios de que văo providos, podem os valentes porta-bandeiras da gloriosa caravana fazer os preparativos necessarios, para receber o principal grupo dos associados, se bem que só alguns mezes mais tarde, por occasiăo da chegada do comité director á base do Kenia, é que o paiz, onde refulgirá a liberdade, será baptisado com o nome de _Freiland_, pondo-se entăo, em pratica a nova organisaçăo do trabalho, consoante os principios _freilandezes_. Para todos os que se interessam pelo estudo das questőes sociaes, e ainda para todos os que pensam que as modernas sociedades, desorganisadas como estăo e lançadas em bases falsas, devem ser reconstruidas, segundo um principio de justiça e de moralidade, o livro do escriptor allemăo é de um interesse palpitante[1]. Digamos tambem que o author do _Freiland_ teve a rara felicidade de despertar em muitos espiritos, pela sua maravilhosa obra, escripta em fórma de romance, o desejo ardente de fundar uma sociedade em tudo semelhante áquella que tăo brilhantemente concebeu e descreveu. Para vulgarisar e fazer a propaganda da ideia, creou e fundou a sociedade uma revista mensal, orgăo dos associados:--«_Freiland_, organ der Freilandvereine». Temos á vista uma carta de Theodoro Hertzka em que nos communica a partida de Hamburgo da primeira expediçăo, por todo o mez de janeiro do corrente anno, dirigindo-se ao Kenia, que fica a 600 milhas da costa de Este, exactamente sob o Equador. E eis aqui está o motivo por que, depois de ter prestado homenagem á memoria dos mortos queridos, eu entendi que năo devia continuar o meu trabalho, sem d'aqui saudar enthusiasticamente o honrado e illustre apostolo de uma nova organisaçăo social, fazendo votos ardentes pelo completo triumpho dos seus ideaes. * * * * * NO CONGRESSO DE ZURICH AMILCARE CIPRIANI Ao chegarmos a Zurich, na tarde de 6 de agosto de 1893--Amilcare Cipriani e eu--um soberbo e imponentissimo espectaculo se nos offereceu logo á vista, como só a Suissa seria capaz de offerecer e realisar. As sociedades do _Grütli_ desfilavam pelas ruas da cidade, com os seus estandartes e philarmonicas á frente, no meio do enthusiasmo e das acclamaçőes da multidăo. Estas associaçőes constituem uma das grandes e uma das primeiras forças da poderosa republica. A sua origem é lendaria, e deriva do local, onde se reuniram os amigos de Guilherme Tell, quando decidiram conspirar contra Gessler. As sociedades do _Grütli_ constituiram-se e organisaram-se, a principio, com um caracter puramente patriotico; mas teem-se transformado, pouco a pouco, e hoje săo, na sua maioria, socialistas. Nada mais bello e magestoso do que o desfilar d'esses 9:000 trabalhadores, todos pittorescamente vestidos com os trajos das suas profissőes e os distinctivos correlativos, e precedidos por 150 bandeiras, quatro das quaes eram vermelhas. Săo estas as procissőes da republica, e ninguem que as presenceie póde deixar de se descobrir reverente e solemnemente. O homem livre, associado e independente substituia o soldado escravo, tyrannisado e ás ordens de um senhor; ao principio da guerra contrapunha-se o principio da solidariedade humana; ao militarismo, o socialismo; ás armas e aos petrechos de guerra, os instrumentos do trabalho e os symbolos da paz. O cortejo havia sido organisado em honra dos congressistas. Na rua, o povo formava alas á passagem dos seus representantes. Calculava-se em mais de 40:000 o numero dos cidadăos que accorreram ao chamamento dos iniciadores do congresso. Nas janellas os espectadores applaudiam phreneticamente e lançavam flôres á passagem dos manifestantes. A recepçăo era digna e estava em tudo e por tudo á altura das ideias que se glorificavam. Celebrava-se a abertura do congresso operario socialista e năo havia, com effeito, melhor meio para solemnisar a gloriosa data. Fallemos, porém, de Amilcare Cipriani. Tenho deante de mim o seu retrato. Na sua physionomia transparece a bondade do seu coraçăo, e nos seus olhos a candura e a gentileza da sua alma. Guardo d'elle a recordaçăo saudosissima de um homem que pőe a sua dignidade e o seu brio pessoal acima dos seus interesses e das suas conveniencias; do apostolo que colloca as ideias e os principios acima das paixőes humanas; do revolucionario, emfim, que ao amor da humanidade sacrifica a vida, a familia, o bem estar e a tranquillidade. D'elle poderia dizer que é um exemplo a seguir e a imitar, e d'elle afirmarei, sem receio de contestaçăo, que é unico e excepcional, no meio de uma sociedade mercantil, gananciosa e covarde. [Gravura: Amilcare Cipriani] Amilcare Cipriani tem hoje 47 annos de edade, dos quaes 22 foram passados no carcere. Honrado, valente e desinteressado, nunca hesitou, sempre que a causa da liberdade careceu do seu braço para a defender. Bateu-se, como um heróe, no Egypto; bateu-se na Grecia: bateu-se pela Italia, a sua patria querida e bateu-se pela França, a sua patria de adopçăo. Na parte inferior do seu retrato, e escriptas pelo seu proprio punho, lęem-se as seguintes phrases que synthetisam perfeitamente as suas aspiraçőes e o seu credo social: «_Il proletariato, per essere libero ed emancipato, deve assingersi a rovisciare, colla forza, tutto l'ordine sociale existente._ _Contre l'oppressione la ribellione é un diritto._» Está aqui o homem politico. Fallemos agora no homem particular, no amigo e no companheiro queridissimo. Soffreu sempre, com a maior resignaçăo, todas as crueldades e todas as privaçőes da existencia, sem um queixume, sem uma magoa, sem uma palavra de odio ou de rancor. Muitas vezes o seu almoço é um copo de agua e um pequeno păo de 15 centimos. Tendo amigos sinceros e dedicados, nunca pediu, para si, um real a nenhum d'elles. Se tem apenas 20 centimos no bolso, come com esses 20 centimos: se năo tem dinheiro năo come. Estando em Londres exilado, nem sequer tinha um quarto onde dormir. Por noites geladas e frias, com as botas rotas, sem abrigo, sem dinheiro no bolso, era obrigado a andar horas seguidas pelas ruas da enorme cidade, para năo ser preso por vagabundo. Quando falleceu o nosso querido e lealissimo amigo Benoit Malon, foi elle quem se conservou ao lado d'elle, durante quatro dias consecutivos; foi elle quem o vestiu e quem velou o cadaver, sem se deitar, sem sentir a menor fadiga, năo pensando senăo na amisade e no carinho que lhe consagrara durante a vida, e que tăo bem retribuido foi pelo glorioso mestre. Mas no dia do enterro, apossou-se d'elle o desalento, no cemiterio do _Pére Lachaise_. Passavamos ao lado do tumulo do grande cidadăo Anatole de la Forge. --«Eis aqui um que foi candidato á presidencia da republica, que se bateu heroicamente pela sua amada França, e que teve de recorrer ao suicidio para năo morrer de fome!--disse.--Eis a sorte que naturalmente me está tambem reservada--continuou.--Mas eu, se um dia me suicidar, hei de escolher o muro dos federaes para o fazer, e, quando, junto d'elle, encontrarem o meu cadaver--que o transportem para onde muito bem quizerem, sem pompas nem discursos... Detesto as comedias e as representaçőes theatraes deante de um cadaver.» Ah! bom e querido amigo! n'essa hora angustiosa, tu pensaste na ingratidăo dos homens, e, em frente do camarada morto, avaliaste a torpeza do mundo e a inanidade das suas palavras hypocritas e fementidas! Os longos soffrimentos produzem, ás vezes, estes desanimos crueis. Săo momentaneos, é certo, mas săo dolorosos. Sahimos do cemiterio e fomos almoçar juntos. Duas horas depois, Amilcare Cipriani havia recobrado animo, e fallava-me em ir bater-se na Sicilia, ao lado dos seus compatriotas, victimas da miseria e do despotismo. Que honradissimo caracter! e que gloriosa e brilhante personalidade! * * * * * O CONGRESSO As sessőes do congresso realisaram-se n'um vasto salăo de concertos, um dos mais espaçosos da cidade, o _Tonhalle_, rodeado por uma enorme galeria, onde podiam accommodar-se muitas centenas de pessoas. Ao fundo, n'uma especie de palco, coberto de verdura e ornado com os estandartes das associaçőes, destacava-se um magnifico retrato em busto de Karl Marx. Em redor e collada á galeria, a inscripçăo do chefe, impressa em grandes caracteres, e traduzida em vinte e duas linguas: «_Proletarios de todo o mundo, uni-vos!_» Grandes mesas, collocadas parallelamente umas ás outras, enchiam o vastissimo salăo, sendo cada uma d'ellas occupada pelos representantes de uma dada nacionalidade. A representaçăo da Allemanha năo augmentara. Era quasi a mesma do congresso de Bruxellas. Á frente d'ella encontravam-se Liebknecht, Bebel e Singer. A novidade foi a representaçăo dos novos, hostis ao velho grupo; e d'entre esses, chamados os independentes, devemos destacar Werner e Körner. Da Belgica, estavam Hector Denis, Jean Volders e Emile de Vanderwelde; da Hollanda, Domela Nieuwenhuis; da Hespanha, Pablo Iglesias; da Roumania, Mille; da Inglaterra, Max Avelling: da França, Allemane, Argyriadés, Jaclard, Veber, Degay, Borlioz; da Austria, Adler, Fankel. Augmentára consideravelmente a representaçăo da Italia. Além de Madame Anna Koulischoff e Turati, um sociologo eminente e director da _Critica social_, de Milăo, assistiam ao congresso Antonio Labriola, lente cathedratico da Universidade de Roma; Prampolini, deputado, etc. Entre as senhoras que tomaram assento na assembléa, notavam-se, como acima deixamos dito, Anna Koulischoff, russa, antiga nihilista, que fez o seu curso na Universidade de Milăo, onde hoje exerce a clinica; Madame Mendelssohn, da Varsovia, casada com Mendelssohn, que fôra expulso de Paris, por nihilista; Madame Vera Sassulich, a notavel heroina que, em 1878, desfechou o seu rewolver sobre o general Trepoff, o miseravel chefe de policia de S. Petersburgo, inimigo dos nihilistas e que tantas victimas arremessou para a Siberia. Trepoff morreu e Vera Sassulich, a grande libertadora, emigrou, sob um nome supposto, escapando ao furor das auctoridades russas, e vivendo ora na Italia, ora na Suissa. É uma mulher de armas, no bom sentido da palavra, honesta, intransigente e sincera e devotada amiga da liberdade e da humanidade. [Gravura: Frederico Engels] O congresso foi encerrado com a grata e inesperada appariçăo do velho companheiro e continuador de Marx--Frederico Engels. Quando o presidente annunciou que se achava na sala um dos illustres precursores do socialismo, todos se pozeram de pé, e no palco surgiu, entăo, a figura gloriosa de Engels. O enthusiasmo foi indescriptivel. Uma estrondosa salva de palmas coroou esta agradavel surpresa. _Viva a Communa!_--gritou a delegaçăo francesa. _Viva Engels!_--exclamaram todos numa voz unisona, formidavel e estridente. * * * * * A ALLEMANHA, A BELGICA E A INGLATERRA Os paizes onde o socialismo está hoje, incontestavelmente, mais bem organisado e desenvolvido, săo a Allemanha e a Belgica. Na França dividem-se e subdividem-se os grupos, chocam-se as personalidades, e os odios e as desintelligencias evidenceiam-se a cado passo. Na Inglaterra, apesar dos progressos realisados, n'estes ultimos tempos, principalmente pela adhesăo das _Trades--Unions_, ainda o socialismo năo representa o que póde chamar-se um partido politico. Na Allemanha, os mesmos pruridos militaristas que se observam nas altas regiőes, reflectem-se, com maior ou menor intensidade, no partido socialista. Nota-se, principalmente, este facto nos congressos, onde, a um simples aceno do deputado Singer, todos os delegados approvam ou reprovam, consoante as instrucçőes de ante-măo estabelecidas. A mesma disciplina do exercito estende-se aos partidos e aos agrupamentos politicos. E ai! d'aquelle que se desviar destas normas: corre o risco de ser expulso, sem mais appęlo nem aggravo. O partido socialista está pois, organisado, na Allemanha, como um verdadeiro partido politico, um partido de governo, poderiamos, talvez, dizer, com uma caixa de resistencia, os seus jornaes, as suas associaçőes e os seus milhares de filiados, em todas as cidades, em todas as villas e em todas as aldeias do vasto imperio. Todos, sem excepçăo, săo obrigados a concorrer para as despesas do partido, e, n'este facto, reside a base do direito de cada um, como partidario ou membro da associaçăo. Năo se concebe um partido, sem os recursos indispensaveis, para fazer face ás eventualidades de momento e para combater o adversario, com vantagem. Os allemăes sabem isto, e eis ahi está o motivo porque o numero dos partidarios do socialismo sobe de dia para dia na Allemanha, e por que os socialistas contam, presentemente, com quarenta e sete deputados no _Reichstag_, tendo augmentado, a representaçăo partidaria, nas ultimas eleiçőes. [Gravura: Liebknecht] Liebknecht, um dos chefes consagrados pela opiniăo, e o director do _Vorwöerths_, o orgăo do partido na imprensa, tem ácerca da politica a mesma opiniăo que poderia ter, em campanha, um general ácerca da guerra. Deante do inimigo, o dever é unir fileiras; e, todo aquelle que abandonar ou se arredar do seu posto, tem de ser considerado como desertor. E aqui está o motivo porque, no partido operario socialista allemăo, nem se admittem os dissidentes nem os independentes. Todos por um e um por todos!--eis a maxima dos chefes. E n'este simples facto, muito digno aliás de ser imitado, por todos os partidos avançados, está a origem da força, do desenvolvimento e dos progressos do socialismo na Allemanha. Na Belgica acabam os socialistas de alcançar um enorme triumpho, pela conquista do suffragio universal que até aqui năo possuiam. O belga é homem essencialmente pratico. O partido socialista, tendo reconhecido a necessidade de organisar as suas forças, estabeleceu as grandes cooperativas de consumo, principalmente de păo e de carvăo, e logrou attrahir a si o elemento trabalhador, disciplinando-o, pelo interesse, e pela conveniencia, que da associaçăo economica poderia advir á sua futura existencia. E as cooperativas belgas tornaram-se assim, năo só valiosos elementos de cooperaçăo, senăo poderosas e temiveis armas de combate, pois que, dos lucros a destribuir, ficam sempre em caixa uns tantos por cento, para as despesas da propaganda. Năo raro tem succedido fazerem as cooperativas face a uma _gréve_, distribuindo, diariamente, aos grevistas, alguns milhares de păes. Năo póde contestar-se o enorme progresso, feito pelo socialismo em França que acaba de eleger quarenta e nove deputados, tendo, principalmente, alcançado, em Paris, um assignalado triumpho. Mas é para lastimar que năo seja completa a uniăo entre os differentes grupos que representam as ideias socialistas. A franca adhesăo de René Goblet, A. Millerand, J. Jaurés, Camille Pelletan e outros notaveis politicos e publicistas, deu ao partido um grande e decisivo impulso, e creou-lhe, na camara, uma situaçăo politica innegavel. A _Petite Republique Française_ é hoje, na imprensa, o orgăo do novo grupo. O seu redactor principal--A. Millerand--é um escriptor de raça e um dos mais brilhantes e eloquentes oradores da camara franceza. O programma por elle exposto na sessăo de 16 de fevereiro de 1893, foi adoptado por quasi todos os candidatos socialistas, nas ultimas eleiçőes: «Revisăo democratica da Constituiçăo de 1875; modificaçăo radical e profunda, no interesse dos trabalhadores dos campos e das cidades, da nossa legislaçăo economica e do nosso systema de imposto; acquisiçăo para o Estado do Banco de França, das minas e dos caminhos de ferro, arrancando-os das măos da alta finança.» O primeiro acto politico de Millerand, foi a defesa dos mineiros de Monceau les Mines, em 1882. Desde entăo, nunca mais houve gréve em França, em que elle năo tenha posto o seu talento e as suas grandes faculdades de orador ao serviço das victimas dos patrőes gananciosos e usurarios. E assim o vęmos na brecha, defendendo successivamente os mineiros de Decazeville, os grevistas de Vierzon, e os mineiros de Carmaux que o haviam escolhido como arbitro. Foi elle o defensor de Duc-Quercy e Roche, em Villefranche, de Lafargue e Culine, perseguido por causa dos fusilamentos de Fourmies, de Baudin, em Bourges, e de muitos outros. [Gravura: Millerand] Adversario implacavel da alta finança, Millerand pronunciou, contra a renovaçăo do privilegio do Banco de França, um dos seus mais bellos discursos, «atacando essa realeza do ouro que trata de egual para egual com a Republica, e que, mercę da fraqueza e da cumplicidade dos regimens anteriores, chegou á situaçăo em que actualmente se encontra.» E, melhor que todas as periphrases, uma citaçăo poderá dar-nos uma ideia da sua eloquencia. A peroraçăo do seu discurso, relativo ao privilegio do Banco de França, em que convida a burguezia a unir-se ao movimento de transformaçăo universal que se opera no mundo economico, é notabilissima: «A massa dos trabalhadores, libertada por tres revoluçőes, poz-se a caminho; quer que o suffragio universal tenha por complemento necessario o bem estar universal. Pensa que ha contradicçăo em que um povo seja, ao mesmo tempo, miseravel e soberano. «A naçăo quer entrar na posse e no gozo de instituiçőes, que até hoje teem sido exploradas, apenas em proveito de um pequeno numero de favorecidos. Vós năo retardareis, nem a sua marcha, nem as suas conquistas. É mister saber fazer a tempo os sacrificios necessarios. «Responder-me-hăo, talvez, os defensores do privilegio, que o sacrificio, que lhes pedimos poderá sahir caro ao paiz. Assim o pensam, estou convencido. Năo ponho em duvida nem a sua sinceridade nem a sua boa fé. A illusăo năo é nova. É velha como a humanidade... «Assim como outr'ora succedeu com a nobreza, a burguezia invoca os serviços já prestados, e os que, por ventura, ainda poderá prestar. Năo nego os seus serviços. É, sem duvida, bella e grande a parte que, ha cem annos, tem tomado no desenvolvimento do commercio e da industria e no aperfeiçoamento das sciencias. Se pretende invocar os seus serviços, como outros tantos titulos ao reconhecimento publico, está no seu papel e no seu direito. Mas se pensa poder abusar da sua antiga supremacia, para manter, na sombra e no esquecimento, a multidăo dos desherdados que, por sua vez, pedem lhes seja reconhecido o direito que teem á luz, á acçăo, ao desenvolvimento integral da sua personalidade; a participaçăo, n'uma palavra, á vida e á felicidade; n'esse caso, está irremediavelmente perdida. Eu quereria apenas que a sua teimosia e a sua obstinada resistencia năo custassem muito caro ao paiz. «O progresso é cego, ingrato e brutal: os interesses particulares valem pouco deante d'elle. N'esta grave questăo do credito, como em todas as outras, o que devemos fazer é aplanar-lhe o caminho, facilitando a sua marcha, e poupando assim ao paiz de que somos servidores algumas d'essas luctas violentas, d'essas convulsőes dolorosas, d'essas supremas crises de sangue e de lagrimas, que até aqui teem assignalado cada uma das _étapes_, cada um dos progressos da historia e da evoluçăo humana.» A _Petite République_, collaborada por alguns dos principaes socialistas francezes, entre os quaes convęm assignalar René Goblet, Jules Guesde, Marcel Sembat, J. Jaurés, Ed. Vaillant, Eugčne Fourničre, Hovelacque, E. Baudin, Gustave Rouanet, Dumas, Pierre Baudin, René Viviani, Clovis Hugues, Paul Lafargue, Camelinat, Duc-Quercy, Gérault-Richard, Madame Paule Mink, etc., é, por sem duvida, o grande reducto do socialismo parisiense, e em volta d'elle, teem os adversarios e conservadores de todas as côres e matizes estabelecido um verdadeiro estado de sitio, atacando-o, formulando accusaçőes e inventando calumnias, que năo servem para outra cousa senăo para exaltar ainda mais a ideia, se é possivel, elevando e glorificando aquelles que a defendem. Tambem o socialismo agrario se tem desenvolvido, em França, de uma maneira espantosa. Acaba de o provar o ultimo congresso dos socialistas agrarios, realisado em Auxerre, em que tomaram parte quasi todos os deputados do partido operario socialista. A maior parte dos congressistas estavam de blusa de trabalho e de tamancos, com as măos calejadas da enxada. [Gravura: Thivrier] Os socialistas agrarios francezes possuem hoje mais de 150 secçőes, organisadas no Este e no Norte. O deputado Thivrier representa na camara o elemento socialista da populaçăo rural do Allier. Thivrier assiste de blusa azul ás sessőes parlamentares. Fóra do parlamento tambem a năo despe nunca. Conheci-o no _Coq d'Or_ da rua Montmartre. Apresentou-m'o Cipriani. O _Coq d'Or_ é o _rendez-vous_ de todos os socialistas militantes. Pelas 6 horas da tarde, săo certos, n'aquella cervejaria, Eugene Fourničre, Gustave Rouanet, Gérault Richard, Camélinat, Baudin, Degay e muitos outros. Thivrier é dotado de caracter energico; homem de poucas palavras, mas firme e resoluto; e isso explica a attitude por elle tomada na camara franceza, por occasiăo da sua expulsăo. O camponez é, em geral, refractario á propaganda socialista. Os socialistas da cidade variam inteiramente de processo, quando se trata da populaçăo rural. A propaganda, em vez de ser humanitaria, transforma-se em socialismo pessoal, baseado no communismo liberatorio--a uniăo dos pequenos proprietarios e caseiros communaes, em opposiçăo aos syndicatos patronaes e aos grandes agricultores. [Gravura: John Burns] O congresso de Auxerre elaborou já o programma das reivindicaçőes dos socialistas agrarios. Na Gran-Bretanha e Irlanda, o movimento socialista tem feito grandes progressos. Pela primeira vez, foram nomeados para assistir a um congresso, em Zurich, os membros do parlamento, como delegados de organisaçőes operarias. Coube a John Burns, o heroe de 1887, e o eloquentissimo deputado de hoje, essa suprema honra e essa suprema gloria. Os trabalhadores agricolas começam tambem a despertar n'aquelle paiz, e o partido operario acaba de se constituir, como partido independente, sem ligaçőes com os antigos partidos, o que demonstra evidentemente que o movimento socialista tem ali augmentado em poder e extensăo. * * * * * A ITALIA, A SUISSA, A HESPANHA E PORTUGAL O partido socialista italiano divide-se em duas grandes escolas: a escola evolucionista e a escola revolucionaria. A primeira tem recrutado os seus numerosos adherentes na alta Italia e na Italia central, ao passo que a segunda tem recrutado especialmente os seus adherentes na Italia meridional. Mas, áparte a questăo de methodo, as duas escolas caminham conjunctamente, tornando-se muitas vezes difficil delimitar os dois campos. Os evolucionistas consideram a revoluçăo como uma fórma violenta da evoluçăo, e pensam que, sem haver necessidade de a provocar, a revoluçăo ha de produzir-se violentamente no dia em que todos os trabalhadores tiverem adherido ao socialismo. Os revolucionarios, admittindo as grandes vantagens que resultam de um paciente e demorado trabalho de preparaçăo, sustentam que o operario italiano é já bastante socialista, para que seja necessario ainda esperar. Segundo a opiniăo d'estes ultimos, uma longa espera poderia levar os trabalhadores a duvidarem do triumpho da sua causa. Á organisaçăo dos _fasci dei lavoratori_ se deve o enorme desenvolvimento que ultimamente tem adquirido o movimento socialista na Italia. Os _fasci_ (fachos) săo associaçőes operarias, tendo por base a cooperaçăo e por fim o triumpho do collectivismo, segundo as theorias de Karl Marx. As mulheres tambem săo admittidas. O primeiro _fascio_ foi fundado em Catanea, ao sopé de Etna, no dia 1.