Project Gutenberg's O Primeiro de Maio, by Sebastiăo de Magalhăes Lima
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Title: O Primeiro de Maio
Author: Sebastiăo de Magalhăes Lima
Release Date: May 15, 2010 [EBook #32379]
Language: Portuguese
Character set encoding: ISO-8859-1
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MAGALHĂES LIMA
O 1.ş de Maio
_Marchez, l'humanité ne vit pas d'une idée,_
_Elle en allume une autre á l'eternel flambeau_
CASA BERTRAND--JOSÉ BASTOS
CHIADO
LISBOA
O PRIMEIRO DE MAIO
O PRIMEIRO DE MAIO
POR
S. DE MAGALHĂES LIMA
_Marchez, l'humanité ne vit pas d'une idée,_
_Elle en allume une autre á l'eternel flambeau_
LISBOA
TYP. DA COMPANHIA NACIONAL EDITORA
1894
Á MEMORIA
DO
MEU QUERIDO MESTRE
E
SAUDOSISSIMO AMIGO
BENOIT MALON
_Lisboa, 2 de dezembro de 1893._
_Magalhăes Lima._
_SOLEMNIA VERBA..._
Recordo-me perfeitamente. Era uma manhă de agosto. Na vespera, Cipriani
havia me dito: «amanhă, ás 11 horas, na _gare de S. Lazare_!»
Fomos ambos pontuaes. Tomámos os nossos bilhetes, e seguimos no trem de
Asničres. Era ali, na rua de Colombes, que vivia, ou que agonisava, para
melhor dizer, Benoit Malon. Subimos a longa escadaria que conduzia a um
terceiro andar. O mestre dormia tranquillamente. Mas, presentindo-nos,
afastou docemente o lenço branco que lhe encobria o rosto, e
estendeu-nos a măo com carinho e alvoroço, abraçando-nos e beijando-nos,
ao mesmo tempo.
A sua physionomia, abatida e amarellecida pelo uso da morphina, tinha o
aspecto doentio, morbido, de quem, havia muito, năo dormira ou se achara
dominado por terriveis convulsőes. O quarto era pequeno, illuminado por
uma janella que deitava para a rua. Sobre o leito em desalinho, alguns
jornaes, dobrados uns, abertos outros--_Le Rappel_, _La Petite
Republique Française_, _La Justice_... A atmosphera estava impregnada
d'aquelle cheiro caracteristico das longas enfermidades dolorosas. A um
lado do leito uma mesa, completamente coalhada de garrafas e frascos,
uma pequena pharmacia, para assim o dizer; e a outro lado a figura
luminosa, transparente e doce de Mademoiselle Estelle Husson, a
enfermeira querida e dedicada, que teve a rara coragem e a excepcional
perseverança de atravessar os seis longos mezes da doença, passando as
noites em vigilia, ao lado do enfermo, sem se deitar...
--É uma heroina!--disse-me Amilcare Cipriani.
E era-o, com effeito.
Conservo ainda hoje a sua imagem, intensamente gravada no meu espirito
saudosissimo. Uma bata branca envolvia o seu corpo flexivel e franzino,
e uma pallidez marmorea se desenhava na sua figura delicada de _madona_,
de olhos azues e de longas tranças louras. Dir-se-hia uma irmă do
doente, pelo soffrimento e pela dôr que a caracterisavam.
Benoit Malon năo podia fallar. Escrevia n'uma lousa que tinha sempre ao
seu lado, e que elle mesmo limpava, de quando em quando, com uma pequena
esponja.
Fez-me muitas perguntas. Felicitou-me pela publicaçăo do meu livro--_La
Fédération Ibérique_, que havia dado a Geisler, para que a elle se
referisse na _Revue Socialiste_.--Porque năo publica V., em volume, as
suas impressőes, sobre o congresso operario de Zurich?--disse-me por
fim.
Prometti-lhe solemnemente que o faria.
Venho hoje cumprir a minha promessa; e, á tua memoria sacratissima,
consagro o fructo do meu labor, ó morto querido!
O PRIMEIRO DE MAIO
O congresso confirma a resoluçăo do congresso de Bruxellas, assim
concebida:
O congresso, afim de conservar ao 1.ş de Maio o seu verdadeiro
caracter de reivindicaçăo do dia normal de 8 horas de trabalho e de
affirmaçăo de lucta de classes, resolve:
Que deve fazer-se uma manifestaçăo unica em que tomem parte os
trabalhadores de todos os paizes;
Que esta manifestaçăo se realise no dia 1.ş de maio, e se suspenda o
trabalho, n'esse dia, em toda a parte onde seja possivel fazel-o.
Adopta tambem a emenda seguinte:
A democracia socialista de cada paiz tem o dever de empregar todos
os seus esforços para conseguir a suspensăo do trabalho no dia 1 de
maio, encorajando todas as tentativas feitas, n'este sentido, pelas
differentes organisaçőes locaes.
O congresso resolve mais:
A manifestaçăo do 1.ş de maio, pelo dia normal de 8 horas de
trabalho, deve, ao mesmo tempo, ser, nos diversos povos, a
affirmaçăo da energica vontade que anima o proletariado moderno de
pôr um termo, por meio da revoluçăo social, ás desegualdades de
classes, devendo tambem manifestar o pensamento commum ao
proletariado de alcançar, pelas reformas sociaes, a paz universal,
como uma consequencia da paz obtida dentro de cada naçăo.
(_Congresso de Zurich._--Resoluçăo tomada na sessăo de 11 de agosto
de 1893).
A celebraçăo do primeiro de maio, significa e representa, ao mesmo
tempo, uma affirmaçăo e um protesto: affirmaçăo de direito e de justiça
contra os privilegios e os preconceitos do mundo, e protesto da
humanidade trabalhadora contra o despotismo e a servidăo social.
Affirmar esse direito e relembrar essa justiça é o dever dos que
trabalham; protestar contra a iniquidade de que săo victimas, é a
obrigaçăo dos que soffrem.
Encontramos-nos em face de um velho mundo que desaba. Os reis e os
dictadores esgotam os thesouros dos seus respectivos paizes em muniçőes
e armamentos, e preparam-se para o supremo combate. Por toda a parte a
duvida e a incerteza. Alguma cousa de sombrio e de lugubre caracterisa
este terrivel periodo, chamado de transiçăo. De duas uma: ou a guerra
irrompe, n'uma época mais ou menos proxima; ou a revoluçăo rebentará,
como a consequencia logica, inevitavel, da crise economica a que esta
nova barbarie, denominada pomposamente exercito permanente, arrastou as
sociedades modernas.
O capitalismo explora, e a guerra mata e aniquila. O operario
encontra-se em frente d'estes dois inimigos; e elle, que representa o
trabalho e a producçăo, combate os exploradores; e elle, que significa
paz, amor e concordia, detesta e odeia a guerra.
Reivindicar para a collectividade os beneficios do trabalho e da
paz--eis a aspiraçăo do proletariado moderno. A essas aspiraçőes,
chamamos nós socialismo; e, por seu turno, a gloriosa commemoraçăo do
primeiro de maio, năo é outra cousa senăo a affirmaçăo solemne e
collectiva das reivindicaçőes operarias.
I
O DESENVOLVIMENTO DAS IDEIAS SOCIALISTAS
BENOIT MALON, LUIZ RUCHONNET, RAMÓN CHÍES, VICTOR SCHOELCHER E VICTOR
CONSIDÉRANT.--THEODORO HERTZKA E O SEU FREILAND.--NO CONGRESSO DE
ZURICH:--A ALLEMANHA, A BELGICA, A FRANÇA E A INGLATERRA.--A ITALTA, A
SUISSA, A HESPANHA E PORTUGAL.--NOTAS E COMMENTARIOS.
No proximo anno preterito que acaba de desapparecer, arrastando na sua
cauda varredora todo um mundo de lagrimas e de ficçőes, a humanidade
perdeu cinco dos seus melhores amigos e a revoluçăo cinco dos seus
apostolos mais queridos e predilectos.
O _primeiro de maio_, que, antes de tudo, significa paz e solidariedade,
presta homenagem aos mortos illustres. Façamos reviver os Mestres. O seu
exemplo é o nosso ensinamento, e a sua memoria luminosa é a origem dos
nossos esforços e dos nossos sacrificios. Por elles vivemos, e pela sua
liçăo sacratissima nos abalançamos aos supremos heroismos e aos supremos
martyrios. Bem hajam elles, os bons, os santos, os immortaes, os
calumniados de todos os tempos e de todos os paizes; bem hajam os
simples, os eternamente ingenuos: foram elles que nos ensinaram; săo
elles ainda os que, atravez dos escolhos que as paixőes semeiam na
sociedade, nos guiam e conduzem ao ideal abençoado, á terra promettida
da liberdade e da fraternidade humana!
* * * * *
BENOIT MALON
O odio destróe e espalha a guerra. Só o amor póde construir e trazer a
paz. Benoit Malon era a personificaçăo do altruismo e da bondade humana.
Era um santo e um virtuoso. Ninguem o excedeu em virtude. Ninguem o
egualou em abnegaçăo e desinteresse. Por isso a sua morte pôz o lucto
nos coraçőes e encheu de affliçăo todas as boas almas, candidas e
generosas. Elle năo foi só o mestre do socialismo: foi o exemplo vivo de
quanto póde a vontade, quando levada e dirigida pelo amor e pela
curiosidade do saber. Elle foi a encarnaçăo da alma moderna, em
lucta com o presente e crente no futuro, pondo o ideal acima dos
mesquinhos interesses do mundo e as ideias e os principios acima da
ganancia sórdida dos homens e das sociedades.
[Gravura: Benoit Malon]
Ah! sim!--dizia-me, pouco tempo depois da sua morte, Aurelien Scholl, o
scintillante chronista parisiense--elle foi um dos raros e um dos
privilegiados d'este fim de seculo! O meu pobre amigo vinha almoçar
commigo de quando em quando. Um dia a minha creada perguntou-me, se
poderia aproveitar a hora do almoço, para coser o sobretudo do sr.
Malon, e se elle repararia... Respondi-lhe que cosesse o sobretudo,
porque o sr. Malon nem sequer daria por tal... É que elle era tăo bom,
tăo bom--rematou Scholl--que até as creadas de servir o amavam!
Eis aqui uma narrativa que vale bem por uma biographia! E tudo quanto
podessemos accrescentar a estas palavras, ao mesmo tempo tăo simples e
tăo pittorescas, seria superfluo e inutil. Nem mais ambicionaria, por
certo, o chorado e saudosissimo author do _Socialismo integral_!
* * * * *
LUIZ RUCHONNET
Luiz Ruchonnet foi, por duas vezes, presidente do conselho federal da
florescente e grandiosa republica suissa. Era um sincero amigo da paz,
e, como todos esses _visionarios_ e _sonhadores_, que em Inglaterra se
chamam Cobden, Hodgson Pratt, Henry Richard, Cremer, Darby, em França,
Charles Lemmonier, Frederico Passy, Emile Arnaud, René Goblet, Edmond
Thiaudičre, A. Millerand, Camillo Pelletan, Augusto Vacquerie; na
Italia, Bonghi, Siccardi, Mazzoleni, Theodoro Moneta; na Dinamarca,
Frederico Bajer; na Belgica, Laveleye, Janson, Cesar de Paepe, La
Fontaine; na Allemanha, Franz Wirth, Baumbach, Adolfo e Eugenio Richter;
na Austria, a baroneza de Suttner e o dr. Adler; na Suissa, Angelo
Umiltá, Carlos Menn, M.me Goegg; na America, Alfredo Love, dr.
Trueblood, M.me Belva Lockwood--elle pertenceu a essa gloriosa raça de
philantropos e humanitarios, que atravessam o mundo, deixando atraz de
si um rasto de luz, e cujos nomes se perpetuam, atravez os tempos e as
geraçőes, consagrados pela historia, pela sciencia e pelo trabalho.
* * * * *
RAMÓN CHÍES
Na historia do livre pensamento, Ramón Chíes occupava um dos primeiros
logares e era uma das personalidades mais em vista. Era um
revolucionario por temperamento e por convicçăo. Năo queria a republica
simplesmente pela republica. Queria a republica sim! para elevar e
engrandecer a sua patria aos olhos de nacionaes e estrangeiros. Para
elle a republica era uma phase transitoria; a phase organica e positiva
estava no socialismo. Por isso foi, ao mesmo tempo, um socialista e um
federalista. Tribuno, ninguem o excedeu em eloquencia, na defeza do
luminoso principio da fraternidade e da solidariedade humana; publicista
e jornalista de pulso, foi um apostolo constante, ardente, impetuoso e
dedicado da federaçăo iberica.
[Gravura: Ramón Chies]
* * * * *
VICTOR SCHOELCHER
Victor Schoelcher pertenceu a essa mocidade alegre e enthusiasta que
forneceu ao author dos _Miseraveis_ o seu typo d'Enjolras, o estudante
de todas as sociedades secretas e de todas as conspiraçőes. Franco-maçăo
e conspirador, filiou-se na loja franceza dos _Amis de la verité_ e na
_Sociedade Aide-toi, le ciel t'aidera_.
Estas eram, com algumas outras, as associaçőes dos _malfeitores_
d'aquelles tempos, no dizer picante e ironico de um distincto jornalista
parisiense.
[Gravura: Victor Schoelcher]
A grande e gloriosa figura de Schoelcher destaca-se na sua
brilhantissima campanha contra a escravidăo. Quiz vęr de perto e
observar pelos seus proprios olhos a triste situaçăo dos negros. E, para
poder denunciar ao mundo a ignominia e a barbarie dos homens, partiu
para a America, d'onde regressou, com o coraçăo angustiado pela dôr e o
espirito horrorisado por tudo o que havia presenceado e visto. Sendo
sub-secretario d'Estado, no ministerio da marinha, por occasiăo da
revoluçăo de 1848, o seu primeiro cuidado foi apresentar um decreto para
a libertaçăo immediata dos negros.
Schoelcher encontrava-se ao lado de Baudin, na celebre e já hoje
historica barricada da Bastilha.
A tropa marchava sobre a barricada, sem dar um tiro.
«--Amigos! gritou Schoelcher, voltando-se para o povo, nem um tiro até
que a tropa abra o fogo. Avancemos; se ella atirar, a primeira descarga
será nossa; se nos matar, vós nos vingareis.»
E dirigindo-se depois aos soldados:
«--Nós somos os representantes do povo, exclamou. Em nome da
constituiçăo, reclamamos o vosso concurso, para fazer respeitar as leis
do paiz. Vinde a nós; será vossa a gloria.»
E avançou para os soldados, commandados por um official. Seis dos seus
collegas seguiram-n'o. A tropa parou indecisa.
--Cumpro as ordens, respondeu o official. Retire-se, se năo quer que dę
a voz de fogo.
--Mate-nos, se quizer, replicou Schoelcher.
E, dando o exemplo que foi seguido pelos companheiros, gritou: «Viva a
Republica!»
O official mandou carregar.--«Avançar!»--ordenou.
Ouviu-se o ruido sęcco das baterias. Alguns representantes
descobriram-se e quedaram-se com o chapéu na măo, esperando serenamente
a morte. N'esse instante, um soldado atacou Schoelcher á baioneta. Os
defensores da barricada, suppondo que se attentava contra a sua vida,
desfecharam e mataram o soldado. A tropa respondeu por uma descarga
geral. Foi entăo que Baudin subiu á barricada para exhortar os soldados.
Uma bala feriu-o na fronte, cahindo logo fulminado.
Schoelcher, n'esse dia memoravel da sua vida, esteve á altura dos
grandes heroes; e, á semelhança dos antigos paladinos, só abandonou o
campo, quando nada mais restava a fazer. A barricada da Bastilha fôra
improvisada de um momento para o outro; construida no ar, para assim o
dizer, sem elementos de resistencia, desfez-se e cahiu como um castello
de cartas. Mas o patriotismo opera milagres. E só patriotas sinceros e
devotados seriam capazes de semelhante audacia e de semelhante arrojo!