ş de maio de 1890. Em menos de quatro annos, fundaram-se na Sicilia mais 160 _fasci_. O numero de adherentes subia, ainda ha poucos mezes, a 300:000, na sua maioria agricultores. O sr. Giolliti, entăo presidente de conselho, principiou a preoccupar-se seriamente com o movimento socialista dos _fasci_, e, num intuito de repressăo, mandou á Sicilia o commandante Sensales, senador, com o fim de dissolver aquellas associaçőes. Sensales estudou, inquiriu, investigou, e nada encontrou que podesse servir de pretexto a uma dissoluçăo; o que năo impediu o ministro de encher a Sicilia de soldados, obrigando as auctoridades a uma repressăo rigorosa e até sangrenta, se tanto fosse necessario. O massacre de Giardinello foi o resultado d'estas ordens. Mas as medidas de rigor, empregadas pelos emissarios do governo, năo serviram senăo para augmentar a popularidade dos _fasci_, já entăo muito grande, chamando para elles as attençőes de toda a Italia. Os seus fundadores aproveitaram as circumstancias, para crear novas secçőes e recrutar alguns milhares de novos adherentes, de modo que o numero dos associados dos _fasci_, pode hoje bem avaliar-se em 400:000. Em pouco tempo será de meio milhăo. Os _fasci_ passaram da Sicilia para o continente, onde a sua organisaçăo avança rapidamente, e em especial na Calabria, nos Abruzzos, na Ponille e na Romagna. Em Roma e Napoles, tambem foram fundadas muitas secçőes dos _fasci_. A propaganda pelo facto é repellida pelos socialistas italianos, que nada esperam da dynamite. O partido socialista italiano năo é terrorista, mas _pacificamente revolucionario_, na phrase consagrada. Semelhantemente ao que succede na Irlanda, o socialismo agrario, tem tomado, na Italia, um incremento espantoso, n'estes ultimos tempos. Os governos săo impotentes para o debellar. Năo basta só mandar fusilar o povo faminto que se revolta nas ruas e nas praças publicas, como succede na Sicilia. Emquanto as causas do mal subsistirem, os effeitos hăo de continuar a dar-se, fatal e irremediavelmente. O que importa pois, na Italia, é conjurar a crise economica e financeira que a levaram á ruina, e d'isso năo serăo capazes os governos monarchicos. Por isso o partido socialista, que já hoje constitue um partido forte e invencivel, ha de ir augmentando de dia para dia, até ao momento do seu triumpho. As adhesőes a estas idéas emancipadoras, chegam a cada passo e de todos os pontos do paiz. O grande escriptor Edmundo de Amicis converteu-se ao socialismo, e é hoje uma das suas figuras mais salientes. Collajani, o celebre deputado que levantou no parlamento a questăo dos bancos, é tambem socialista. Collajani é o temivel adversario de Lombroso. Combate o atavismo, e sustenta, com os positivistas modernos, que o individuo năo é senăo um producto do seu meio. Giuseppe Felice, o deputado siciliano, que foi preso por occasiăo dos acontecimentos da Sicilia, é uma das mais nobres e sympathicas personalidades do movimento agrario, e é muito considerado entre os seus concidadăos. O mesmo com Claudio Treves, um moço de raro e excepcional talento, e tantos outros que seria longo enumerar aqui. Para mostrar quanto o socialismo agrario tem uma rasăo de ser na Italia, basta que façamos um pequeno estudo sobre os impostos n'aquelle paiz. «Vejamos o que paga uma familia operaria na Romagna. O chefe da familia ganhou, durante o anno, 586 liras e 72 centimos. Comprou 7 hectolitros de trigo. Mas esse cereal paga o direito de 5 francos por kilo. Segue-se pois, que de imposto para o Estado e para lucro dos que vivem á sombra da protecçăo aduaneira, o operario foi logo espoliado em perto de 26 francos. «Comprou tambem 7 hectolitros de milho, e sobre essa compra teve de pagar 6 francos de imposto. «Pelo vinho nada pagou, porque apenas bebeu agua. Compra, por semana, um litro de sal para sua casa. Com esse consumo lucrou o governo, no fim do anno, 15 francos e 60 centimos. Pela sua illuminaçăo, gasta, cada semana, em sua casa, 20 centimos com petroleo. No fim do anno somma esta despesa 10 francos e 40 centimos. Só á sua parte, embolsa o governo 7 francos e 10 centimos. «Vivendo mais que modestamente, a familia, em todo o anno, gastou em fato 15 francos e 25 centimos. Em impostos, exigem-lhe cęrca de 3 francos. De modo que só n'estas verbas, o contribuinte concorreu para o Estado com 10 por cento do seu ganho. «Junte-se a tudo isto os impostos directos, os impostos supplementares de consumo e outros que ha em muitas communas da Italia, e ver-se-ha a rasăo que assiste ao desgraçado que, trabalhando mais do que póde, deixa nas garras do fisco quasi todo o resultado do seu labor. [Gravura: De Felice] «A miseria é tanta e tamanha, que, nas pequenas communas da Sicilia, o povo apenas póde comer păo ordinarissimo, fabricado com farelos. E, nas ricas e uberrimas planicies da Lombardia, as classes trabalhadoras tambem năo teem para se alimentar mais que a _polenta_, uma especie de massa de farinha de milho, havendo muitos que, por extrema pobresa, nem sequer podem temperar com sal essa miseravel comida.» Ora foi precisamente contra este triste estado de cousas, que o sympathico e honrado deputado siciliano de Felice levantou o grito de revolta que logo se repercutiu em todo o paiz, com a rapidez de um relampago. De Felice Jiuffrida nasceu em Catanea, no anno de 1860. Socialista convicto, havia-se assignalado na imprensa, pelos seus rudes ataques contra a monarchia, o que lhe valeu varias condemnaçőes. Em 1887, durante a epidemia cholerica, que dizimava o sul da Italia, deu provas de grande dedicaçăo e de altissimo valor. O governo quiz distinguil-o com a medalha de ouro; mas elle recusou a distincçăo, dizendo, «que da monarchia só acceitava a perseguiçăo.» Algum tempo depois, tendo sido condemnado a dois annos de prisăo, por abuso de liberdade de imprensa, refugiou-se em Malta, d'onde regressou, em 1892, eleito, ao mesmo tempo, por Catanea e por Palermo. Foi, em virtude da parte activa e intelligentissima que tomou na organisaçăo dos _Fasci_, especialmente na Calabria e na Romagna, que o governo ordenou a sua prisăo. Foram dissolvidos os _Fasci_, sob protexto de attentarem contra as instituiçőes; mas năo morreram as idéas e os principios por elles representados. Ao contrario, avigoraram-se na lucta. De Felice foi o glorioso interprete da opiniăo popular. A consciencia publica estava com elle e applaudiu-o. Isto basta, para que seja immorredoura a sua obra e seja glorificado o seu nome, que é o nome de um bravo e o nome de um heróe! No congresso operario de Bruxellas, em 1891, nem a Italia nem a Suissa poderam apresentar relatorio: tăo escassas eram as forças socialistas n'aquelles dois paizes. Em dois annos os progressos realisados por elles săo superiores a toda a expectativa e de molde a surprehender todos os espiritos. Na Suissa todas as organisaçőes profissionaes se constituiram em federaçăo. A _federaçăo dos syndicatos profissionaes_ tem progredido de dia para dia, possuindo uma receita de 28.000 francos, dos quaes 15.800 săo reservados a soccorros, em casos de _gréve_. É de cęrca de 15.000 o numero de associados. A _federaçăo operaria suissa_ conta 200.000 adherentes. A sociedade suissa do _Grütli_ comprehende 350 secçőes, com 15.000 societarios, possuindo um orgăo central, o _Grütli_, que se publica tres vezes por semana. A estas organisaçőes, convęm ajuntar o _partido democratico socialista suisso_ que existe, na sua fórma actual, desde 1888, possuindo, em commum, com a federaçăo dos syndicatos profissionaes um orgăo especial--o _Arbeiterstimme_ (a _Voz do operario_). No conselho nacional suisso, năo contam os socialistas senăo um representante. Mas é certo que o movimento se alastra por todo o paiz, a passos de gigante. Particularmente, săo para registar os progressos realisados pelo partido na Suissa allemă. Em Hespanha, o partido socialista contava cęrca de 30 grupos, por occasiăo do congresso internacional de Bruxellas; segundo o relatorio, apresentado ao congresso de Zurich, o partido conta hoje 50, dos quaes 6 pertencem aos trabalhadores agricolas. Nas ultimas eleiçőes geraes para deputados, obtiveram os socialistas 7:000 votos--2:000 a mais do que os obtidos nas eleiçőes de 1890. Na Hespanha,--e é este o principal facto a notar--o movimento socialista, que, năo ha muito ainda, comprehendia quasi exclusivamente os trabalhadores manuaes, tem ganho, pouco a pouco, o professorado, os jornalistas e os homens de letras; e hoje, pode-se dizer afoitamente que o socialismo cathedratico está, no visinho paiz, á altura d'aquelles que, como a Belgica e a França, mais se vangloriam com o progredimento das novas ideias nas escolas e nas universidades. Em Portugal continuam os socialistas, n'uma propaganda activa e utilissima, prégando as vantagens e os beneficios do principio da associaçăo de classe, reclamando dos poderes publicos leis protectoras do trabalho, reunindo congressos, publicando jornaes e obras de propaganda, e tornando-se em tudo dignos dos esforços dos seus irmăos e camaradas no estrangeiro. O modo firme, serio e correcto por que os socialistas portuguezes celebraram o primeiro de Maio, no proximo preterito anno de 1893, bastaria para lhes attrahir as sympathias do publico, se outros factos os năo tivessem já recommendado ao suffragio popular. II O PROGRAMMA SOCIALISTA O PROGRAMMA DO PARTIDO OPERARIO.--PARTE POLITICA E PARTE ECONOMICA.--JULES GUESDE E PAULO LAFARGUE.--O PROGRAMMA DO PARTIDO SOCIALISTA EM PORTUGAL. O programma do partido operario socialista francez, que é hoje considerado como o programma commum a todos os partidos operarios, foi elaborado por Jules Guesde e Paulo Lafargue. Digamos pois, algumas palavras, ácerca de cada um dos dois apostolos do socialismo. JULES GUESDE Jules Guesde póde e deve ser considerado, em França, como o verdadeiro chefe do partido operario marxista. E, se tivessemos de avaliar os seus meritos pelo numero das condemnaçőes já soffridas por causa do socialismo, o seu logar de honra seria na primeira fila e ao lado dos primeiros combatentes da ideia. A sua primeira condemnaçăo, em Montpellier, a cinco annos de prisăo, por causa de um artigo, publicado no jornal _Os Direitos do homem_, teve uma grande influencia na sua existencia politica e no desenvolvimento do seu espirito. [Gravura: Jules Guesde] Mes Guesde refugiou-se em Italia e depois na Suissa, onde encontrou muitos francezes exilados, por causa dos acontecimentos da Communa. Bakounine e Marx estavam entăo em lucta. Guesde năo se pronunciou, nem por um nem por outro, contentando-se apenas em assimilar a doutrina de Marx; e por tal fórma o conseguiu, que hoje os dois nomes, o do fundador do socialismo allemăo e o do propagandista do collectivismo marxista, em França, săo inseparaveis. Voltando a Paris, em 1876, Guesde tentou baldadamente fazer a propaganda da doutrina allemă. A primeira proposta collectivista, feita em 1878, no congresso de Lyon, foi regeitada por grande maioria. Todavia, em Paris, devia realisar-se, n'esse mesmo anno, um segundo congresso, por occasiăo da exposiçăo universal. O governo quiz prohibil-o. A minoria guesdista, porém, năo fez caso da prohibiçăo; reuniu-se, recebeu solemnemente os delegados estrangeiros e estabeleceu a base do collectivismo. Guesde proseguiu nos seus trabalhos, com trinta e sete dos seus amigos, pronunciou um notavel discurso, considerado como um verdadeiro manifesto do socialismo revolucionario, e tornou-se, por esse facto, o chefe incontestado do partido. Tornava-se mister um programma ao socialismo francez. Guesde fôra encarregado, pelo congresso de Marselha, de o elaborar. Partiu para Londres, e redigiu-o ali sob a direcçăo de Marx e com a collaboraçăo de Lafargue e de Engels. O congresso nacional do Havre, ao qual foi submettido, approvou-o, estabelecendo definitivamente a ruptura entre collectivistas e cooperativistas. O partido operario adoptára o principio da lucta de classes, da propriedade collectiva e da revoluçăo. N'este programma havia, todavia, uma lacuna. Năo se havia pensado senăo no operario das cidades. O trabalhador dos campos fôra esquecido. Foi essa a missăo do congresso de Marselha de 1892. No seu ultimo manifesto eleitoral, Jules Guesde repelle os meios violentos. A revoluçăo, escreveu, é antes um resultado, um facto, do que uma doutrina, e desde que os socialistas resolveram recorrer e acceitar o suffragio universal, é porque renunciaram, pelo menos provisoriamente, aos outros meios. No programma do partido operario, já formulara, de resto, o principio «de que a organisaçăo socialista deveria ser levada a cabo por todos os meios de que o proletariado podesse dispôr, sem excluir o suffragio universal.» Jules Guesde deve contar quarenta annos de edade, e foi quem, no congresso de Paris, em 1889, propoz a manifestaçăo do 1.ş de Maio. É hoje deputado por Roubaix. Na camara franceza está-lhe reservado o successo a que dăo direito o seu grande saber e a sua notavel eloquencia. * * * * * PAULO LAFARGUE Estăo ainda certamente na memoria de todos os fusilamentos de Fourmies do 1.ş de Maio de 1891, e o julgamento e a condemnaçăo de Paulo Lafargue, por «ter prégado o socialismo no departamento do Norte,»--no dizer dos seus juizes. Pois foi precisamente este facto que o levou á camara dos deputados. O mesmo departamento do Norte, entendeu que devia corrigir as demasias e a violencia do governo, elegendo-o deputado. Havia um ou dois mezes que Lafargue déra entrada no carcere, sahindo d'ali, victorioso e triumphante, em direcçăo ao palacio Bourbon. [Gravura: Paulo Lafargue] O dr. Lafargue é uma das figuras mais originaes do partido socialista. Ao mesmo tempo, theorico e homem de acçăo, ha seguramente trinta annos que se mantem na lucta, e sempre com a mesma altivez e com a mesma dedicaçăo. Sendo estudante de medicina em 1866, foi elle um dos organisadores do congresso de Liége, onde a bandeira negra se arvorou, como que para indicar que a França estava de lucto. No seu regresso, o imperio vingou-se, excluindo-o de todas as faculdades. Lafargue partiu entăo para Inglaterra. Fez em Londres o conhecimento de Karl Marx, que o iniciou no socialismo scientifico, alistando-o na _Associaçăo internacional dos trabalhadores_. Genro de Karl Marx, occupou-se activamente da organisaçăo do partido socialista francez, cujo programma, elaborado no gabinete do celebre revolucionario, é em parte obra sua. Foi tambem em Londres que elle se ligou com Jules Guesde. Permaneceram ambos fieis á doutrina orthodoxa e săo, em França, os seus verdadeiros representantes. --É na officina--dizia Lafargue na sessăo da camara dos deputados de 16 de fevereiro de 1893--é na officina que principia a exploraçăo da classe operaria; é ali que ella é roubada do producto do seu trabalho, e é por isso que, na sociedade actual, a classe operaria que tudo produz, é precisamente aquella que nada possue, ao passo que a classe que năo trabalha é possuidora de toda a riqueza social, e governa a naçăo economicamente e politicamente.» * * * * * O PROGRAMMA DO PARTIDO OPERARIO Considerando que a emancipaçăo da classe productora é a de todos os seres humanos, sem distincçăo de sexo nem de raça; Considerando que os productores năo serăo nunca livres, emquanto năo estiverem na posse dos meios de producçăo (terras, officinas, navios, bancos, credito, etc.) Considerando que năo ha senăo duas fórmas pelas quaes os meios de producçăo poderăo pertencer-lhes, a saber:--a fórma individual que nunca existiu, como facto geral, e que tende, cada vez mais, a ser eliminada pelo progresso industrial;--e a fórma collectiva, cujos elementos materiaes e intellectuaes săo constituidos pelo proprio desenvolvimento da sociedade capitalista; Considerando que esta apropriaçăo collectiva năo póde sahir senăo de uma acçăo revolucionaria da classe productora, ou do proletariado, organisado em partido politico distincto; Considerando que semelhante organisaçăo deve ser levada a cabo por todos os meios de que o proletariado dispőe, incluindo o suffragio universal, transformando-o de instrumento de corrupçăo, como até hoje tem sido, em instrumento de emancipaçăo; Os trabalhadores socialistas, tendo por alvo dos seus esforços a expropriaçăo politica e economica da classe capitalista e o regresso á collectividade de todos os meios de producçăo, decidiram, como meio de organisaçăo e de lucta, entrar em todas as eleiçőes com as seguintes reivindicaçőes: *A.*--_Parte politica_ 1.ş--Aboliçăo de todas as leis sobre a imprensa, as reuniőes e as associaçőes, e, em especial, a Associaçăo Internacional dos trabalhadores.--Suppressăo do livrete, ferrete ignominioso da classe operaria, e de todos os artigos do codigo, estabelecendo a inferioridade do operario em face do patrăo, e a inferioridade da mulher em face do homem; 2.ş--Suppressăo do orçamento dos cultos, e o regresso á naçăo dos bens chamados de măo morta, moveis e immoveis, que hoje pertencem ás corporaçőes religiosas, comprehendendo todos os annexos industriaes e commerciaes das referidas corporaçőes; 3.ş--Suppressăo da divida publica; 4.ş--Aboliçăo dos exercitos permanentes e armamento geral do povo; 5.ş--A Communa na posse da sua administraçăo e da sua policia. *B.*--_Parte economica_ 1.ş--Repouso de um dia por semana, ou prohibiçăo legal de mais de seis dias de trabalho sobre sete.--Reducçăo legal do dia de trabalho a oito horas para os adultos.--Prohibiçăo do trabalho, nas officinas particulares, dos menores com menos de quatorze annos; e reducçăo do dia de trabalho a seis horas, desde os quatorze até aos dezoito annos. 2.ş--Vigilancia dos aprendizes pelas corporaçőes operarias; 3.ş--Minimum legal dos salarios, determinado e fixado annualmente, segundo o preço local dos generos, por uma commissăo de estatistica operaria; 4.ş--Prohibiçăo legal aos patrőes de poderem empregar os operarios estrangeiros por um salario inferior ao dos operarios nacionaes; 5.ş--Egualdade de salario, em egual trabalho, para os trabalhadores dos dois sexos; 6.ş--Instrucçăo scientifica e profissional de todas as creanças, á custa da sociedade, representada pelo Estado e pela communa; 7.ş--Manutençăo, á custa da sociedade, dos velhos e invalidos do trabalho; 8.ş--Suppressăo de toda a ingerencia dos patrőes na administraçăo das caixas operarias de soccorros, de previdencia, etc., restituindo-as á gestăo exclusiva dos operarios; 9.ş--Responsabilidade dos patrőes em materia d'accidentes, garantida por uma cauçăo em dinheiro, lançado nas caixas operarias, e proporcional ao numero dos operarios empregados e aos perigos que a industria apresenta; 10.ş--Intervençăo dos operarios, nos regulamentos especiaes das differentes officinas; suppressăo do direito usurpado pelos patrőes de poderem castigar os operarios por meio de multas ou de reducçőes nos salarios; 11.ş--Annulaçăo de todos os contractos, que hajam alienado a propriedade publica (bancos, caminhos de ferro, minas, etc.) e a exploraçăo de todas as officinas do Estado, confiadas aos operarios que n'ellas trabalharem; 12.ş--Aboliçăo de todos os impostos indirectos e transformaçăo de todos os impostos directos n'um imposto progressivo sobre os rendimentos que văo alęm de 3:000 francos.--Suppressăo da herança em linha collateral e de toda a herança em linha directa que exceda a somma de 20:000 francos. * * * * * DESENVOLVIMENTO E EXPLANAÇĂO DO PROGRAMMA SOCIALISTA PARTE POLITICA ARTIGO 1.ş a) _Aboliçăo de todas as leis sobre a imprensa, as reuniőes e as associaçőes, e, em especial, da lei contra a Associaçăo Internacional dos Trabalhadores;_ b) _Suppressăo do livrete, ferrete ignominioso da classe operaria, e de todos os artigos do codigo que estabelecem a inferioridade do operario perante o patrăo e a inferioridade da mulher perante o homem._ Para que haja realmente liberdade, em materia de imprensa, năo basta legislar, impondo multas e prisăo aos que d'ella _abusam_, attenuando e modificando as penas, ou substituir o julgamento correccional pelo julgamento de jury.--O que se torna indispensavel e urgente, é abolir todas as leis existentes _contra_ e _sobre_ a imprensa, a começar pela lei que condemna, por diffamaçăo, sem prova dos factos allegados, e que permitte assim aos ricos e aos poderosos de abusarem da situaçăo especial em que se encontram, relativamente aos que nada possuem e aos que nada podem. Para que haja realmente liberdade, em materia de reuniăo, năo basta substituir o regimen actual por um novo regimen, mais ou menos hypocrita e mais ou menos sophismado, permittindo os comicios em recinto fechado e prohibindo-os na rua e na praça publica.--O que se torna indispensavel e urgente, é a aboliçăo de todas as leis, que subordinam ás condiçőes de local, de tempo, de numero e de pessoas, o exercicio de um direito tăo rudimentar como o direito de reuniăo. Para que haja realmente liberdade, em materia de associaçăo, năo basta permittir o uso d'este direito aos que estăo nas boas graças dos governos, embaraçando-o e difficultando-o aos contrarios, pela exigencia de formalidades, tăo ridiculas como absurdas.--O que se torna indispensavel e urgente, é a aboliçăo de todas as leis sobre as associaçőes, qualquer que seja a sua natureza e o seu fim. Mas a revoluçăo năo nos trouxe apenas a liberdade; deu-nos tambem a _egualdade civil_. E é, em nome d'essa egualdade, que temos o direito e o dever de reclamar a suppressăo do «livrete», bem como todos os artigos do codigo que estabelecem a inferioridade da classe operaria perante a classe dos patrőes. O livrete que assemelha o productor de todas as riquezas á meretriz, collocando-o no mesmo plano, sobre ser uma ignominia, é tambem infamante e improprio dos nossos tempos. Se o ferrete foi abolido para os grandes criminosos condemnados ás galés, como é que pode conservar-se para os trabalhadores do mundo moderno? Apenas a fórma variou, por isso que, sendo o livrete obrigatorio para todos os que săo forçados a viver da venda do seu trabalho, nenhum movimento da vida operaria poderá escapar á policia. Para mudar de localidade e até para mudar de officina, săo os trabalhadores forçados a apresentar essa prova da sua identidade e do seu comportamento anterior. De modo que aos patrőes fica a liberdade plena de os admittirem ou de os expulsarem das suas officinas, conforme lhes aprouver. É uma inquisiçăo de nova especie que se torna mister abolir năo só dos codigos, senăo tambem dos usos particulares. O operario será admittido em todas as officinas e em todos os estabelecimentos, quer do estado quer de particulares, sem que os patrőes lhe possam exigir a minima formalidade. Condemnamos, por egual, o livrete e os attestados individuaes, que collocam os trabalhadores na mesma situaçăo de inferioridade moral perante os seus superiores. Ha, felizmente, paizes onde a licença para trabalhar năo é já exigida. Na explanaçăo d'estes artigos, năo nos dirigimos, porém, a este ou áquelle paiz, a esta ou áquella localidade: fazemos a critica geral do systema e apreciamos os factos que se assignalam e observam nas modernas sociedades. Na mesma ordem de reformas, entra a aboliçăo dos artigos que estabelecem a inferioridade da mulher perante o homem. Que nos resta entăo da egualdade perante a lei--o novo evangelho da nova civilisaçăo--se, na ordem civil assim como na ordem politica, continuam a coexistir duas leis differentes, uma para o homem e outra para a mulher? Diz-se, geralmente, que a mulher nasceu para os trabalhos caseiros. Mas essa limitaçăo vae desapparecendo de dia para dia. E, hoje, a mulher applica-se a muitos outros trabalhos que antigamente só pertenciam aos homens, como correios e telegraphos, empregos e serviços dos grandes armazens e dos grandes restaurantes, casas de modas, lojas, caminhos de ferro e tantos mais que seria longo e superfluo ennumerar aqui. O socialismo moderno năo reconhece distincçőes fundadas e baseadas sobre os sexos. Quer se trate de reuniőes quer se trate de congressos, a mulher é chamada e eleita, com os mesmos titulos, que o homem. Ao partido operario--que é o partido de todos os explorados, sem distincçăo de sexo nem de raça.--cabe pois, o dever de se associar ás suas reivindicaçőes. Art. 2.ş--_Suppressăo do orçamento dos cultos e regresso á naçăo dos bens, chamados de măo morta, que pertençam ás corporaçőes religiosas, comprehendendo todos os annexos industriaes e commerciaes destas corporaçőes._ Na grande republica dos Estados Unidos da America, a Egreja, ou, para melhor dizer, as differentes egrejas nada teem com o Estado. Os cultos constituem, naquella naçăo, uma industria particular, como a industria das rolhas ou a industria da cortiça. _Paga quem consome._ É este o principio, adoptado por todos os publicistas e pensadores da escola avançada. A separaçăo da Egreja e do Estado, faz hoje parte de todos os programmas radicaes e constitue uma das principaes reivindicaçőes da philosophia moderna. O regresso á naçăo da propriedade mobiliaria e immobiliaria das corporaçőes religiosas, encontrou um precedente na revoluçăo operaria de 18 de Março. Tem, alęm d'isso, a vantagem de educar as massas, ensinando-as a rehaver aquillo que lhes foi extorquido pela violencia e pela fraude, isto é--na linguagem do programma socialista--ensinando-as a _expropriar os seus expropriadores_. Art. 3.ş--_Suppressăo da divida publica._ A divida publica, com effeito, dil-o Karl Marx no seu _Capital_, «dá ao dinheiro improductivo o valor reproductivo, sem que por isso haja de correr os riscos e os transtornos inseparaveis do seu emprego industrial ou da usura particular.» A suppressăo da divida que o partido operario reclama, aliviaria os habitantes de cada paiz de uma grande parte do imposto que, actualmente, săo obrigados a pagar e constituiria, portanto, um novo rendimento annual para cada familia e para cada cidadăo. Art. 4.ş--_Aboliçăo dos exercitos permanentes e armamento geral do povo._ Está hoje provado que os exercitos permanentes, com os progressos das armas e dos instrumentos de guerra, e ainda com a rapidez dos telegraphos e dos caminhos de ferro que obrigam a uma immediata mobilisaçăo de massas enormes, năo săo garantia sufficiente á defensăo efficaz de um paiz. Em geral, os governos precisam e servem-se d'elles, năo para esmagar o inimigo que lhes ultraja a bandeira ou lhes viola as fronteiras, mas para intimidar e reduzir ao silencio os adversarios, que, dentro da naçăo, os perturbam e incommodam. E eis ahi está o motivo porque os exercitos, na actualidade, longe de serem um elemento de defeza nacional, săo, ao contrario, um elemento de defesa, para as classes dirigentes, que teem n'elles o seu unico e principal apoio, quando se trata de salvaguardar os seus interesses e os seus haveres, ainda que para isso seja preciso fuzilar a _canalha_ ou atirar sobre o povo inerme e faminto! O partido operario socialista condemna a guerra, e, por isso, repelle os exercitos permanentes. O armamento geral do povo năo só traria, como consequencia, uma economia para cada paiz, senăo ainda desarmaria, por completo, a burguezia. A naçăo armada até ao seu ultimo homem, tornar-se-ha mais forte e poderosa do que nunca, e será--digamol-o assim--inatacavel. Para isso bastará que a instrucçăo militar complete a instrucçăo scientifica e profissional, assegurada socialmente a todos os menores sem distincçăo; que a espingarda, posta na escola nas măos de todos, esteja, ao sahir da escola, nas măos de cada um, e que, depois de uma rapida passagem pelas bandeiras, todos os annos se realisem as grandes manobras, para manter a cohesăo indispensavel, entre elementos individualmente superiores, obrigando-os a contrahir o habito das operaçőes collectivas. O poder militar da Suissa, năo se apoia n'outras razőes e corrobora praticamente esta nobre e generosa aspiraçăo. Art. 5.ş--_A communa na posse da sua administraçăo e da sua policia._ A cummuna é a escola primaria da sciencia politica. É ali que se adquirem as primeiras noçőes de disciplina e os primeiros rudimentos da vida publica. O partido operario năo espera certamente chegar á soluçăo do problema social pela simples conquista do poder administrativo na communa. A aboliçăo do salariado--essa escravidăo do mundo moderno, peior que a do mundo antigo--năo é uma questăo communal, mas sim uma questăo nacional e internacional, e só poderá resolver-se pela posse do poder central ou do Estado. Mas é certo que a conquista das communas constitue outros tantos meios de recrutamento e de lucta, para a classe proletaria. No dia em que as communas estiverem na posse da sua administraçăo e da sua policia, os conflictos com o poder central tornar-se-hăo impossiveis, se todos os municipios, comprehendendo a sua missăo, se ligarem e federarem, afim de constituirem uma liga municipal que poderá e deverá ter uma influencia decisiva nos destinos de cada paiz. PARTE ECONOMICA Art. 1.