Chamaram-lhe idealista--um puro e nobre idealista!--a elle, que todos os
seis mezes, na camara franceza, apresentava um projecto de lei para a
aboliçăo da pena de morte. Para o mundo, egoista e utilitario, săo
idealistas e săo sentimentalistas, todos os que lhe năo acceitam as
falsas convençőes e o tôrpe e vilissimo mercantilismo. E é precisamente
de idealistas e de sentimentalistas que carecem e precisam as sociedades
modernas! As grandes commoçőes da historia foram um producto do ideal e
do sentimento humano. Assim como é preciso pensar para obrar, na phrase
de Augusto Comte, é tambem preciso sentir para querer. Nem d'outro modo
se comprehende o patriotismo, nem d'outro modo se poderiam comprehender
as revoluçőes e os grandes dramas sociaes.
Perdida a causa em que pozéra todo o seu heroismo e todos os seus
esforços, Schoelcher emigrou para Inglaterra, onde permaneceu durante o
imperio, regressando a Paris em 1870. Estava no Hotel-de-Ville, a 4 de
setembro, e tomou parte na defeza de Paris, na sua qualidade de chefe
d'Estado-maior da guarda nacional.
* * * * *
VICTOR CONSIDÉRANT
Um dia Victor Consideram dirigia-se á Escola Polytechnica, e atravessava
os caes de Paris, _bouquinant_, como dizem os francezes, isto é,
entretendo-se a vęr as curiosas livrarias, de livros raros e antigos,
que guarnecem as varandas dos caes, na margem esquerda do Sena, e que
constituem uma das primeiras curiosidades da grande capital da França,
quando, subito, se lhe deparou uma obra que lhe despertou a attençăo e a
curiosidade. Era o _Nouveau monde commercial_ de Fourier. Abriu-o, leu-o
e estudou o minuciosamente.
[Gravura: Victor Considerant]
No fim do livro, Fourier dizia, pouco mais ou menos, o seguinte:
«Precisa-se um capitalista, para realisar um novo mundo. Carta para
minha casa.»
E designava a sua morada.
Considérant apresentou-se em sua casa.--«Năo sou o seu homem, disse. Năo
tenho dinheiro, mas comprehendi-o».
Fourier havia encontrado o seu primeiro discipulo, que lhe levava a mais
que os capitaes pedidos--o genio para vulgarisar as suas theorias.
Fourier nutrira, desde creança, um horror invencivel pelo commercio.
Filho de commerciante, e tendo apenas sete annos de edade, ouviu um dia
o pae gabar-se á măe de haver enganado um cliente. Vexado por este
proceder que qualificou de villăo, procurou o freguez, afim de
participar-lhe o occorrido. Valeu-lhe a indiscriçăo um bom par de
bofetadas; mas, desde esse momento, votou ao commercio esse odio que
transparece nos seus primeiros livros.
«Possuo o segredo da felicidade, para todos os
homens--dizia».--Intimaram-n'o a provar praticamente a sua
asserçăo.--«Escrevel-o-hei--respondeu».
«O genero sahe das măos do productor, custando 3, por exemplo, e chega
ás măos do consumidor valendo 9. O intermediario, isto é o commerciante,
ganhou, portanto, 6, na sua commissăo, o que năo succederia
evidentemente, supprimindo-se o intermediario, e estabelecendo-se, pura
e simplesmente, a troca entre productores e consumidores.
O seu systema baseava-se sobre o principio da felicidade humana, e o
ideal do mosteiro de Théléme năo foi estranho ás suas concepçőes. «A
felicidade consiste em cada um fazer o que quizer.» Mas, fazendo cada um
aquillo que quer, corre tambem o risco de fazer o que os outros năo
querem. A esta objecçăo respondia elle que na natureza tudo se
equilibra--o mal e o bem.
Fourier era um poeta, mas tinha-se por homem pratico. Uma occasiăo,
terminando uma conferencia sobre o futuro da humanidade: «E agora,
concluiu, preparemos o cosido.»
Ninguem contesta o grande alcance philosophico, da theoria
phalansteriana; mas a sua parte organica e sociologica, observou muito
bem Anthero de Quental, é quasi a negaçăo do verdadeiro socialismo,
positivo, liberal e moral.
Victor Considérant pretendeu primeiro fundar um phalansterio em
Conde-sur-Végre que năo passou de uma tentativa infructuosa. A ideia,
poręm, fructificou mais tarde, embora de modo differente, por occasiăo
da fundaçăo de uma colonia de velhos, n'aquelle mesmo paiz, que se
denominou--«o phalansterio.»
Em Texas estabeleceu Considérant, năo um phalansterio, mas uma colonia
agricola. Uma sediçăo, organisada por Cantagrel, desapossou-o do
territorio e obrigou-o a retirar-se com sua esposa. A colonia prosperou
a principio; depois desaggregou-se. Era mal vista pelos naturaes por
causa da sua falta de religiăo--diziam.
Um pintor de Paris, Capy, ensinava a musica. «Todos os domingos,
respondia elle a um inspector americano, fazemos musica.» Ah! n'esse
caso, é differente, exclamaram os bons Yankees, sempre ali ha um pouco
de religiăo, uma vez que se canta.»
E a verdade é que as censuras cessaram. Os membros da colonia, tambem,
por seu turno, deixaram de ser phalansterianos.
É mister ir a Iowa, para encontrar uma colonia communista--a Icaria.
Tudo ali é commum, sem mesmo exceptuar as mulheres. Podem-se estabelecer
uniőes temporarias, mas de curta duraçăo; se as uniőes se prolongam, a
authoridade intervęm, porque, nesse caso, affirmam os estatutos, a cousa
torna-se immoral.
Vejamos, poręm, como Victor Considérant considerava a _organisaçăo da
nova ordem social_.
O primeiro feudalismo que sahiu da conquista militar, havia feito
concessăo do sólo aos chefes militares e aos nobres, subordinando as
populaçőes conquistadas á _pessoa_ dos conquistadores pela servidăo da
gleba.
A guerra industrial e commercial, succedendo é guerra militar, sob a
fórma de concorrencia, em que o capital e a especulaçăo ficam
forçosamente senhores do trabalho pobre, tende a constituir, pelas suas
conquistas, uma nova servidăo--năo a _servidăo pessoal e directa_, mas a
_servidăo indirecta e collectiva_, o dominio, em massa, da classe dos
possuidores de capitaes, das machinas e dos instrumentos de trabalho,
sobre a classe dos desherdados.
E, com effeito, os proletarios das cidades e dos campos, considerados
_collectivamente_, estăo sob a dependencia absoluta d'aquelles que
monopolisam os instrumentos de trabalho.
Este grande facto economico e politico póde traduzir-se, pela seguinte
formula, na vida pratica: «_Para ter que comer todo o proletario é
obrigado a subjeitar-se a um patrăo._»
A revoluçăo năo se completou, pela simples emancipaçăo politica, isto é
pelo dogma metaphysico da egualdade perante a lei, ou da liberdade pura
e simples.
A antiga sociedade havia sido organisada, _pela guerra e para a guerra_.
A nova sociedade terá de ser organisada pelo trabalho e pela paz e para
o trabalho e para a paz.
O problema dos nossos dias năo póde pois, visar senăo á libertaçăo dos
servos da industria, dando a todo o homem que queira trabalhar o direito
aos instrumentos do trabalho, tornando-o assim proprietario dos fructos
do seu labor, e creando a ordem, a cooperaçăo e a convergencia no campo
industrial.
A soluçăo d'este problema, que năo é outra cousa senăo a transformaçăo
do _salariado_, a moderna fórma de escravidăo, constitue o complemento
da revoluçăo, e póde e deve intitular-se o _problema social_.
Tal era, em rapidos traços, a doutrina d'essa altissima personalidade e
d'esse bello caracter que se chamou Victor Considérant, e que tantas
vezes vimos atravessar o boulevard S.t Michel, no bairro latino,
consagrado pela mocidade das escolas e venerado por todos os que, acima
dos materialismos do mundo, pőem o supremo ideal da bondade e da
felicidade humana.
* * * * *
THEODORO HERTZKA E O SEU FREILAND
_Freiland!_ (terra livre, paiz livre)--tal é o titulo do livro de
Theodoro Hertzka, um austriaco e um sociologo eminente.
[Gravura: Theodoro Hertzka]
Pelos meados de julho de 18...--assim principia a narrativa de
Hertzka--lia-se o seguinte nos principaes jornaes da Europa e da America:
«_Sociedade livre internacional_
«Acaba de constituir-se um grupo de individuos de todas as partes do
mundo civilisado, com o fim de emprehender e tentar a resoluçăo do
problema social.
«Ao cabo de muitas e pacientes investigaçőes, opinou-se pela creaçăo
de uma communidade, estabelecida sobre as bases, ao mesmo tempo, da
liberdade mais ampla e da justiça economica, a qual, mantendo de uma
maneira absoluta a independencia pessoal de cada trabalhador, lhe
assegure o gôso completo e integral do producto do seu trabalho.
Para fundar a mencionada communidade, occupar-se-ha uma vasta
regiăo, n'um local que năo tenha possuidor, mas que seja fertil e
proprio para a colonisaçăo.
«N'esta regiăo, a sociedade livre năo reconhecerá nenhum direito de
propriedade sobre o sólo, quer a favor de um individuo quer a favor
da communidade.
«Para cultivar o sólo, como, de resto, para realisar toda a especie
de producçăo, constituir-se-hăo associaçőes, sendo cada uma
administrada como melhor o entender, e distribuindo, entre os seus
membros, o resultado da producçăo, consoante o trabalho de cada um.
É facultativo a cada membro o filiar-se na associaçăo que escolher e
de a abandonar tambem a seu bel-prazer. A communidade encarrega-se
de fornecer gratuitamente os capitaes aos productores, com a
condiçăo d'estes os restituirem. Os individuos incapazes de
trabalhar, assim como as mulheres, teem direito aos meios de
subsistencia, á custa da sociedade. A receita indispensavel para a
acquisiçăo dos objectos, acima mencionados, assim como para as
despezas de interesse geral, será assegurada por uma quota tirada do
rendimento bruto de cada producçăo. A sociedade livre internacional
possue já o numero de membros e de capitaes sufficientes para a
realisaçăo do seu plano. Sendo, porém, de opiniăo, por um lado, que
o resultado d'esta tentativa ha de ser tanto mais seguro e efficaz,
quanto maiores e mais importantes forem os meios de que disposer, e
desejando, por outro lado, offerecer a todos o ensejo de poderem
participar da empreza, a sociedade, pelo presente aviso, faz saber
ao publico que os pedidos e offertas de qualquer natureza que sejam,
devem ser dirigidos para Haya, Bochstraat, 57.
«A sociedade livre internacional celebrará em Haya, no dia 20 do
proximo mez de outubro, uma assembléa politica em que serăo
apreciadas as ultimas resoluçőes, afim de realisar praticamente a
sua obra.
Haya,... de julho, 18..
_Pelo comité da sociedade livre internacional._
_Karl Strahl_
Este annuncio produziu uma profunda emoçăo na imprensa e no publico. O
nome do signatario, que era conhecido năo só pela sua posiçăo social,
senăo ainda por ser um dos primeiros escriptores da Allemanha em
sciencia economica, afastava todo e qualquer pensamento de mystificaçăo
ou de equivoco.
Realisou-se um congresso que foi aberto pelo seguinte discurso de
Strahl:
«A convicçăo de que a communidade, á fundaçăo da qual vamos proceder, é
destinada a extinguir a pobreza e a miseria pela base e a destruir com
ella todos os desgostos e todos os crimes que devem ser considerados
como uma consequencia forçada da miseria e da pobreza, essa convicçăo,
apercebe-se năo só nas palavras, senăo tambem na maneira de obrar da
maioria dos nossos consocios e no profundo e desinteressado enthusiasmo,
segundo o qual cada um--na medida das suas forças--se tem applicado ao
fim commum. Quando publicámos o nosso appęlo, eramos apenas 84; os
recursos de que podiamos dispôr orçavam por 11.400 libras sterlinas;
presentemente a sociedade compőe-se de 5.650 membros e o seu fundo monta
a 205.620 libras sterlinas. Convęm notar que esta somma, năo nos foi
fornecida simplesmente pelas classes pobres que habitualmente se
consideram como as unicas interessadas no problema social. E isto
torna-se ainda mais evidente percorrendo a lista dos socios.
Irresistivelmente, chega-se á conclusăo de que a aversăo e o horror,
inspirados pelas actuaes condiçőes sociaes, attingiram tambem as classes
que, á primeira vista, parecem aproveitar com as privaçőes dos
desherdados da fortuna. A resoluçăo do problema social impőe-se hoje,
por tal fórma, que até os ricos e os favorecidos da sorte năo duvidam
concorrer com alguns milhőes de libras, para a fundaçăo da nova
communidade, auxiliando-nos e participando da nossa empreza. N'este
facto, mais do que em qualquer outro, repousa a convicçăo de que a nossa
obra năo poderá deixar de fructificar.
«Trata-se de escolher a regiăo onde poderemos realisar o nosso projecto.
Toda e qualquer localidade europeia está naturalmente posta de parte,
por rasőes faceis de comprehender; a Asia, egualmente; e, em particular,
devemos assignalar os pontos onde sóem acclimatar-se os emigrantes de
raça caucasica, sendo facil que se estabelecessem conflictos com as
organisaçőes juridicas e sociaes de outros tempos. Na America e na
Australia, os governos conceder-nos-hiam, com prazer, um territorio
espaçoso, bem como a liberdade dos nossos movimentos; mas ainda ahi
difficilmente poderia a nossa communidade encontrar garantia contra os
ataques hostis e assegurar o repouso e a segurança, indispensaveis a um
successo rapido e certo. Resta-nos a Africa, o continente mais antigo,
e, sem embargo, aquelle cuja descoberta foi a mais recente. A parte
central interior encontra-se ainda sem possuidor. Podemos encontrar ali,
năo só um espaço sem limite e um repouso assegurado, senăo tambem as
condiçőes mais favoraveis, quanto ao clima e á fertilidade do sólo,
desde que a escolha seja acertada. Ha paizes, a uma grande altitude,
reunindo as vantagens dos tropicos e dos Alpes, que aguardam uma
immigraçăo. As communicaçőes com esses paizes montanhosos, situados no
coraçăo do continente negro, săo certamente muito penosas, mas é
precisamente isso de que havemos mister para principiar. Propômos pois,
que se procure a nova patria, no interior da Africa equatorial. E
pensamos, principalmente, no paiz das altas montanhas do Kenia. Concorda
a assembléa com a escolha?»
Foi unanime o assentimento. Ouviram-se vozes que exclamavam:
«Para deante, e antes hoje do que amanhă!»
Era evidente que a maioria estava disposta a pôr-se a caminho sem mais
delongas.
De novo o presidente toma a palavra para declarar que as cousas nem
sempre podem marchar tăo depressa, como muitas vezes se deseja. A nova
patria terá primeiro de ser escolhida e conquistada, o que representa
uma empresa arriscada e difficil. O caminho tem que fazer-se por entre
desertos e florestas inhospitas. Năo poderemos evitar os combates com as
tribus selvagens e hostis, e, por isso, só nos poderăo convir homens
fortes e validos, e năo mulheres, creanças ou velhos. Alęm d'isso,
teremos que apurar os milhares de immigrantes que deverăo
acompanhar-nos, atravez d'aquellas regiőes, e de os organisar
devidamente; 200 emigrantes, entre os quaes 4 naturalistas, 3 medicos, 8
engenheiros e 4 representantes de outros ramos technicos, ricamente
providos de armas, de machinas, de sementes, de mercadorias e de
utensilios de viagem, formarăo a vanguarda da expediçăo.
A narraçăo d'esta marcha até ao Kenia, constitue uma das partes mais
interessantes do livro, devendo accrescentar-se que a descripçăo das
grandiosas montanhas africanas năo é obra de pura phantasia, mas é, ao
contrario, extrahida das narrativas dos exploradores africanos que
visitaram aquellas regiőes. A expediçăo faz a sua primeira paragem em um
valle delicioso, situado a 1:700 metros de altitude, ao sopé de um
formidavel massiço do Kenia e das suas magnificas geleiras, e que se
appellidará, por causa da sua belleza e da sua fertilidade, o valle do
Eden. Com as provisőes e os utensilios de que văo providos, podem os
valentes porta-bandeiras da gloriosa caravana fazer os preparativos
necessarios, para receber o principal grupo dos associados, se bem que
só alguns mezes mais tarde, por occasiăo da chegada do comité director á
base do Kenia, é que o paiz, onde refulgirá a liberdade, será baptisado
com o nome de _Freiland_, pondo-se entăo, em pratica a nova organisaçăo
do trabalho, consoante os principios _freilandezes_.
Para todos os que se interessam pelo estudo das questőes sociaes, e
ainda para todos os que pensam que as modernas sociedades,
desorganisadas como estăo e lançadas em bases falsas, devem ser
reconstruidas, segundo um principio de justiça e de moralidade, o livro
do escriptor allemăo é de um interesse palpitante[1]. Digamos tambem que
o author do _Freiland_ teve a rara felicidade de despertar em muitos
espiritos, pela sua maravilhosa obra, escripta em fórma de romance, o
desejo ardente de fundar uma sociedade em tudo semelhante áquella que
tăo brilhantemente concebeu e descreveu.
Para vulgarisar e fazer a propaganda da ideia, creou e fundou a
sociedade uma revista mensal, orgăo dos associados:--«_Freiland_, organ
der Freilandvereine».
Temos á vista uma carta de Theodoro Hertzka em que nos communica a
partida de Hamburgo da primeira expediçăo, por todo o mez de janeiro do
corrente anno, dirigindo-se ao Kenia, que fica a 600 milhas da
costa de Este, exactamente sob o Equador.
E eis aqui está o motivo por que, depois de ter prestado homenagem á
memoria dos mortos queridos, eu entendi que năo devia continuar o meu
trabalho, sem d'aqui saudar enthusiasticamente o honrado e illustre
apostolo de uma nova organisaçăo social, fazendo votos ardentes pelo
completo triumpho dos seus ideaes.
* * * * *
NO CONGRESSO DE ZURICH
AMILCARE CIPRIANI
Ao chegarmos a Zurich, na tarde de 6 de agosto de 1893--Amilcare
Cipriani e eu--um soberbo e imponentissimo espectaculo se nos offereceu
logo á vista, como só a Suissa seria capaz de offerecer e realisar. As
sociedades do _Grütli_ desfilavam pelas ruas da cidade, com os seus
estandartes e philarmonicas á frente, no meio do enthusiasmo e das
acclamaçőes da multidăo. Estas associaçőes constituem uma das grandes e
uma das primeiras forças da poderosa republica. A sua origem é lendaria,
e deriva do local, onde se reuniram os amigos de Guilherme Tell, quando
decidiram conspirar contra Gessler.
As sociedades do _Grütli_ constituiram-se e organisaram-se, a principio,
com um caracter puramente patriotico; mas teem-se transformado, pouco a
pouco, e hoje săo, na sua maioria, socialistas.
Nada mais bello e magestoso do que o desfilar d'esses 9:000
trabalhadores, todos pittorescamente vestidos com os trajos das suas
profissőes e os distinctivos correlativos, e precedidos por 150
bandeiras, quatro das quaes eram vermelhas.
Săo estas as procissőes da republica, e ninguem que as presenceie póde
deixar de se descobrir reverente e solemnemente. O homem livre,
associado e independente substituia o soldado escravo, tyrannisado e ás
ordens de um senhor; ao principio da guerra contrapunha-se o principio
da solidariedade humana; ao militarismo, o socialismo; ás armas e aos
petrechos de guerra, os instrumentos do trabalho e os symbolos da paz.
O cortejo havia sido organisado em honra dos congressistas. Na rua, o
povo formava alas á passagem dos seus representantes. Calculava-se em
mais de 40:000 o numero dos cidadăos que accorreram ao chamamento dos
iniciadores do congresso. Nas janellas os espectadores applaudiam
phreneticamente e lançavam flôres á passagem dos manifestantes. A
recepçăo era digna e estava em tudo e por tudo á altura das ideias que
se glorificavam. Celebrava-se a abertura do congresso operario
socialista e năo havia, com effeito, melhor meio para solemnisar a
gloriosa data.
Fallemos, porém, de Amilcare Cipriani.
Tenho deante de mim o seu retrato. Na sua physionomia transparece a
bondade do seu coraçăo, e nos seus olhos a candura e a gentileza da sua
alma. Guardo d'elle a recordaçăo saudosissima de um homem que pőe a sua
dignidade e o seu brio pessoal acima dos seus interesses e das suas
conveniencias; do apostolo que colloca as ideias e os principios acima
das paixőes humanas; do revolucionario, emfim, que ao amor da humanidade
sacrifica a vida, a familia, o bem estar e a tranquillidade. D'elle
poderia dizer que é um exemplo a seguir e a imitar, e d'elle afirmarei,
sem receio de contestaçăo, que é unico e excepcional, no meio de uma
sociedade mercantil, gananciosa e covarde.
[Gravura: Amilcare Cipriani]
Amilcare Cipriani tem hoje 47 annos de edade, dos quaes 22 foram
passados no carcere. Honrado, valente e desinteressado, nunca hesitou,
sempre que a causa da liberdade careceu do seu braço para a defender.
Bateu-se, como um heróe, no Egypto; bateu-se na Grecia: bateu-se pela
Italia, a sua patria querida e bateu-se pela França, a sua patria de
adopçăo.
Na parte inferior do seu retrato, e escriptas pelo seu proprio punho,
lęem-se as seguintes phrases que synthetisam perfeitamente as suas
aspiraçőes e o seu credo social:
«_Il proletariato, per essere libero ed emancipato, deve assingersi a
rovisciare, colla forza, tutto l'ordine sociale existente._
_Contre l'oppressione la ribellione é un diritto._»
Está aqui o homem politico. Fallemos agora no homem particular, no amigo
e no companheiro queridissimo.
Soffreu sempre, com a maior resignaçăo, todas as crueldades e todas as
privaçőes da existencia, sem um queixume, sem uma magoa, sem uma palavra
de odio ou de rancor. Muitas vezes o seu almoço é um copo de agua e um
pequeno păo de 15 centimos.
Tendo amigos sinceros e dedicados, nunca pediu, para si, um real a
nenhum d'elles. Se tem apenas 20 centimos no bolso, come com esses 20
centimos: se năo tem dinheiro năo come. Estando em Londres exilado, nem
sequer tinha um quarto onde dormir. Por noites geladas e frias, com as
botas rotas, sem abrigo, sem dinheiro no bolso, era obrigado a andar
horas seguidas pelas ruas da enorme cidade, para năo ser preso por
vagabundo.
Quando falleceu o nosso querido e lealissimo amigo Benoit Malon, foi
elle quem se conservou ao lado d'elle, durante quatro dias consecutivos;
foi elle quem o vestiu e quem velou o cadaver, sem se deitar, sem sentir
a menor fadiga, năo pensando senăo na amisade e no carinho que lhe
consagrara durante a vida, e que tăo bem retribuido foi pelo glorioso
mestre. Mas no dia do enterro, apossou-se d'elle o desalento, no
cemiterio do _Pére Lachaise_. Passavamos ao lado do tumulo do grande
cidadăo Anatole de la Forge.
--«Eis aqui um que foi candidato á presidencia da republica, que se
bateu heroicamente pela sua amada França, e que teve de recorrer ao
suicidio para năo morrer de fome!--disse.--Eis a sorte que naturalmente
me está tambem reservada--continuou.--Mas eu, se um dia me suicidar, hei
de escolher o muro dos federaes para o fazer, e, quando, junto d'elle,
encontrarem o meu cadaver--que o transportem para onde muito bem
quizerem, sem pompas nem discursos... Detesto as comedias e as
representaçőes theatraes deante de um cadaver.»
Ah! bom e querido amigo! n'essa hora angustiosa, tu pensaste na
ingratidăo dos homens, e, em frente do camarada morto, avaliaste a
torpeza do mundo e a inanidade das suas palavras hypocritas e
fementidas!
Os longos soffrimentos produzem, ás vezes, estes desanimos crueis. Săo
momentaneos, é certo, mas săo dolorosos.
Sahimos do cemiterio e fomos almoçar juntos. Duas horas depois, Amilcare
Cipriani havia recobrado animo, e fallava-me em ir bater-se na Sicilia,
ao lado dos seus compatriotas, victimas da miseria e do despotismo.
Que honradissimo caracter! e que gloriosa e brilhante personalidade!
* * * * *
O CONGRESSO
As sessőes do congresso realisaram-se n'um vasto salăo de concertos, um
dos mais espaçosos da cidade, o _Tonhalle_, rodeado por uma enorme
galeria, onde podiam accommodar-se muitas centenas de pessoas. Ao fundo,
n'uma especie de palco, coberto de verdura e ornado com os estandartes
das associaçőes, destacava-se um magnifico retrato em busto de Karl
Marx. Em redor e collada á galeria, a inscripçăo do chefe, impressa em
grandes caracteres, e traduzida em vinte e duas linguas: «_Proletarios
de todo o mundo, uni-vos!_»
Grandes mesas, collocadas parallelamente umas ás outras, enchiam o
vastissimo salăo, sendo cada uma d'ellas occupada pelos representantes
de uma dada nacionalidade.
A representaçăo da Allemanha năo augmentara. Era quasi a mesma do
congresso de Bruxellas. Á frente d'ella encontravam-se Liebknecht, Bebel
e Singer. A novidade foi a representaçăo dos novos, hostis ao velho
grupo; e d'entre esses, chamados os independentes, devemos destacar
Werner e Körner.
Da Belgica, estavam Hector Denis, Jean Volders e Emile de Vanderwelde;
da Hollanda, Domela Nieuwenhuis; da Hespanha, Pablo Iglesias; da
Roumania, Mille; da Inglaterra, Max Avelling: da França, Allemane,
Argyriadés, Jaclard, Veber, Degay, Borlioz; da Austria, Adler, Fankel.
Augmentára consideravelmente a representaçăo da Italia.
Além de Madame Anna Koulischoff e Turati, um sociologo eminente e
director da _Critica social_, de Milăo, assistiam ao congresso Antonio
Labriola, lente cathedratico da Universidade de Roma; Prampolini,
deputado, etc.
Entre as senhoras que tomaram assento na assembléa, notavam-se, como
acima deixamos dito, Anna Koulischoff, russa, antiga nihilista, que fez
o seu curso na Universidade de Milăo, onde hoje exerce a clinica; Madame
Mendelssohn, da Varsovia, casada com Mendelssohn, que fôra expulso de
Paris, por nihilista; Madame Vera Sassulich, a notavel heroina que, em
1878, desfechou o seu rewolver sobre o general Trepoff, o miseravel
chefe de policia de S. Petersburgo, inimigo dos nihilistas e que tantas
victimas arremessou para a Siberia. Trepoff morreu e Vera Sassulich, a
grande libertadora, emigrou, sob um nome supposto, escapando ao furor
das auctoridades russas, e vivendo ora na Italia, ora na Suissa. É uma
mulher de armas, no bom sentido da palavra, honesta, intransigente e
sincera e devotada amiga da liberdade e da humanidade.
[Gravura: Frederico Engels]
O congresso foi encerrado com a grata e inesperada appariçăo do velho
companheiro e continuador de Marx--Frederico Engels. Quando o presidente
annunciou que se achava na sala um dos illustres precursores do
socialismo, todos se pozeram de pé, e no palco surgiu, entăo, a figura
gloriosa de Engels. O enthusiasmo foi indescriptivel. Uma estrondosa
salva de palmas coroou esta agradavel surpresa. _Viva a
Communa!_--gritou a delegaçăo francesa. _Viva Engels!_--exclamaram todos
numa voz unisona, formidavel e estridente.
* * * * *
A ALLEMANHA, A BELGICA E A INGLATERRA
Os paizes onde o socialismo está hoje, incontestavelmente, mais bem
organisado e desenvolvido, săo a Allemanha e a Belgica. Na França
dividem-se e subdividem-se os grupos, chocam-se as personalidades, e os
odios e as desintelligencias evidenceiam-se a cado passo. Na Inglaterra,
apesar dos progressos realisados, n'estes ultimos tempos, principalmente
pela adhesăo das _Trades--Unions_, ainda o socialismo năo representa o
que póde chamar-se um partido politico.
Na Allemanha, os mesmos pruridos militaristas que se observam nas altas
regiőes, reflectem-se, com maior ou menor intensidade, no partido
socialista. Nota-se, principalmente, este facto nos congressos, onde, a
um simples aceno do deputado Singer, todos os delegados approvam ou
reprovam, consoante as instrucçőes de ante-măo estabelecidas. A mesma
disciplina do exercito estende-se aos partidos e aos agrupamentos
politicos. E ai! d'aquelle que se desviar destas normas: corre o risco
de ser expulso, sem mais appęlo nem aggravo.
O partido socialista está pois, organisado, na Allemanha, como um
verdadeiro partido politico, um partido de governo, poderiamos, talvez,
dizer, com uma caixa de resistencia, os seus jornaes, as suas
associaçőes e os seus milhares de filiados, em todas as cidades, em
todas as villas e em todas as aldeias do vasto imperio. Todos, sem
excepçăo, săo obrigados a concorrer para as despesas do partido, e,
n'este facto, reside a base do direito de cada um, como partidario ou
membro da associaçăo. Năo se concebe um partido, sem os recursos
indispensaveis, para fazer face ás eventualidades de momento e para
combater o adversario, com vantagem. Os allemăes sabem isto, e eis ahi
está o motivo porque o numero dos partidarios do socialismo sobe de dia
para dia na Allemanha, e por que os socialistas contam, presentemente,
com quarenta e sete deputados no _Reichstag_, tendo augmentado, a
representaçăo partidaria, nas ultimas eleiçőes.
[Gravura: Liebknecht]
Liebknecht, um dos chefes consagrados pela opiniăo, e o director do
_Vorwöerths_, o orgăo do partido na imprensa, tem ácerca da politica a
mesma opiniăo que poderia ter, em campanha, um general ácerca da guerra.
Deante do inimigo, o dever é unir fileiras; e, todo aquelle que
abandonar ou se arredar do seu posto, tem de ser considerado como
desertor. E aqui está o motivo porque, no partido operario socialista
allemăo, nem se admittem os dissidentes nem os independentes. Todos por
um e um por todos!--eis a maxima dos chefes. E n'este simples facto,
muito digno aliás de ser imitado, por todos os partidos avançados, está
a origem da força, do desenvolvimento e dos progressos do socialismo na
Allemanha.
Na Belgica acabam os socialistas de alcançar um enorme triumpho, pela
conquista do suffragio universal que até aqui năo possuiam. O belga é
homem essencialmente pratico. O partido socialista, tendo reconhecido a
necessidade de organisar as suas forças, estabeleceu as grandes
cooperativas de consumo, principalmente de păo e de carvăo, e logrou
attrahir a si o elemento trabalhador, disciplinando-o, pelo interesse, e
pela conveniencia, que da associaçăo economica poderia advir á sua
futura existencia. E as cooperativas belgas tornaram-se assim, năo só
valiosos elementos de cooperaçăo, senăo poderosas e temiveis armas de
combate, pois que, dos lucros a destribuir, ficam sempre em caixa uns
tantos por cento, para as despesas da propaganda. Năo raro tem succedido
fazerem as cooperativas face a uma _gréve_, distribuindo, diariamente,
aos grevistas, alguns milhares de păes.
Năo póde contestar-se o enorme progresso, feito pelo socialismo em
França que acaba de eleger quarenta e nove deputados, tendo,
principalmente, alcançado, em Paris, um assignalado triumpho. Mas é para
lastimar que năo seja completa a uniăo entre os differentes grupos
que representam as ideias socialistas. A franca adhesăo de René Goblet,
A. Millerand, J. Jaurés, Camille Pelletan e outros notaveis politicos e
publicistas, deu ao partido um grande e decisivo impulso, e creou-lhe,
na camara, uma situaçăo politica innegavel.