ş--a) _Repouso de um dia por semana, ou prohibiçăo legal de mais de seis dias de trabalho sobre sete._ b) _Reducçăo legal do dia de trabalho a oito horas para os adultos._ e) _Prohibiçăo do trabalho, nas officinas particulares, dos menores com menos de quatorze annos, e reducçăo do dia de trabalho a seis horas, dos quatorze aos dezoito annos._ _a)_ A necessidade de um dia de repouso por semana, é hoje reconhecida por todos, e impőe-se como uma questăo de moral e de hygiene. Mas năo basta reconhecel-o. É mister que seja legal a prohibiçăo, estabelecendo-se uma penalidade aos patrőes que obrigam os seus operarios a trabalhar mais de seis dias sobre sete. _b)_ O primeiro congresso da Internacional, o congresso de Genebra de 1866, estabeleceu «que o dia de trabalho devia ser de oito horas»; por isso que, diziam os considerandos, a primeira condiçăo, sem a qual seria baldada toda a tentativa de melhoria e de emancipaçăo, é a limitaçăo legal do dia de trabalho. Esta limitaçăo impőe-se, afim de restaurar a saude e a energia physica dos operarios, assegurando-lhes a possibilidade de um desenvolvimento intellectual, de relaçőes sociaes e de uma acçăo politica. Os operarios dos Estados Unidos reclamaram, durante muito tempo, esta limitaçăo, e o Congresso adoptou-a como um dos artigos dos programmas governamentaes. O secretario d'Estado do departamento da guerra, no Reino Unido, respondendo a John Burns, que, na camara dos communs, pedira informaçőes, ácerca da experiencia do dia normal de 8 horas, no arsenal de Woolwich, asseverou que o resultado fôra excellente, e que o governo resolvęra estabelecer, para todos os arsenaes inglezes, o dia normal de 8 horas. E ninguem pense que a reducçăo do dia de trabalho traria, como consequencia, a reducçăo do salario. O patrăo occupa, presentemente, dois operarios, para obter 24 horas de trabalho, ou dois dias de 12 horas. Se o dia legal fosse de 8 horas, seria forçado a empregar tres. Os operarios sem trabalho voltariam á officina, e, aquelles que trabalham, năo estando já sob a ameaça de serem substituidos, poderiam, sem duvida, aproveitar a situaçăo para exigir e obter um augmento de salario. A reducçăo do dia de trabalho teria, como consequencia necessaria, um augmento de salario. _c)_ Nas modernas sociedades, as creanças pertencem aos capitalistas, que as arrancam ao lar domestico e ao conchego da familia, para as converterem em instrumentos de sordida e desmesurada ganancia. Semelhante facto nunca se presenciara, nas sociedades anteriores, ainda mesmo nos peiores tempos da escravidăo. O menor, condemnado desde tenra edade, ás torturas de dez e doze horas de trabalho na officina e na fabrica, e năo offerecendo a minima resistencia, era ainda mais explorado que o homem e a mulher. E tăo deshumana se tornou a exploraçăo que o Estado se obrigou a protegel-o contra o patrăo e o pae de familia. Este, invocando a authoridade paterna permittia-se a liberdade de vender os seus filhos, segundo as necessidades da situaçăo; aquelle, invocando a liberdade anarchica da sociedade capitalista, arrogava-se o direito de impôr ao menor mais horas de trabalho do que geralmente se impőe a um forçado nas galés. Art. 2.ş--_Vigilancia dos aprendizes pelas corporaçőes operarias._ A aprendizagem, constitue, para os patrőes, um meio de ter trabalho sem necessidade de o pagar. O aprendiz, a quem nada se ensina, é transformado em creado, e ordinariamente empregado nos trabalhos mais grosseiros que os operarios se recusam a fazer. Em geral só quando finda a aprendizagem é que o trabalhador começa de aprender o seu officio. Para remediar estes males, é indispensavel que o aprendiz seja confiado á protecçăo e á vigilancia das corporaçőes operarias. O aprendizado desapparecerá no dia em que a educaçăo manual se combinar com a educaçăo intellectual. Com o desenvolvimento da mechanica e a divisăo do trabalho, a aprendizagem tende de dia para dia a ser substituida pela instrucçăo geral, ministrada ás creanças nas escolas publicas. Art. 3.ş--_Minimum legal dos salarios, determinado e fixado annualmente, segundo o preço dos generos, por uma commissăo de estatistica operaria._ Dizer _minimum_, o mesmo é que dizer salario que permitta, pelo menos, viver trabalhando. Com o aperfeiçoamento e a generalisaçăo da machina, os salarios diminuiram e tornaram-se insufficientes. O excedente que todos os dias vae augmentando da offerta do trabalho sobre a procura, fel-os descer ainda abaixo do strictamente indispensavel á alimentaçăo quotidiana de cada operario. A fixaçăo de um _minimum_ foi, por isso, considerada como um grande progresso. Esta justa reivindicaçăo, formulou-a, pela primeira vez, Charles Fourier, em 1831. _Viver trabalhando ou morrer combatendo!_--tal era o lemma inscripto na bandeira negra dos primeiros revoltados do trabalho, que năo reclamavam outra cousa senăo um _minimum_ de existencia ou de salario, e que, por esse principio, se deixaram matar heroicamente, defendendo, até ao ultimo sacrificio, os interesses e o futuro da classe trabalhadora. Desde que, em todos os ramos de trabalho, possa ser determinado, por uma estatistica operaria, um _minimum_ de salario, e desde que se torne obrigatorio para os patrőes, ficará o salariado senhor da mais poderosa das armas, para levantar o preço da măo obra. O _minimum_ de salario năo deve ser, para os operarios, senăo um meio para chegar ao _maximum_. Art. 4.ş--_Prohibiçăo legal aos patrőes de poderem empregar operarios estrangeiros por um salario inferior ao dos operarios nacionaes._ Ao capitalista, é-lhe indifferente que o operario seja nacional ou estrangeiro; o que lhe importa é que o salario seja diminuto. Os operarios estrangeiros (belgas, allemăes, italianos, hespanhoes), obrigados a emigrar por causa da miseria, muitas vezes dominados e explorados por engajadores, ignorando a lingua, os preços e os costumes do paiz, săo condemnados a aceitar as condiçőes que os patrőes lhes impőem e a trabalhar por salarios que os operarios da localidade regeitam. E ainda, em egualdade de circumstancias, preferem os patrőes os estrangeiros, para evitar resistencias e amotinaçőes. A 5 de maio de 1880, a _Sociedade de Economia politica_ discutiu as vantagens que poderiam advir da substituiçăo dos operarios francezes por chinezes. O consul geral dos Estados Unidos, que estava presente á sessăo, objectou que a introducçăo dos chinezes era corruptora por causa da sua immoralidade e perigosa por causa das miserias e das revoltas operarias que d'ahi derivavam. --Nada importa!--responderam severamente os economistas francezes: «O chinez é muito trabalhador, vive de quasi nada, contentando-se com um modico salario. Na California, onde um branco exige 10 fr. por dia, o chinez contenta-se com 2 fr. 50. Que venham os bons chinezes, e tanto peior para os operarios francezes, se isso os incommoda. Talvez a liçăo lhes aproveite!» O dr. Lunier (inspector geral dos serviços administrativos no ministerio do interior) observava que a vinda dos chinezes năo estava tăo longe como se suppunha: «É provavel que, em breve, a emigraçăo chineza possa fazer-se por terra, e que tenhamos entăo de assistir a emigraçőes, que trarăo á nossa velha Europa a sua sobriedade, a sua paciencia no trabalho, e, como consequencia, a măo d'obra barata.» A isso e só a isso, aspiram os patrőes; e a prohibiçăo legal de poderem empregar operarios estrangeiros, por um salario inferior aos dos operarios nacionaes, deriva năo só de um principio de moralidade, para evitar a exploraçăo até aqui seguida, senăo tambem da protecçăo que á lei deve merecer o trabalho nacional. Art. 5.ş--_Egualdade de salario, em egual trabalho, para os trabalhadores dos dois sexos._ O partido operario, assim como năo pede a expulsăo dos estrangeiros, năo reclama tambem a prohibiçăo do trabalho para a mulher, nas fabricas ou nas officinas. O que pede e reclama para a mulher, para a operaria, é a protecçăo a que ella tem direito tanto como o homem; o que pede e reclama é que a um trabalho egual corresponda egualdade de salario para todos os trabalhadores, sem distincçăo de sexo. O motor mechanico, tornando a mulher tăo apta, como o homem, para a maior parte dos trabalhos, permitte hoje, nas fabricas e officinas, o emprego do braço feminino, em substituiçăo da antiga força muscular. Năo foi a falta do braço masculino que provocou a _industrialisaçăo_ da mulher: foi sim! a desmedida ambiçăo do patrăo de obter a mesma somma de trabalho por um salario muito inferior. De modo que a operaria foi inventada, por um lado, para augmentar os proventos dos patrőes, e, por outro lado, para reduzir o operario á fome. É mister acabar com semelhante abuso, tornando a operaria egual ao operario, e năo a sua concorrente. Para que a mulher seja senhora de si mesmo, para que recobre a liberdade do seu corpo, fóra da qual năo ha senăo prostituiçăo, qualquer que seja a legalidade das relaçőes que possa ter com o outro sexo, é mister que ella encontre em si os meios de subsistencia, independentemente do homem. Art. 6.ş--_Instrucçăo scientifica e profissional de todas as creanças, á custa da sociedade, representada pelo Estado e pela communa._ Do direito á existencia, deriva logicamente o direito ao trabalho, e d'este a obrigaçăo, para o Estado e para a communa, de ministrar gratuitamente a todas as creanças, sem distincçăo de sexo, a instrucçăo scientifica e profissional. Para trabalhar, é preciso saber e poder trabalhar, e d'ahi se conclue, por um lado, a necessidade da instrucçăo, e, por outro lado, a necessidade năo menos instante para o operario, de chegar á posse dos instrumentos de producçăo. Lepelletier Saint-Fargeau comprehendęra perfeitamente estes principios, quando, a 15 de julho de 1793, submetteu á Convençăo um projecto de lei, assim concebido: «Art. 1.ş--Todas as creanças serăo educadas á custa da Republica,--as do sexo masculino da edade dos cinco aos doze annos e as do sexo feminino dos cinco aos onze. «Art. 2.ş--A educaçăo nacional será egual para todos; recebendo todos a mesma alimentaçăo, o mesmo vestuario, a mesma instrucçăo e os mesmos cuidados.» O trabalho do homem é tanto mais productivo quanto a sua intelligencia fôr mais cultivada[2]. O trabalho de um homem ignorante năo vale mais do que o _trabalho de um animal de egual força_. A monomania do emprego publico é um resultado da falta de ensino profissional. Em Portugal, a burocracia absorve a maior parte das receitas publicas, precisamente porque săo poucos aquelles que se acham habilitados a trabalhar. Năo basta só que as escolas ensinem a lęr: é mister tambem que ensinem a trabalhar, isto é que, a par do păo do espirito, se ministre egualmente a todos o păo do corpo. * * * * * Art. 7.ş--_Manutençăo pela sociedade dos velhos e invalidos do trabalho._ O trabalhador produz mais do que consome. Encarregando-se dos velhos e invalidos do trabalho, a sociedade năo faz senăo retribuir aos operarios aquillo que lhes é devido. É justo que um homem que passou a sua vida a vestir, a calçar e a alimentar os seus semelhantes e a construir as suas habitaçőes, tenha tambem o vestuario, a casa e o alimento assegurados, quando, em consequencia da edade ou de qualquer enfermidade, năo se encontre já apto para trabalhar. O ultimo codigo feudal da Russia, de 1795, estatuia o seguinte: «O senhor deve fazer ministrar a educaçăo a todos os camponezes pobres, procurando tambem os meios de existencia áquelles dos seus vassalos que năo possuem terras e soccorrendo os que cahirem na indigencia.» O servo transformou-se em salariado, e a liberdade burgueza deixou o operario, sem garantias, entregue ás exigencias do seu estomago e á mercę dos caprichos da fortuna. O militar e o funccionario do Estado teem direito a reformas e aposentaçőes. O empregado do commercio succede muitas vezes ao patrăo. Só ao operario, só áquelle que passou a sua vida a enriquecer os seus semelhantes, é recusado o direito que se concede aos demais membros da sociedade, isto é o direito de viver. Năo lhe basta a incerteza de encontrar trabalho: ainda para mais lhe negam o que os senhores feudaes năo negavam aos seus servos--a protecçăo na velhice e na doença. E eis ahi está porque o partido operario, năo só por dever de humanidade, senăo ainda por dever de solidariedade, inscreveu este artigo no seu programma. * * * * * Art. 8.ş--_Suppressăo de toda a ingerencia dos patrőes na administraçăo das caixas operarias de soccorros, de previdencia, etc., restituindo-as á gestăo exclusiva dos operarios._ Na grande industria que multiplicou os riscos do trabalho, os patrőes obrigam geralmente os operarios a tirarem, no fim de cada semana, uma certa quantia dos seus magros salarios, para fazerem face solidariamente aos accidentes, á doença e á velhice. As grandes companhias de caminhos de ferro e minas chegaram mesmo a instituir um fundo, destinado a uma caixa, com essa applicaçăo. Comprehende-se a tactica. Quanto mais os salariados estiverem no caso de se soccorrerem mutuamente, tanto menos terăo os patrőes de dispender com elles. As caixas săo, na sua quasi totalidade, sustentadas com o dinheiro dos operarios. Mas os proprietarios e capitalistas, no intuito de fiscalisarem esses fundos da _previdencia e da solidariedade operaria_, chamam a si a gerencia e a administraçăo das referidas caixas, concorrendo tambem com uma parte, para o mesmo fim. O que os patrőes desejam é evitar, por esta fórma, que os trabalhadores possam servir-se d'esse dinheiro, empregando-o n'uma _gréve_ ou em qualquer cousa que possa contrariar os seus interesses ou os da sua industria. É indispensavel que o proletariado se emancipe de semelhante tutella, transformando o fundo das caixas operarias num poderoso instrumento de emancipaçăo social. Art. 9.ş--_Responsabilidade dos patrőes em materia d'accidentes, garantida por uma cauçăo em dinheiro, e proporcional ao numero dos operarios empregados e aos perigos que a industria apresente._ Este artigo traduz um principio de justiça, e representa uma compensaçăo para todos os que, no trabalho, expőem a vida e arriscam a saude. Quem, nas grandes empresas, aufere os grandes lucros e os enormes proventos, é o capitalista e o proprietario. É justo pois, que, em caso d'accidente, sejam elles os responsaveis, indemnisando e garantindo, por meio de uma cauçăo, os que affrontaram o perigo, para os enriquecer e locupletar. Em caso de desastre, occorrido nas fabricas e nas officinas, o invalido, a viuva e o orphăo teem direito a serem amparados e protegidos; e esse amparo e essa protecçăo năo pode exigir-se senăo áquelles que foram a origem, embora indirecta, do seu infortunio, e que, muitas vezes, pelo seu desleixo e pela sua desmesurada ganancia, contribuiram poderosamente para esses tristes e dolorosos acontecimentos. A indemnisaçao a pagar seria, n'este caso, lançada na caixa operaria, e avaliada por um jury escolhido na corporaçăo. Só os proprios operarios seriam capazes de avaliar o que custa e o que vale, para o trabalhador, a perda de um braço, a perda de uma perna ou a perda de uma vida. Quem nunca visitou uma mina, năo sabe o que é o risco no trabalho. Superior á rhetorica dos economistas está a realidade das cousas. Que todos os que nos lęem se dignem, um dia, descer a uma mina, e que nos digam depois, se năo assiste ao operario o direito sagrado de reclamar uma indemnisaçao, em caso d'accidente, áquelle por quem se sacrificou, e que locupletou, sem outra compensaçăo, alęm de um salario diario representando o stritamente indispensavel para năo morrer de fome?! * * * * * Art. 10.ş--_A intervençăo dos operarios nos regulamentos especiaes das differentes officinas; suppressăo do direito usurpado pelos patrőes de poderem castigar os operarios, por meio de multas ou de reducçőes nos salarios._ A intervençăo dos operarios nos regulamentos especiaes das differentes officinas é uma salvaguarda á dignidade e á saude da classe trabalhadora. Muitas vexaçőes inuteis serăo supprimidas por este meio; muitas medidas hygienicas, hoje despresadas ou recusadas pelo fabricante, serăo postas em pratica, no interesse da collectividade. Sob a fórma de multas, que se traduziam na retençăo de uma parte do salario, o patrăo abusava, muitas vezes, do operario, trazendo-o debaixo de um jugo de ferro, feroz e insupportavel. O patrăo năo pode arvorar-se em juiz, adoptando o codigo penal que muito bem lhe aprouver para multar o operario ou condemnal-o, segundo os caprichos da sua vontade. A justiça é fundada sobre uma delegaçăo social. O direito moderno năo admitte outra; porque o contrario seria o despotismo, o abuso, a fraude e a violencia. E é por isso que se justifica e se torna indispensavel a intervençăo dos operarios nos regulamentos especiaes das differentes officinas--precisamente para que o patrăo fique reduzido á sua esphera de acçăo, e impossibilitado de vexar os trabalhadores, por meio de penalidades, que, alęm de uma tyrannia e de uma brutalidade sem nome, representam para o capitalista, um interesse e um beneficio. * * * * * Art. 11.ş--_Annulaçăo de todos os contractos que hajam alienado a propriedade publica (bancos, caminhos de ferro, minas, etc.), e a exploraçăo de todas as officinas do Estado, confiadas aos operarios que n'ellas trabalharem._ O partido operario pede a annulaçăo, pura e simples, dos contractos que teem permittido a um bando de capitalistas de se locupletarem, á custa da naçăo. O partido operario pede essa annulaçăo, năo para que o Estado, entrando na posse das minas, dos caminhos de ferro e dos bancos, e tornando-se, por sua vez, productor, os explore, em seu proveito, como tem succedido com os correios e telegraphos, com a moeda, com os tabacos e outros serviços publicos, de que faz monopolio, mas sim, para confiar a sua exploraçăo aos operarios, encarregados d'esses trabalhos. O programma socialista pede que a exploraçăo das officinas do Estado seja confiada aos operarios, que n'ellas trabalharem, com o duplo fim de melhorar a sua triste situaçăo e de provar experimentalmente, que, pela sua propria iniciativa e responsabilidade, estăo aptos para emprehender a referida exploraçăo. Sobre este assumpto divergem as escolas. Săo uns de opiniăo que todos os serviços publicos devem ficar a cargo do Estado e da communa; outros porém, sustentam que a absorpçăo gradual das industrias particulares pelo Estado augmentaria sensivelmente o numero dos salariados que o mesmo Estado explora. Teremos occasiăo de voltar ao assumpto no ultimo capitulo d'esta obra. * * * * * Art. 12.ş--a) _Aboliçăo de todos os impostos indirectos e transformaçăo dos impostos directos n'um imposto progressivo sobre os rendimentos que forem alęm de 3:000 francos._ b) _Suppressăo da herança em linha collateral e de toda a herança em linha directa que exceda a somma de 20.000 francos._ Nas sociedades burguezas, o imposto é um encargo a que tem de sujeitar-se todo o cidadăo, afim de garantir a sua pessoa e a sua propriedade. Ha duas especies de imposto--o imposto pessoal, ou imposto de sangue que todo o cidadăo tem de satisfazer pelo serviço militar, e o imposto impessoal que satisfaz pelo abandono e entrega de uma parte dos seus rendimentos. Para ser equitativa a distribuiçăo do imposto, todo o cidadăo deveria ser soldado e abandonar ao Estado uma parte do seu rendimento, progressivamente, e proporcional á sua quantidade. Se o que possue 100 fr. paga 10 fr., o que possue 1000 deverá pagar 200 fr., e o que possue um milhăo, 400.000 fr. Os impostos indirectos que recahem sobre os generos de consumo (păo, vinho, vestuario, etc.) obstam a que seja equitativa a sua distribuiçăo. Por exemplo: o operario que come por dia 1 kilo de păo paga duas vezes mais imposto do que o capitalista que come apenas meio kilo. O imposto indirecto é um meio jesuitico, inquisitorial, de depennar e de reduzir á miseria o operario, sem que elle d'isso se aperceba. Os ricos repellem o imposto progressivo que os obrigaria a pagar na proporçăo dos seus rendimentos; o imposto indirecto favorece-os de um modo escandaloso, e eis ahi está o motivo porque o defendem e applaudem. A aboliçăo dos impostos indirectos e a creaçăo de um imposto progressivo sobre o rendimento, reduziria seguramente o preço dos generos. A remodelaçăo e transformaçăo do imposto, seria para o operario a melhoria das suas condiçőes de existencia. O augmento, nos impostos indirectos, tem-se traduzido praticamente por um augmento na mortalidade. A creaçăo do imposto progressivo poder-se-hia traduzir por um augmento na alimentaçăo e na vida das classes trabalhadoras. A Convençăo havia estabelecido um imposto gradual e progressivo sobre o luxo e sobre todas as riquezas. Mas năo teve tempo para o applicar. Montesquieu, e todos os economistas orthodoxos, como Adăo Smith, J. B. Say e Rossi, pronunciaram-se pelo imposto progressivo. J. B. Say e Rossi, affirmaram-n'o claramente nas seguintes palavras: «Năo deixaria de ser razoavel que os ricos contribuissem para as despezas do estado, na proporçăo do seu rendimento, e ainda com mais alguma cousa alęm d'essa proporçăo.» Na Suissa está o imposto progressivo em vigor na maioria dos cantőes. Mas nem só a republica o perfilha e o applica. Tambem a real Inglaterra e a imperial Allemanha acceitaram e introduziram o imposto progressivo, no seu systema de impostos directos. _b)_ A herança estabelece, na sociedade, um privilegio e uma desegualdade revoltante. A sua suppressăo impőe-se, e, se năo completamente, pelo menos parcialmente. Em virtude da herança, a instrucçăo, a educaçăo, o gôzo, o bem estar contituem o privilegio dos favorecidos da fortuna. O pobre, o infeliz que năo herdou, tem de subjeitar-se aos caprichos do acaso e á lei do seu destino. O partido socialista quer a suppressăo da herança em linha collateral, restringindo-a e limitando-a a 20.000 francos na linha directa. N'outra parte diremos a que seria applicado o excedente das heranças, desde que ultrapassassem esta somma. * * * * * O PROGRAMMA DO PARTIDO SOCIALISTA EM PORTUGAL A titulo de curiosidade, publicamos, em seguida, o primeiro programma dos socialistas portuguezes, desde que se contituiram em partido. É um documento, por muitos titulos, importante, e que merece ser lido e apreciado pelo publico. A sua approvaçăo data do 1.ş congresso socialista, realisado em Lisboa, nos principios de 1877, tendo sido elaborado, após o celebre congresso de Haya, onde Portugal esteve representado por Lafargue. Vigorou até 1882, anno em que se celebrou n'esta capital uma conferencia dos delegados de Lisboa e Porto, sendo entăo substituido pelo actual programma que, ordinariamente se publica na quarta pagina do _Protesto Operario_. * * * * * Programma transitorio do partido socialista em Portugal O trabalho é a condiçăo de existencia de todos os individuos. Todos teem o dever de trabalhar imposto pela natureza. Com os productos do trabalho de todos deve subsistir a sociedade, e com os productos do trabalho da sociedade, effeituado por todos, deve subsistir cada individuo. A massa do trabalho da sociedade, que deve constituir a sua riqueza, deve constituir a propriedade social, commum ou publica. A parte do trabalho de cada individuo constitue a sua riqueza, e a riqueza do individuo deve constituir a propiedade individual. Sendo a propriedade social por natureza commum, ou publica, a propriedade individual deve ser privada ou pessoal. Tambem devem ser communs, ou publicas, as riquezas naturaes, năo creadas pela sociedade, nem pelos individuos. Taes săo as condiçőes de existencia da sociedade justa, isto é, em que todos os individuos subsistem pelo seu proprio trabalho, e em que a sociedade subsiste pelo trabalho de todos; em que o producto do trabalho de cada individuo é propriedade sua, e em que o producto do trabalho de todos, ou da natureza, năo é propriedade de alguem, mas sim da sociedade toda. * * * * * A constituiçăo da sociedade injusta é differente. Na sociedade injusta os individuos năo subsistem todos pelo seu proprio trabalho, e a sociedade năo subsiste pelo trabalho de todos. Uma parte da sociedade trabalha para si e para a outra parte que năo trabalha, produzindo os meios de subsistencia de todos os individuos. Um individuo trabalha como dois e mais, ou o duplo, ou pela metade do preço e por menos, para produzir os meios de subsistencia dos individuos que os năo produzem. Os meios de subsistencia, em que consiste toda a especie de propriedade, săo produzidos por uma parte dos individuos, e apropriados pela outra, que os năo produz. A riqueza, ou a propriedade, é o producto do trabalho de todos os individuos accumulado na măo de alguns. Os productores, ou creadores, da propriedade individual e publica năo possuem mesmo a parte com que subsistem. Esta parte é-lhes vendida, ou arrendada, pelos proprietarios, que accumulam mais productos do trabalho alheio por meio das transacçőes mercantes, isto é, das transacçőes da propriedade transformada em mercadorias. D'este modo se constitue a sociedade com proprietarios e năo proprietarios, com os possuidores da propriedade de todos os individuos e com os năo possuidores, que a produzem. A sociedade consta assim de duas classes: a dos ricos e a dos pobres ou proletarios, a superior e a inferior, a dominadora e a dependente ou salariada. Os proprietarios industriosos occupam-se em fazer trabalhar os proletarios na agricultura, na fabricaçăo e na manufactura dos meios de subsistencia, isto é, da propriedade transformada em mercadorias como objecto de commercio, de viaçăo e de jogo. A classe dos proletarios, ou miseraveis, conta tambem milhares de individuos que năo produzem: taes săo os mendigos e os defensores salariados da propriedade, escolhidos pelo estado de entre os mais vigorosos, para que năo a tomem aquelles que a produzem. Estes subjugam-se a si e a seus eguaes. A sociedade injusta subsiste só pela violencia, isto é, uma parte da sociedade arranca violentamente á outra a sua propriedade. A violencia existe sem manifestar-se, por ter sido no principio das sociedades policiadas estabelecida pela força, depois attestada pelas leis, depois acceita e transmittida por costume, pelas mesmas leis e pela mesma força. * * * * * Na epoca actual os proletarios, obrigados pela necessidade, constituem a sua classe de salariados, determinados a fazerem da associaçăo um poder, que modifique as violencias dos proprietarios industriosos, pela proposiçăo e estabelecimento de condiçőes, taes como: 1.Ş Estabelecimento do dia normal de trabalho, egual quanto possivel em todos os officios e em todas as estaçőes; 2.Ş Diminuiçăo do tempo de trabalho; 3.Ş Elevaçăo dos salarios; 4.Ş Salubridade e segurança dos logares onde se executa o trabalho; 5.Ş Melhoramentos particulares, tanto dos salarios como do tempo de trabalho, para os que exercem officios de sua natureza penosos e insalubres; 6.Ş Extincçăo do trabalho de jornal nos officios em que fôr applicavel o estabelecimento de tabellas de preços dos trabalhos; 7.Ş Extincçăo das categorias nos officios, taes como: ajudantes e serventes, devendo considerar-se as divisőes do trabalho năo como categorias, mas como ramos e especies do mesmo trabalho; 8.Ş Aboliçăo dos regulamentos das fabricas e manufacturas, como especie que é de contrato unilateral, em que săo partes os proprietarios e os miseraveis, tendo os proprietarios, como teem, liberdade de acçăo para despedir os trabalhadores e appellar para as leis nos casos de attentados; 9.