A _Petite Republique Française_ é hoje, na imprensa, o orgăo do novo
grupo. O seu redactor principal--A. Millerand--é um escriptor de raça e
um dos mais brilhantes e eloquentes oradores da camara franceza. O
programma por elle exposto na sessăo de 16 de fevereiro de 1893, foi
adoptado por quasi todos os candidatos socialistas, nas ultimas
eleiçőes: «Revisăo democratica da Constituiçăo de 1875; modificaçăo
radical e profunda, no interesse dos trabalhadores dos campos e das
cidades, da nossa legislaçăo economica e do nosso systema de imposto;
acquisiçăo para o Estado do Banco de França, das minas e dos caminhos de
ferro, arrancando-os das măos da alta finança.»
O primeiro acto politico de Millerand, foi a defesa dos mineiros de
Monceau les Mines, em 1882. Desde entăo, nunca mais houve gréve em
França, em que elle năo tenha posto o seu talento e as suas grandes
faculdades de orador ao serviço das victimas dos patrőes gananciosos e
usurarios. E assim o vęmos na brecha, defendendo successivamente os
mineiros de Decazeville, os grevistas de Vierzon, e os mineiros de
Carmaux que o haviam escolhido como arbitro.
Foi elle o defensor de Duc-Quercy e Roche, em Villefranche, de Lafargue
e Culine, perseguido por causa dos fusilamentos de Fourmies, de
Baudin, em Bourges, e de muitos outros.
[Gravura: Millerand]
Adversario implacavel da alta finança, Millerand pronunciou, contra a
renovaçăo do privilegio do Banco de França, um dos seus mais bellos
discursos, «atacando essa realeza do ouro que trata de egual para egual
com a Republica, e que, mercę da fraqueza e da cumplicidade dos regimens
anteriores, chegou á situaçăo em que actualmente se encontra.»
E, melhor que todas as periphrases, uma citaçăo poderá dar-nos uma ideia
da sua eloquencia. A peroraçăo do seu discurso, relativo ao privilegio
do Banco de França, em que convida a burguezia a unir-se ao movimento de
transformaçăo universal que se opera no mundo economico, é notabilissima:
«A massa dos trabalhadores, libertada por tres revoluçőes, poz-se a
caminho; quer que o suffragio universal tenha por complemento necessario
o bem estar universal. Pensa que ha contradicçăo em que um povo
seja, ao mesmo tempo, miseravel e soberano.
«A naçăo quer entrar na posse e no gozo de instituiçőes, que até hoje
teem sido exploradas, apenas em proveito de um pequeno numero de
favorecidos. Vós năo retardareis, nem a sua marcha, nem as suas
conquistas. É mister saber fazer a tempo os sacrificios necessarios.
«Responder-me-hăo, talvez, os defensores do privilegio, que o
sacrificio, que lhes pedimos poderá sahir caro ao paiz. Assim o pensam,
estou convencido. Năo ponho em duvida nem a sua sinceridade nem a sua
boa fé. A illusăo năo é nova. É velha como a humanidade...
«Assim como outr'ora succedeu com a nobreza, a burguezia invoca os
serviços já prestados, e os que, por ventura, ainda poderá prestar. Năo
nego os seus serviços. É, sem duvida, bella e grande a parte que, ha cem
annos, tem tomado no desenvolvimento do commercio e da industria e no
aperfeiçoamento das sciencias. Se pretende invocar os seus serviços,
como outros tantos titulos ao reconhecimento publico, está no seu papel
e no seu direito. Mas se pensa poder abusar da sua antiga supremacia,
para manter, na sombra e no esquecimento, a multidăo dos desherdados
que, por sua vez, pedem lhes seja reconhecido o direito que teem á luz,
á acçăo, ao desenvolvimento integral da sua personalidade; a
participaçăo, n'uma palavra, á vida e á felicidade; n'esse caso, está
irremediavelmente perdida. Eu quereria apenas que a sua teimosia e a sua
obstinada resistencia năo custassem muito caro ao paiz.
«O progresso é cego, ingrato e brutal: os interesses particulares valem
pouco deante d'elle. N'esta grave questăo do credito, como em todas as
outras, o que devemos fazer é aplanar-lhe o caminho, facilitando a sua
marcha, e poupando assim ao paiz de que somos servidores algumas d'essas
luctas violentas, d'essas convulsőes dolorosas, d'essas supremas crises
de sangue e de lagrimas, que até aqui teem assignalado cada uma das
_étapes_, cada um dos progressos da historia e da evoluçăo humana.»
A _Petite République_, collaborada por alguns dos principaes socialistas
francezes, entre os quaes convęm assignalar René Goblet, Jules Guesde,
Marcel Sembat, J. Jaurés, Ed. Vaillant, Eugčne Fourničre, Hovelacque, E.
Baudin, Gustave Rouanet, Dumas, Pierre Baudin, René Viviani, Clovis
Hugues, Paul Lafargue, Camelinat, Duc-Quercy, Gérault-Richard, Madame
Paule Mink, etc., é, por sem duvida, o grande reducto do socialismo
parisiense, e em volta d'elle, teem os adversarios e conservadores de
todas as côres e matizes estabelecido um verdadeiro estado de sitio,
atacando-o, formulando accusaçőes e inventando calumnias, que năo servem
para outra cousa senăo para exaltar ainda mais a ideia, se é possivel,
elevando e glorificando aquelles que a defendem.
Tambem o socialismo agrario se tem desenvolvido, em França, de uma
maneira espantosa. Acaba de o provar o ultimo congresso dos socialistas
agrarios, realisado em Auxerre, em que tomaram parte quasi todos os
deputados do partido operario socialista. A maior parte dos
congressistas estavam de blusa de trabalho e de tamancos, com as
măos calejadas da enxada.
[Gravura: Thivrier]
Os socialistas agrarios francezes possuem hoje mais de 150 secçőes,
organisadas no Este e no Norte. O deputado Thivrier representa na camara
o elemento socialista da populaçăo rural do Allier.
Thivrier assiste de blusa azul ás sessőes parlamentares. Fóra do
parlamento tambem a năo despe nunca. Conheci-o no _Coq d'Or_ da rua
Montmartre. Apresentou-m'o Cipriani. O _Coq d'Or_ é o _rendez-vous_ de
todos os socialistas militantes. Pelas 6 horas da tarde, săo certos,
n'aquella cervejaria, Eugene Fourničre, Gustave Rouanet, Gérault
Richard, Camélinat, Baudin, Degay e muitos outros.
Thivrier é dotado de caracter energico; homem de poucas palavras, mas
firme e resoluto; e isso explica a attitude por elle tomada na camara
franceza, por occasiăo da sua expulsăo.
O camponez é, em geral, refractario á propaganda socialista. Os
socialistas da cidade variam inteiramente de processo, quando se trata
da populaçăo rural. A propaganda, em vez de ser humanitaria,
transforma-se em socialismo pessoal, baseado no communismo
liberatorio--a uniăo dos pequenos proprietarios e caseiros communaes, em
opposiçăo aos syndicatos patronaes e aos grandes agricultores.
[Gravura: John Burns]
O congresso de Auxerre elaborou já o programma das reivindicaçőes dos
socialistas agrarios.
Na Gran-Bretanha e Irlanda, o movimento socialista tem feito grandes
progressos. Pela primeira vez, foram nomeados para assistir a um
congresso, em Zurich, os membros do parlamento, como delegados de
organisaçőes operarias.
Coube a John Burns, o heroe de 1887, e o eloquentissimo deputado de
hoje, essa suprema honra e essa suprema gloria.
Os trabalhadores agricolas começam tambem a despertar n'aquelle paiz, e
o partido operario acaba de se constituir, como partido independente,
sem ligaçőes com os antigos partidos, o que demonstra evidentemente que
o movimento socialista tem ali augmentado em poder e extensăo.
* * * * *
A ITALIA, A SUISSA, A HESPANHA E PORTUGAL
O partido socialista italiano divide-se em duas grandes escolas: a
escola evolucionista e a escola revolucionaria. A primeira tem recrutado
os seus numerosos adherentes na alta Italia e na Italia central, ao
passo que a segunda tem recrutado especialmente os seus adherentes na
Italia meridional.
Mas, áparte a questăo de methodo, as duas escolas caminham
conjunctamente, tornando-se muitas vezes difficil delimitar os dois campos.
Os evolucionistas consideram a revoluçăo como uma fórma violenta da
evoluçăo, e pensam que, sem haver necessidade de a provocar, a revoluçăo
ha de produzir-se violentamente no dia em que todos os trabalhadores
tiverem adherido ao socialismo.
Os revolucionarios, admittindo as grandes vantagens que resultam de um
paciente e demorado trabalho de preparaçăo, sustentam que o operario
italiano é já bastante socialista, para que seja necessario ainda
esperar. Segundo a opiniăo d'estes ultimos, uma longa espera poderia
levar os trabalhadores a duvidarem do triumpho da sua causa.
Á organisaçăo dos _fasci dei lavoratori_ se deve o enorme
desenvolvimento que ultimamente tem adquirido o movimento socialista na
Italia.
Os _fasci_ (fachos) săo associaçőes operarias, tendo por base a
cooperaçăo e por fim o triumpho do collectivismo, segundo as theorias de
Karl Marx. As mulheres tambem săo admittidas.
O primeiro _fascio_ foi fundado em Catanea, ao sopé de Etna, no dia 1.ş
de maio de 1890. Em menos de quatro annos, fundaram-se na Sicilia mais
160 _fasci_. O numero de adherentes subia, ainda ha poucos mezes, a
300:000, na sua maioria agricultores.
O sr. Giolliti, entăo presidente de conselho, principiou a preoccupar-se
seriamente com o movimento socialista dos _fasci_, e, num intuito de
repressăo, mandou á Sicilia o commandante Sensales, senador, com o fim
de dissolver aquellas associaçőes.
Sensales estudou, inquiriu, investigou, e nada encontrou que podesse
servir de pretexto a uma dissoluçăo; o que năo impediu o ministro de
encher a Sicilia de soldados, obrigando as auctoridades a uma repressăo
rigorosa e até sangrenta, se tanto fosse necessario. O massacre de
Giardinello foi o resultado d'estas ordens.
Mas as medidas de rigor, empregadas pelos emissarios do governo, năo
serviram senăo para augmentar a popularidade dos _fasci_, já entăo muito
grande, chamando para elles as attençőes de toda a Italia. Os seus
fundadores aproveitaram as circumstancias, para crear novas secçőes e
recrutar alguns milhares de novos adherentes, de modo que o numero dos
associados dos _fasci_, pode hoje bem avaliar-se em 400:000. Em pouco
tempo será de meio milhăo.
Os _fasci_ passaram da Sicilia para o continente, onde a sua organisaçăo
avança rapidamente, e em especial na Calabria, nos Abruzzos, na
Ponille e na Romagna. Em Roma e Napoles, tambem foram fundadas muitas
secçőes dos _fasci_.
A propaganda pelo facto é repellida pelos socialistas italianos, que
nada esperam da dynamite. O partido socialista italiano năo é
terrorista, mas _pacificamente revolucionario_, na phrase consagrada.
Semelhantemente ao que succede na Irlanda, o socialismo agrario, tem
tomado, na Italia, um incremento espantoso, n'estes ultimos tempos. Os
governos săo impotentes para o debellar. Năo basta só mandar fusilar o
povo faminto que se revolta nas ruas e nas praças publicas, como succede
na Sicilia. Emquanto as causas do mal subsistirem, os effeitos hăo de
continuar a dar-se, fatal e irremediavelmente. O que importa pois, na
Italia, é conjurar a crise economica e financeira que a levaram á ruina,
e d'isso năo serăo capazes os governos monarchicos. Por isso o partido
socialista, que já hoje constitue um partido forte e invencivel, ha de
ir augmentando de dia para dia, até ao momento do seu triumpho. As
adhesőes a estas idéas emancipadoras, chegam a cada passo e de todos os
pontos do paiz. O grande escriptor Edmundo de Amicis converteu-se ao
socialismo, e é hoje uma das suas figuras mais salientes. Collajani, o
celebre deputado que levantou no parlamento a questăo dos bancos, é
tambem socialista. Collajani é o temivel adversario de Lombroso. Combate
o atavismo, e sustenta, com os positivistas modernos, que o individuo
năo é senăo um producto do seu meio. Giuseppe Felice, o deputado
siciliano, que foi preso por occasiăo dos acontecimentos da Sicilia,
é uma das mais nobres e sympathicas personalidades do movimento agrario,
e é muito considerado entre os seus concidadăos. O mesmo com Claudio
Treves, um moço de raro e excepcional talento, e tantos outros que seria
longo enumerar aqui.
Para mostrar quanto o socialismo agrario tem uma rasăo de ser na Italia,
basta que façamos um pequeno estudo sobre os impostos n'aquelle paiz.
«Vejamos o que paga uma familia operaria na Romagna. O chefe da familia
ganhou, durante o anno, 586 liras e 72 centimos. Comprou 7 hectolitros
de trigo. Mas esse cereal paga o direito de 5 francos por kilo. Segue-se
pois, que de imposto para o Estado e para lucro dos que vivem á sombra
da protecçăo aduaneira, o operario foi logo espoliado em perto de 26
francos.
«Comprou tambem 7 hectolitros de milho, e sobre essa compra teve de
pagar 6 francos de imposto.
«Pelo vinho nada pagou, porque apenas bebeu agua. Compra, por semana, um
litro de sal para sua casa. Com esse consumo lucrou o governo, no fim do
anno, 15 francos e 60 centimos. Pela sua illuminaçăo, gasta, cada
semana, em sua casa, 20 centimos com petroleo. No fim do anno somma esta
despesa 10 francos e 40 centimos. Só á sua parte, embolsa o governo 7
francos e 10 centimos.
«Vivendo mais que modestamente, a familia, em todo o anno, gastou em
fato 15 francos e 25 centimos. Em impostos, exigem-lhe cęrca de 3
francos. De modo que só n'estas verbas, o contribuinte concorreu para o
Estado com 10 por cento do seu ganho.
«Junte-se a tudo isto os impostos directos, os impostos supplementares
de consumo e outros que ha em muitas communas da Italia, e ver-se-ha a
rasăo que assiste ao desgraçado que, trabalhando mais do que póde, deixa
nas garras do fisco quasi todo o resultado do seu labor.
[Gravura: De Felice]
«A miseria é tanta e tamanha, que, nas pequenas communas da Sicilia, o
povo apenas póde comer păo ordinarissimo, fabricado com farelos. E, nas
ricas e uberrimas planicies da Lombardia, as classes trabalhadoras
tambem năo teem para se alimentar mais que a _polenta_, uma especie de
massa de farinha de milho, havendo muitos que, por extrema pobresa, nem
sequer podem temperar com sal essa miseravel comida.»
Ora foi precisamente contra este triste estado de cousas, que o
sympathico e honrado deputado siciliano de Felice levantou o grito de
revolta que logo se repercutiu em todo o paiz, com a rapidez de um
relampago.
De Felice Jiuffrida nasceu em Catanea, no anno de 1860.
Socialista convicto, havia-se assignalado na imprensa, pelos seus rudes
ataques contra a monarchia, o que lhe valeu varias condemnaçőes. Em
1887, durante a epidemia cholerica, que dizimava o sul da Italia,
deu provas de grande dedicaçăo e de altissimo valor. O governo quiz
distinguil-o com a medalha de ouro; mas elle recusou a distincçăo,
dizendo, «que da monarchia só acceitava a perseguiçăo.»
Algum tempo depois, tendo sido condemnado a dois annos de prisăo, por
abuso de liberdade de imprensa, refugiou-se em Malta, d'onde regressou,
em 1892, eleito, ao mesmo tempo, por Catanea e por Palermo.
Foi, em virtude da parte activa e intelligentissima que tomou na
organisaçăo dos _Fasci_, especialmente na Calabria e na Romagna, que o
governo ordenou a sua prisăo.
Foram dissolvidos os _Fasci_, sob protexto de attentarem contra as
instituiçőes; mas năo morreram as idéas e os principios por elles
representados. Ao contrario, avigoraram-se na lucta. De Felice foi o
glorioso interprete da opiniăo popular. A consciencia publica estava com
elle e applaudiu-o. Isto basta, para que seja immorredoura a sua obra e
seja glorificado o seu nome, que é o nome de um bravo e o nome de um heróe!