Ş Egualdade do tempo de trabalho e dos salarios das mulheres e dos homens; 10.Ş Exclusăo das creanças das fabricas e manufacturas, e relaçăo do tempo de trabalho dos menores com a sua idade; 11.Ş Aboliçăo do tempo determinado de aprendizagem, e prohibiçăo de outros misteres estranhos a cada officio; 12.Ş Estabelecimento e eleiçăo de commissőes de exame e vigilancia compostas de officiaes, que julguem da aptidăo dos aprendizes em periodos determinados e curtos; 13.Ş Egualdade de tratamento para os aprendizes, como individuos racionaes, evitando-se assim a educaçăo aviltante que lhes incutem os costumes da obediencia passiva; 14.Ş Extincçăo dos signaes exteriores de obediencia e submissăo, como improprios da natureza humana; 15.Ş Exclusăo dos proprietarios e seus representantes das sociedades de trabalhadores, taes como: monte-pios, cooperativas, de recreio, instrucçăo e outras, com o fim de evitar a dominaçăo e o servilismo. * * * * * Ao mesmo tempo os proletarios, tendo conhecimento da situaçăo politica da sociedade, constituem-se em partido politico, determinados a crearem um poder, que modifique as violencias politicas da classe dominante, fazendo tambem representar nos poderes do estado os seus interesses de classe, excluidos das instituiçőes politicas e civis. O movimento politico da classe dos proletarios é transitorio. Existirá em quanto existirem classes, subordinando-se ás circumstancias e necessidades occorrentes. Presentemente, o modo de effeituar o movimento politico dos proletarios consiste em modificar o poder legislativo, pela substituiçăo dos individuos que o compőem, e que representam sómente a classe e os interesses da classe proprietaria. O pensamento, a aspiraçăo, o fim, do movimento dos proletarios constituidos em classe e em partido, é a implantaçăo e a constituiçăo da sociedade justa. A este movimento tudo é subordinado, inferior e transitorio. Os proletarios de todas as naçőes civilisadas, constituindo a associaçăo internacional dos trabalhadores, da qual nos declaramos um ramo, effeituam o mesmo movimento, e em cada uma organisam-se e procedem conformes ás instituiçőes politicas. Em Portugal, onde os poderes politicos săo constituidos publicamente, os proletarios procedem dentro das instituiçőes para realisarem o seguinte: 1.ş Instituiçăo dos municipios. _a)_ Constituiçăo dos municipios com todos os contribuintes da sua circumscripçăo. Divisăo dos municipios em circulos administrativos, e constituiçăo d'estes com todos os contribuintes da sua circumscripçăo. Serem contribuintes todos os individuos maiores que exerçam alguma profissăo. _b)_ Celebraçăo de sessőes periodicas, tanto nos municipios como nos circulos, onde os contribuintes, constituidos em assembléas, proponham, discutam e resolvam os respectivos interesses publicos. _c)_ Creaçăo de corpos gerentes, tanto dos municipios como dos circulos, por eleiçăo dos contribuintes nas assembléas respectivas. Responsabilidade individual dos membros dos corpos gerentes municipaes e dos circulos perante as assembléas respectivas, e sua sujeiçăo á justiça commum. _d)_ Elaboraçăo dos recenseamentos dos contribuintes, tanto dos circulos como dos municipios, pelos corpos gerentes respectivos. Validaçăo dos recenseamentos municipaes para todos os effeitos civis e politicos, publicos e privados. _e)_ Administraçăo dos rendimentos dos municipios feita pelos municipios, e a dos circulos feita pelos circulos, sem dependencia de poderes centraes, nem de regulamentos, nem de corpos e auctoridades superiores. _f)_ Integraçăo dos municipios na administraçăo das suas escolas, dos hospitaes, cadeias, vias publicas, correios e telegraphos, da sua circumscripçăo. _g)_ Repartiçăo e cobrança das contribuiçőes publicas feitas pelos municipios, e as d'estes pelos circulos ou pelos gremios de profissőes. Concurso e ordenados fixos para todos os officiaes de fazenda, effeituados por cada municipio. Installaçăo das repartiçőes de fazenda nos edificios municipaes. Responsabilidade dos officiaes de fazenda perante as assembléas respectivas, e sua sujeiçăo á justiça commum. _h)_ Provisăo dos officios de juizes e seus escrivăes, tanto do civel como do crime, por concurso aberto pelos municipios respectivos. Eleiçăo dos jurados. Nomeaçăo dos officiaes de justiça subalternos pelos juizes e jurados. Fixaçăo dos vencimentos de todos os officiaes de justiça, tanto superiores como subalternos, pagos por cada municipio. Installaçăo dos tribunaes de justiça em edificios municipaes. Responsabilidade dos officiaes de justiça perante as assembléas, e sua sujeiçăo á justiça commum. _i)_ Instituiçăo da policia municipal, regida e paga por cada municipio. _j)_ Estabelecimento de escolas de ensino technico de artes e officios, tanto ruraes como fabris, nos municipios, geridas e sustentadas por elles. _m)_ Alimentaçăo, vestuario e objectos de ensino dados pelos municipios aos menores miseraveis que frequentem as escolas. --Consequencias: Abrogaçăo do codigo administrativo, e sua substituiçăo por disposiçőes geraes no codigo fundamental, isto é, substituiçăo de leis por instituiçőes, que estabeleçam e garantam as liberdades politicas, publicas e individuaes, pela extincçăo das camaras municipaes, das juntas geraes, dos conselhos de districto, dos governos civis, das administraçőes dos concelhos, das regedorias e das juntas de parochia. 2.ş Conformaçăo dos codigos civil, commercial, judicial e penal com as disposiçőes de egualdade civil e politica estatuidas no codigo fundamental, abrogando-se no civel a parte que regula as condiçőes da servidăo e todos os contratos unilateraes. Revisăo periodica dos codigos. Aboliçăo do juramento, tanto no fôro politico, como no civil, judicial e militar. 3.ş Constituiçăo do poder legislativo com os delegados representantes de cada municipio, eleitos nas assembléas dos circulos pelos seus contribuintes. 4.ş Aboliçăo do recrutamento e das matriculas maritimas. Serviço militar voluntario. Sujeiçăo dos militares ás leis e aos tribunaes communs nos casos de offensas de direitos civis e politicos. 5.ş Reducçăo de todas as contribuiçőes, tanto para o estado como para os municipios, a uma unica, directa. Extincçăo immediata das barreiras, estabelecendo a livre circulaçăo dos generos alimenticios. Creaçăo de bilhetes de contribuiçăo divisiveis e vendaveis como os sellos, para que todos possam opportunamente compral-os durante o anno e pagarem assim a sua contribuiçăo. 6.ş Extincçăo dos privilegios a companhias e associaçőes. Rescisăo de seus contratos com o estado, e sua sujeiçăo e de seus membros á justiça commum. 7.ş Extincçăo dos privilegios, subsidios ou mercęs, subvençăo ou intervençăo do estado e dos municipios a individuos, a empresas, a estabelecimentos e a instituiçőes industriaes, scientificas, litterarias e religiosas. 8.ş Taxaçăo de todos os serviços publicos ao estrictamente necessario para o custeamento das suas despezas correntes. III A COOPERAÇĂO DOS TRABALHADORES COOPERAÇĂO E SOLIDARIEDADE.--INSTRUCÇĂO E ASSOCIAÇĂO.--O INTERNACIONALISMO.--AS COOPERAÇŐES OPERARIAS E ALGUNS DOS SEUS MAIS DEDICADOS E FERVOROSOS APOSTOLOS.---CESAR DE PAEPE, ANSEELE, JEAN VOLDERS, LOUIS BERTRAND. A solidariedade operaria năo é senăo um resultado da cooperaçăo. Disse-o Cesar de Paepe, num discurso eloquentissimo, pronunciado no congresso internacional cooperativo de Paris. «Năo ha, na Belgica, um Lassalle e um Schultze inimigos, exclamava o illustre chefe do socialismo belga; ha sim! um partido operario que é, ao mesmo tempo, cooperativista, republicano e socialista.» E accrescentou: «Os cooperadores belgas associaram-se sempre ás manifestaçőes em favor do suffragio universal. «As nossas sociedades cooperativas năo tęem por fim realisar interesses para alguns individuos, senăo, ao contrario, desenvolver os sentimentos de solidariedade entre os seus membros.» A cooperaçăo dos trabalhadores póde e deve tomar-se em dois sentidos differentes: um sentido restricto e um sentido amplo e generico. No primeiro caso, a cooperaçăo limita-se a explorar as cooperativas sociaes, quer sejam as de producçăo, quer sejam as de consumo, quer sejam as de credito. No segundo caso, a cooperaçăo estende-se alęm das fronteiras e affirma-se pelo principio da solidariedade de classe, no combate quotidiano contra o capitalismo e o industrialismo, em favor das reivindicaçőes operarias. [Gravura: Cesar de Paepe] Do mesmo modo que para todo o cidadăo ha duas patrias--a patria onde cada um exerce a sua actividade e essa outra grande patria, a que estamos vinculados pelos nossos ideaes e pelas nossas aspiraçőes, que se chama humanidade; assim tambem a cooperaçăo dos trabalhadores tem de ser, ao mesmo tempo, nacional e internacional: nacional pela affirmaçăo da solidariedade operaria, em cada paiz, e internacional pela affirmaçăo da solidariedade com os companheiros de todos os paizes, de todas as raças, de todas as religiőes e de todas as linguas. Da legislaçăo internacional do trabalho, fizeram os socialistas o artigo 1.ş do seu programma. O internacionalismo manifesta-se, a cada passo, nas relaçőes entre os povos. A facilidade de communicaçőes tem concorrido extraordinariamente para isso. Mas ao facto material da rapidez nas viagens, devemos juntar o facto moral da transformaçăo, realisada nos velhos processos politicos e da corrente, cada vez mais intensa e cada vez mais poderosa, das idéas modernas. _Proletarios de todo o mundo, uni-vos!_ Era esta a divisa de Karl Marx, e é esta a divisa do socialismo revolucionario. Mas a verdadeira uniăo só poderá conseguir-se pelas associaçőes de classe. No dia em que o proletariado tiver realisado este grande e supremo _desideratum_, n'esse dia terá soado a hora da sua emancipaçăo. E deante do formidavel exercito, năo haverá nem canhőes Krupp nem espingardas Kropateschaek que valham ou prevaleçam. Isto matará aquillo. O proletariado organisado matará a realeza armada. O trabalhador vencerá o soldado. O homem livre e consciente transformará o velho mundo, enthronisando a paz e a justiça, no logar onde campeava a iniquidade e a desegualdade social. A beneficencia publica e particular, a caridade official e outros palliativos de egual natureza, săo impotentes para resolver o problema, porque humilham aquelle que se pretende beneficiar, rebaixam os caracteres, engendram a preguiça e entreteem a mendicidade. Năo se trata apenas, de soccorrer os pobres: o que se trata é de supprimir a pobreza. E para isso é mister que a sociedade, em vez de uma madrasta odienta, se converta em măe protectora e disvelada; é mister que a todos, sem excepçăo, seja garantido o direito á instrucçăo e o direito ao trabalho, que săo uma consequencia do direito á existencia; é mister que a educaçăo e os meios de produzir năo constituam o privilegio de uma minoria rica e favorecida da sorte; é mister, năo só que todos sejam eguaes perante a lei, senăo tambem que todos sejam eguaes perante a sociedade, pelo desenvolvimento physico e moral, pela posse dos instrumentos de producçăo e pelo gozo do credito; é mister, emfim, que o altruismo e a bondade se sobreponham ao egoismo e á crueldade das modernas sociedades. * * * * * AS COOPERATIVAS OPERARIAS Ha quem pense que as cooperativas operarias podem concorrer poderosamente para a extincçăo da miseria. Năo somos d'esse numero. As cooperativas, (e quando fallo em cooperativas, refiro-me particularmente ás cooperativas de consumo) podem, quando muito, attenuar, e attenuam, com effeito, as condiçőes de existencia do proletariado. Mas d'ahi, a resolver o problema da sua emancipaçăo, vae um abysmo. Quer isto dizer que tenham sido estereis todas as tentativas feitas para manter e sustentar as cooperativas? De modo algum. Entre os que tudo pedem e esperam da iniciativa das corporaçőes operarias e os que tudo esperam do Estado, entre os dois exclusivismos, ha um meio termo que Malon synthetisava nas palavras de um velho proverbio: _Aide-toi, les pouvoirs publics t'aideront._ Os esforços cooperativos e corporativos, do mesmo modo que a procura de uma melhoria immediata, devem ter por alvo a educaçăo administrativa e a organisaçăo dos trabalhadores, para se chegar á aboliçăo do salariado, com o concurso dos poderes publicos, influenciados primeiro e conquistados depois.[3] Tal era o programma do pae da cooperaçăo, o illustre Robert Owen; mas năo foi esta a politica seguida pelos seus successores, que mutilaram a ideia do mestre, fazendo da cooperaçăo um _fim_, quando năo é nem deve ser senăo um _meio_. * * * * * OS APOSTOLOS DA COOPERAÇĂO Durante muito tempo, foi grande e profunda a inimisade entre cooperativistas e socialistas, se bem que o principio da cooperaçăo tenha uma origem caracterisadamente socialista, tendo sido, como já dissemos, Robert Owen o seu primeiro apostolo. A elle se devem as primeiras tentativas de cooperaçăo; foi elle quem inventou a palavra e quem propagou a theoria. Robert Owen, o inventor e o apostolo das _sociedades cooperativas_--escrevia d'Assaily que para todos deve ser insuspeito, pela sua tendencia conservadora e retrograda--pretendeu realisal-as n'um estabelecimento, onde o trabalho collectivo abraçasse, ao mesmo tempo, a agricultura e a industria; onde o espirito tivesse, como o corpo, a sua parte de legitima satisfaçăo; onde o trabalho fosse voluntario; onde năo fosse punida a minima infracçăo; onde năo fossem obrigatorias quaesquer privaçőes, e onde o respeito dos direitos fosse o resultado d'um mutuo interesse.» A idéa de Robert Owen era demasiadamente idealista e synthetica para o proletariado da Inglaterra. Mas, pratico como é, o operario inglez descobriu-lhe logo o lado util, e assim nasceram as cooperativas de consumo, que, após algumas tentativas, chegaram a ter um resultado brilhante nos _Pionniers de Rochdale_. Só é efficaz a cooperativa de consumo; a de producçăo é impotente para luctar com outras emprezas congeneres, attenta a difficuldade em obter o capital que é, por via de regra, superior ás forças operarias; e a de credito, por seu turno, tropeça praticamente com embaraços e obstaculos insuperaveis. Devemos, porém, repetir, com Malon, que todas as fórmas cooperativas servem, em geral, para preparar a educaçăo administrativa do proletariado, tornando-o mais apto para as reivindicaçőes de ordem politica e social. Os socialistas fazem mal, rebaixando e combatendo as tentativas cooperativistas. Do mesmo modo que a iniciativa individual só por si seria impotente, assim tambem a acçăo dos poderes publicos năo poderá ser nunca verdadeiramente benefica, se năo fôr secundada pelos esforços collectivos de um proletariado já familiarisado com as difficuldades administrativas das organisaçőes politicas e economicas. Sob este ponto de vista, a cooperaçăo, verdadeira escola de pratica industrial e commercial, desembaraçando-se pouco a pouco do primeiro exclusivismo, é uma excellente preparaçăo para as reformas sociaes, que o proletariado terá um dia de arrancar aos poderes publicos. N'uma palavra, cooperadores e socialistas săo militantes na mesma obra de renovaçăo e de justiça. Os trabalhos de uns e as luctas dos outros completam-se mutuamente, e a sua uniăo apressaria o dia, por todos desejado, da emancipaçăo humana. Associamos-nos pois, de todo o coraçăo ao generoso appęlo dirigido aos socialistas por Louis Bertrand, que é, ao mesmo tempo, um dos primeiros vulgarisadores do collectivismo e um cooperador pratico. «Á obra pois, companheiros, á obra! Năo esqueçais nunca que qualquer nova sociedade cooperativa é um passo a mais para a sociedade do futuro, a sociedade que sonhamos, feita de justiça e de solidariedade, e na qual todos encontrarăo o seu bem-estar em troca de um trabalho facil e remunerador. «Mas năo olvideis, sobretudo, que o fim a attingir năo se limita a beneficiar ou a fazer beneficiar os operarios de alguns francos por semana ou por mez, e que é preciso ter sempre em vista o fim supremo: a libertaçăo completa da classe operaria pela suppressăo do salariado e pela applicaçăo das doutrinas socialistas.»[4] [Gravura: Louis Bertrand] Na cooperaçăo belga destacam-se cinco grandes realisaçőes, porventura as primeiras e as mais solidas realisaçőes do principio cooperativista: a sociedade do _Vooruit (ŕvante)_, de Gand; o _Progrés_, de Jolimont-La-Louvričre; a _Maison du Peuple_, de Bruxellas; o _Werker_, d'Anvers; e a _Populaire_, de Liége. A mais importante, o _Vooruit_, possue uma padaria, officinas de calçado, de vestuario, de quinquilheria, _armazens_ de carvăo e um café restaurante onde é prohibida a venda de bebidas alcoolicas. O _Vooruit_ possue tambem uma caixa de soccorros, sendo os doentes curados gratuitamente. O jornal que se intitula _Vooruit_ tira por dia 10:000 exemplares. A sociedade _Vooruit_ tem 40 administradores e 150 empregados, e fazem negocios 2.500.000 francos por anno. O centro de estudos, as camaras syndicaes, as sociedades de musica e de gymnastica, constituem outras tantas secçőes da cooperativa que tem servido de modelo a todas as outras cooperativas belgas. [Gravura: Anseele] Anseele é o gerente do _Vooruit_, como Jean Volders é o gerente da _Maison du Peuple_. A elles se deve uma parte da propaganda socialista da Belgica, porque as cooperativas, n'aquelle paiz, apresentam uma feiçăo eminentemente revolucionaria e constituem, para o proletariado, uma formidavel arma de combate. Quantas _grčves_ năo teem sido sustentadas com o păo e o carvăo distribuido pelas cooperativas?! É que os belgas fizeram das cooperativas de consumo, ao mesmo tempo, um elemento de interesse pessoal, de resistencia politica e de propaganda socialista. Os dividendos a distribuir a cada associado constituem o fundo social do partido. E d'este modo, tăo digno de ser imitado, organisaram os socialistas belgas o mais poderoso e valente exercito que temos visto e admirado, o grande e honrado exercito da sciencia e do trabalho, o invencivel exercito do povo, o exercito do futuro! [Gravura: Jean Volders] Os cinco grupos, acima referidos, năo comprehendem, ainda assim, todo o movimento cooperativo belga, que, em 1889, havia attingido os algarismos seguintes: Cooperativas alimenticias 53 Padarias 36 Bancos populares 19 Sociedades de producçăo 18 Syndicatos agricolas 15 Cooperativas de industriaes e commerciantes 10 Pharmacias populares 6 Uniőes de credito 5 Diversas sociedades 17 Total 179 E Jean Volders năo descança um momento, percorrendo a Belgica em missăo de propaganda, uma e mais vezes por anno, espalhando a ideia e attrahindo proselytos á sua generosa causa! Uni-vos pois, trabalhadores! Organisae-vos e defendei-vos, creando escolas, estabelecendo cooperativas, fundando associaçőes de classe e preparando-vos por todos os meios, para o supremo combate contra os vossos exploradores e os vossos inimigos. Sois hoje o numero e sereis ámanhă a qualidade! Para isso uma unica cousa bastará:--que vos associeis, nacional e internacionalmente. Na associaçăo está a vossa força. Usae d'ella! Reuni os vossos elementos. Instrui, trabalhae, educae-vos. Sereis os vencedores. O mal năo está n'este ou n'aquelle paiz: está na sociedade em geral. Os governos recuam e os reis e imperadores pensam que a salvaçăo está na morte ou no desapparecimento dos insubmissos e rebeldes. Puro engano! Os effeitos hăo ser os mesmos, emquanto subsistirem as mesmas causas. Eliminae o mal, pela vossa perseverança na lucta e pela vossa constancia no combate. Formae, adestrae os vossos batalhőes. Sois regimento e sereis exercito. Tendes por vós a razăo e a justiça. Confiae no futuro. Que a voz de commando seja só uma e que a obediencia seja geral e completa! O proletariado é só um, tem um só interesse e uma só aspiraçăo. Năo conhece raças, nem linguas, nem religiőes. No dia em que elle quizer, nenhuma outra vontade lhe será superior. A humanidade é o supremo ideal, e, pensando n'ella, abstrahimos de nós mesmos, e das miserias e torpezas do mundo. IV ARBITRAGEM INTERNACIONAL SOCIEDADES DA PAZ.--EMILE ARNAUD.--O MILITARISMO.--DOMELA NIEUWENHUIS.--ARBITRAGEM INTERNACIONAL.--MICHEL REVON.--A FEDERAÇĂO E OS SEUS APOSTOLOS.--NACIONALISMO E INTERNACIONALISMO.--ALFREDO NAQUET.--RENÉ GOBLET E AUGUSTO VACQUERIE.--A GUERRA VENCIDA PELA ARBITRAGEM.--O DESARMAMENTO.--EDUARDO VAILLANT. O movimento em favor da paz, vae-se accentuando de dia para dia. É consolador registar o facto e apreciar as suas consequencias. Sobe a mais de cincoenta o numero das sociedades da paz de que temos conhecimento e que realmente funccionam. ALLEMANHA _Sociedade da Paz_ (presidente o conde Bodner)--_Wiesbaden._ _Sociedade da Paz em Berlim_ (presidente o dr. Mühling)--Berlim. _Sociedade da Paz em Ulm_ (presidente H. Eberle)--_Neu-Ulm._ _Sociedade da Paz em Francfort_ (presidente Franz Wirth)--_Francfort_. _Sociedade da Paz em Constança_ (presidente professor Martens)--_Constanz_. INGLATERRA _International Arbitration and peace association_ (presidente Hodgson Pratt)--_London_. _Peace Society_ (presidente Joseph Pease)--_London_. _Local Peace Association_ (presidente M.elle Peckover)--_Wisbech_. _Peace Society of Liverpool_ (presidente Thomas Suape)--_Liverpool_. _International Arbitration League_ (presidente Cremer)--_London_. _Local Peace Association_ (presidente Rowntree)--_York_. _Woman's Peace and Arbitration Society_ (presidente Thompson)--_Birkenhead_. AUSTRIA _Oesterr. Friedensgesselschaft_ (presidente a baroneza de Suttner)--_Vienna_. _Societé Universitaire de la paix_ (presidente dr. Steckel)--_Vienna_. BELGICA _Section belge de l'arbitrage et de la paix_ (secretario Lafontaine)--_Bruxellas_. DINAMARCA _Association pour la neutralisation de la Danemark_ (presidente Frederico Bajer)--_Copenhague_. FRANÇA _Ligue internationale de la paix et de la liberté_ (presidente Emile Arnaud)--_Luzarches_. _Societé française de l'arbitrage entre nations_ (presidente Frederic Passy)--_Neuilly_. _Ligue du Bien public_ (presidente Pierre Potonié)--_Fontenay_. _Societé de la paix du familistére de Guise_ (presidente Bernardot)--_Guise_. _Societé de la paix perpétuelle par la justice internationale_ (presidente Philippe Destrem)--_Paris_. _Groupe des amis de la paix du Puy-de-Dóme_ (presidente Pardoux)--_Clermont-Ferrani_. _Association des jeunes amis de la paix_ (presidente Dumas)--_Paris_. _Societé universitaire internationale_ (presidente Dumas)--_Paris_. _Societé de la paix d'Abbeville et de Ponthieux_ (presidente Jules Tripier)--_Eancourt_. _Union Méditerranéenne_ (presidente Gromier)--_Paris_. _Comité de la Sarthe_ (presidente Destriché)--_Sarthe_. _Société de la paix de Felletin_ (presidente Abbé Pichot)--_Felletin_. HOLLANDA _Pax Humanitate_ (presidente Schook)--_Amsterdam_. _Société Générale de la paix_ (presidente Moddermann)--_Haya_. ITALIA _Union Lombarda_ (presidente Theodoro Moncta)--_Milăo_. _Comité Romano da Paz_ (presidente Boughi)--_Roma_. _Sociedade da paz de Turim_ (presidente Armandon)--_Turim_. _Sociedade da paz de Palermo_ (presidente Aguanno)--_Palermo_. _Sociedade da paz e da arbitragem de Perugia_ (presidente Leopoldo Tiberi)--_Perugia_. SUECIA _Sociedade da Paz_ (presidente Wawrinsky)--_Stockholmo_. SUISSA LIGA INTERNACIONAL DA PAZ E DA LIBERDADE --_Comité central_ (secretario M.me Goegg)--_Genčve_. --_Secçăo de Neuchatel_ (presidente Gustavo Renaud)--_Neuchatel_. --_Secçăo de Berne_ (presidente W. Marcussen)--_Berne_. --_Secçăo de Saint Gall_ (presidente Schimd)--_Saint Gall_. --_Secçăo de Zurich_ (presidente Gustavo Vogt)--_Zurich_. --_Secçăo de Genebra_ (presidente dr. Cordés)--_Genčve_. ESTADOS UNIDOS DA AMERICA --_Sociedade americana da paz_ (presidente dr. Trueblood)--_Boston_. _Sociedade christă para a arbitragem da paz_ (presidente Wood)--_Philadelphia_. _Associaçăo nacional da arbitragem_ (presidente Gardener)--_Washington_. _National Association for the Promotion of Arbitration_ (presidente Lockwood)--_Washington_. _Associaçăo da arbitragem da California_ (presidente Berwick)--_Monterey (California)_. _Universal Peace Union_ (presidente Loye)--_Philadelphia_. _Peace Department of the N. W. C. T. U._ (presidente Bailey)--_Maine U. S. A._ _Peace Association of friends in America_ (Daniel Whill secret.)--_Richmond, Ind. U. S. A._ _South Carolina Peace Society_--_Columbia S. C._ _Illinois Peace Society_ (presidente Allen)--_Chicago III._ _Connecticut Peace Society_ (Whipple, secret.)--_Old Mistic Conn. U. S. A._ _Rhode Island Peace Society_ (Robert, secret.)--_Providence R. I. U. S. A._ _Friend's Peace Association of Philadelphia_ (presidente Wickersham)--_Philadelphia_. _National Peacy Society_ (presidente Ellen Lease)--_Topeka (Kausao) U. S. A._ A paz constitue hoje o supremo _desideratum_ da humanidade trabalhadora. Mas a paz tem um complemento indispensavel--a liberdade e a justiça. D'este modo o antigo adagio: _Si vis pacem, para bellum (Se queres a paz prepara a guerra)_, que havia sido substituido por est'outro, năo menos illusorio: _Si vis pacem, para pacem (Se queres a paz prepara a paz)_, foi transformado, ao sopro da revoluçăo, pelo seguinte principio: _Si vis pacem, para libertatem (Se queres a paz prepara a liberdade)_. Com o progresso dos tempos, reconheceu-se porém, que a paz pela liberdade era ainda pouco, e Aurelio Saffi, traduzindo as aspiraçőes dos philosophos e pensadores da sua época, estabeleceu o lemma da _paz pela liberdade e pela justiça (si vis pacem, para libertatem et justitiam)_. Mais tarde, Carlos Lemmonier reforçou esta formula, demonstrando que a paz, assim como a liberdade, năo devia ser um _fim_, mas apenas um _meio_. E os philantropos, aceitando a observaçăo, principiaram entăo de apregoar a paz _pela_ liberdade e _por amor_ da justiça. [Gravura: Emile Arnaud] A formula de hoje--diz ajuizadamente Emile Arnaud--a unica que corresponde ao estado actual da Europa e á situaçăo especial de cada paiz, é a seguinte: _Si vis justitiam, para pacem (Se queres a justiça, prepara a paz)_. E, uma vez que fallamos em Emile Arnaud, o glorioso continuador da doutrina de Carlos Lemmonier, devemos dizer que dos apostolos e evangelistas da paz, é elle um dos mais ardentes, um dos mais convictos e um dos mais activos. A _Liga Internacional da Paz e da Liberdade_ está organisada como nenhuma outra sociedade, com ramificaçőes em toda a Suissa e secçőes e _comités_ em todos os outros paizes da Europa. * * * * * O MILITARISMO.--DOMELA NIEUWENHUIS. Em caso de guerra, qual deverá ser a attitude do partido operario socialista?