No congresso operario de Bruxellas, em 1891, nem a Italia nem a Suissa
poderam apresentar relatorio: tăo escassas eram as forças socialistas
n'aquelles dois paizes. Em dois annos os progressos realisados por elles
săo superiores a toda a expectativa e de molde a surprehender todos os
espiritos.
Na Suissa todas as organisaçőes profissionaes se constituiram em
federaçăo. A _federaçăo dos syndicatos profissionaes_ tem progredido
de dia para dia, possuindo uma receita de 28.000 francos, dos quaes
15.800 săo reservados a soccorros, em casos de _gréve_. É de cęrca de
15.000 o numero de associados. A _federaçăo operaria suissa_ conta
200.000 adherentes. A sociedade suissa do _Grütli_ comprehende 350
secçőes, com 15.000 societarios, possuindo um orgăo central, o _Grütli_,
que se publica tres vezes por semana.
A estas organisaçőes, convęm ajuntar o _partido democratico socialista
suisso_ que existe, na sua fórma actual, desde 1888, possuindo, em
commum, com a federaçăo dos syndicatos profissionaes um orgăo
especial--o _Arbeiterstimme_ (a _Voz do operario_).
No conselho nacional suisso, năo contam os socialistas senăo um
representante. Mas é certo que o movimento se alastra por todo o paiz, a
passos de gigante. Particularmente, săo para registar os progressos
realisados pelo partido na Suissa allemă.
Em Hespanha, o partido socialista contava cęrca de 30 grupos, por
occasiăo do congresso internacional de Bruxellas; segundo o relatorio,
apresentado ao congresso de Zurich, o partido conta hoje 50, dos quaes 6
pertencem aos trabalhadores agricolas.
Nas ultimas eleiçőes geraes para deputados, obtiveram os socialistas
7:000 votos--2:000 a mais do que os obtidos nas eleiçőes de 1890.
Na Hespanha,--e é este o principal facto a notar--o movimento
socialista, que, năo ha muito ainda, comprehendia quasi exclusivamente
os trabalhadores manuaes, tem ganho, pouco a pouco, o professorado,
os jornalistas e os homens de letras; e hoje, pode-se dizer afoitamente
que o socialismo cathedratico está, no visinho paiz, á altura d'aquelles
que, como a Belgica e a França, mais se vangloriam com o progredimento
das novas ideias nas escolas e nas universidades.
Em Portugal continuam os socialistas, n'uma propaganda activa e
utilissima, prégando as vantagens e os beneficios do principio da
associaçăo de classe, reclamando dos poderes publicos leis protectoras
do trabalho, reunindo congressos, publicando jornaes e obras de
propaganda, e tornando-se em tudo dignos dos esforços dos seus irmăos e
camaradas no estrangeiro. O modo firme, serio e correcto por que os
socialistas portuguezes celebraram o primeiro de Maio, no proximo
preterito anno de 1893, bastaria para lhes attrahir as sympathias do
publico, se outros factos os năo tivessem já recommendado ao suffragio
popular.
II
O PROGRAMMA SOCIALISTA
O PROGRAMMA DO PARTIDO OPERARIO.--PARTE POLITICA E PARTE
ECONOMICA.--JULES GUESDE E PAULO LAFARGUE.--O PROGRAMMA DO PARTIDO
SOCIALISTA EM PORTUGAL.
O programma do partido operario socialista francez, que é hoje
considerado como o programma commum a todos os partidos operarios, foi
elaborado por Jules Guesde e Paulo Lafargue. Digamos pois, algumas
palavras, ácerca de cada um dos dois apostolos do socialismo.
JULES GUESDE
Jules Guesde póde e deve ser considerado, em França, como o verdadeiro
chefe do partido operario marxista. E, se tivessemos de avaliar os seus
meritos pelo numero das condemnaçőes já soffridas por causa do
socialismo, o seu logar de honra seria na primeira fila e ao lado dos
primeiros combatentes da ideia. A sua primeira condemnaçăo, em
Montpellier, a cinco annos de prisăo, por causa de um artigo, publicado
no jornal _Os Direitos do homem_, teve uma grande influencia na sua
existencia politica e no desenvolvimento do seu espirito.
[Gravura: Jules Guesde]
Mes Guesde refugiou-se em Italia e depois na Suissa, onde encontrou
muitos francezes exilados, por causa dos acontecimentos da Communa.
Bakounine e Marx estavam entăo em lucta. Guesde năo se pronunciou, nem
por um nem por outro, contentando-se apenas em assimilar a doutrina de
Marx; e por tal fórma o conseguiu, que hoje os dois nomes, o do fundador
do socialismo allemăo e o do propagandista do collectivismo marxista, em
França, săo inseparaveis.
Voltando a Paris, em 1876, Guesde tentou baldadamente fazer a propaganda
da doutrina allemă. A primeira proposta collectivista, feita em 1878, no
congresso de Lyon, foi regeitada por grande maioria.
Todavia, em Paris, devia realisar-se, n'esse mesmo anno, um segundo
congresso, por occasiăo da exposiçăo universal. O governo quiz
prohibil-o. A minoria guesdista, porém, năo fez caso da prohibiçăo;
reuniu-se, recebeu solemnemente os delegados estrangeiros e estabeleceu
a base do collectivismo. Guesde proseguiu nos seus trabalhos, com
trinta e sete dos seus amigos, pronunciou um notavel discurso,
considerado como um verdadeiro manifesto do socialismo revolucionario, e
tornou-se, por esse facto, o chefe incontestado do partido.
Tornava-se mister um programma ao socialismo francez. Guesde fôra
encarregado, pelo congresso de Marselha, de o elaborar. Partiu para
Londres, e redigiu-o ali sob a direcçăo de Marx e com a collaboraçăo de
Lafargue e de Engels.
O congresso nacional do Havre, ao qual foi submettido, approvou-o,
estabelecendo definitivamente a ruptura entre collectivistas e
cooperativistas. O partido operario adoptára o principio da lucta de
classes, da propriedade collectiva e da revoluçăo.
N'este programma havia, todavia, uma lacuna. Năo se havia pensado senăo
no operario das cidades. O trabalhador dos campos fôra esquecido. Foi
essa a missăo do congresso de Marselha de 1892.
No seu ultimo manifesto eleitoral, Jules Guesde repelle os meios
violentos. A revoluçăo, escreveu, é antes um resultado, um facto, do que
uma doutrina, e desde que os socialistas resolveram recorrer e acceitar
o suffragio universal, é porque renunciaram, pelo menos provisoriamente,
aos outros meios. No programma do partido operario, já formulara, de
resto, o principio «de que a organisaçăo socialista deveria ser levada a
cabo por todos os meios de que o proletariado podesse dispôr, sem
excluir o suffragio universal.»
Jules Guesde deve contar quarenta annos de edade, e foi quem, no
congresso de Paris, em 1889, propoz a manifestaçăo do 1.ş de Maio. É
hoje deputado por Roubaix. Na camara franceza está-lhe reservado o
successo a que dăo direito o seu grande saber e a sua notavel
eloquencia.
* * * * *
PAULO LAFARGUE
Estăo ainda certamente na memoria de todos os fusilamentos de Fourmies
do 1.ş de Maio de 1891, e o julgamento e a condemnaçăo de Paulo
Lafargue, por «ter prégado o socialismo no departamento do Norte,»--no
dizer dos seus juizes. Pois foi precisamente este facto que o levou á
camara dos deputados. O mesmo departamento do Norte, entendeu que devia
corrigir as demasias e a violencia do governo, elegendo-o deputado.
Havia um ou dois mezes que Lafargue déra entrada no carcere, sahindo
d'ali, victorioso e triumphante, em direcçăo ao palacio Bourbon.
[Gravura: Paulo Lafargue]
O dr. Lafargue é uma das figuras mais originaes do partido
socialista. Ao mesmo tempo, theorico e homem de acçăo, ha seguramente
trinta annos que se mantem na lucta, e sempre com a mesma altivez e com
a mesma dedicaçăo.
Sendo estudante de medicina em 1866, foi elle um dos organisadores do
congresso de Liége, onde a bandeira negra se arvorou, como que para
indicar que a França estava de lucto. No seu regresso, o imperio
vingou-se, excluindo-o de todas as faculdades.
Lafargue partiu entăo para Inglaterra. Fez em Londres o conhecimento de
Karl Marx, que o iniciou no socialismo scientifico, alistando-o na
_Associaçăo internacional dos trabalhadores_.
Genro de Karl Marx, occupou-se activamente da organisaçăo do partido
socialista francez, cujo programma, elaborado no gabinete do celebre
revolucionario, é em parte obra sua.
Foi tambem em Londres que elle se ligou com Jules Guesde. Permaneceram
ambos fieis á doutrina orthodoxa e săo, em França, os seus verdadeiros
representantes.
--É na officina--dizia Lafargue na sessăo da camara dos deputados de 16
de fevereiro de 1893--é na officina que principia a exploraçăo da classe
operaria; é ali que ella é roubada do producto do seu trabalho, e é por
isso que, na sociedade actual, a classe operaria que tudo produz, é
precisamente aquella que nada possue, ao passo que a classe que năo
trabalha é possuidora de toda a riqueza social, e governa a naçăo
economicamente e politicamente.»
* * * * *
O PROGRAMMA DO PARTIDO OPERARIO
Considerando que a emancipaçăo da classe productora é a de todos os
seres humanos, sem distincçăo de sexo nem de raça;
Considerando que os productores năo serăo nunca livres, emquanto năo
estiverem na posse dos meios de producçăo (terras, officinas, navios,
bancos, credito, etc.)
Considerando que năo ha senăo duas fórmas pelas quaes os meios de
producçăo poderăo pertencer-lhes, a saber:--a fórma individual que nunca
existiu, como facto geral, e que tende, cada vez mais, a ser eliminada
pelo progresso industrial;--e a fórma collectiva, cujos elementos
materiaes e intellectuaes săo constituidos pelo proprio desenvolvimento
da sociedade capitalista;
Considerando que esta apropriaçăo collectiva năo póde sahir senăo de uma
acçăo revolucionaria da classe productora, ou do proletariado,
organisado em partido politico distincto;
Considerando que semelhante organisaçăo deve ser levada a cabo por todos
os meios de que o proletariado dispőe, incluindo o suffragio universal,
transformando-o de instrumento de corrupçăo, como até hoje tem sido, em
instrumento de emancipaçăo;
Os trabalhadores socialistas, tendo por alvo dos seus esforços a
expropriaçăo politica e economica da classe capitalista e o regresso
á collectividade de todos os meios de producçăo, decidiram, como meio de
organisaçăo e de lucta, entrar em todas as eleiçőes com as seguintes
reivindicaçőes:
*A.*--_Parte politica_
1.ş--Aboliçăo de todas as leis sobre a imprensa, as reuniőes e as
associaçőes, e, em especial, a Associaçăo Internacional dos
trabalhadores.--Suppressăo do livrete, ferrete ignominioso da classe
operaria, e de todos os artigos do codigo, estabelecendo a inferioridade
do operario em face do patrăo, e a inferioridade da mulher em face do
homem;
2.ş--Suppressăo do orçamento dos cultos, e o regresso á naçăo dos bens
chamados de măo morta, moveis e immoveis, que hoje pertencem ás
corporaçőes religiosas, comprehendendo todos os annexos industriaes e
commerciaes das referidas corporaçőes;
3.ş--Suppressăo da divida publica;
4.ş--Aboliçăo dos exercitos permanentes e armamento geral do povo;
5.ş--A Communa na posse da sua administraçăo e da sua policia.
*B.*--_Parte economica_
1.ş--Repouso de um dia por semana, ou prohibiçăo legal de mais de seis
dias de trabalho sobre sete.--Reducçăo legal do dia de trabalho a oito
horas para os adultos.--Prohibiçăo do trabalho, nas officinas
particulares, dos menores com menos de quatorze annos; e reducçăo do dia
de trabalho a seis horas, desde os quatorze até aos dezoito annos.
2.ş--Vigilancia dos aprendizes pelas corporaçőes operarias;
3.ş--Minimum legal dos salarios, determinado e fixado annualmente,
segundo o preço local dos generos, por uma commissăo de estatistica
operaria;
4.ş--Prohibiçăo legal aos patrőes de poderem empregar os operarios
estrangeiros por um salario inferior ao dos operarios nacionaes;
5.ş--Egualdade de salario, em egual trabalho, para os trabalhadores dos
dois sexos;
6.ş--Instrucçăo scientifica e profissional de todas as creanças, á custa
da sociedade, representada pelo Estado e pela communa;
7.ş--Manutençăo, á custa da sociedade, dos velhos e invalidos do trabalho;
8.ş--Suppressăo de toda a ingerencia dos patrőes na administraçăo das
caixas operarias de soccorros, de previdencia, etc., restituindo-as á
gestăo exclusiva dos operarios;
9.ş--Responsabilidade dos patrőes em materia d'accidentes, garantida por
uma cauçăo em dinheiro, lançado nas caixas operarias, e proporcional ao
numero dos operarios empregados e aos perigos que a industria apresenta;
10.ş--Intervençăo dos operarios, nos regulamentos especiaes das
differentes officinas; suppressăo do direito usurpado pelos patrőes de
poderem castigar os operarios por meio de multas ou de reducçőes nos
salarios;
11.ş--Annulaçăo de todos os contractos, que hajam alienado a propriedade
publica (bancos, caminhos de ferro, minas, etc.) e a exploraçăo de todas
as officinas do Estado, confiadas aos operarios que n'ellas trabalharem;
12.ş--Aboliçăo de todos os impostos indirectos e transformaçăo de todos
os impostos directos n'um imposto progressivo sobre os rendimentos que
văo alęm de 3:000 francos.--Suppressăo da herança em linha collateral e
de toda a herança em linha directa que exceda a somma de 20:000 francos.
* * * * *
DESENVOLVIMENTO E EXPLANAÇĂO DO PROGRAMMA SOCIALISTA
PARTE POLITICA
ARTIGO 1.ş
a) _Aboliçăo de todas as leis sobre a imprensa, as reuniőes e as
associaçőes, e, em especial, da lei contra a Associaçăo Internacional
dos Trabalhadores;_
b) _Suppressăo do livrete, ferrete ignominioso da classe operaria, e de
todos os artigos do codigo que estabelecem a inferioridade do operario
perante o patrăo e a inferioridade da mulher perante o homem._
Para que haja realmente liberdade, em materia de imprensa, năo basta
legislar, impondo multas e prisăo aos que d'ella _abusam_, attenuando e
modificando as penas, ou substituir o julgamento correccional pelo
julgamento de jury.--O que se torna indispensavel e urgente, é abolir
todas as leis existentes _contra_ e _sobre_ a imprensa, a começar pela
lei que condemna, por diffamaçăo, sem prova dos factos allegados, e que
permitte assim aos ricos e aos poderosos de abusarem da situaçăo
especial em que se encontram, relativamente aos que nada possuem e aos
que nada podem.
Para que haja realmente liberdade, em materia de reuniăo, năo basta
substituir o regimen actual por um novo regimen, mais ou menos hypocrita
e mais ou menos sophismado, permittindo os comicios em recinto fechado e
prohibindo-os na rua e na praça publica.--O que se torna indispensavel e
urgente, é a aboliçăo de todas as leis, que subordinam ás condiçőes de
local, de tempo, de numero e de pessoas, o exercicio de um direito tăo
rudimentar como o direito de reuniăo.
Para que haja realmente liberdade, em materia de associaçăo, năo basta
permittir o uso d'este direito aos que estăo nas boas graças dos
governos, embaraçando-o e difficultando-o aos contrarios, pela exigencia
de formalidades, tăo ridiculas como absurdas.--O que se torna
indispensavel e urgente, é a aboliçăo de todas as leis sobre as
associaçőes, qualquer que seja a sua natureza e o seu fim.