--perguntava-se no congresso de Zurich. Domela Nieuwenhuis, o sympathico e benemerito chefe do socialismo na Hollanda, já havia respondido a esta pergunta no congresso de Bruxellas, em 1891. Em caso de guerra, aconselhava Nieuwenhuis a _proclamaçăo de uma gréve militar e de uma gréve geral_. Esta mesma idéa havia já sido enunciada na mesma cidade de Bruxellas, em 1868, por occasiăo do Congresso da Associaçăo Internacional dos Trabalhadores. Por unanimidade havia sido approvada a resoluçăo seguinte: «O congresso recommenda, sobretudo, aos trabalhadores a suspensăo de todo o trabalho, no caso em que uma guerra viesse a explodir nos seus respectivos paizes. O congresso conta sufficientemente com o espirito de solidariedade, que anima os trabalhadores, que năo se negarăo a prestar o seu apoio a esta guerra dos povos contra a guerra.» Cesar de Paepe propôz dois meios: 1.ş A recusa em satisfazer o serviço militar, ou, o que vale o mesmo, a gréve geral; 2.ş A resoluçăo definitiva da questăo social, ou, por outros termos, a revoluçăo social na Europa. O militarismo năo póde ser combatido com simples protestos. Á guerra é mister oppôr a guerra, diz muito bem Domela Nieuwenhuis. Já era este tambem o grito de Victor Hugo. Guerra á guerra! Morte á morte! [Gravura: Domela Nieuwenhuis] Năo basta só condemnar a guerra. É mister impedil-a, por todos meios, evital-a e _deshonral-a_, ainda na phrase do Mestre. No manifesto, feito por occasiăo da guerra civil em França, e redigido por Karl Marx, o conselho geral da Internacional declarou que, no longo curso da historia, uma unica guerra podia justificar-se--era a guerra dos escravos contra os senhores. Eis o motivo porque, em caso de guerra, nós devemos responder, recusando-nos ao serviço militar, quer dizer, proclamando a guerra civil. O partido socialista quer acabar com as guerras nacionaes, substituindo-as pela guerra internacional, cujo ultimo resultado será a emancipaçăo do proletariado. Propômos a gréve geral, sobretudo nos officios e profissőes, que tenham qualquer relaçăo com a guerra, porque isso póde ser de grande utilidade. Com effeito, se, em caso de proclamaçăo de hostilidades, os operarios fizerem tudo quanto poderem, para destruir as rędes telegraphicas, os _rails_, as machinas, numa palavra para impedir o encontro dos exercitos, é claro que a guerra se tornará impossivel. Apesar de tudo--concluia Domela Nieuwenhuis[5]--continuaremos a nossa propaganda, para fazer germinar a idéa da _recusa de serviço em caso de guerra_, acompanhada de uma _grčve_ geral. Esta idéa fará o seu caminho. O proletariado deve arriscar o seu sangue unicamente contra o seu unico e verdadeiro inimigo: _o capitalismo_. * * * * * ARBITRAGEM INTERNACIONAL.--MICHEL REVON Para acabar com a guerra, propőe Michel Revon, pelo seu lado, e com elle outros notaveis pensadores, á frente dos quaes se encontra Frederico Passy, a arbitragem internacional. Atravessamos um periodo de transiçăo--escreve elle[6]--que póde durar ainda dois ou tres annos, mas que năo poderá prolongar-se. Em dez annos, ou a guerra geral terá arruinado a Europa, ou o militarismo se haverá tornado impotente. A lucta entre o espirito da guerra e o espirito da paz, está por ora indecisa. O momento «psychologico» poderá surgir em 1894, como em 1895 ou em 1896. Em 1900 é que năo. Segundo o criterio desenvolvido por Michel Revon no seu bello livro, a guerra teve outr'ora a sua rasăo de ser. Foi já um phenomeno divino, mas é hoje um anachronismo e uma brutalidade sem nome. Em tres seculos os armamentos actuaes pertencerăo aos museus archeologicos. Săo precisos os exercitos permanentes, para quę?--Para que os ricos durmam descançados, como dizia Balzac? É precisa a guerra para quę? Para devastar e exterminar a humanidade? N'esse caso, proclamem tambem as vantagens das epidemias que dizimam as populaçőes e das grandes catastrophes que enchem de victimas as localidades. A guerra só se justificava entre povos barbaros, em plena noite da historia. Vergniaud pinta-nos effectivamente os povos, combatendo durante a noite, como amigos ou irmăos que se năo conhecessem, mas promptos a abraçarem-se e a fraternisarem, desde que a luz, descobrindo-os, os tornou conhecidos uns dos outros. Quem é que năo conhece o obra prima de Proudhon:--a Justiça e a Vingança perseguindo o crime? A victima jaz por terra; o assassino foje; no ambiente azulado da noite, entrevęem-se, porém, as duas deusas agitando-se, terriveis e fataes, compasso seguro e tranquillo; ellas sabem perfeitamente, as immortaes, que, cedo ou tarde, o criminoso lhes hade cahir nas măos, porque nenhum ainda lhes escapou. Esta perseguiçăo dramatisada do mal pelo direito, esta vibrante condemnaçăo d'esse hediondo crime que se chama a guerra, esta passagem formidavel da vingança e da justiça de Deus, năo é outra cousa, no fundo, senăo a propria revoluçăo da civilisaçăo humana. É, n'uma palavra, a verdade suprema da historia, o seu principio de vida e o seu mais salutar ensinamento. Para todos aquelles que, estudando a historia, observaram as duas tendencias que nos offerecem as civilisaçőes da antiguidade--a tendencia para a paz e a tendencia para a guerra, n'uma lucta épica, semelhante á lucta entre a morte e a vida; para aquelles que, analysando o christianismo, as perturbaçőes da edade média, e o esforço immenso do papado, chegaram emfim, aos tempos modernos, e á transformaçăo dos Estados europeus, para esses năo póde a arbitragem internacional apresentar a minima duvida, por isso que ella năo é senăo o resultado dos progressos alcançados pelo direito positivo moderno, que nol-a apresenta em nossos dias, na sua preparaçăo social, na sua elaboraçăo juridica e nas suas applicaçőes. A arbitragem é, no dizer de Revon, uma reforma absolutamente necessaria, muito possivel de realisar, mas, ao mesmo tempo, de uma difficuldade extrema, visto como a sua pratica depende năo só de uma transformaçăo moral, economica, juridica, e sobretudo do meio em que terá de se desenvolver, senăo tambem do funccionamento de uma jurisdicçăo internacional, sob todas as suas fórmas variadas, insensiveis, e necessariamente ligadas umas ás outras, desde a simples arbitragem facultativa até ao tribunal geral, no triplice ponto de vista da sua organisaçăo, da sua competencia e do seu processo. * * * * * A FEDERAÇĂO E OS SEUS APOSTOLOS «A guerra é um facto barbaro, e os exercitos săo instituiçőes barbaras, disse-o Victor Considérant. O principal dogma da republica democratica--_Liberdade, Egualdade, Fraternidade_--constitue, com a guerra e os exercitos, uma triplice contradicçăo. O progresso nos povos deve contribuir para o desapparecimento da guerra, transformando os exercitos _destructores_ em exercitos _productores_.» Herbert Spencer, no fim do terceiro volume dos seus _Principios de Sociologia_, resume do seguinte modo o seu profundissimo estudo sobre as instituiçőes politicas: «A possibilidade de um estado social superior, tanto em politica, como em geral, depende de um facto fundamental: a cessaçăo da guerra. Tal é a conclusăo mais importante a que chegam todas as partes do nosso trabalho. Depois de tudo o que dissémos, é inutil insistir ainda sobre os effeitos da persistencia do militarismo, o qual, conservando as instituiçőes adaptadas ás suas necessidades, impede ou neutralisa a transformaçăo d'essas instituiçőes ou d'essas leis n'um sentido mais equitativo, ao passo que a paz permanente ha de ser seguida necessariamente por melhoramentos sociaes de toda a especie. «A guerra deu tudo o que podia dar. A occupaçăo da terra pelas raças mais poderosas e intelligentes é um beneficio, já realisado em grande parte; o que está por conquistar năo reclama senăo uma cousa: a pressăo crescente que exerce uma civilisaçăo industrial sobre uma barbarie que recúa. A integraçăo que fusiona grupos simples em grupos compostos, como resultado de um estado de guerra, e que conduz no fim de certo tempo á formaçăo das grandes nacionalidades, é uma operaçăo que parece ter tocado o seu termo. Os imperios formados de povos estranhos uns aos outros, desmembram-se ordinariamente, quando desapparece a força coerciva que os mantinha. E, ainda quando mesmo ficassem unidos, năo poderiam jámais constituir um todo harmonioso. Uma _federaçăo pacifica_ é o unico processo de _consolidaçăo_ que se póde prevęr.» Tal é a opiniăo do grande philosopho. Para elle a paz é o fundamento da moral. Era esta tambem a opiniăo de Kant que consagrou a moral como a base de toda a politica. Em sua opiniăo, todo o direito civil, politico ou internacional constitue uma ligaçăo entre duas vontades, e baseia-se no respeito reciproco das liberdades. Quer se trate de dois povos, quer de duas pessoas, o estado de guerra significa estado de natureza, e é um dever sahir d'elle. Sob o ponto de vista da rasăo, năo ha senăo um meio de tirar os Estados da situaçăo violenta em que se encontram, renunciando á liberdade anarchica dos selvagens, e submettendo-os ao imperio de leis mais liberaes, afim de formar assim um Estado de naçőes (_civitas gentium_) que possa augmentar insensivelmente, até abraçar, pouco a pouco, todos os povos da terra. Será chimerico este ideal de paz? Năo, responde Kant, por isso que é obrigatorio. E que terá de realisar-se, prova-o năo só o inevitavel progresso do direito, senăo tambem o progresso dos interesses. Os interesses economicos deverăo tornar a guerra impossivel. A natureza garante a paz, pelo simples equilibrio das paixőes humanas. A federaçăo dos povos năo será só o desarmamento dos reis e imperadores; será tambem o aniquilamento da guerra. No dia em que todos os cidadăos souberem conciliar, no seu coraçăo, a idéa de patria e a idéa de humanidade, n'esse dia a paz pela federaçăo haverá triumphado definitivamente no mundo. O que torna os povos inimigos uns dos outros, é o sentimento de nacionalidade, levado até á barbarie. Mas o homem moderno é essencialmente cosmopolita. O amor pela patria năo exclue o amor da humanidade. Ao contrario, estes dois sentimentos completam-se e identificam-se, num mesmo ideal e n'uma mesma aspiraçăo de progresso. Da comprehensăo d'este principio deriva, a nosso ver, toda a moderna philosophia social. Dir-nos-hăo, talvez, que năo somos patriotas. A esta accusaçăo responde Alfredo Naquet, o grande e glorioso pensador, n'uma soberba carta que nos dirigiu, a proposito da _Federaçăo Iberica_: [Gravura: Alfredo Naquet] «Năo! se o patriotismo é feito de um espirito estreito e sectario, e á custa do odio dos outros povos e de aspiraçőes militares--eu năo sou patriota. «Mas se o patriotismo consiste em amar profundamente o paiz onde nascemos, e onde exercemos a nossa actividade, n'esse caso sou patriota. «Amo apaixonadamente a França. Amo-a porque foi no seu espirito que moldei o meu cerebro, e porque as minhas aspiraçőes, os meus sentimentos, e os meus instinctos, n'ella se desenvolveram; amo-a porque ella constitue um factor indispensavel do grande trabalho humano; e, mesmo por cosmopolitismo, teria ainda de ser patriota. Amo-a bastante para tudo sacrificar por ella e pela sua defesa no dia em que fosse necessario--a minha fortuna, a minha liberdade e a minha vida. «Mas estou convencido que a patria europeia será tăo superior ás patrias de hoje, como a França o é á Borgonha, a Hespanha á Andaluzia, e o Reino-Unido á Inglaterra ou á Escocia. «E, no dia em que fôr possivel substituir a patria nova ás antigas patrias, sem prejuizo do amor e das homenagens que estas nos merecem, n'esse dia, entre o que foi grande e o que deverá ser ainda maior, a minha escolha far-se-ha sem hesitaçăo. «Năo tenho a esperança de assistir a esse espectaculo radioso. É provavel, quem sabe? que eu morra francez, pensando quasi exclusivamente, além das minhas meditaçőes philosophicas, na defesa, na grandeza e na prosperidade d'este bello e nobre paiz. Mas invejo aquelles que tiverem de assistir á creaçăo dos Estados-Unidos da Europa.» E pensam assim todos os grandes pensadores modernos. No estabelecimento de uma _Federaçăo occidental_, baseava Littré toda a politica do futuro. Emile de Laveleye conclue o seu bello livro _La Démocratie_, pela apologia de uma _federaçăo fraternal_. Federalista foi Garibaldi, que presidiu, em 1867, ao primeiro congresso da _Liga Internacional da paz e da liberdade_; federalista foi Mazzini; federalista foi Victor Hugo. Săo federalistas todas as sociedades de paz, que, presentemente, existem e funccionam. Em Italia, como em Hespanha e Portugal, o federalismo ganha terreno de dia para dia. O proprio sr. Crispi, actual presidente de conselho de ministros, declarava, n'um dos seus ultimos discursos que era para a federaçăo que os povos caminhavam. Em França, săo muitos os partidarios da federaçăo. Citemos, principalmente, dois--um por ser o representante destas idéas no parlamento, e outro por ser, na imprensa, o seu glorioso interprete. Refiro-me a René Goblet e a Augusto Vacquerie. * * * * * RENÉ GOBLET Para bem se apreciar esta altissima personalidade, seria necessario fazer a historia da politica franceza d'estes ultimos vinte annos. Eleito deputado á Assembléa Nacional em 1871, Goblet nunca mais deixou de pertencer ao parlamento, a năo ser no periodo que decorreu desde as eleiçőes geraes de 1889 até á sua eleiçăo para o senado em 1891. [Gravura: René Goblet] Goblet pensa, e muito bem, que a republica é mais alguma cousa do que uma simples mudança de pessoal governamental, e que deve, sob pena de morte, tirar todas as consequencias do seu principio, correspondendo plenamente á confiança que o povo n'ella deposita. E eis ahi o motivo porque năo duvidou aproximar-se dos socialistas. Mudar de instituiçőes, unicamente para beneficiar meia duzia de favorecidos de um dado partido ou de uma determinada politica, é cousa que năo póde merecer o sacrificio do povo. Se, com a mudança de instituiçőes, se năo póde, ao mesmo tempo, reorganisar economicamente a sociedade ou remodelar o seu modo de ser social, a transformaçăo é esteril e sem resultado. Assim pensa Goblet, e assim deveriam pensar todos os que sinceramente amam os principios republicanos. «Duas especies de politica săo possiveis--dizia elle n'um dos seus maravilhosos discursos: a politica conservadora e a politica de progresso, que consiste em realisar as reformas politicas, sociaes, economicas, financeiras e administrativas, que, em todos os tempos, foram consideradas, como que o programma necessario da democracia republicana.» Goblet é republicano socialista, e é, na actual camara franceza, um dos chefes mais authorisados do glorioso grupo a que pertencem Millerand, Jaurés, Rouanet, etc., e que pretende a revisăo immediata da Constituiçăo e a discussăo e approvaçăo de alguns dos primeiros artigos do programma socialista. É tambem federalista convicto, e um d'aquelles que acreditam que é no estado federativo que reside o futuro para as naçőes da Europa. O problema da guerra só no principio federalista poderá encontrar a sua soluçăo logica e natural. É esta a sua opiniăo que muito o honra e a que eu năo posso deixar de prestar a minha respeitosa e profunda homenagem. * * * * * AUGUSTO VACQUERIE Augusto Vacquerie é, em França, o continuador da obra de Victor Hugo. Jornalista primoroso, poeta e escriptor dramatico applaudidissimo, a sua vida podia e devia servir de modelo a todos os que ás letras e á politica se consagram. É um puro, na verdadeira accepçăo da palavra, e nunca jámais a ambiçăo maculou os seus principios ou a vaidade toldou as suas aspiraçőes. Propugnador das doutrinas do Mestre, tem sempre defendido, com enthusiasmo e ardôr, o bello e supremo ideal da creaçăo dos _Estados Unidos da Europa_, como meio de pôr um termo aos conflictos internacionaes e de levar os povos á fraternisaçăo universal, pela pratica e realisaçăo dos principios federaes. [Gravura: Augusto Vacquerie] Augusto Vacquerie é hoje, na Europa, um dos principaes e um dos mais brilhantes apostolos da federaçăo latina, e, como premissa, da federaçăo iberica. É d'aquelles que acreditam como nós, que só pelo federalismo poderemos chegar á suppressăo dos exercitos permanentes, e, consequentemente, á suppressăo da guerra. * * * * * A GUERRA VENCIDA PELA ARBITRAGEM A federaçăo dos povos tornará a guerra impossivel. Mas, emquanto a federaçăo se năo realisa, urge estabelecer a arbitragem internacional, como meio pacificador. Está ainda na memoria de todos a decisăo que o tribunal de arbitragem, constituido pelo tratado de Washington, deu ácerca das reclamaçőes do Alabama. O conflicto levantado entre os Estados Unidos e a Inglaterra foi assim regulado de uma maneira pacifica. O governo inglez acatou a sentença, sendo obrigado a pagar ao governo americano uma indemnisaçăo de 75 milhőes de francos. Ora, se a questăo do Alabama poude assim ser resolvida, sem derramamento de sangue, porque năo hăo de resolver-se, pelo mesmo processo, todas as questőes internacionaes? Sob o ponto de vista juridico e sob o ponto de vista politico, é pois, evidente a necessidade da arbitragem: sob o ponto de vista juridico, porque, sem um systema de arbitragem, o direito das gentes é um edificio incompleto; sob o ponto de vista politico, porque a situaçăo actual exige manifestamente uma soluçăo. Mas os systemas é que variam; havendo uns que advogam a jurisdicçăo internacional facultativa, outros que defendem a creaçăo de tribunaes internacionaes especiaes, outros ainda que săo por um tribunal internacional geral desprovido de sancçăo, e os ultimos que acceitam o tribunal internacional geral, mas com sancçăo. [Gravura: Emile de Laveleye] Poderá, porém, realisar-se a arbitragem internacional, independentemente da ideia de federaçăo? Opinam uns pela affirmativa, sendo outros de opiniăo que só, pela constituiçăo dos Estados Unidos da Europa, poderemos chegar á realisaçăo effectiva e immediata da arbitragem. O sabio professor, Emile de Laveleye publicou, em 1873, um interessante estudo, sobre as causas actuaes da guerra na Europa, concluindo pelo estabelecimento de um tribunal internacional. Dois eram os meios aconselhados pelo eminente publicista, para acabar com o flagello da guerra: em primeiro logar, mostrando aos povos e convencendo-os, que, em nenhum caso, teriam a ganhar com a guerra, e, em seguida, realisando duas grandes reformas juridicas: a elaboraçăo de um codigo internacional e a creaçăo de um tribunal para o applicar. Este tribunal seria permanente, reunindo-se todas as vezes que se levantasse um conflicto internacional, tendo a sua séde na capital de um paiz neutro--a Suissa ou a Belgica--e sendo composto dos representantes diplomaticos das potencias, coadjuvados por juristas versados na sciencia do direito das gentes. Laveleye era um apostolo da ideia federativa, e propunha este alvitre, por o considerar de mais facil acceitaçăo por parte dos governos actuaes. Para aquelles que admittem o principio federalista, o tribunal internacional năo deve ser senăo um dos orgăos do futuro estado juridico. Quatro săo as instituiçőes, essenciaes a este systema: uma convençăo federativa, que garantisse ás naçőes associadas a soberania e a autonomia de cada uma; uma lei, livremente votada por todas essas naçőes, e pela qual seriam julgados todos os conflictos, litigios e difficuldades que se levantassem entre ellas; um tribunal, com membros eleitos por estas mesmas naçőes, que pronunciasse a sentença em ultimo recurso sobre as questőes que lhe fossem submettidas; e um poder executivo, tambem livremente eleito por todas as naçőes, encarregado de assegurar a execuçăo da lei e as determinaçőes do tribunal. Os partidarios d'esta doutrina năo visam sómente, por este systema, a aperfeiçoar o direito internacional ou a estabelecer uma jurisdicçăo internacional obrigatoria; văo mais alęm e chegam a um resultado final pela creaçăo dos Estados Unidos da Europa. A guerra é um crime, condemnado pela moral, pelo direito e pela philosophia social. A sciencia e o trabalho exigem o seu desapparecimento immediato. Como? Pela arbitragem internacional e pela federaçăo. Entre estados confederados, a soluçăo impor-se-hia sem difficuldade. Na espectativa porém, e, em caso de guerra, é dever appellar para a arbitragem, sempre que o permittam as circumstancias especiaes dos paizes, cujos interesses se degladiam. «Ou o desarmamento ou a ruina!» --É este o dilemma que se levanta, sinistro e ameaçador, ante as potencias da Europa, cada dia mais sobrecarregadas com a contribuiçăo de guerra. Se tal estado continua por mais dez annos, os receios de guerra haverăo desapparecido, dizia Liebknecht e muito bem; o resultado será, entăo, a ruina geral, e, como consequencia ainda, a revoluçăo social triumphante e generalisada a todos os paizes. Bem sabemos nós que a arbitragem internacional ha de triumphar e ha de estabalecer-se no mundo, como uma consequencia logica da federaçăo. Mas, emquanto o actual estado de cousas subsistir, năo seria demais que as naçőes submettessem as suas contendas a um tribunal arbitral, imitando, d'este modo, a Inglaterra e os Estados Unidos da America, na questăo Alabama. Isto seria possivel, e isto seria, principalmente, humanitario. O espirito moderno detesta a guerra. Só o trabalho liberta. Só a paz emancipa. Convertamos os exercitos da destruiçăo em exercitos da producçăo e da abundancia. * * * * * O DESARMAMENTO.--EDUARDO VAILLANT Depois da morte do general Eudes, e, ainda mais, depois da scisăo que se deu no partido blanquista, por causa do boulangismo, ficou sendo Eduardo Vaillant o chefe incontestado do partido communista revolucionario, que preconisa o emprego da acçăo, da força, da propaganda pelo facto, para conquistar o poder e fazer cessar as iniquidades sociaes. Sob a sua iniciativa, porém, a concepçăo do velho Blanqui parece haver passado por uma especie de transformaçăo. O movimento insurrecional de 1871, deixára no espirito de Vaillant uma impressăo profunda e inextinguivel. Vaillant năo limita o seu communismo ás forças productoras e a repartiçăo dos productos, segundo as necessidades de cada um, vae até á organisaçăo da communa de Paris, como primeiro passo para o estabelecimento da nova ordem social. Na sua profissăo de fé, encontra-se esta ideia, profundamente accentuada: «É mister dar ao paiz, emancipado da tyrannia administrativa, policial e judiciaria, como elemento do seu organismo politico, a organisaçăo communal e cantonal, dando a Paris a liberdade communal, e fazendo-a entrar no direito commum, pelo restabelecimento da _Communa de Paris_.» Mais adeante pede, «que a communa seja senhora da sua administraçăo, das suas finanças, e da sua policia.» [Gravura: Eduardo Vaillant] A vida politica de Vaillant, começou no anno terrivel. Regressando da Allemanha, por occasiăo da declaraçăo de guerra, fez parte da communa, refugiando-se depois em Inglaterra. A amnistia trouxe-o novamente a França, em 1880. Ao lado de Blanqui que os eleitores de Lyon e Bordeaux haviam arrancado á prisăo, Vaillant prosegue na sua obra revolucionaria, organisando o comité central revolucionario e sendo um dos fundadores do jornal--_Ni Dieu ni Maitre_, que pouco tempo poude resistir ás forças combinadas da policia e da reacçăo. Foi eleito conselheiro municipal em 1887, 1890 e 1893, e é hoje um dos deputados socialistas de Paris. Foi elle o auctor de um importantissimo projecto de lei apresentado ultimamente, em nome do partido socialista, á camara dos deputados sobre _a suppressăo do exercito permanente e a sua transformaçăo progressiva em milicias nacionaes_. _Artigo primeiro._--É supprimido o exercito permanente. «Esta suppressăo far-se-ha pela transformaçăo immediata e rapida do exercito permanente em milicias nacionaes, de modo que o poder defensivo da naçăo, longe de diminuir, pelo contrario se eleve e augmente, até ao ponto de poder pôr em acçăo integralmente todas as suas forças. A defeza do paiz e da Republica, da sua independencia e das suas liberdades, tornar-se-hia, assim, invencivel.» É a renovaçăo do projecto de Blanqui e de Gambon. «A Republica franceza, pela transformaçăo democratica das suas instituiçőes militares, deve pôr-se ao abrigo de todos os perigos de guerra ou de invasăo, e de toda a ameaça de intervençăo ou influencia de qualquer inimigo estrangeiro. Para esse fim, devem ser educadas, exercidas e organisadas todas as suas forças, e aproveitados todos os cidadăos validos.» O desarmamento só poderá realisar-se, em virtude de um accôrdo, feito e acceite pelas differentes potencias. Năo se concebe que uma naçăo desarme, ficando á mercę de naçőes inimigas e armadas. Seria um contrasenso e uma leviandade sem nome. O notavel criminalista italiano, N. Colajanni, termina o capitulo da guerra e do militarismo, da sua _Sociologia criminale_, pelas seguintes, conceituosas palavras: «Em resumo: a guerra e o militarismo engendram o desgosto de todo o trabalho util; favorecem a tendencia para a preguiça; despertam no soldado novas necessidades, sem os meios necessarios para as satisfazer; excitam os primitivos instinctos, ferozes e egoistas, transformam o respeito do direito em respeito exaltado pela força bruta; conduzem ao servilismo e á prepotencia; e, por vias directas e indirectas, levam á miseria, ao suicidio, á alienaçăo mental e ao crime.--Taes săo os tristes resultados d'estas instituiçőes sinistras, deduzidos das provas historicas e estatisticas. N'uma palavra--conclue o illustre e honrado socialista--«_o militarismo constitue a verdadeira escola do crime._» O eminente escriptor e philosopho russo, Léon Tolstoi, é de opiniăo que a principal origem da guerra deriva da actual ordem social, baseada sobre a violencia. A organisaçăo militar dos estados modernos está toda concentrada nas măos dos governos, que năo desejam perder o monopolio, servindo-se para isso de meios poderosos, taes como o _terrorismo_, o _egoismo_, a _disciplina militar_, etc. A guerra, apesar de iniqua, năo poderá nunca ser destruida, senăo pela educaçăo, generalisada a todos os paizes. Quando a maioria dos povos reconhecer que a guerra é injusta, n'esse dia cessará a guerra. Esta revolta do direito e da justiça contra a força e a violencia, está certamente destinada a fazer algumas victimas; mas, como todas as idéas nobres e generosas, penetrará, pouco a pouco, nas consciencias e acabará por triumphar. Em Paris, publicou-se recentemente um livro interessantissimo de A. Hamon, o sabio socialista, sobre a _psychologia do militar de profissăo_, que năo podemos deixar de mencionar n'este logar, por ser de uma actualidade palpitante. O dr. Hamon parte do principio de que a criminalidade legal é infima, quasi inapercebivel, relativamente á criminalidade occulta. O fim da profissăo militar é a guerra, e toda a guerra implica necessariamente a violencia, manifestando-se por assassinatos, violaçőes, pilhagens e incendios. Os individuos que escolhem esta profissăo, fazem-n'o levados pelo seu interesse pessoal. Taes individuos sentem-se predispostos para a violencia pela sua organisaçăo psychica, resultante do seu organismo physiologico, pelo meio em que vivem e pela sua educaçăo profissional. O livro de A. Hamon é a justificaçăo da _Delenda Caserna_ do capităo Siccardi. Estabelece a superioridade moral dos exercitos nacionaes sobre os exercitos profissionaes. Nos primeiros encontra-se maior respeito pela dignidade humana, e isto basta para que se năo registem os actos de grosseria, de brutalidade e de violencia, que se registam ordinariamente nos segundos. «O militarismo é a escola do crime!»--tal é a conclusăo a que chega Hamon no seu bello estudo de psychologia social. Quando é, porém, que os povos poderăo celebrar, no mundo, o supremo beneficio da paz, do amor e da concordia?! Quando é que o homem se libertará, por completo, dos velhos prejuizos selvagens e das antigas e barbaras tradiçőes? Quando soará a hora da completa maioridade e da completa emancipaçăo? A humanidade caminha,--lentamente, é certo!--mas caminha... Confiemos no futuro! V A MULHER RESOLUÇĂO DO CONGRESSO DE ZURICH.--A SITUAÇĂO DA MULHER--SEUS DIREITOS CIVIS E POLITICOS.--A MULHER EM RELAÇĂO Á INDUSTRIA.--A MULHER NO ESTADO SOCIALISTA.--A PRIMEIRA VICTORIA.--MADAME FAULE MINK.--AUGUSTO BEBEL.--P. ARGYRIADÉS. Relativamente ao trabalho das mulheres nas fabricas, o congresso de Zurich adoptou as seguintes resoluçőes, promettendo envidar, n'esse sentido, todos os esforços dos seus delegados: --Dia de trabalho maximo de dez horas para as mulheres, e de seis horas para as jovens de menos de dezoito annos; --Descanço semanal de trinta e seis horas consecutivas; --Prohibiçăo do trabalho nocturno; --Prohibiçăo do trabalho das mulheres em todas as industrias insalubres; --Prohibiçăo do trabalho das mulheres nos quatro mezes seguintes ao parto e nos dois ultimos mezes de gravidez; --Creaçăo dos logares de inspectoras de fabricas, em numero sufficiente á efficaz vigilancia de todas as officinas, onde se empreguem mulheres; --Applicaçăo d'estas disposiçőes a todas as mulheres empregadas nas fabricas, officinas, armazens e na industria domestica e agricola. De futuro reclamar-se-ha formalmente a equiparaçăo dos salarios das mulheres, conforme o seu trabalho. A situaçăo da mulher, na sociedade, constitue evidentemente uma das questőes mais importantes do nosso seculo, e reclama por isso um estudo especial. A populaçăo da Europa, é formada, na sua maioria, por mulheres. D'ahi a sua importancia, e o grande numero de opiniőes, formuladas, ácerca da sua condiçăo. Pensam uns que é a vocaçăo natural da mulher que determina a esposa, a măe e a dona de casa. Mas esquecem que, apenas, uma parte minima da populaçăo feminina está no caso de preencher os seus deveres. Contam-se por milhőes, as mulheres que nunca poderam ser nem esposas, nem măes, nem donas de casa, e muitas outras que nem sequer poderam satisfazer a esta vocaçăo natural, sendo, como é, o casamento, para ellas, uma escravidăo, graças ás condiçőes da industria moderna. Outros reclamam o accesso da mulher a todos os ramos do trabalho, manual e intellectual, e outros văo ainda mais longe pedindo que lhes sejam tambem conferidos direitos politicos. Na opiniăo de Bebel, este assumpto está intimamente ligado á questăo social. A sua soluçăo, assim como a da questăo operaria, é impossivel, emquanto năo forem radicalmente transformadas as condiçőes do actual estado social.[7] * * * * * A SITUAÇĂO DA MULHER Os defensores da ordem actual dizem e sustentam que o casamento é a base da familia, esta a base do Estado, e que, por conseguinte, atacar o casamento o mesmo é que atacar a sociedade e o Estado. Perguntaremos, em primeiro logar, qual dos casamentos é o mais moral? Será o casamento forçado, o casamento venal da sociedade actual, ou o casamento livre, fundado sobre o amor e a estima reciproca, e que, de resto, năo poderá realisar-se senăo n'uma sociedade socialista? O casamento dos nossos dias, que é um resultado de consideraçőes puramente materiaes, está intimamente ligado á sociedade actual e destinado a cahir com ella. A lucta pela existencia, tornando-se, de dia para dia, mais acerba, transformou o casamento n'um acto de perfeita especulaçăo mercantil. A prostituiçăo é, pois, uma instituiçăo necessaria á sociedade burgueza, e tăo necessaria como a policia, o exercito permanente, a egreja, etc. Na Grecia, em Roma e na Edade-Média, a prostituiçăo era organisada pelo Estado, e Santo Agostinho chegou mesmo a affirmar a sua necessidade. A sociedade burgueza, năo só a julgou indispensavel, senăo tambem a regulamentou. Hügel, na sua historia sobre a _Estatistica e regulamentaçăo da prostituiçăo em Vienna_, exprime-se do seguinte modo: «Com os progressos da civilisaçăo, a prostituiçăo transformar-se-ha, adoptando uma fórma mais doce e mais conveniente, mas existirá emquanto existir o mundo.» Quaes săo as consequencias d'este estado de cousas? As doenças syphiliticas e a degeneraçăo da humanidade que d'ellas resulta. O abaixamento progressivo da moral. A humilhaçăo da mulher e a sua escravidăo. O infanticidio e o suicidio das mulheres săo devidos, em grande parte, á prostituiçăo, devendo ainda accrescentar-se que săo os orphăos e os filhos bastardos que constituem, tambem, em grande parte, os criminosos da nossa sociedade burgueza. A sociedade inteira encontra-se em estado de enervamento e de excitaçăo, sendo a mulher a victima. Mulheres ha que sentem e vęem claramente a situaçăo, e procuram remedial-a. Reclamam primeiro a sua independencia economica. Pretendem ser admittidas em todos os trabalhos e em todos os empregos que a sua força physica e a sua capacidade moral lhes permittem; pedindo, sobretudo, o accesso ás chamadas profissőes liberaes. Serăo justas e realisaveis semelhantes tendencias? É isso o que procuraremos demonstrar. * * * * * O casamento, na antiguidade, era fundado sobre o despreso e a escravidăo da mulher; o casamento christăo tinha, por principio, a inferioridade e a servidăo da mulher; o casamento burguez actual baseia-se sobre a unica conveniencia dos interesses mercantis e ainda na subordinaçăo da mulher. Pela primeira d'estas fórmas matrimoniaes, o filho era para o pae uma simples cousa; pela segunda, o seu servo; e pela terceira quasi se póde dizer que continua sem direito. É indispensavel libertar a mulher e conceder direitos aos filhos. O casamento futuro terá, por condiçăo, a escolha revogavel dos interessados, escolha livre e baseada unicamente sobre as affinidades intellectuaes, moraes e physicas. Assim ficarăo assegurados a felicidade e o aperfeiçoamento dos conjuges; assim poderá effectuar-se a perpetuaçăo da especie nas melhores condiçőes moraes e physicas[8] Todos os socialistas dos partidos operarios săo partidarios da emancipaçăo da mulher, e da manutençăo e educaçăo dos filhos pela Communa ou pelo Estado. A unica divergencia está em saber se, de futuro, as uniőes deverăo ou năo ser consagradas pela lei, admittindo todos que devem ser fundadas sobre a livre escolha dos affectos. O inconveniente da familia actual năo é, como querem alguns, a monogamia que deve considerar-se a fórma mais digna da uniăo dos sexos e que subsistirá, atravez de todas as reformas e innovaçőes. É antes, a sua quasi indissolubilidade, a subordinaçăo legal da mulher, e o rebaixamento do sentimento, pela preoccupaçăo de um mercantilismo vil que preside aos actos conjugaes. O congresso internacional de Bruxellas de 1891 affirmou, no seu programma, a egualdade completa dos dois sexos, e reclamou para a mulher os mesmos direitos civis e politicos, concedidos aos homens. Como esposa, como măe de familia, como trabalhadora, a mulher é tăo interessada como o homem, na confecçăo das leis. A humanidade compőe-se, por egual, de homens e mulheres, inseparaveis em direitos e eguaes perante a justiça. * * * * * A MULHER EM RELAÇĂO Á INDUSTRIA A burguezia, diz Bebel, concedeu á mulher a independencia individual e o direito ao trabalho: resultou d'aqui a sua admissăo em quasi todos os ramos da industria. A burguezia reconheceu que era esse o seu interesse, por isso que o trabalho da mulher é menos retribuido que o do homem. E isto porquę? Porque a mulher foi sempre considerada como um ser subordinado, inferior ao homem, por causa das suas particularidades sexuaes. Sendo muitas vezes forçada a suspender o seu trabalho, os capitalistas exploraram habilmente essa circumstancia, como pretexto para o abaixamento do salario. Além d'isso, a mulher é mais docil, mais paciente que o homem, deixando-se tambem explorar mais facilmente do que elle. D'este modo, a mulher substitue o homem, e, é, por seu turno, substituida pela creança.--Tal é «a ordem moral» na industria moderna. Em vista de semelhantes abusos, tem-se já pedido a prohibiçăo completa do trabalho da mulher. Năo esqueçamos que o machinismo representou um papel importante na transformaçăo industrial e que foram justamente os progressos do machinismo, que, supprimindo os trabalhos mais rudes, tornaram possivel o emprego da mulher em certos ramos da industria. Só um limitado numero de pessoas, porém, graças ao auxilio dos seus capitaes, podem aproveitar os resultados que as descobertas scientificas trouxeram á sociedade; e é revoltante que milhares de operarios sejam lançados á margem, em virtude dos progressos do machinismo que substituiu o trabalho manual. Resulta de tudo isto, que se torna indispensavel mudar as actuaes bases sociaes, procurando-se a fórma de uma distribuiçăo mais equitativa dos bens e dos instrumentos de trabalho. Na sociedade nova, os instrumentos de trabalho serăo propriedade de todos, sem distincçăo de classes nem de sexos. Cada um será obrigado a trabalhar, e os melhoramentos e as descobertas technicas a todos aproveitarăo. A mulher tornar-se-ha egual ao homem, podendo exercer e desenvolver as suas qualidades physicas e intellectuaes e gosar de todos os seus direitos. Sustentam alguns que a mulher é inferior ao homem, sob o ponto de vista intellectual, e que năo é susceptivel de uma elevada cultura, sendo, como é, o peso do seu cerebro inferior ao do homem. Se a mulher é hoje menos intelligente que o homem, provém isso de haver sido descurada a sua educaçăo. Quanto ao cerebro, năo é o peso que lhe é necessario, mas a boa organisaçăo e o exercicio. Averiguou-se, além d'isso, que, em muitos homens notaveis, o peso do cerebro era quasi egual á média dos cerebros femininos. No dia em que a mulher fôr tăo instruida, tăo educada e tăo desenvolvida, como o homem, n'esse dia terá proclamado a sua emancipaçăo, pela conquista dos seus direitos civis e politicos, e pela equiparaçăo do seu salario ao do homem, em todos os ramos da industria. Para esse estado caminhamos. Na vida da familia, tem-se operado, n'estes ultimos cincoenta annos, uma verdadeira revoluçăo. A mulher tornou-se mais livre, e está menos adstricta ás funcçőes de dona de casa. Com o andar dos tempos chegará a emancipar-se completamente. * * * * * A MULHER NO ESTADO SOCIALISTA Na sociedade nova, a mulher, gosando de inteira independencia, năo estará mais exposta a qualquer dominio ou exploraçăo, e tornar-se-ha a egual do homem. Receberá a mesma educaçăo que o homem, excepto nas especialidades em que a differença de sexo exige uma cultura especial. Como o homem, ella poderá pois, desenvolver livremente as suas forças, as suas capacidades physicas e intellectuaes, e escolher, para a esphera da sua actividade, o que fôr conforme aos seus gostos e ás suas aptidőes. Pelo que respeita ao amor, a mulher gosará de tanta liberdade como o homem. Poderá, pelos mesmos titulos, manifestar os sentimentos que elle lhe inspirar. Na sua uniăo, năo será guiada senăo pelo amor, como nos tempos primitivos. Tal uniăo dependerá de uma simples combinaçăo particular, sem o concurso de nenhum funccionario, com a differença de que a mulher deixará de ser a escrava do homem e năo lhe será dada como um presente ou uma mercadoria. Devemos pois, trabalhar para esse futuro proximo que ha de inaugurar o regimem das uniőes monogamicas, livremente contractadas, e, em ultimo caso, tambem livremente dissolvidas, por simples consentimento mutuo, á semelhança do que se faz já hoje com os divorcios, nos diversos paizes europeus, em Genebra, na Belgica, na Roumania, etc., e com a separaçăo na Italia. O discernimento, a instrucçăo e a independencia facilitarăo as uniőes. No caso em que a antipathia, o desgosto, e a incompatibilidade de genio succedessem ao amor, entre o homem e a mulher, a moral impôr-lhes-hia o dever de romperem uma uniăo, que, năo sendo já baseada sobre o affecto, se havia tornado anormal. N'uma palavra, sendo supprimida a herança, os casamentos de mero interesse deixarăo de ter uma razăo de ser. * * * * * A PRIMEIRA VICTORIA As mulheres francesas acabam de alcançar a sua primeira victoria, no campo politico: o senado adoptou, em primeira leitura, um projecto de lei que concede á mulher o direito de participar, como eleitora, na formaçăo dos tribunaes de commercio. Se a camara partilhar esta opiniăo, de hoje em deante as mulheres commerciantes poderăo nomear os seus juizes. A 3 de dezembro de 1883, a camara dos deputados tinha de examinar a nova lei que lhe era proposta, sobre a eleiçăo dos juizes consulares. A commissăo das petiçőes, havia recebido de Madame Maria Deraismes uma petiçăo, pedindo para que fosse extendido ás mulheres este direito de suffragio. O relator introduziu effectivamente, na lei, uma emenda, assim concebida: «Os membros dos tribunaes de commercio serăo eleitos pelos commerciantes e _pelas commerciantes_...» A commissăo, porém, por rasőes de simples opportunidade, năo adoptou esta emenda. Na sessăo de 11 de Março de 1884, o deputado Hubbard apresentou um novo projecto, em que se propunha «que as mulheres commerciantes tinham pela lei obrigaçőes e encargos especiaes inherentes á qualidade da sua profissăo. A commerciante paga, como o commerciante, um imposto especial, a patente; está submettida ás disposiçőes rigorosas da lei commercial; póde ser declarada fallida e póde ser perseguida por quebra fraudulenta. É impossivel citar uma unica das obrigaçőes impostas aos homens que lhe năo incumbam. Estando submettida aos mesmos deveres especiaes, é justo que aproveite dos direitos especiaes que a lei confere ao commerciante. E desde que ao commerciante é dado eleger os magistrados que teem de julgar as suas causas, á commerciante, sob pena de inferioridade, năo póde deixar de ser concedido o mesmo direito.» O relator terminava, affirmando que as mulheres que teem a direcçăo e a responsabilidade de um estabelecimento commercial, assignalam-se, em geral, mais que os homens, por qualidades de ordem, de economia e de probidade. A 17 de fevereiro, a camara dos deputados tomava em consideraçăo um relatorio do sr. Colfavru favoravel aos direitos civis da mulher. Finalmente, em junho de 1889, Ernesto Lefčvre, vice-presidente da camara, com mais 53 dos seus collegas, renovou a iniciativa da proposta, que tinha por fim conferir ás mulheres o eleitorado nos tribunaes de commercio. A camara tomou-a na devida consideraçăo, elegendo-se uma commissăo de 9 membros, todos favoraveis ao projecto, e, sendo votada a lei, depois de approvado o relatorio do sr. Colfavru. Após quatro annos e meio de demora, acaba tambem o senado de dar o seu assentimento ao projecto. O tempo pouco faz ao caso. O importante a registrar, foi o triumpho obtido pelas mulheres, triumpho que năo será certamente o ultimo, e que é, porventura, o primeiro de uma longa serie de outros a contar e a celebrar. * * * * * MADAME PAULE MINK Entre as mulheres que, em França, mais se teem distinguido na gloriosa campanha, em favor da emancipaçăo da mulher, seria ingratidăo esquecer Madame Paule Mink, que, ainda nas ultimas eleiçőes, foi apresentada como candidata á deputaçăo por Paris. [Gravura: M.me Paule Mink] Conheci-a, em Madrid, por occasiăo do centenario de Colombo. Era delegada ao congresso dos livres pensadores e fôra-me recommendada por Benoit Malon e P. Argyriadés. Modesta, despretenciosa e dedicada, Madame Paule Mink tem sido para muitos uma incomprehendida, mas é seguramente para todos um bello e luminoso talento, engastado n'um coraçăo de oiro. Quem a visita, na sua casa de Paris, encontra-a sempre rodeada das suas gentis filhas que estremece e adora, e absorvida pela leitura dos seus authores predilectos. É uma măe disvelada e terna e uma companheira leal e affectuosa. Madame Paule Mink fez parte da Communa de Paris, e ainda ultimamente, por occasiăo da greve de Pas de Calais, foi presa, no momento em que se preparava para fazer uma conferencia, e depois julgada e condemnada. As perseguiçőes teem-lhe avigorado ainda mais, se é possivel, as convicçőes purissimas. Nada a contraria e nada a desalenta. Faz consistir toda a sua felicidade, no amor de seus filhos e na dedicaçăo pela causa a que se entregou de corpo e alma. É uma altruista, no bom e verdadeiro sentido da palavra. Năo conhece obstaculos e năo conhece sacrificios. Nem as privaçőes, nem as difficuldades da vida, lograram jámais perturbar-lhe o animo ou aniquilar-lhe a vontade indomavel. Năo é só uma mulher forte; é tambem um grande e superior caracter, e, n'este duplo aspecto, reside o segredo do seu poder, como evangelista e como propagandista da causa social. * * * * * P. ARGYRIADÉS Năo encerraremos já agora este capitulo, sem prestar uma homenagem devida a P. Argyriadés, pelo serviço que prestou á democracia socialista, com a traducçăo analytica da bella e gloriosissima obra de Augusto Bebel--_A mulher e o Socialismo._ Alto, forte, robusto, dotado de um temperamento excepcional e de qualidades verdadeiramente superiores, Panagiotis Argyriadés nasceu em Castoria, na Macedonia, a 15 de agosto de 1852. Em 1872, installou-se em Paris, fazendo-se inscrever na faculdade de direito. Em 1878, assistiu, como representante da Grecia, ao congresso dos orientalistas que se realisou n'aquella cidade, e, no anno seguinte, ao de Londres, tambem como delegado do seu paiz. Em 1875, publicou um interessante opusculo sobre a _Pena de morte, considerada sob o ponto de vista philosophico, moral, legal e pratico_, que teve as honras de ser citado, na tribuna do senado, por Victor Schoelcher. Foi depois d'esta bella estreia que se entregou inteiramente ao socialismo. Naturalisou-se francez, em 1880; e d'esta época em diante, assignalou-se no fôro, pela defeza de muitas causas importantes que, ao mesmo tempo, lhe grangearam renome e gloria. Em 1883, foi elle quem organisou a manifestaçăo em honra de Flourens; mais tarde, foi ainda, pela sua iniciativa, que se provocou o protesto publico contra a chegada a Paris do rei Affonso XII que acabava de ser nomeado coronel de uhlanos. Em 1885, fundou _La Question Sociale_, a popularissima revista que todos conhecem e que tăo relevantes serviços tem prestado aos principios socialistas. [Gravura: P. Argyriadés] O _Almanach de la Question Sociale_ que é o melhor, no seu genero, que se publica na grande capital da França, vae já no seu quarto anno, e foi fundado com eguaes intuitos e eguaes aspiraçőes. É um excellente repositorio do actual movimento socialista, e recommenda-se a todos os que se interessam pelo estudo e pela soluçăo dos problemas sociaes. Tambem lhe é devido o numero commemorativo da _Manifestaçăo do 1.ş de Maio_ que, nos dois ultimos annos, se publicou em Paris. P. Argyriadés reside em Autenil, numa deliciosa e aprasivel vivenda, a vinte minutos dos Campos Elyseos. A sua casa é o ponto de reuniăo de todos os escriptores e pensadores socialistas. Foi ali que eu, pela primeira vez, travei conhecimento com Allemane, um glorioso trabalhador e um chefe incontestado; foi ali, em almoços intimos, e numa dôce e pura confraternidade, que tive o inolvidavel prazer de estreitar relaçőes com alguns dos principaes vultos do socialismo moderno--com Pierre Lavroff, o honrado revolucionario russo, um convicto e um fanatico; com Adolphe Tabarant, o auctor do _Pequeno cathecismo socialista_, um poeta adoravel, e um espirito vivo e scintillante; com Paul Cassard, o intrepido e valente redactor do _Peuple_, de Lyon; com Aurelien Scholl, o mais delicioso e original conversador que temos encontrado, a prosa transformada em arte, a palavra feita esculptura; com Sanial, um americano, trazendo ao socialismo as liçőes da sua experiencia e as observaçőes da sua longa pratica na vida; com Duc-Quercy, tăo attrahente pela sua physionomia energica e communicativa, como pelo seu caracter firme e decidido; e com tantos outros cujos nomes constituem a immensa e gloriosa pleiade de publicistas, de revolucionarios e de combatentes que bem poderiamos denominar a ala dos namorados do Bem, da Verdade e da Justiça. A estas pequenas festas de familia preside de ordinario uma senhora que occulta, sob o pseudonymo de Marianne, um bello e juvenil talento de escriptora, e que, além de măe disvelada e de esposa extremosa, é tambem a companheira gentilissima do nosso querido e honrado amigo: é M.me Argyriadés. Juntos os dois esposos formam como que um nucleo de propaganda socialista, de uma influencia decisiva e de um largo e elevado alcance. O socialismo internacional e cosmopolita năo tem, seguramente, em França, melhor vulgarisador nem mais dedicado e intelligente apostolo! VI A SOCIEDADE NOVA A TRANSFORMAÇĂO SOCIAL IMPŐE-SE.--O QUE É O COLLECTIVISMO.--O ESTADO SOCIALISTA, SEGUNDO AUGUSTO BEBEL, E BENOIT MALON.--A LEGISLAÇĂO DIRECTA PELO POVO.--A SOCIALISAÇĂO DOS MONOPOLIOS.--HECTOR DENIS, GUILLAUME DE GREEF E EMILE DE VANDERWELDE.--A NOVA GERAÇĂO PORTUGUEZA.--JOSÉ FONTANA E SOUSA BRANDĂO. Já n'outro logar o dissémos: o socialismo desenvolve-se, por toda a parte, de uma maneira espantosa. Nas eleiçőes geraes para deputados, de 1889, obteve o partido socialista, em França, 90:000 votos nas ultimas eleiçőes de 1893, elevou-se essa votaçăo a 500:000 votos, cabendo a Paris 226:000. Na Inglaterra, o paiz do individualismo, conseguiram os socialistas levar ao parlamento onze deputados, na eleiçăo de 1892. A limitaçăo das horas de trabalho e a garantia obrigatoria nos accidentes, săo uma prova provada da importancia e da influencia d'esse grupo, na camara dos communs. Na Austria, e especialmente na Bohemia e na Silesia, o partido operario dispőe de uma forte organisaçăo. Na Suissa, á frente do seu programma, inscrevem os socialistas o direito ao trabalho; na Dinamarca, pela eleiçăo de 1893, foram sete socialistas eleitos para o conselho municipal de Copenhague; em França, por duas vezes, no mez de Janeiro corrente, esteve o governo da republica ameaçado de dar a sua demissăo: a primeira vez pela proposta de Paschal Grousset, o antigo communista e um pamphletario destemido, sobre a amnistia, e a segunda vez pela emenda de Jaurés, um pensador e um parlamentar distinctissimo, ácerca da conversăo dos titulos da divida publica. Emfim, năo ha já hoje governo ou individuo, qualquer que seja a sua posiçăo ou fortuna, que năo acompanhe ou se năo interesse pela soluçăo dos problemas sociaes. O exercito do futuro é cada vez mais numeroso. Sobre o fundo vermelho da sua bandeira, desfraldada aos ventos, destaca-se esta divisa, escripta em letras de fogo: «_Emancipaçăo de todos os opprimidos e de todos os explorados. Renovaçăo total, pela bondade, pelo amor, pela sciencia, pela justiça e pela solidariedade._» A todos se afigura năo só _possivel_, senăo tambem inevitavel uma revoluçăo social. Luiz Blanc dizia-o ha cincoenta annos, dirigindo-se á burguesia franceza. «Deve tentar-se uma revoluçăo social: «1.ş--Porque a actual ordem social está cheia, em demasia, de iniquidades, de miserias e de servidőes, para que possa durar muito tempo; «2.ş--Porque năo ha ninguem que deixe de ter interesse n'uma nova ordem social; «3.ş--Porque, emfim, esta revoluçăo, tăo necessaria, é possivel e até facil de se proclamar pacificamente.» Assim fallava o eloquente author de _L'histoire de dix ans_, ha meio seculo. De entăo para cá, os factos teem-lhe dado rasăo. A transformaçăo social impőe-se a todos os espiritos, a todos os paizes e a todos os governos, e isto explica, até certo ponto, o motivo porque o socialismo está tanto em voga e porque o perfilham e adoptam os povos modernos, năo só por intermedio dos seus pensadores mais notaveis, senăo tambem pelos seus representantes de classe e pelos interpretes da opiniăo popular. * * * * * O QUE É O COLLECTIVISMO Toda a theoria, como toda a civilisaçăo, diz Benoit Malon, tem a sua dominante, pela qual se julga e afere. A dominante da sociedade contemporanea encontra-se na pratica do individualismo universal, pelo odioso _cada um para si e pela guerra de todos contra todos_. De todas as questőes que o socialismo pretende resolver, é, sem duvida, a questăo da propriedade a mais importante. Da sua soluçăo depende o juizo a fazer sobre o pensamento social contemporaneo. O collectivismo derivou do modo de conceber a apropriaçăo das cousas. Ha mais de quarenta annos que os socialistas procuram explicar a significaçăo d'esta palavra, e, sem embargo, o vulgo ainda muitas vezes confunde o collectivismo com o communismo, năo obstante haver uma differença radical entre um e outro. No _communismo_, as forças productoras e os productos, postos em commum, ficam sob a gestăo directa do Estado; o _collectivismo_ năo é senăo a inalienabilidade das forças productoras, collocadas sob a tutella do Estado, que, por seu turno, as confia, temporariamente e mediante indemnisaçăo, aos grupos profissionaes. N'estes grupos a repartiçăo faz-se pelo _prorata_ do trabalho. O consumo é inteiramente livre. Cada um gasta, conforme lhe apraz, o equivalente que lhe cabe, do producto do seu trabalho, depois de satisfeitos os encargos sociaes. O collectivismo é pois, uma concepçăo socialista que comporta: 1.ş--A apropriaçăo em commum, mais ou menos gradual, da terra, dos instrumentos de producçăo e da troca; 2.ş--A organisaçao corporativa, communal ou geral, da producçăo e da troca; 3.ş--A faculdade para cada trabalhador de dispôr, a seu bel prazer, do equivalente de maior valor por elle creado; 4.