Mas a revoluçăo năo nos trouxe apenas a liberdade; deu-nos tambem a
_egualdade civil_. E é, em nome d'essa egualdade, que temos o direito e
o dever de reclamar a suppressăo do «livrete», bem como todos os artigos
do codigo que estabelecem a inferioridade da classe operaria perante
a classe dos patrőes.
O livrete que assemelha o productor de todas as riquezas á meretriz,
collocando-o no mesmo plano, sobre ser uma ignominia, é tambem infamante
e improprio dos nossos tempos. Se o ferrete foi abolido para os grandes
criminosos condemnados ás galés, como é que pode conservar-se para os
trabalhadores do mundo moderno? Apenas a fórma variou, por isso que,
sendo o livrete obrigatorio para todos os que săo forçados a viver da
venda do seu trabalho, nenhum movimento da vida operaria poderá escapar
á policia. Para mudar de localidade e até para mudar de officina, săo os
trabalhadores forçados a apresentar essa prova da sua identidade e do
seu comportamento anterior. De modo que aos patrőes fica a liberdade
plena de os admittirem ou de os expulsarem das suas officinas, conforme
lhes aprouver. É uma inquisiçăo de nova especie que se torna mister
abolir năo só dos codigos, senăo tambem dos usos particulares. O
operario será admittido em todas as officinas e em todos os
estabelecimentos, quer do estado quer de particulares, sem que os
patrőes lhe possam exigir a minima formalidade. Condemnamos, por egual,
o livrete e os attestados individuaes, que collocam os trabalhadores na
mesma situaçăo de inferioridade moral perante os seus superiores.
Ha, felizmente, paizes onde a licença para trabalhar năo é já exigida.
Na explanaçăo d'estes artigos, năo nos dirigimos, porém, a este ou
áquelle paiz, a esta ou áquella localidade: fazemos a critica geral
do systema e apreciamos os factos que se assignalam e observam nas
modernas sociedades.
Na mesma ordem de reformas, entra a aboliçăo dos artigos que estabelecem
a inferioridade da mulher perante o homem.
Que nos resta entăo da egualdade perante a lei--o novo evangelho da nova
civilisaçăo--se, na ordem civil assim como na ordem politica, continuam
a coexistir duas leis differentes, uma para o homem e outra para a mulher?
Diz-se, geralmente, que a mulher nasceu para os trabalhos caseiros. Mas
essa limitaçăo vae desapparecendo de dia para dia. E, hoje, a mulher
applica-se a muitos outros trabalhos que antigamente só pertenciam aos
homens, como correios e telegraphos, empregos e serviços dos grandes
armazens e dos grandes restaurantes, casas de modas, lojas, caminhos de
ferro e tantos mais que seria longo e superfluo ennumerar aqui.
O socialismo moderno năo reconhece distincçőes fundadas e baseadas sobre
os sexos. Quer se trate de reuniőes quer se trate de congressos, a
mulher é chamada e eleita, com os mesmos titulos, que o homem. Ao
partido operario--que é o partido de todos os explorados, sem distincçăo
de sexo nem de raça.--cabe pois, o dever de se associar ás suas
reivindicaçőes.
Art. 2.ş--_Suppressăo do orçamento dos cultos e regresso á naçăo dos
bens, chamados de măo morta, que pertençam ás corporaçőes religiosas,
comprehendendo todos os annexos industriaes e commerciaes destas
corporaçőes._
Na grande republica dos Estados Unidos da America, a Egreja, ou, para
melhor dizer, as differentes egrejas nada teem com o Estado. Os cultos
constituem, naquella naçăo, uma industria particular, como a industria
das rolhas ou a industria da cortiça.
_Paga quem consome._
É este o principio, adoptado por todos os publicistas e pensadores da
escola avançada. A separaçăo da Egreja e do Estado, faz hoje parte de
todos os programmas radicaes e constitue uma das principaes
reivindicaçőes da philosophia moderna.
O regresso á naçăo da propriedade mobiliaria e immobiliaria das
corporaçőes religiosas, encontrou um precedente na revoluçăo operaria de
18 de Março. Tem, alęm d'isso, a vantagem de educar as massas,
ensinando-as a rehaver aquillo que lhes foi extorquido pela violencia e
pela fraude, isto é--na linguagem do programma socialista--ensinando-as
a _expropriar os seus expropriadores_.
Art. 3.ş--_Suppressăo da divida publica._
A divida publica, com effeito, dil-o Karl Marx no seu _Capital_, «dá ao
dinheiro improductivo o valor reproductivo, sem que por isso haja de
correr os riscos e os transtornos inseparaveis do seu emprego industrial
ou da usura particular.»
A suppressăo da divida que o partido operario reclama, aliviaria os
habitantes de cada paiz de uma grande parte do imposto que, actualmente,
săo obrigados a pagar e constituiria, portanto, um novo rendimento
annual para cada familia e para cada cidadăo.
Art. 4.ş--_Aboliçăo dos exercitos permanentes e armamento geral do povo._
Está hoje provado que os exercitos permanentes, com os progressos das
armas e dos instrumentos de guerra, e ainda com a rapidez dos
telegraphos e dos caminhos de ferro que obrigam a uma immediata
mobilisaçăo de massas enormes, năo săo garantia sufficiente á defensăo
efficaz de um paiz. Em geral, os governos precisam e servem-se d'elles,
năo para esmagar o inimigo que lhes ultraja a bandeira ou lhes viola as
fronteiras, mas para intimidar e reduzir ao silencio os adversarios,
que, dentro da naçăo, os perturbam e incommodam. E eis ahi está o motivo
porque os exercitos, na actualidade, longe de serem um elemento de
defeza nacional, săo, ao contrario, um elemento de defesa, para as
classes dirigentes, que teem n'elles o seu unico e principal apoio,
quando se trata de salvaguardar os seus interesses e os seus haveres,
ainda que para isso seja preciso fuzilar a _canalha_ ou atirar sobre o
povo inerme e faminto!
O partido operario socialista condemna a guerra, e, por isso, repelle os
exercitos permanentes. O armamento geral do povo năo só traria, como
consequencia, uma economia para cada paiz, senăo ainda desarmaria, por
completo, a burguezia. A naçăo armada até ao seu ultimo homem,
tornar-se-ha mais forte e poderosa do que nunca, e será--digamol-o
assim--inatacavel. Para isso bastará que a instrucçăo militar complete a
instrucçăo scientifica e profissional, assegurada socialmente a todos os
menores sem distincçăo; que a espingarda, posta na escola nas măos
de todos, esteja, ao sahir da escola, nas măos de cada um, e que, depois
de uma rapida passagem pelas bandeiras, todos os annos se realisem as
grandes manobras, para manter a cohesăo indispensavel, entre elementos
individualmente superiores, obrigando-os a contrahir o habito das
operaçőes collectivas.
O poder militar da Suissa, năo se apoia n'outras razőes e corrobora
praticamente esta nobre e generosa aspiraçăo.
Art. 5.ş--_A communa na posse da sua administraçăo e da sua policia._
A cummuna é a escola primaria da sciencia politica. É ali que se
adquirem as primeiras noçőes de disciplina e os primeiros rudimentos da
vida publica.
O partido operario năo espera certamente chegar á soluçăo do problema
social pela simples conquista do poder administrativo na communa. A
aboliçăo do salariado--essa escravidăo do mundo moderno, peior que a do
mundo antigo--năo é uma questăo communal, mas sim uma questăo nacional e
internacional, e só poderá resolver-se pela posse do poder central ou do
Estado. Mas é certo que a conquista das communas constitue outros tantos
meios de recrutamento e de lucta, para a classe proletaria.
No dia em que as communas estiverem na posse da sua administraçăo e da
sua policia, os conflictos com o poder central tornar-se-hăo
impossiveis, se todos os municipios, comprehendendo a sua missăo, se
ligarem e federarem, afim de constituirem uma liga municipal que poderá
e deverá ter uma influencia decisiva nos destinos de cada paiz.
PARTE ECONOMICA
Art. 1.ş--a) _Repouso de um dia por semana, ou prohibiçăo legal de mais
de seis dias de trabalho sobre sete._
b) _Reducçăo legal do dia de trabalho a oito horas para os adultos._
e) _Prohibiçăo do trabalho, nas officinas particulares, dos menores com
menos de quatorze annos, e reducçăo do dia de trabalho a seis horas, dos
quatorze aos dezoito annos._
_a)_ A necessidade de um dia de repouso por semana, é hoje reconhecida
por todos, e impőe-se como uma questăo de moral e de hygiene. Mas năo
basta reconhecel-o. É mister que seja legal a prohibiçăo,
estabelecendo-se uma penalidade aos patrőes que obrigam os seus
operarios a trabalhar mais de seis dias sobre sete.
_b)_ O primeiro congresso da Internacional, o congresso de Genebra de
1866, estabeleceu «que o dia de trabalho devia ser de oito horas»; por
isso que, diziam os considerandos, a primeira condiçăo, sem a qual seria
baldada toda a tentativa de melhoria e de emancipaçăo, é a limitaçăo
legal do dia de trabalho. Esta limitaçăo impőe-se, afim de restaurar a
saude e a energia physica dos operarios, assegurando-lhes a
possibilidade de um desenvolvimento intellectual, de relaçőes sociaes e
de uma acçăo politica. Os operarios dos Estados Unidos reclamaram,
durante muito tempo, esta limitaçăo, e o Congresso adoptou-a como um dos
artigos dos programmas governamentaes. O secretario d'Estado do
departamento da guerra, no Reino Unido, respondendo a John Burns, que,
na camara dos communs, pedira informaçőes, ácerca da experiencia do dia
normal de 8 horas, no arsenal de Woolwich, asseverou que o resultado
fôra excellente, e que o governo resolvęra estabelecer, para todos os
arsenaes inglezes, o dia normal de 8 horas.
E ninguem pense que a reducçăo do dia de trabalho traria, como
consequencia, a reducçăo do salario.
O patrăo occupa, presentemente, dois operarios, para obter 24 horas de
trabalho, ou dois dias de 12 horas. Se o dia legal fosse de 8 horas,
seria forçado a empregar tres. Os operarios sem trabalho voltariam á
officina, e, aquelles que trabalham, năo estando já sob a ameaça de
serem substituidos, poderiam, sem duvida, aproveitar a situaçăo para
exigir e obter um augmento de salario. A reducçăo do dia de trabalho
teria, como consequencia necessaria, um augmento de salario.
_c)_ Nas modernas sociedades, as creanças pertencem aos capitalistas,
que as arrancam ao lar domestico e ao conchego da familia, para as
converterem em instrumentos de sordida e desmesurada ganancia.
Semelhante facto nunca se presenciara, nas sociedades anteriores, ainda
mesmo nos peiores tempos da escravidăo. O menor, condemnado desde tenra
edade, ás torturas de dez e doze horas de trabalho na officina e na
fabrica, e năo offerecendo a minima resistencia, era ainda mais
explorado que o homem e a mulher. E tăo deshumana se tornou a
exploraçăo que o Estado se obrigou a protegel-o contra o patrăo e o pae
de familia. Este, invocando a authoridade paterna permittia-se a
liberdade de vender os seus filhos, segundo as necessidades da situaçăo;
aquelle, invocando a liberdade anarchica da sociedade capitalista,
arrogava-se o direito de impôr ao menor mais horas de trabalho do que
geralmente se impőe a um forçado nas galés.
Art. 2.ş--_Vigilancia dos aprendizes pelas corporaçőes operarias._
A aprendizagem, constitue, para os patrőes, um meio de ter trabalho sem
necessidade de o pagar. O aprendiz, a quem nada se ensina, é
transformado em creado, e ordinariamente empregado nos trabalhos mais
grosseiros que os operarios se recusam a fazer. Em geral só quando finda
a aprendizagem é que o trabalhador começa de aprender o seu officio.
Para remediar estes males, é indispensavel que o aprendiz seja confiado
á protecçăo e á vigilancia das corporaçőes operarias.
O aprendizado desapparecerá no dia em que a educaçăo manual se combinar
com a educaçăo intellectual. Com o desenvolvimento da mechanica e a
divisăo do trabalho, a aprendizagem tende de dia para dia a ser
substituida pela instrucçăo geral, ministrada ás creanças nas escolas
publicas.
Art. 3.ş--_Minimum legal dos salarios, determinado e fixado annualmente,
segundo o preço dos generos, por uma commissăo de estatistica operaria._
Dizer _minimum_, o mesmo é que dizer salario que permitta, pelo menos,
viver trabalhando.
Com o aperfeiçoamento e a generalisaçăo da machina, os salarios
diminuiram e tornaram-se insufficientes. O excedente que todos os dias
vae augmentando da offerta do trabalho sobre a procura, fel-os descer
ainda abaixo do strictamente indispensavel á alimentaçăo quotidiana de
cada operario. A fixaçăo de um _minimum_ foi, por isso, considerada como
um grande progresso.
Esta justa reivindicaçăo, formulou-a, pela primeira vez, Charles
Fourier, em 1831. _Viver trabalhando ou morrer combatendo!_--tal era o
lemma inscripto na bandeira negra dos primeiros revoltados do trabalho,
que năo reclamavam outra cousa senăo um _minimum_ de existencia ou de
salario, e que, por esse principio, se deixaram matar heroicamente,
defendendo, até ao ultimo sacrificio, os interesses e o futuro da classe
trabalhadora.
Desde que, em todos os ramos de trabalho, possa ser determinado, por uma
estatistica operaria, um _minimum_ de salario, e desde que se torne
obrigatorio para os patrőes, ficará o salariado senhor da mais poderosa
das armas, para levantar o preço da măo obra.
O _minimum_ de salario năo deve ser, para os operarios, senăo um meio
para chegar ao _maximum_.
Art. 4.ş--_Prohibiçăo legal aos patrőes de poderem empregar operarios
estrangeiros por um salario inferior ao dos operarios nacionaes._
Ao capitalista, é-lhe indifferente que o operario seja nacional ou
estrangeiro; o que lhe importa é que o salario seja diminuto.
Os operarios estrangeiros (belgas, allemăes, italianos, hespanhoes),
obrigados a emigrar por causa da miseria, muitas vezes dominados e
explorados por engajadores, ignorando a lingua, os preços e os costumes
do paiz, săo condemnados a aceitar as condiçőes que os patrőes lhes
impőem e a trabalhar por salarios que os operarios da localidade
regeitam. E ainda, em egualdade de circumstancias, preferem os patrőes
os estrangeiros, para evitar resistencias e amotinaçőes.
A 5 de maio de 1880, a _Sociedade de Economia politica_ discutiu as
vantagens que poderiam advir da substituiçăo dos operarios francezes por
chinezes. O consul geral dos Estados Unidos, que estava presente á
sessăo, objectou que a introducçăo dos chinezes era corruptora por causa
da sua immoralidade e perigosa por causa das miserias e das revoltas
operarias que d'ahi derivavam.
--Nada importa!--responderam severamente os economistas francezes: «O
chinez é muito trabalhador, vive de quasi nada, contentando-se com um
modico salario. Na California, onde um branco exige 10 fr. por dia, o
chinez contenta-se com 2 fr. 50. Que venham os bons chinezes, e tanto
peior para os operarios francezes, se isso os incommoda. Talvez a liçăo
lhes aproveite!»
O dr. Lunier (inspector geral dos serviços administrativos no ministerio
do interior) observava que a vinda dos chinezes năo estava tăo longe
como se suppunha: «É provavel que, em breve, a emigraçăo chineza possa
fazer-se por terra, e que tenhamos entăo de assistir a emigraçőes, que
trarăo á nossa velha Europa a sua sobriedade, a sua paciencia no
trabalho, e, como consequencia, a măo d'obra barata.»
A isso e só a isso, aspiram os patrőes; e a prohibiçăo legal de poderem
empregar operarios estrangeiros, por um salario inferior aos dos
operarios nacionaes, deriva năo só de um principio de moralidade, para
evitar a exploraçăo até aqui seguida, senăo tambem da protecçăo que á
lei deve merecer o trabalho nacional.
Art. 5.ş--_Egualdade de salario, em egual trabalho, para os
trabalhadores dos dois sexos._
O partido operario, assim como năo pede a expulsăo dos estrangeiros, năo
reclama tambem a prohibiçăo do trabalho para a mulher, nas fabricas ou
nas officinas. O que pede e reclama para a mulher, para a operaria, é a
protecçăo a que ella tem direito tanto como o homem; o que pede e
reclama é que a um trabalho egual corresponda egualdade de salario para
todos os trabalhadores, sem distincçăo de sexo.
O motor mechanico, tornando a mulher tăo apta, como o homem, para a
maior parte dos trabalhos, permitte hoje, nas fabricas e officinas, o
emprego do braço feminino, em substituiçăo da antiga força muscular. Năo
foi a falta do braço masculino que provocou a _industrialisaçăo_ da
mulher: foi sim! a desmedida ambiçăo do patrăo de obter a mesma somma de
trabalho por um salario muito inferior. De modo que a operaria foi
inventada, por um lado, para augmentar os proventos dos patrőes, e, por
outro lado, para reduzir o operario á fome.
É mister acabar com semelhante abuso, tornando a operaria egual ao
operario, e năo a sua concorrente.
Para que a mulher seja senhora de si mesmo, para que recobre a liberdade
do seu corpo, fóra da qual năo ha senăo prostituiçăo, qualquer que seja
a legalidade das relaçőes que possa ter com o outro sexo, é mister que
ella encontre em si os meios de subsistencia, independentemente do homem.
Art. 6.ş--_Instrucçăo scientifica e profissional de todas as creanças, á
custa da sociedade, representada pelo Estado e pela communa._
Do direito á existencia, deriva logicamente o direito ao trabalho, e
d'este a obrigaçăo, para o Estado e para a communa, de ministrar
gratuitamente a todas as creanças, sem distincçăo de sexo, a instrucçăo
scientifica e profissional.
Para trabalhar, é preciso saber e poder trabalhar, e d'ahi se conclue,
por um lado, a necessidade da instrucçăo, e, por outro lado, a
necessidade năo menos instante para o operario, de chegar á posse dos
instrumentos de producçăo.
Lepelletier Saint-Fargeau comprehendęra perfeitamente estes principios,
quando, a 15 de julho de 1793, submetteu á Convençăo um projecto de lei,
assim concebido:
«Art. 1.ş--Todas as creanças serăo educadas á custa da Republica,--as do
sexo masculino da edade dos cinco aos doze annos e as do sexo feminino
dos cinco aos onze.
«Art. 2.ş--A educaçăo nacional será egual para todos; recebendo todos a
mesma alimentaçăo, o mesmo vestuario, a mesma instrucçăo e os mesmos
cuidados.»
O trabalho do homem é tanto mais productivo quanto a sua
intelligencia fôr mais cultivada[2]. O trabalho de um homem
ignorante năo vale mais do que o _trabalho de um animal de egual força_.
A monomania do emprego publico é um resultado da falta de ensino
profissional. Em Portugal, a burocracia absorve a maior parte das
receitas publicas, precisamente porque săo poucos aquelles que se acham
habilitados a trabalhar.
Năo basta só que as escolas ensinem a lęr: é mister tambem que ensinem a
trabalhar, isto é que, a par do păo do espirito, se ministre egualmente
a todos o păo do corpo.
* * * * *
Art. 7.ş--_Manutençăo pela sociedade dos velhos e invalidos do trabalho._
O trabalhador produz mais do que consome. Encarregando-se dos velhos e
invalidos do trabalho, a sociedade năo faz senăo retribuir aos operarios
aquillo que lhes é devido. É justo que um homem que passou a sua vida a
vestir, a calçar e a alimentar os seus semelhantes e a construir as suas
habitaçőes, tenha tambem o vestuario, a casa e o alimento assegurados,
quando, em consequencia da edade ou de qualquer enfermidade, năo se
encontre já apto para trabalhar.
O ultimo codigo feudal da Russia, de 1795, estatuia o seguinte: «O
senhor deve fazer ministrar a educaçăo a todos os camponezes pobres,
procurando tambem os meios de existencia áquelles dos seus vassalos que
năo possuem terras e soccorrendo os que cahirem na indigencia.»
O servo transformou-se em salariado, e a liberdade burgueza deixou o
operario, sem garantias, entregue ás exigencias do seu estomago e á
mercę dos caprichos da fortuna. O militar e o funccionario do Estado
teem direito a reformas e aposentaçőes. O empregado do commercio succede
muitas vezes ao patrăo. Só ao operario, só áquelle que passou a sua vida
a enriquecer os seus semelhantes, é recusado o direito que se concede
aos demais membros da sociedade, isto é o direito de viver. Năo lhe
basta a incerteza de encontrar trabalho: ainda para mais lhe negam o que
os senhores feudaes năo negavam aos seus servos--a protecçăo na velhice
e na doença. E eis ahi está porque o partido operario, năo só por dever
de humanidade, senăo ainda por dever de solidariedade, inscreveu este
artigo no seu programma.
* * * * *
Art. 8.ş--_Suppressăo de toda a ingerencia dos patrőes na administraçăo
das caixas operarias de soccorros, de previdencia, etc., restituindo-as
á gestăo exclusiva dos operarios._
Na grande industria que multiplicou os riscos do trabalho, os patrőes
obrigam geralmente os operarios a tirarem, no fim de cada semana, uma
certa quantia dos seus magros salarios, para fazerem face
solidariamente aos accidentes, á doença e á velhice. As grandes
companhias de caminhos de ferro e minas chegaram mesmo a instituir um
fundo, destinado a uma caixa, com essa applicaçăo. Comprehende-se a
tactica. Quanto mais os salariados estiverem no caso de se soccorrerem
mutuamente, tanto menos terăo os patrőes de dispender com elles.
As caixas săo, na sua quasi totalidade, sustentadas com o dinheiro dos
operarios. Mas os proprietarios e capitalistas, no intuito de
fiscalisarem esses fundos da _previdencia e da solidariedade operaria_,
chamam a si a gerencia e a administraçăo das referidas caixas,
concorrendo tambem com uma parte, para o mesmo fim. O que os patrőes
desejam é evitar, por esta fórma, que os trabalhadores possam servir-se
d'esse dinheiro, empregando-o n'uma _gréve_ ou em qualquer cousa que
possa contrariar os seus interesses ou os da sua industria.
É indispensavel que o proletariado se emancipe de semelhante tutella,
transformando o fundo das caixas operarias num poderoso instrumento de
emancipaçăo social.
Art. 9.ş--_Responsabilidade dos patrőes em materia d'accidentes,
garantida por uma cauçăo em dinheiro, e proporcional ao numero dos
operarios empregados e aos perigos que a industria apresente._
Este artigo traduz um principio de justiça, e representa uma compensaçăo
para todos os que, no trabalho, expőem a vida e arriscam a saude. Quem,
nas grandes empresas, aufere os grandes lucros e os enormes proventos, é
o capitalista e o proprietario. É justo pois, que, em caso
d'accidente, sejam elles os responsaveis, indemnisando e garantindo, por
meio de uma cauçăo, os que affrontaram o perigo, para os enriquecer e
locupletar. Em caso de desastre, occorrido nas fabricas e nas officinas,
o invalido, a viuva e o orphăo teem direito a serem amparados e
protegidos; e esse amparo e essa protecçăo năo pode exigir-se senăo
áquelles que foram a origem, embora indirecta, do seu infortunio, e que,
muitas vezes, pelo seu desleixo e pela sua desmesurada ganancia,
contribuiram poderosamente para esses tristes e dolorosos acontecimentos.
A indemnisaçao a pagar seria, n'este caso, lançada na caixa operaria, e
avaliada por um jury escolhido na corporaçăo. Só os proprios operarios
seriam capazes de avaliar o que custa e o que vale, para o trabalhador,
a perda de um braço, a perda de uma perna ou a perda de uma vida.
Quem nunca visitou uma mina, năo sabe o que é o risco no trabalho.
Superior á rhetorica dos economistas está a realidade das cousas. Que
todos os que nos lęem se dignem, um dia, descer a uma mina, e que nos
digam depois, se năo assiste ao operario o direito sagrado de reclamar
uma indemnisaçao, em caso d'accidente, áquelle por quem se sacrificou, e
que locupletou, sem outra compensaçăo, alęm de um salario diario
representando o stritamente indispensavel para năo morrer de fome?!
* * * * *
Art. 10.ş--_A intervençăo dos operarios nos regulamentos especiaes das
differentes officinas; suppressăo do direito usurpado pelos patrőes de
poderem castigar os operarios, por meio de multas ou de reducçőes nos
salarios._
A intervençăo dos operarios nos regulamentos especiaes das differentes
officinas é uma salvaguarda á dignidade e á saude da classe
trabalhadora. Muitas vexaçőes inuteis serăo supprimidas por este meio;
muitas medidas hygienicas, hoje despresadas ou recusadas pelo
fabricante, serăo postas em pratica, no interesse da collectividade.
Sob a fórma de multas, que se traduziam na retençăo de uma parte do
salario, o patrăo abusava, muitas vezes, do operario, trazendo-o debaixo
de um jugo de ferro, feroz e insupportavel. O patrăo năo pode arvorar-se
em juiz, adoptando o codigo penal que muito bem lhe aprouver para multar
o operario ou condemnal-o, segundo os caprichos da sua vontade.
A justiça é fundada sobre uma delegaçăo social. O direito moderno năo
admitte outra; porque o contrario seria o despotismo, o abuso, a fraude
e a violencia. E é por isso que se justifica e se torna indispensavel a
intervençăo dos operarios nos regulamentos especiaes das differentes
officinas--precisamente para que o patrăo fique reduzido á sua esphera
de acçăo, e impossibilitado de vexar os trabalhadores, por meio de
penalidades, que, alęm de uma tyrannia e de uma brutalidade sem nome,
representam para o capitalista, um interesse e um beneficio.
* * * * *
Art. 11.ş--_Annulaçăo de todos os contractos que hajam alienado a
propriedade publica (bancos, caminhos de ferro, minas, etc.), e a
exploraçăo de todas as officinas do Estado, confiadas aos operarios que
n'ellas trabalharem._
O partido operario pede a annulaçăo, pura e simples, dos contractos que
teem permittido a um bando de capitalistas de se locupletarem, á custa
da naçăo. O partido operario pede essa annulaçăo, năo para que o Estado,
entrando na posse das minas, dos caminhos de ferro e dos bancos, e
tornando-se, por sua vez, productor, os explore, em seu proveito, como
tem succedido com os correios e telegraphos, com a moeda, com os tabacos
e outros serviços publicos, de que faz monopolio, mas sim, para confiar
a sua exploraçăo aos operarios, encarregados d'esses trabalhos.
O programma socialista pede que a exploraçăo das officinas do Estado
seja confiada aos operarios, que n'ellas trabalharem, com o duplo fim de
melhorar a sua triste situaçăo e de provar experimentalmente, que, pela
sua propria iniciativa e responsabilidade, estăo aptos para emprehender
a referida exploraçăo.
Sobre este assumpto divergem as escolas. Săo uns de opiniăo que todos os
serviços publicos devem ficar a cargo do Estado e da communa; outros
porém, sustentam que a absorpçăo gradual das industrias particulares
pelo Estado augmentaria sensivelmente o numero dos salariados que o
mesmo Estado explora. Teremos occasiăo de voltar ao assumpto no ultimo
capitulo d'esta obra.
* * * * *
Art. 12.ş--a) _Aboliçăo de todos os impostos indirectos e transformaçăo
dos impostos directos n'um imposto progressivo sobre os rendimentos que
forem alęm de 3:000 francos._
b) _Suppressăo da herança em linha collateral e de toda a herança em
linha directa que exceda a somma de 20.000 francos._
Nas sociedades burguezas, o imposto é um encargo a que tem de
sujeitar-se todo o cidadăo, afim de garantir a sua pessoa e a sua
propriedade. Ha duas especies de imposto--o imposto pessoal, ou imposto
de sangue que todo o cidadăo tem de satisfazer pelo serviço militar, e o
imposto impessoal que satisfaz pelo abandono e entrega de uma parte dos
seus rendimentos.
Para ser equitativa a distribuiçăo do imposto, todo o cidadăo deveria
ser soldado e abandonar ao Estado uma parte do seu rendimento,
progressivamente, e proporcional á sua quantidade. Se o que possue 100
fr. paga 10 fr., o que possue 1000 deverá pagar 200 fr., e o que possue
um milhăo, 400.000 fr.
Os impostos indirectos que recahem sobre os generos de consumo (păo,
vinho, vestuario, etc.) obstam a que seja equitativa a sua distribuiçăo.
Por exemplo: o operario que come por dia 1 kilo de păo paga duas
vezes mais imposto do que o capitalista que come apenas meio kilo.
O imposto indirecto é um meio jesuitico, inquisitorial, de depennar e de
reduzir á miseria o operario, sem que elle d'isso se aperceba.
Os ricos repellem o imposto progressivo que os obrigaria a pagar na
proporçăo dos seus rendimentos; o imposto indirecto favorece-os de um
modo escandaloso, e eis ahi está o motivo porque o defendem e applaudem.
A aboliçăo dos impostos indirectos e a creaçăo de um imposto progressivo
sobre o rendimento, reduziria seguramente o preço dos generos. A
remodelaçăo e transformaçăo do imposto, seria para o operario a melhoria
das suas condiçőes de existencia. O augmento, nos impostos indirectos,
tem-se traduzido praticamente por um augmento na mortalidade. A creaçăo
do imposto progressivo poder-se-hia traduzir por um augmento na
alimentaçăo e na vida das classes trabalhadoras.
A Convençăo havia estabelecido um imposto gradual e progressivo sobre o
luxo e sobre todas as riquezas. Mas năo teve tempo para o applicar.
Montesquieu, e todos os economistas orthodoxos, como Adăo Smith, J. B.
Say e Rossi, pronunciaram-se pelo imposto progressivo. J. B. Say e
Rossi, affirmaram-n'o claramente nas seguintes palavras: «Năo deixaria
de ser razoavel que os ricos contribuissem para as despezas do estado,
na proporçăo do seu rendimento, e ainda com mais alguma cousa alęm
d'essa proporçăo.»
Na Suissa está o imposto progressivo em vigor na maioria dos cantőes.
Mas nem só a republica o perfilha e o applica. Tambem a real Inglaterra
e a imperial Allemanha acceitaram e introduziram o imposto progressivo,
no seu systema de impostos directos.
_b)_ A herança estabelece, na sociedade, um privilegio e uma
desegualdade revoltante. A sua suppressăo impőe-se, e, se năo
completamente, pelo menos parcialmente. Em virtude da herança, a
instrucçăo, a educaçăo, o gôzo, o bem estar contituem o privilegio dos
favorecidos da fortuna. O pobre, o infeliz que năo herdou, tem de
subjeitar-se aos caprichos do acaso e á lei do seu destino. O partido
socialista quer a suppressăo da herança em linha collateral,
restringindo-a e limitando-a a 20.000 francos na linha directa.
N'outra parte diremos a que seria applicado o excedente das heranças,
desde que ultrapassassem esta somma.
* * * * *
O PROGRAMMA DO PARTIDO SOCIALISTA EM PORTUGAL
A titulo de curiosidade, publicamos, em seguida, o primeiro programma
dos socialistas portuguezes, desde que se contituiram em partido. É um
documento, por muitos titulos, importante, e que merece ser lido e
apreciado pelo publico. A sua approvaçăo data do 1.ş congresso
socialista, realisado em Lisboa, nos principios de 1877, tendo sido
elaborado, após o celebre congresso de Haya, onde Portugal esteve
representado por Lafargue.
Vigorou até 1882, anno em que se celebrou n'esta capital uma conferencia
dos delegados de Lisboa e Porto, sendo entăo substituido pelo actual
programma que, ordinariamente se publica na quarta pagina do _Protesto
Operario_.
* * * * *
Programma transitorio do partido socialista em Portugal
O trabalho é a condiçăo de existencia de todos os individuos.
Todos teem o dever de trabalhar imposto pela natureza.
Com os productos do trabalho de todos deve subsistir a sociedade, e
com os productos do trabalho da sociedade, effeituado por todos,
deve subsistir cada individuo.