ş--O direito ao desenvolvimento integral para as creanças; o direito á existencia para os invalidos do trabalho; e a garantia, para todos os validos, de um trabalho remunerador na associaçăo da sua livre escolha. Querer isto--affirma muito bem Malon--năo é perfilhar os erros do communismo utopico: é combinar simplesmente a necessidade do concurso para a producçăo com a justiça economica e as justas exigencias da liberdade humana. * * * * * O ESTADO SOCIALISTA, SEGUNDO AUGUSTO BEBEL Năo se destróe radicalmente senăo aquillo que se substitue--dizia Danton, na sua phrase grandemente revolucionaria. O Estado socialista oppőe: 1.ş--_ao estado de guerra, a paz internacional e a federaçăo dos povos;_ 2.ş--_aos antagonismos economicos, a organisaçăo solidaria da producçăo e da distribuiçăo das riquezas;_ 3.ş--_á ignorancia, a universalisaçăo do saber e a cultura moral._ Todos os pensadores progressistas săo pois, accordes em reconhecer que os Estados socialistas, de um futuro mais ou menos proximo, hăo de ser formados por republicas federadas, que, em si mesmo, năo serăo outra cousa, senăo uma estreita federaçăo de communas, engrandecidas e transformadas, politica e socialmente. Para essa concepçăo de fórmas sociaes superiores se dirigem presentemente todas as vistas e todas as escholas. Só os processos variam, segundo o individuo que os emprega ou segundo o meio em que teem de actuar. Vejamos, primeiro, como Augusto Bebel, um socialista republicano, segundo a sua propria confissăo, concebe as relaçőes sociaes que hăo de vigorar n'um regimen socialista, isto é, n'uma sociedade futura. [Gravura: Augusto Bebel] A.--_A expropriaçăo capitalista inherente ao novo regimen, será feita em proveito de todos e no interesse de toda a sociedade. Realisada esta expropriaçăo, a sociedade assentará em novas bases e a existencia humana mudará por completo. A organisaçăo actual tornar-se-ha inutil, e o proprio Estado se tornará desnecessario, tendendo a desapparecer, como desappareceram as religiőes, desde que deixou de existir a crença no sobrenatural._ B.--_A lei fundamental da sociedade socialista é o trabalho para cada um dos seus membros sem distincçăo de sexo._ Esta lei é justa e necessaria. Em primeiro logar, ninguem póde satisfazer as suas necessidades sem trabalhar. Sendo valido, ninguem tem o direito, por outro lado, de viver do trabalho do seu semelhante. A organisaçăo da sociedade, fundada sobre a liberdade e a legalidade, na qual cada um responde por todos assim como todos respondem por cada um, suscitará um sentimento de solidariedade, uma emulaçăo e um desejo de trabalho até hoje desconhecidos. D'esta fórma o trabalho tornar-se-ha mais productivo e o producto aperfeiçoar-se-ha. A falta de trabalho, tăo frequente nos nossos dias, năo poderá existir na sociedade futura, que apenas produzirá para consumir, em harmonia com os principios de justiça e tendo sempre em vista o bem geral. C.--_Na sociedade futura, a producçăo, mudando de fórma, fará desapparecer o commercio, apanagio da sociedade actual._ Em vez dos milhares d'intermediarios que hoje existem, teremos os grandes estabelecimentos, e o transporte dos productos far-se-ha por uma fórma completamente nova. D.--_Na nova organisaçăo as terras serăo propriedade commum, assim como o foram já no começo da civilisaçăo, mas com fórmas sociaes superiores._ O bem estar de uma populaçăo depende do grau de cultura que o sólo attingir. Emquanto a terra se conservar como propriedade privada, nunca a cultura se aperfeiçoará. Os pequenos proprietarios năo dispőem para isso dos meios necessarios, e os grandes proprietarios, com as suas florestas e os seus parques, deixam por cultivar uma grande parte das suas terras. Pela fórma indicada desapparecerá o contraste secular entre a populaçăo das cidades e a populaçăo dos campos. E.--_Com a expropriaçăo do sólo e dos instrumentos de trabalho, desapparecerá um grande numero de abusos e de males que nos affligem na organizaçăo actual._ O que determina hoje a posiçăo dos homens, na sociedade, é a quantidade maior ou menor de dinheiro que possuem. No futuro estado socialista, a sociedade fará tudo por si mesmo. Nem as pessoas nem as classes poderăo prejudicar-se entre si. O estado, tornando-se inutil, desapparecerá. Năo haverá pois, nada a governar nem a supprimir ou a opprimir. Com o Estado desapparecerá naturalmente tudo o que o representa: ministros, parlamentos, policia, prisőes, exercito permanente, procuradores, advogados, n'uma palavra, todo o apparelho da dominaçăo politica. A sociedade ficará na plena posse de si mesmo. F.--_Na organisaçăo actual reclama-se, para todos, o mesmo nivel d'instrucçăo e de educaçăo._ Ora esta egualdade é impossivel no regimen burguez, conforme o demonstra Augusto Bebel. Para receber uma instrucçăo mediana é preciso ter dinheiro e vagar. No Estado socialista as condiçőes do desenvolvimento physico, moral e intellectual serăo as mesmas para todos. Cada um poderá pois, instruir-se e viver, conforme as suas aptidőes e os seus gostos. G.--_Sob o regimen futuro a vida social tornar-se-ha publica._ Săo os factos que o provam. A vida tem-se modificado sensivelmente n'estes ultimos dez annos. A existencia torna-se cada vez menos familiar, e, em pouco, será passada inteiramente nas officinas, nos campos, e nos locaes publicos, destinados ao estudo e á instrucçăo. H.--Bebel diz que, sendo melhoradas e augmentadas as vias de communicaçăo na sociedade futura, as viagens de instrucçăo tornar-se-hăo mais faceis do que succede no actual regimen. O trabalho será regulado, de modo a permittir a viagem, ao mesmo tempo, de prazer e de estudo. Quanto aos velhos, aos invalidos, e aos doentes, quando já năo possam trabalhar, a sociedade fornecer-lhes-ha os meios indispensaveis á existencia. As doenças tomar-se-hăo mais raras, por isso mesmo que a vida será mais regular. A alimentaçăo será preparada scientificamente nos estabelecimentos publicos. A vida de familia será transformada por completo. Bebel diz ainda que o socialismo năo póde ser realisado por um povo, isoladamente. Á primeira vista parece que o principio das nacionalidades domina o mundo. Mas é um erro. O internacionalismo cosmopolita começa realmente a penetrar nas populaçőes. Todos os povos se encontram nas mesmas condiçőes sociaes. Por toda a parte se observam as mesmas luctas de classes que serăo decisivas antes do fim do seculo XIX. No novo estado social, fundado sobre bases internacionaes, as naçőes civilisadas formarăo uma federaçăo d'onde será banida a guerra. A paz universal năo é um sonho nem uma aspiraçăo de visionarios. Um progresso dará logar a outros progressos, e a humanidade avançará sem cessar para um ideal de perfeiçăo illimitada. * * * * * O ESTADO SOCIALISTA, SEGUNDO BENOIT MALON A noçăo de patria encerrou-se primeiro na _tribu_; depois na _cidade_; mais tarde na _provincia_, e por ultimo na _naçăo_. Porque é pois, que a patria năo ha de ser _continental_ ou _intercontinental_ (europeio-americana) e finalmente _planetaria_? A philosophia antiga dizia: _Dignidade, Moderaçăo, Virtude;_ o Christianismo: _Fé, Esperança, Caridade;_ o boudhismo: _Vontade, Justiça, Affinidade;_ o XVIII seculo: _Investigaçăo, tolerancia, sensibilidade;_ a revoluçăo franceza: _Liberdade, egualdade, fraternidade;_ o socialismo utopico: _Dedicaçăo, solidariedade, harmonia;_ o socialismo integral terá por divisa: _Justiça, fraternidade, solidariedade._ Taes serăo os principios do Estado social do futuro, no conceito de Benoit Malon. Năo nos accuseis de utopista, diz elle. Possuimos o _saber_ e a _actividade_; o que nos falta é a _doutrina_ e a _boa vontade_. Nas federaçăes europeia, americana e planetaria do futuro, estas quatro forças estarăo unidas, e, pelo seu poder, constituirăo a origem da felicidade e tenderăo a suavisar, no interesse de todos os seres, a crueldade da situaçăo actual. Como politica, o socialismo aconselha: o emprego de todos os meios de lucta: a resistencia economica (grčve); voto; e, sendo necessario, a força, a geradora das sociedades novas, no dizer de Marx. Tăo longe năo ia decerto Malon. Elle năo renegou nunca o espirito revolucionario que reputava indispensavel á existencia e á disciplina dos partidos operarios. Mas estava persuadido que o convencimento e a persuasăo valiam mais que a força, como elementos de propaganda e de transformaçăo social. Vejamos qual era a sua concepçăo, sobre o Estado socialista, pela socialisaçăo dos monopolios. Mas antes d'isso fallemos rapidamente n'um outro artigo, tambem do seu programma. * * * * * A LEGISLAÇĂO DIRECTA PELO POVO Charles Burkli apresentou, sobre este assumpto, ao congresso de Zurich, uma proposta muito notavel e muito bem deduzida: «O congresso, considerando que a lei é o interesse escripto do legislador; que na legislaçăo a determinante deve ser o interesse do povo; que os corpos representativos, segundo a experiencia, representam mais os capitalistas do que os operarios; e que as leis, por conseguinte, se fazem a favor do capital, em detrimento da classe operaria; que o parlamentarismo, em toda a parte onde domina sem limites, conduz á corrupçăo e ao ludibrio do povo; e que só pela intervençăo directa na legislaçăo é que o povo adquirirá a consciencia da sua força, condiçăo indispensavel á liberdade da classe operaria: «Declara que é uma condiçăo preliminar da suppressăo de todo o dominio de classe, que as classes operarias intervenham, como o mais poderoso meio de combate politico, a favor da legislaçăo directa pelo povo, segundo a qual o povo exercerá o direito de proposiçăo para as leis (iniciativa) e o direito da votaçăo das leis (referendum).» Foi Mauricio Rittinghausen o instigador d'esta ideia e o seu propagandista mais authorisado. Convencido que só o collectivismo na legislaçăo, isto é, a participaçăo de todos na confecçăo das leis, póde corresponder ao collectivismo da propriedade, e que nunca chegaremos a este segundo meio, a năo ser por intermedio do primeiro: convencido ainda que o systema representativo, embora fira o privilegio, năo resolverá nunca a questăo social; Rittinghausen tentou construir sobre este principio um systema governamental que tornou applicavel ás grandes naçőes modernas, compostas de milhares de individuos, e foi este o systema que elle intitulou _a legislaçăo directa pelo povo_. Foi a 8 de setembro de 1850, que appareceu, na _Démocratie Pacifique_, o primeiro dos tres artigos intitulados--a legislaçăo directa pelo povo ou a verdadeira democracia. Rittinghausen viu-se logo atacado por Luiz Blanc, Emile de Girardin e Proudhon. Mas teve por si o apoio das massas. Poucos mezes depois, mais de trinta e seis jornaes defendiam a nova theoria. Proudhon publicava, por esse tempo, a sua grande obra: _Idée générale de la Révolution_, e dizia:--Supponhamos que é esta a questăo: «O governo será directo ou indirecto?»--A avaliar pelo successo que acabam de ter, para a democracia, as ideias de Rittinghausen e Considerant, quasi se póde affirmar, com uma quasi certeza, que a resposta da grande maioria será pelo governo _directo_...» Após longos annos de lucta, Rittinghausen logrou ver inscripta a legislaçăo directa, no programma da democracia socialista allemă, approvado pelo congresso d'Eisnach, em agosto de 1869. Só em 1868, porém, foi a legislaçăo directa, introduzida em Zurich, por Charles Burkli, o mesmo que apresentou ao congresso de 1863 a proposta a que acima nos referimos. Mauricio Rittinghausen nasceu em Huckeswagen (Allemanha) a 12 de Novembro de 1814 e falleceu em Ath (Belgica) a 29 de dezembro de 1890. O systema parlamentar deu já, por toda a parte, o que tinha a dar. A legislaçăo directa pelo povo é o unico systema governamental que corresponde, em politica, ás exigencias e ás necessidades do socialismo moderno. * * * * * A SOCIALISAÇĂO DOS MONOPOLIOS O direito á existencia deve ser fundado sobre o direito ao trabalho. Por seu turno o direito ao trabalho engendra a organisaçăo social do trabalho, d'onde deriva a necessidade de um _ministerio do trabalho_. As attribuiçőes d'este ministerio seriam: 1.ş--A applicaçăo rigorosa das leis industriaes, melhoradas e completadas; 2.ş--A reorganisaçăo do trabalho das prisőes, de molde a proteger os interesses do trabalho livre, e a tornar mais justas, mais humanas e mais moralisadoras as relaçőes entre a administraçăo e os condemnados; 3.ş--O estabelecimento de um serviço especial de estatistica, que sirva de informaçăo aos productores (operarios e patrőes) e aos commerciantes, ácerca das condiçőes do mercado do trabalho e da troca; 4.ş--Reorganisaçăo do trabalho nas manufacturas e outros estabelecimentos do Estado; 5.ş--Instituiçăo de uma camara operaria consultiva do trabalho, em bases rigorosamente corporativas, e de uma camara do commercio e da industria, destinada a apresentar os projectos que teriam de ser discutidos em publico; 6.ş--Instituiçăo de um grande conselho arbitral, eleito em parte pelos syndicatos operarios, e em parte pelos syndicatos dos patrőes e pelas camaras de commercio, e que se pronunciaria sobre todas as questőes economicas a elle submettidas pelas partes interessadas; 7.ş--A reorganisaçăo do ensino agricola, industrial e commercial; 8.ş--A reorganisaçăo dos trabalhos publicos, comportando a constituiçăo de exercitos industriaes, de quadros permanentes mas de pessoal variavel, e que poderiam ser quadruplicados em certas estaçőes e redobrados em épocas de crise; 9.ş--A fundaçăo de colonias agricolas e viticolas; 10.ş--O exercicio racional da força de ponderaçăo, afim de attenuar ou prevenir as crises, de regularisar o mercado e de preparar a organisaçăo social do trabalho. A reorganisaçăo do credito far-se-hia, lançando um pesado imposto sobre a agiotagem, abolindo as leis que permittem a emissăo de titulos ao portador e a formaçăo das sociedades anonymas, e prohibindo a especulaçăo. Por seu turno, a reorganisaçăo judiciaria realisar-se-hia por uma justiça prompta, simplificada e gratuita. Emfim, todas as questőes de finanças e de credito seriam resolvidas pela nacionalisaçăo dos bancos. Mas estas reformas tornar-se-hiam irrealisaveis, se a collectividade, Estado ou Communa, conforme os casos, năo procedesse á transformaçăo, em serviço publico productivo, dos monopolios de facto que gera espontaneamente o systema capitalista, e a que chamaremos a SOCIALISAÇĂO DOS MONOPOLIOS. A regra effectivamente, estabelecida pela theoria do socialismo, é a seguinte: desde que uma industria ou o principal elemento de uma industria, passa, pela sua natureza e pelo seu desenvolvimento, ao estado de monopolio, constituindo uma poderosa agglomeraçăo de forças productoras, incumbe á collectividade exploral-a em _régie_ ou fazel-a explorar, sob a sua direcçăo, mediante indemnisaçăo. D'este modo, além dos monopolios do Estado já constituidos, figuram, na primeira linha, os caminhos de ferro, as minas, os poços de petroleo, as fontes de aguas mineraes, os canaes, as fabricas de armas, os grandes fornos, as companhias de vapores, as grandes officinas de machinas, que, por seu turno, devem ser collocados sob a direcçăo do Estado e transformados gradualmente em _serviços nacionaes_ productivos. Esta socialisaçăo dos organismos dominantes da producçăo e da viaçăo, tem o seu complemento logico e inevitavel na _communalisaçăo_ dos monopolios urbanos, que, por sua vez, seriam tambem transformados em serviços communaes. N'esta cathegoria entram:--a illuminaçăo (gaz e electricidade); os transportes em commum (omnibus, tramways, carruagens); o serviço das aguas (fornecimento, banhos e lavatorios communs), os grandes armazens; os serviços de provisăo (padarias e talhos municipaes), o serviço pharmaceutico e a habitaçăo. A organisaçăo dos serviços communaes presuppőe uma completa reconstituiçăo communal, baseada sobre uma populaçăo de cinco mil habitantes, pelo menos. Uma sociedade, onde se tivessem operado semelhantes transformaçőes--conclue Benoit Malon--teria progressiva e pacificamente vencido a miseria e a ignorancia, organisando socialmente o trabalho, creando uma nova consciencia social, fundada sobre as bases indestructiveis da liberdade politica, da justiça economica e da solidariedade humana. _Muitos serăo os chamados e poucos serăo os eleitos_--dizia a antiga formula christă. _Todos serăo chamados e todos serăo eleitos_--tal é a divisa da moderna escola socialista. * * * * * HECTOR DENIS, GUILLAUME DE GREEF E EMILE DE VANDERWELDE Por _socialismo integral_ deve entender-se o socialismo encarado sob todos os seus aspectos, em todos os seus elementos de formaçăo, e com todas as suas possiveis manifestaçőes. O sentimento năo abdicará nunca, e será sempre o primeiro mobil dos actos humanos--disse-o Claude Bernard na sua _Philosophia experimental_. _Faz socialismo_ o sabio, o pensador, que, ao cabo das suas longas investigaçőes sobre a natureza das cousas, descobre o mysterio da evoluçăo universal. _Faz socialismo_ o inventor, quando applica as forças productoras do homem, favorecendo a multiplicaçăo dos productos e diminuindo, ao mesmo tempo, a duraçăo e as agruras do trabalho. _Faz socialismo_ o escriptor quando no livro, no drama ou no jornal, faz a apotheose dos sentimentos de justiça para com os homens e de piedade para com os animaes. _Faz socialismo_ todo aquelle que combate pela liberdade. _Faz socialismo_ o altruista que passa a sua existencia, fazendo o bem, soccorrendo, consolando e fortalecendo os que soffrem e os que săo desventurados. _Faz socialismo_ o poeta, quando canta o heroismo, a bravura, o desinteresse e consagra as grandes e supremas virtudes civicas. _Faz socialismo_ o professor, quando á orthodoxia das velhas formulas inuteis, antepőe o sagrado ideal de emancipaçăo humana, prégando-o e ensinando-o aos seus discipulos. Emfim, o socialismo já năo é apenas uma doutrina abstracta. O socialismo faz-se e pratica-se por toda a parte: por sentimento uns, por convicçăo muitos, por raciocinio outros e por necessidade todos. E d'ahi a grande variedade de escolas e um sem numero de theorias e de programmas. Mas, em nosso juizo, é o socialismo professoral ou cathedratico aquelle que mais tem concorrido para o desenvolvimento da ideia emancipadora, no seio das sociedades modernas. E entre os principaes apostolos da escola, seria erro imperdoavel esquecer os professores belgas que tăo grande relevo teem sabido dar ás doutrinas socialistas. Năo fallando já no fallecido Emile de Laveleye, o mais celebre dos economistas contemporaneos e auctor de um livro que se tornou classico--_Da propriedade e das suas fórmas primitivas_, cumpre-nos mencionar aqui Hector Denis, Guilherme de Greef, o sabio auctor da _Introducçăo ŕ sociologia_, e Emile de Vanderwelde que, sendo advogado, pertence, todavia, a esse glorioso grupo. A Universidade livre de Bruxellas conta, no seu seio, dois socialistas--Hector Denis e Guilherme de Greef, e um anarchista--Elisée Reclus. [Gravura: Emile de Vanderwelde] Estăo ainda na memoria de todos os recentes acontecimentos, que se originaram pela suspensăo official do curso de Elisée Reclus. Os estudantes tomaram uma parte activa no assumpto. Hector Denis, o reitor da Universidade, demittiu-se, e Guilherme de Greef interveiu a favor dos que protestavam contra a intervençăo dos poderes publicos. O governo viu-se obrigado a reconsiderar, e o socialismo sahiu mais uma vez triumphante da lucta. Na campanha figurou tambem Emile de Vanderwelde, antigo alumno da Universidade, um nobre e generoso espirito e auctor de um bello estudo sobre _os parasitas organicos e os parasitas sociaes_. Emile de Vanderwelde exerce, sobretudo, uma acçăo espiritual sobre o socialismo belga. A sua influencia é enorme, e o seu prestigio cresce e augmenta de dia para dia. * * * * * Entre os socialistas cathedraticos, ha uma escola moderada que aspira á implantaçăo da theoria socialista por uma transformaçăo gradual e lenta da sociedade actual. Assim, săo alguns de opiniăo que, para se chegar á completa aboliçăo da propriedade, se deverá principiar pela aboliçăo da grande propriedade que estabelece um desequilibrio economico no mundo, concentrando e monopolisando nas măos de alguns os capitaes e os recursos que deveriam estar nas măos de todos. Outros fazem distincçăo entre a propriedade industrial e a propriedade agricola, reclamando a suppressăo da primeira e conservando a segunda, visto mediar uma enorme distancia entre o industrialismo e a agricultura. Succede o mesmo com relaçăo á grande e á pequena industria e com relaçăo ás heranças. N'este ponto divergem tambem muitos socialistas, querendo uns a extincçăo total das heranças, além de uma certa quantia e revertendo o excedente para o fundo da educaçăo nacional, contentando-se outros apenas, com a sua extincçăo immediata em linha collateral. Como quer que seja, ha um ponto fundamental em que todos estăo de accôrdo--a negaçăo do existente. É indispensavel pois, destruir o que está para o substituir. E a reconstrucçăo social será tanto mais facil, quanto maior fôr o numero de ideias emittidas. Da variedade de theorias é que hade resultar a unidade do conjuncto. E a lucta travada entre o capitalismo e o proletariado ainda mais apressará e favorecerá a soluçăo do problema. * * * * * A NOVA GERAÇĂO PORTUGUEZA A evoluçăo que, n'estes ultimos annos, se tem operado na parte să, intellectual, deixem-me dizer assim, da nova geraçăo portugueza, é muito digna de registar-se. Á frente d'esses moços estudiosos e enthusiastas, encontra-se Fernando Martins de Carvalho, um grande e solido talento, disciplinado pelo estudo da philosophia moderna e educado na convivencia dos grandes mestres da sciencia social. A tendencia federalista e socialista accentua-se na nova geraçăo portugueza, como um resultado da corrente internacionalista que, por toda a parte, se impőe e affirma, e como uma consequencia logica e necessaria das ideias do nosso tempo. Prova este facto que marchamos para a conquista de um novo ideal e que a politica, entre nós, vae perdendo o seu antigo caracter sentimental e jacobino, para se transformar n'uma soluçăo organica, positiva, liberal e moral. Procedendo assim, a nova geraçăo portugueza affirma a sua solidariedade com o movimento social moderno e mostra-se em tudo digna e á altura dos grandes problemas que agitam a sociedade. Parabens muito sinceros a todos esses bons e leaes companheiros, e, em especial, a Fernando Martins de Carvalho, o chefe incontestado da gloriosa crusada! Os periodos que văo lęr-se representam mais do que um simples estudo ou uma simples aspiraçăo: săo, para assim o dizer, o programma ou o manifesto dos novos. Por isso julgámos que tinham aqui o seu logar, e que seria de summa utilidade reproduzil-os, embora n'elles se notem umas lisongeiras referencias á minha pessoa que năo posso nem devo attribuir senăo á muita bondade de Martins de Carvalho. * * * * * «A aproximaçăo do individualismo economico do individualismo politico é o resultado de uma viciosa associaçăo de ideias. A sociologia moderna deve acceitar o individualismo, como soluçăo politica, e o communismo, como soluçăo economica. Nem ha qualquer conflicto entre estas duas formulas, restrictas aos campos proprios:--o _neminem laede_, essa formula fundamental do individualismo, tem evidentemente consequencias communistas; năo lesar a ninguem é năo tolher a ninguem a apropriaçăo do necessario, năo é apenas năo perturbar ninguem na sua situaçăo actual, justa ou injusta. Spencer, que generalisou a economia orthodoxa na sociologia, é decididamente individualista e affirma a tendencia evolutiva para a propriedade social. Do primitivo communismo genealogico, de caracter familiar, passou-se para o communismo local, dos que habitam o mesmo territorio. Dos communismos das tribus passa-se para o communismo universal, para a confederaçăo de todas as communas. A passagem de uma a outra fórma do communismo deu logar ao individualismo economico, a desintegraçăo, successiva e gradual, do communismo genealogico, desde o condominio familiar até á simples quota legitimaria dos parentes. O individualismo năo poderá ser uma integraçăo social; os elementos que elle dispersou precisam de se integrar n'uma nova fórma communista. A evoluçăo social realisa-se em virtude da lei do uso e do desuso, de que deriva a divisăo do trabalho, e que é o principio fundamental do transformismo, em que se accentua hoje uma renascença lamarckista. Lamarck deveria ter applicado aquella lei, que applicou só aos organismos individuaes, tambem directamente aos organismos collectivos, ás especies. A influencia do uso e do desuso actua sobre os orgăos dos organismos individuaes, mas actua tambem sobre os organismos individuaes, como orgăos dos organismos collectivos. A doutrina da selecçăo natural năo representa senăo uma tentativa para applicar á differenciaçăo das especies a lei do uso e do desuso; na selecçăo social, uma fórma da selecçăo natural, desapparecem todos os inuteis, embora as subsistencias cheguem para todos. A evoluçăo realisa-se pela differenciaçăo estructural das massas organicas primitivas, constituindo os organismos individuaes; pela differenciaçăo dos organismos individuaes formando o protoplasma social primitivo, em variedades, especies, reinos. Uma especie constitue-se organicamente pela successăo de fórmas cada vez mais perfeitas da divisăo do trabalho, pela formaçăo de uma solidariedade social, generalisando-se gradualmente dos pequenos grupos ás raças, e a toda a especie; á concorrencia vital dentro das especies succede-se a concorrencia vital com outras especies, até que umas e outras entrem n'um hyper-organismo superior, que irá até estabelecer a solidariedade de toda a existencia. A sociedade, que começou a sahir da primitiva homogeneidade communista pela anthropophagia, com manifestaçőes juridicas notaveis, como por exemplo a condemnaçăo do criminoso a servir de alimento á tribu,--pelas fórmas parasitarias e commensalistas, vae pouco a pouco aproximando-se da fórma superior da divisăo do trabalho,--o communismo, que é a fórma de repartiçăo nos organismos perfeitos--a cada orgăo segundo as suas necessidades. Á medida que esta evoluçăo se realisa a concorrencia social torna-se cada vez menos intensa; o parasitarismo interno da especie transforma-se em parasitarismo com relaçăo ás outras especies. As profundas differenciaçőes anthropologicas, produzidas pelas velhas fórmas parasitarias da constituiçăo social, văo-se attenuando. A analogia real da sociedade com o organismo, que tem sido muito exaggerada e tem dado logar a mil hespanholadas scientificas, a doutrinas muito estheticas que se tęem destacado por gemmiparidade das theorias de Comte e Spencer, năo nos póde levar a idealisar a sociedade futura como a perfeita reproducçăo do organismo individual, com a sua forte differenciaçăo de estructura, a sociedade é um organismo superior, que reproduz na sua phase embryonnaria a evoluçăo dos organismos individuaes (como pela lei biogenetica o individuo reproduz na vida fetal toda a evoluçăo organica anterior), mas que na sua phase post-embryonnaria a continua. A economia da divisăo do trabalho, que se succede á primitiva economia communista, tem duas phases preparatorias: uma militar, violenta,--a escravidăo, a servidăo, o feudalismo--, outra pacifica,--o capitalismo moderno. A distribuiçăo da riqueza pelo producto do trabalho, dando logar á intervençăo da concorrencia, produz o capitalismo; a theoria communista quer que se pague o trabalho-funcçăo social e năo o trabalho-producto, como o capitalismo e mesmo o collectivismo, uma doutrina transitoria evidentemente, e que se vę em difficuldades para provar que o capital năo é accumulaçăo de trabalho, coisa absolutamente indifferente no ponto de vista communista. As castas năo săo diversas raças, diversos povos, que se sobrepőem; săo differenciaçőes anthropologicas, que se formam dentro de todas as sociedades pela acçăo de factores eminentemente sociaes, as fórmas primitivas da divisăo do trabalho. As castas correspondem ás raças occipital--a exploradora pela violencia--e á frontal, a primitivamente explorada, que se liberta pela intelligencia;--a theoria de Gratiolet é verdadeira, admittindo-se factores sociaes da differenciaçăo dentro das primitivas raças, que pouco a pouco desapparecem perante as nacionalidades, um parasitismo de que resultam differenciaçőes anthropologicas, e perante as castas. O militarismo exterior e internacional e o militarismo nacional ou aristocracia, tęem origens economicas, e produzem differenciaçőes anthropologicas. No regime communista primitivo o direito é a coacçăo á adaptaçăo social pela intimidaçăo, ou o appressamento violento da inadaptaçăo. Existia a promiscuidade. Havia perfeita egualdade economica e perfeita egualdade politica. Fez-se sentir a necessidade da divisăo do trabalho: ia-se constituir a primeira fórma de parasitarismo. Ninguem ousava violar a tradiçăo, com profunda sancçăo religiosa, da propria tribu. Começa a guerra permanente entre as tribus de bimanos. O que se năo aventurava a escravisar individuos, a monopolisar femeas, a apossar-se da propriedade da propria tribu, cahia sobre a tribu visinha. O individualismo começou pela escravidăo dos extrangeiros, pela exogamia, pelo roubo da propriedade das outras tribus. Constituiu-se um direito internacional, fundamentalmente differente do direito do _clan_;--conflicto anthropologico, o direito tinha um caracter collectivo;--crime e pena eram conflictos ethnicos. Constituiram-se assim em casta os homens de guerra, passando depois a exercer a violencia sobre a propria tribu. O direito entre as castas passou a ser cópia do direito internacional; o velho direito interno só persistiu em _survivances_ nas relaçőes entre os membros das classes inferiores. Á casta, como a todos os grandes factores sociaes, devia corresponder uma differenciaçăo anthropologica. A anthropologia criminal, quando nega os factores economicos do crime, năo repara em que a selecçăo natural das raças tem segundo o darwinismo, de que essa escola deriva, uma origem economica--o facto registado pela lei de Malthus. Á primitiva selecçăo individual devia pouco a pouco substituir-se uma selecçăo entre os grupos anthropologicos, que se iam formando, selecçăo naturalmente preventiva, d'ahi a formaçăo da escravidăo, que é uma fórma de caracter duradouro da selecçăo e que se substituiu á pena de morte do criminoso e do prisioneiro de guerra; d'ahi a formaçăo na aristocracia da familia polygamica, destinada a garantir a rapida multiplicaçăo da casta superior, e acompanhada de diversas medidas restrictivas da multiplicaçăo da casta inferior. Pouco a pouco tem ido perdendo de intensidade a fórma violenta do individualismo, pelo apparecimento do capitalismo e pelo cruzamento das castas, primitivamente prohibido, que caracterisa as fórmas sociaes superiores, como o cruzamento das raças caracterisa a domesticaçăo com respeito ao estado selvagem. O caracter de conflicto anthropologico do direito na phase primitiva do militarismo tem pouco a pouco desapparecido de diversos dos seus ramos; primitivamente aquelle direito que hoje só tem sancçăo civil, tinha uma sancçăo penal. Hoje o direito penal tende a tornar-se tăo contractualista como o direito civil; Spencer baseia toda uma theoria penal sobre a organisaçăo systematica da indemnisaçăo de perdas e damnos. Á medida que o militarismo vae declinando, vae-se realisando no direito internacional uma endosmose do direito interno progressivo; o contrario precisamente do que se deu nas origens do militarismo. Resultado de todos estes progressos sociaes é o desapparecimento evolutivo das differenciaçőes anthropologicas, a que as castas e as nacionalidades deram origem. Contra o que o collectivismo affirma, somos de opiniăo que o capitalismo representa um progresso. A evoluçăo realisa-se pela acçăo cada vez menor da hereditariedade, permittindo a evoluçăo rapida da especie, por adaptaçőes repetidas. A organisaçăo em castas, a hereditariedade politica e economica, correspondeu a phases inferiores da transformaçăo da especie: hoje sobre a hereditariedade predomina a adaptaçăo, na sua fórma seleccional, que tem como consequencia politicamente o regime representativo, economicamente o regime capitalista. As selecçőes, năo sendo fixas pela hereditariedade, que, tanto nas suas consequencias politicas, como nas suas consequencias economicas, tende a desapparecer, é uma transiçăo necessaria para o regime da egualdade, em que as progressivas adaptaçőes da especie năo se realisarăo seleccionalmente, mas solidariamente. É um facto conhecido o da degeneraçăo das aristocracias, facto perfeitamente egual ao da degeneraçăo das raças indigenas perante a civilisaçăo branca, e ao da degeneraçăo das raças criminosas,--selecçőes militaristas e aristocracias abortadas, raças d'origem teratologica,--perante o homem normal. Á degeneraçăo das aristocracias correspondeu necessariamente a formaçăo das monarchias; era facil no decorrer da degeneraçăo da casta, uma familia garantir-se o poder monarchico. Quando a degeneraçăo se estende ás dynastias, a monarchia torna-se temperada ou constitucional. É possivel que na degeneraçăo da burguezia perante o quarto estado, pelo mesmo processo historico appareçam novos cesarismos. Vejamos os factores intellectuaes da evoluçăo social. O homem primitivo faz corresponder á sensaçăo o mundo exterior; á _ideia_, que julga independente da sensaçăo, o espirito, a substancia: eis a origem do substancialismo, do livre-arbitrismo, da doutrina das ideias innatas, da theoria da creaçăo. Reconhecida a dependencia causal da ideia para a sensaçăo, substitue-se ao principio da substancialidade o principio de causalidade, e funda-se a sciencia moderna, positiva, monista, determinista e evolucionista. Por fazer do positivismo uma questăo de methodo e năo determinar precisamente a origem do causalismo e todas as suas consequencias, Comte acceitou a irreductibilidade dos phenomenos e a relatividade dos conhecimentos, principio que occasionou esta recente recaida idealista. A evoluçăo scientifica năo é deductiva, como queria Comte, mas inductiva, das ciencias do espirito para as sciencias mais geraes, as do mundo inorganico; é assim que, por exemplo, a doutrina da evoluçăo appareceu successivamenie na sociologia, na biologia e na physico-chimica. Note-se que na astronomia ainda se admitte a evoluçăo-circular, da nebulosa á nebulosa, e a evoluçăo-circular foi precisamente a primeira phase do evolucionismo social; e que nada ha ainda sobre a evoluçăo geral physico-chimica. Conhecem-se os factores psychologicos da marcha social; conhecem-se os seus factores biologicos ainda; e muito mal os factores inorganicos. A doutrina do livre-arbitrio deu origem ao contractualismo na politica, no direito economico, na familia e no direito penal, punindo o crime, năo o criminoso. O determinismo, que successivamente, visivelmente na criminologia, tem passado da sua fórma statica, para uma fórma dynamica, evolucionista, do motivismo psychologico ao condicionalismo biologico e anorganico, tem como consequencia necessaria uma constituiçăo socialista. O direito economico fundar-se-ha sobre o destino social dos actos, năo sobre o livre-arbitrio dos contrahentes; reconhecido o governo de leis sociologicas, e o progresso, contradictorio com o livre-arbitrio, isto é, a eterna possibilidade do homem pensar e praticar indifferentemente, desapparecerá a necessidade do Estado, resultado theorico da necessidade de uma eterna intervençăo coactiva para levar o livre-arbitrio ao Bem; a pena terá um fim socialista, a adaptaçăo do criminoso á sociedade. Esta adaptaçăo será facil, contra o que julga a antropologia criminal, que admitte a evoluçăo anthropologica e social e nega a evoluçăo anthropologica e social dos criminosos, que, sabendo que a symbolica juridica mostra bem que a origem da propriedade foi a conquista e que a origem da successăo foi o culto dos mortos, chama aos attentados contra a propriedade--_delictos naturaes_. A probidade actual que é senăo o habito violentamente creado de respeitar a desegualdade economica, hereditariamente transmittido? Differimos do collectivismo:--na nossa soluçăo final economica, que é communista; na theoria politica, que é o anarchismo scientifico; no processo theorico, por isso que fazemos sociologia anthropologica e por năo fazermos sociologia exclusivamente economica. Os primitivos socialistas como os primeiros economistas nem sequer suspeitaram a sociologia, viveram no especialismo economico; n'uma segunda phase economista e socialista levaram a explicaçăo economica a todos os phenomenos sociaes, fizeram sociologia economica; n'uma terceira phase a economia orthodoxa generalisou-se com as outras sciencias sociaes na sociologia spenceriana. Tudo hoje tambem faz prever a constituiçăo de uma sociologia socialista. A biologia nunca ousou explicar a evoluçăo organica só por factores economicos--os que dizem respeito á nutriçăo. O collectivismo é, em Marx principalmente, um argumento _ad hominem_ com relaçăo á economia orthodoxa, de cujas entidades metaphysicas tirou consequencias habeis, mas scientificamente infundadas; Karl Marx vę-se obrigado a contradizer violentamente as suas theorias, aproximando o seu socialismo da formula communista da distribuiçăo. Differimos do anarchismo, apesar de acreditarmos que o Estado tende a desapparecer pelas rasőes que démos e ainda pelas legitimas deducçőes sociologicas da doutrina lamarckiana da creaçăo natural dos instinctos, em virtude da qual o Estado perderá a sua rasăo de ser apenas tenha formado habitos, que, tornados hereditarios, sejam a base moral da sociedade futura:--na theoria determinista e anthropologica, e pelo sentimento profundo da evoluçăo historica. É preciso contar com a historia, a hereditariedade psychologica; o espirito social năo é evidentemente a _taboa rasa_ da velha psychologia materialista. A evoluçăo tem periodos revolucionarios; a _lucta pelo direito_ de Jhering é a theoria do progresso sanguinolento das sociedades. Mas năo podemos como o anarchismo ou como o jacobinismo fazer do crime politico uma metaphysica revolucionaria. Dissémo-nos communistas: devemos notar que a unica theoria socialista de que saiu uma sociologia, foi uma doutrina communista, a de Saint-Simon, cuja influencia na obra de Comte é conhecida. É nitida a nossa posiçăo. Libertos completamente das velhas doutrinas, hereditariedade morbida muitas vezes secular do espirito collectivo, affirmamos a necessidade de uma reconstrucçăo social completa. As velhas theorias sociaes, que săo senăo as velhas tendencias inconscientes, a que se quer dar um pretexto de que se faz pedantemente uma sociologia, como o hypnotisado dá um pretexto pueril e julga da sua iniciativa os actos suggeridos e que inconscientemente praticou? É no partido republicano o logar dos novos, năo vencidos por essa _surménage_ mental da historia que caracterisa o momento, para quem a sociologia năo é apenas um libretto da _Portugueza_, que fazem uma critica intellectual do que existe, e que deixam a velha critica jacobina, uma parte de policia carregada. É preciso que o partido republicano faça, porém, vigorosamente affirmaçőes socialistas e federalistas. Estas duas correntes poderosas teem sido vehementemente representadas na propaganda republicana por Magalhăes Lima, contra aquelles, para quem a republica é toda a sciencia social e um _ménagesinho patriotico_, e que fazem a sociologia pacata do bom homem Ricardo. A questăo politica năo é indifferente, contra o que alguns deduzem do principio socialista de que as transformaçőes politicas teem apenas factores e destinos economicos. Os novos devem pois, collocar-se ao lado dos republicanos, porque a soluçăo politica immediata é a mesma. Socialistas, achamo-nos reunidos aos orthodoxos, que piedosamente julgam o socialismo uma metaphysica do roubo. Aproxima-nos uma especie de _isomorphismo_, porque as nossas e as suas doutrinas crystalisam nas mesmas formulas politicas. Socialismo rasgado, năo um socialismo que seja um dilettantismo da Historia, e que corresponda á velha formula--_panem et circenses_, politica internacional definida e sem hesitaçőes, tem sido a propaganda vehemente feita por Magalhăes Lima, que assim abriu uma nova phase na historia do partido republicano portuguez. Os novos podem, pois entrar sem hesitaçőes na vida nova do partido.» * * * * * JOSÉ FONTANA E SOUSA BRANDĂO E, uma vez que fallámos nos novos, seria ingratidăo esquecer aquelles que, pela sua influencia, pela sua dedicaçăo, pela sua actividade e pela sua propaganda, tanto contribuiram para o derramamento d'estas ideias no povo portuguez. Refiro-me a José Fontana e Sousa Brandăo. Ser republicano ou ser socialista n'estes tempos que văo correndo, cousa é que năo importa um grande acto de coragem ou de audacia. Mas para affirmar as opiniőes republicanas e socialistas, na época em que aquelles dois benemeritos o fizeram, requeria-se ainda mais que coragem e audacia--requeria-se uma grande independencia de caracter e um grande e soberano despreso pelas conveniencias e interesses pessoaes. Os que modernamente vieram para a politica, năo sabem, nem podem mesmo avaliar, o que custava a propaganda n'aquelle tempo. Era uma lucta cruel e constante, com a familia, com os amigos, e com tudo e com todos. Ser republicano o mesmo era que ser um doido mau. Socialismo era synonimo de pilhagem e de liquidaçăo social. [Gravura: José Fontana] Os partidos por via de regra, ingratos para com os seus servidores. Superior, porém, á gratidăo dos partidos, ha o applauso da propria consciencia. E só pela satisfaçăo do dever cumprido, vale bem a pena supportar as chufas dos adversarios, as calumnias dos maldosos e a perseguiçăo dos inscientes e dos inconscientes. José Fontana era muitas vezes calumniado por aquelles que o năo comprehendiam. De Sousa Brandăo sorriam-se os _finorios_ e os homens praticos, como se tivessem dó d'elle. Fui d'essa época, e sei o que isso era e o que isso custava! Mas que importava? Os calumniadores calaram-se e os disfructadores desappareceram. José Fontana e Sousa Brandăo săo hoje venerados e consagrados, em Portugal, como o săo egualmente, na Allemanha, Karl Marx e Lassale. E isto porquę? Precisamente porque elles representaram, na sociedade portugueza, mais alguma cousa do que as suas proprias pessoas. Elles foram os genuinos interpretes de uma ideia que honraram e glorificaram, pela sua coherencia, pela sua abnegaçăo e pelo seu civismo. Foram dois puros e foram dois fortes. Era differente o processo de cada um. Mas o ideal, o fim, o objectivo era o mesmo em ambos. José Fontana era o apostolo da _Internacional_, e ella ahi está hoje mais solida e mais viva do que nunca, apesar da perseguiçăo dos governos! Sousa Brandăo foi o evangelista das _sociedades cooperativas_, e ellas ahi estăo hoje a impôr-se por toda a parte e em todas as classes, apesar dos embaraços e obstaculos que o capitalismo lhe levanta! [Gravura: Sousa Brandăo] Ha quem desanime na lucta e ha quem cance, durante o caminho. Nem um nem outro souberam nunca o que era o desanimo ou o cansaço. Trabalharam, combateram, perseveraram e seguiram sempre ávante como os crentes das antigas religiőes. Edificaram sobre as ruinas e construiram sobre os escombros do velho mundo. A obra ahi está--bella, soberba, imponente. O exemplo é d'aquelles que năo morrem nunca e a liçăo é das que aproveitam sempre. Inspiremo-nos no seu nobre e magnanimo exemplo e reavivemos nos nossos espiritos a grandeza e a sublimidade da sua liçăo. A homenagem aos mortos deve constituir um culto para os vivos. E, quando os mortos se chamam José Fontana e Sousa Brandăo, a homenagem reveste entăo o duplo caracter de um preito ao amigo querido e de uma apotheose pelo bravo, pelo apostolo e pelo heróe. CONCLUINDO Bom ou máu, ahi fica um rapido esboço do actual movimento. Foi simples a nossa missăo. Desejando que todos vissem pelos proprios olhos e palpassem pelas proprias măos, limitámos-nos a fazer a historia do que é e do que se passa. Historiámos; năo criticámos; narrámos; năo commentámos. _Savoir pour prévoir, afin de pouvoir_--tal era a maxima de Augusto Comte. _Saber para prevęr, afim de poder_--tal deve ser o principio de todos os que, presentemente, se dedicam e consagram aos estudos politicos e sociaes. Năo confundamos o ideal com a utopia. O ideal de hoje é a realidade de ámanhă. O ideal,--disse muito bem Elie Réclus, năo é senăo o desenvolvimento da realidade. A utopia năo passa, muitas vezes, do espirito ou do cerebro que a gerou. Mas năo succede o mesmo com o ideal que encontra sempre uma realisaçăo pratica, no mundo. O socialismo é o ideal do seculo XIX e será a realidade do seculo XX. Muitos governos monarchicos começam já a aceitar-lhe as reivindicaçőes e as consequencias. Gladstone perfilhou, para o seu programma liberal, o dia normal das 8 horas de trabalho e a responsabilidade nos accidentes. É socialista o imperador da Allemanha e săo socialistas todos os governos da Europa. Comprehende-se. Fazendo concessőes ao proletariado, os reaccionarios e ultramontanos procuram defender-se da onda que os ameaça, prolongando d'este modo a sua existencia, embora á custa de uma especulaçăo e de uma hypocrisia. Năo acontece porém, o mesmo com os partidos avançados. Esses teem de acompanhar o movimento, sob pena de se suicidarem, năo o fazendo. Ahi fica a advertencia. Quem tem olhos para vęr, veja; quem tem ouvidos para ouvir, oiça. N'este livro reproduzi, a largos traços, as minhas impressőes sobre o congresso operario de Zurich de 1893, desenvolvendo os assumptos ali tratados, segundo o criterio das diversas escolas socialistas. Aos novos me dirijo, porque só dos novos ha alguma cousa a esperar. Os velhos săo impenetraveis ás ideias modernas. Concorre, para isso, o egoismo e a intransigencia da edade. Seria absurdo esperar qualquer cousa de proficuo e de util de elementos gastos, cançados, e, em parte, desacreditados. Já uma vez o disse e năo cessarei de o repetir. O bom senso publico năo reconhece, em geral, senăo dois partidos--o partido dos que avançam e o partido dos que recúam. Deixemos recuar os que tudo sacrificam ao seu interesse pessoal e á sua desmesurada ganancia; deixemos recuar os timidos, os covardes e os impotentes; e avancemos nós, unidos, fortes e disciplinados--unidos na acçăo, embora divergentes na doutrina; fortes pelo sentimento do dever, e disciplinados pela solidariedade das ideias e dos principios. A festa do 1.ş de de maio do corrente anno será uma nova affirmaçăo da força e da importancia do proletariado internacional. Michelin, o illustre deputado socialista, apresentou ultimamente, na camara franceza, o seguinte projecto de lei: «O trabalho é a origem unica e legitima da riqueza. Nenhum producto póde existir sem o trabalho, que é a condiçăo essencial da liberdade e da prosperidade do homem, e só, por meio d'elle, se póde assegurar o progresso e moralisar a sociedade. «Os trabalhadores tomaram a iniciativa da celebraçăo de uma festa annual, com o fim de honrar o trabalho. Peço por isso, á camara que decrete, no sentido de considerar esta festa nacional. Os poderes publicos, cuja missăo consiste em dar satisfaçăo ás aspiraçőes do povo, năo podem senăo associar-se a um sentimento tăo elevado, demonstrando assim o desejo sincero em que estăo de examinar, para as attender, as justas reivindicaçőes dos trabalhadores que constituem a immensa maioria do paiz. «Por estas rasőes, tenho a honra de submetter á camara o seguinte projecto: Art.ş unico--O 1.ş de Maio é declarado o dia da festa nacional e annual do trabalho.» Michelin deseja, por este modo, consagrar o 1.ş de Maio, assim como se tem consagrado o 14 de julho que é o dia da festa da Republica. Perderia a festa dos operarios, n'este caso, o seu caracter de resistencia, e converter-se-hia n'uma celebraçăo pacifica do trabalho. Nada mais nobre e digno! Aos termos da proposta, associou-se enthusiaticamente o grande poeta socialista, Clovis Hugues, embora outros divergissem por desejarem conservar ao 1.ş de Maio a sua feiçăo, radical e revolucionaria, de combate e de opposiçăo ao existente. De um ou de outro modo, a celebraçăo do 1.ş de Maio năo deixará de fazer-se. Ha um problema a resolver. É a questăo magna do seculo. Ou os governos o resolvem, ou as sociedades terăo de passar por um cataclismo terrivel. É este o dilemma. E da soluçăo do assumpto dependerá, no futuro, a felicidade e o bem-estar dos povos! FIM INDICE SOLEMNIA VERBA 7 O PRIMEIRO DE MAIO 11 O DESENVOLVIMENTO DAS IDEIAS SOCIALISTAS.--Benoit Malon, Luiz Ruchonnet, Ramón Chies, Victor Schoelcher e Victor Considérant.--Theodoro Hertzka e o seu Freiland.--No congresso de Zurich.--A Allemanha, a Belgica, a França e a Inglaterra.--A Italia, a Hespanha e Portugal.--Notas e commentarios 13 O PROGRAMMA SOCIALISTA.--O programma do partido operario.--Parte politica e parte economica--Jules Guesde e Paulo Lafargue.--O programma do partido socialista em Portugal 57 A COOPERAÇĂO DOS TRABALHADORES.--Cooperaçăo e solidariedade.--Instrucçăo e associaçăo.--O internacionalismo.--As cooperaçőes operarias e alguns dos seus mais dedicados e fervorosos apostolos.--Cesar de Paepe, Anseele, Jean Volders, Louis Bertrand 97 ARBITRAGEM INTERNACIONAL.--Sociedades da paz.--Emile Arnaud.--O militarismo.--Domela Nieuwenhuis.--Arbitragem internacional--Michel Revon.--A federaçăo e os seus apostolos.--Nacionalismo e internacionalismo.--Alfredo Naquet.--René Goblet e Augusto Vacquerie.--A guerra vencida pela arbitragem.--O desarmamento.--Eduardo Vaillant 109 A MULHER.--Resoluçăo do Congresso de Zurich.--A situaçăo da mulher.--Seus direitos civis e politicos.--A mulher em relaçăo á industria.--A mulher no estado socialista.--A primeira victoria.--Madame Paule Mink.--Augusto Bebel.--P. Argyriadés 137 A SOCIEDADE NOVA.--A transformaçăo social impőe-se.--O que é o collectivismo.--O Estado socialista, segundo Augusto Bebel e Benoit Malon.--A legislaçăo directa pelo povo.--A Socialisaçăo dos monopolios.--Hector Denis, Guillaume de Greefe Emile de Vanderwelde.--A nova geraçăo portugueza.--José Fontana e Souza Brandăo 155 CONCLUINDO.-- 193 RETRATOS 1.ş--Benoit Malon 14 2.ş--Ramón Chies 17 3.ş--Victor Schoelcher 18 4.ş--Victor Considerant 21 5.ş--Theodoro Hertzka 26 6.ş--Amilcare Cipriani 35 7.ş--Frederico Engels 39 8.ş--Liebknecht 41 9.ş--Millerand 44 10.ş--Thivrier 47 11.ş--John Burns 48 12.ş--De Felice 53 13.ş--Jules Guesde 58 14.ş--Paulo Lafargue 60 15.ş--Cesar de Paepe 98 16.ş--Louis Bertrand 104 17.ş--Anseele 105 18.ş--Jean Volders 106 19.ş--Emile Arnaud 113 20.ş--Domela Nieuwenhuis 115 21.ş--Alfredo Naquet 122 22.ş--René Goblet 124 23.ş--Augusto Vacquerie 126 24.ş--Emile de Laveleye 128 25.ş--Eduardo Vaillant 132 26.ş--M.me Paule Mink 149 27.ş--P. Argyriadés 151 28.ş--Augusto Bebel 160 29.ş--Emile de Vanderwelde 173 30.ş--José Fontana 189 31.ş--Sousa Brandăo 190 [1] _Freiland. Ein soziales Zukunftbild_. Leipzig, Duncker und Humblot, 1889, 10 mk; Dresden, E. Pierson, 1891 e 1892, 3 mk.--_Freeland_, traducçăo ingleza por Arthur Ranson. Londres, Chatto e Windus, 1892, 6 sh.--_Freiland und die Freilandbewegung_. Vienna, 10 pf., traduzido por H. La Fontaine, advogado em Bruxellas, sob o titulo de _Freiland_, un roman collectiviste. Extraits et résumé. Bruxelles. 1892. Imprimerie Veuvc Mounom. [2] _Horace Greeley._ [3] B. Malon--_Socialismo integral._ [4] Louis Bertrand.--_La Cooperation, ses avantages et son avenir._ [5] _Discurso proferido no congresso de Zurich._ [6] Michel Revon--_L'arbttrage international._ [7] Serviu-nos de guia, n'este estudo, a traducçăo analytica da obra de Rebel--_La femme et le socialisme_--publicada por P. Argyriadés. Vulgarisando a excellente doutrina, procurámos fazer obra de propaganda e nada mais. [8] B. Malon--_Le Socialisme Integral._ End of Project Gutenberg's O Primeiro de Maio, by Sebastiăo de Magalhăes Lima *** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK O PRIMEIRO DE MAIO *** ***** This file should be named 32379-8.txt or 32379-8.zip ***** This and all associated files of various formats will be found in: https://www.gutenberg.org/3/2/3/7/32379/ Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images of public domain material from BibRia) Updated editions will replace the previous one--the old editions will be renamed. Creating the works from public domain print editions means that no one owns a United States copyright in these works, so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United States without permission and without paying copyright royalties. Special rules, set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. 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42,288 words • 704h 48m read

— End of O Primeiro de Maio —

Book Information

Title
O Primeiro de Maio
Author(s)
Lima, S. de Magalhães (Sebastião de Magalhães)
Language
Portuguese
Type
Text
Release Date
May 15, 2010
Word Count
42,288 words
Library of Congress Classification
HX
Bookshelves
PT Política e Sociedade, Browsing: Culture/Civilization/Society, Browsing: Politics, Browsing: Sociology
Rights
Public domain in the USA.