A massa do trabalho da sociedade, que deve constituir a sua riqueza,
deve constituir a propriedade social, commum ou publica.
A parte do trabalho de cada individuo constitue a sua riqueza, e a
riqueza do individuo deve constituir a propiedade individual.
Sendo a propriedade social por natureza commum, ou publica, a
propriedade individual deve ser privada ou pessoal.
Tambem devem ser communs, ou publicas, as riquezas naturaes, năo
creadas pela sociedade, nem pelos individuos.
Taes săo as condiçőes de existencia da sociedade justa, isto é, em
que todos os individuos subsistem pelo seu proprio trabalho, e em
que a sociedade subsiste pelo trabalho de todos; em que o producto
do trabalho de cada individuo é propriedade sua, e em que o producto
do trabalho de todos, ou da natureza, năo é propriedade de alguem,
mas sim da sociedade toda.
* * * * *
A constituiçăo da sociedade injusta é differente.
Na sociedade injusta os individuos năo subsistem todos pelo seu
proprio trabalho, e a sociedade năo subsiste pelo trabalho de todos.
Uma parte da sociedade trabalha para si e para a outra parte que năo
trabalha, produzindo os meios de subsistencia de todos os
individuos.
Um individuo trabalha como dois e mais, ou o duplo, ou pela metade
do preço e por menos, para produzir os meios de subsistencia dos
individuos que os năo produzem.
Os meios de subsistencia, em que consiste toda a especie de
propriedade, săo produzidos por uma parte dos individuos, e
apropriados pela outra, que os năo produz.
A riqueza, ou a propriedade, é o producto do trabalho de todos os
individuos accumulado na măo de alguns.
Os productores, ou creadores, da propriedade individual e publica
năo possuem mesmo a parte com que subsistem. Esta parte é-lhes
vendida, ou arrendada, pelos proprietarios, que accumulam mais
productos do trabalho alheio por meio das transacçőes mercantes,
isto é, das transacçőes da propriedade transformada em mercadorias.
D'este modo se constitue a sociedade com proprietarios e năo
proprietarios, com os possuidores da propriedade de todos os
individuos e com os năo possuidores, que a produzem.
A sociedade consta assim de duas classes: a dos ricos e a dos pobres
ou proletarios, a superior e a inferior, a dominadora e a dependente
ou salariada.
Os proprietarios industriosos occupam-se em fazer trabalhar os
proletarios na agricultura, na fabricaçăo e na manufactura dos meios
de subsistencia, isto é, da propriedade transformada em mercadorias
como objecto de commercio, de viaçăo e de jogo.
A classe dos proletarios, ou miseraveis, conta tambem milhares de
individuos que năo produzem: taes săo os mendigos e os defensores
salariados da propriedade, escolhidos pelo estado de entre os mais
vigorosos, para que năo a tomem aquelles que a produzem. Estes
subjugam-se a si e a seus eguaes.
A sociedade injusta subsiste só pela violencia, isto é, uma parte da
sociedade arranca violentamente á outra a sua propriedade.
A violencia existe sem manifestar-se, por ter sido no principio das
sociedades policiadas estabelecida pela força, depois attestada
pelas leis, depois acceita e transmittida por costume, pelas mesmas
leis e pela mesma força.
* * * * *
Na epoca actual os proletarios, obrigados pela necessidade,
constituem a sua classe de salariados, determinados a fazerem da
associaçăo um poder, que modifique as violencias dos proprietarios
industriosos, pela proposiçăo e estabelecimento de condiçőes, taes
como:
1.Ş Estabelecimento do dia normal de trabalho, egual quanto possivel
em todos os officios e em todas as estaçőes;
2.Ş Diminuiçăo do tempo de trabalho;
3.Ş Elevaçăo dos salarios;
4.Ş Salubridade e segurança dos logares onde se executa o trabalho;
5.Ş Melhoramentos particulares, tanto dos salarios como do tempo de
trabalho, para os que exercem officios de sua natureza penosos e
insalubres;
6.Ş Extincçăo do trabalho de jornal nos officios em que fôr
applicavel o estabelecimento de tabellas de preços dos trabalhos;
7.Ş Extincçăo das categorias nos officios, taes como: ajudantes e
serventes, devendo considerar-se as divisőes do trabalho năo como
categorias, mas como ramos e especies do mesmo trabalho;
8.Ş Aboliçăo dos regulamentos das fabricas e manufacturas, como
especie que é de contrato unilateral, em que săo partes os
proprietarios e os miseraveis, tendo os proprietarios, como teem,
liberdade de acçăo para despedir os trabalhadores e appellar para as
leis nos casos de attentados;
9.Ş Egualdade do tempo de trabalho e dos salarios das mulheres e dos
homens;
10.Ş Exclusăo das creanças das fabricas e manufacturas, e relaçăo do
tempo de trabalho dos menores com a sua idade;
11.Ş Aboliçăo do tempo determinado de aprendizagem, e prohibiçăo de
outros misteres estranhos a cada officio;
12.Ş Estabelecimento e eleiçăo de commissőes de exame e vigilancia
compostas de officiaes, que julguem da aptidăo dos aprendizes em
periodos determinados e curtos;
13.Ş Egualdade de tratamento para os aprendizes, como individuos
racionaes, evitando-se assim a educaçăo aviltante que lhes incutem
os costumes da obediencia passiva;
14.Ş Extincçăo dos signaes exteriores de obediencia e submissăo,
como improprios da natureza humana;
15.Ş Exclusăo dos proprietarios e seus representantes das sociedades
de trabalhadores, taes como: monte-pios, cooperativas, de recreio,
instrucçăo e outras, com o fim de evitar a dominaçăo e o servilismo.
* * * * *
Ao mesmo tempo os proletarios, tendo conhecimento da situaçăo
politica da sociedade, constituem-se em partido politico,
determinados a crearem um poder, que modifique as violencias
politicas da classe dominante, fazendo tambem representar nos
poderes do estado os seus interesses de classe, excluidos das
instituiçőes politicas e civis.
O movimento politico da classe dos proletarios é transitorio.
Existirá em quanto existirem classes, subordinando-se ás
circumstancias e necessidades occorrentes.
Presentemente, o modo de effeituar o movimento politico dos
proletarios consiste em modificar o poder legislativo, pela
substituiçăo dos individuos que o compőem, e que representam sómente
a classe e os interesses da classe proprietaria.
O pensamento, a aspiraçăo, o fim, do movimento dos proletarios
constituidos em classe e em partido, é a implantaçăo e a
constituiçăo da sociedade justa. A este movimento tudo é
subordinado, inferior e transitorio.
Os proletarios de todas as naçőes civilisadas, constituindo a
associaçăo internacional dos trabalhadores, da qual nos declaramos
um ramo, effeituam o mesmo movimento, e em cada uma organisam-se e
procedem conformes ás instituiçőes politicas.
Em Portugal, onde os poderes politicos săo constituidos
publicamente, os proletarios procedem dentro das instituiçőes para
realisarem o seguinte:
1.ş
Instituiçăo dos municipios.
_a)_ Constituiçăo dos municipios com todos os contribuintes da sua
circumscripçăo.
Divisăo dos municipios em circulos administrativos, e constituiçăo
d'estes com todos os contribuintes da sua circumscripçăo.
Serem contribuintes todos os individuos maiores que exerçam alguma
profissăo.
_b)_ Celebraçăo de sessőes periodicas, tanto nos municipios como nos
circulos, onde os contribuintes, constituidos em assembléas,
proponham, discutam e resolvam os respectivos interesses publicos.
_c)_ Creaçăo de corpos gerentes, tanto dos municipios como dos
circulos, por eleiçăo dos contribuintes nas assembléas respectivas.
Responsabilidade individual dos membros dos corpos gerentes
municipaes e dos circulos perante as assembléas respectivas, e sua
sujeiçăo á justiça commum.
_d)_ Elaboraçăo dos recenseamentos dos contribuintes, tanto dos
circulos como dos municipios, pelos corpos gerentes respectivos.
Validaçăo dos recenseamentos municipaes para todos os effeitos civis
e politicos, publicos e privados.
_e)_ Administraçăo dos rendimentos dos municipios feita pelos
municipios, e a dos circulos feita pelos circulos, sem dependencia
de poderes centraes, nem de regulamentos, nem de corpos e
auctoridades superiores.
_f)_ Integraçăo dos municipios na administraçăo das suas escolas, dos
hospitaes, cadeias, vias publicas, correios e telegraphos, da sua
circumscripçăo.
_g)_ Repartiçăo e cobrança das contribuiçőes publicas feitas pelos
municipios, e as d'estes pelos circulos ou pelos gremios de
profissőes.
Concurso e ordenados fixos para todos os officiaes de fazenda,
effeituados por cada municipio.
Installaçăo das repartiçőes de fazenda nos edificios municipaes.
Responsabilidade dos officiaes de fazenda perante as assembléas
respectivas, e sua sujeiçăo á justiça commum.
_h)_ Provisăo dos officios de juizes e seus escrivăes, tanto do civel
como do crime, por concurso aberto pelos municipios respectivos.
Eleiçăo dos jurados.
Nomeaçăo dos officiaes de justiça subalternos pelos juizes e
jurados.
Fixaçăo dos vencimentos de todos os officiaes de justiça, tanto
superiores como subalternos, pagos por cada municipio.
Installaçăo dos tribunaes de justiça em edificios municipaes.
Responsabilidade dos officiaes de justiça perante as assembléas, e
sua sujeiçăo á justiça commum.
_i)_ Instituiçăo da policia municipal, regida e paga por cada
municipio.
_j)_ Estabelecimento de escolas de ensino technico de artes e
officios, tanto ruraes como fabris, nos municipios, geridas e
sustentadas por elles.
_m)_ Alimentaçăo, vestuario e objectos de ensino dados pelos
municipios aos menores miseraveis que frequentem as escolas.
--Consequencias:
Abrogaçăo do codigo administrativo, e sua substituiçăo por
disposiçőes geraes no codigo fundamental, isto é, substituiçăo de
leis por instituiçőes, que estabeleçam e garantam as liberdades
politicas, publicas e individuaes, pela extincçăo das camaras
municipaes, das juntas geraes, dos conselhos de districto, dos
governos civis, das administraçőes dos concelhos, das regedorias e
das juntas de parochia.
2.ş
Conformaçăo dos codigos civil, commercial, judicial e penal com as
disposiçőes de egualdade civil e politica estatuidas no codigo
fundamental, abrogando-se no civel a parte que regula as condiçőes
da servidăo e todos os contratos unilateraes.
Revisăo periodica dos codigos.
Aboliçăo do juramento, tanto no fôro politico, como no civil,
judicial e militar.
3.ş
Constituiçăo do poder legislativo com os delegados representantes de
cada municipio, eleitos nas assembléas dos circulos pelos seus
contribuintes.
4.ş
Aboliçăo do recrutamento e das matriculas maritimas.
Serviço militar voluntario.
Sujeiçăo dos militares ás leis e aos tribunaes communs nos casos de
offensas de direitos civis e politicos.
5.ş
Reducçăo de todas as contribuiçőes, tanto para o estado como para os
municipios, a uma unica, directa.
Extincçăo immediata das barreiras, estabelecendo a livre circulaçăo
dos generos alimenticios.
Creaçăo de bilhetes de contribuiçăo divisiveis e vendaveis como os
sellos, para que todos possam opportunamente compral-os durante o
anno e pagarem assim a sua contribuiçăo.
6.ş
Extincçăo dos privilegios a companhias e associaçőes. Rescisăo de
seus contratos com o estado, e sua sujeiçăo e de seus membros á
justiça commum.
7.ş
Extincçăo dos privilegios, subsidios ou mercęs, subvençăo ou
intervençăo do estado e dos municipios a individuos, a empresas, a
estabelecimentos e a instituiçőes industriaes, scientificas,
litterarias e religiosas.
8.ş
Taxaçăo de todos os serviços publicos ao estrictamente necessario
para o custeamento das suas despezas correntes.
III
A COOPERAÇĂO DOS TRABALHADORES
COOPERAÇĂO E SOLIDARIEDADE.--INSTRUCÇĂO E ASSOCIAÇĂO.--O
INTERNACIONALISMO.--AS COOPERAÇŐES OPERARIAS E ALGUNS DOS SEUS MAIS
DEDICADOS E FERVOROSOS APOSTOLOS.---CESAR DE PAEPE, ANSEELE, JEAN
VOLDERS, LOUIS BERTRAND.
A solidariedade operaria năo é senăo um resultado da cooperaçăo. Disse-o
Cesar de Paepe, num discurso eloquentissimo, pronunciado no congresso
internacional cooperativo de Paris.
«Năo ha, na Belgica, um Lassalle e um Schultze inimigos, exclamava o
illustre chefe do socialismo belga; ha sim! um partido operario que é,
ao mesmo tempo, cooperativista, republicano e socialista.»
E accrescentou:
«Os cooperadores belgas associaram-se sempre ás manifestaçőes em favor
do suffragio universal.
«As nossas sociedades cooperativas năo tęem por fim realisar interesses
para alguns individuos, senăo, ao contrario, desenvolver os sentimentos
de solidariedade entre os seus membros.»
A cooperaçăo dos trabalhadores póde e deve tomar-se em dois sentidos
differentes: um sentido restricto e um sentido amplo e generico. No
primeiro caso, a cooperaçăo limita-se a explorar as cooperativas
sociaes, quer sejam as de producçăo, quer sejam as de consumo, quer
sejam as de credito. No segundo caso, a cooperaçăo estende-se alęm das
fronteiras e affirma-se pelo principio da solidariedade de classe, no
combate quotidiano contra o capitalismo e o industrialismo, em favor das
reivindicaçőes operarias.
[Gravura: Cesar de Paepe]
Do mesmo modo que para todo o cidadăo ha duas patrias--a patria onde
cada um exerce a sua actividade e essa outra grande patria, a que
estamos vinculados pelos nossos ideaes e pelas nossas aspiraçőes, que se
chama humanidade; assim tambem a cooperaçăo dos trabalhadores tem de
ser, ao mesmo tempo, nacional e internacional: nacional pela affirmaçăo
da solidariedade operaria, em cada paiz, e internacional pela
affirmaçăo da solidariedade com os companheiros de todos os paizes, de
todas as raças, de todas as religiőes e de todas as linguas.
Da legislaçăo internacional do trabalho, fizeram os socialistas o artigo
1.ş do seu programma. O internacionalismo manifesta-se, a cada passo,
nas relaçőes entre os povos. A facilidade de communicaçőes tem
concorrido extraordinariamente para isso. Mas ao facto material da
rapidez nas viagens, devemos juntar o facto moral da transformaçăo,
realisada nos velhos processos politicos e da corrente, cada vez mais
intensa e cada vez mais poderosa, das idéas modernas.
_Proletarios de todo o mundo, uni-vos!_ Era esta a divisa de Karl Marx,
e é esta a divisa do socialismo revolucionario.
Mas a verdadeira uniăo só poderá conseguir-se pelas associaçőes de
classe. No dia em que o proletariado tiver realisado este grande e
supremo _desideratum_, n'esse dia terá soado a hora da sua emancipaçăo.
E deante do formidavel exercito, năo haverá nem canhőes Krupp nem
espingardas Kropateschaek que valham ou prevaleçam. Isto matará aquillo.
O proletariado organisado matará a realeza armada. O trabalhador vencerá
o soldado. O homem livre e consciente transformará o velho mundo,
enthronisando a paz e a justiça, no logar onde campeava a iniquidade e a
desegualdade social.
A beneficencia publica e particular, a caridade official e outros
palliativos de egual natureza, săo impotentes para resolver o problema,
porque humilham aquelle que se pretende beneficiar, rebaixam os
caracteres, engendram a preguiça e entreteem a mendicidade.
Năo se trata apenas, de soccorrer os pobres: o que se trata é de
supprimir a pobreza. E para isso é mister que a sociedade, em vez de uma
madrasta odienta, se converta em măe protectora e disvelada; é mister
que a todos, sem excepçăo, seja garantido o direito á instrucçăo e o
direito ao trabalho, que săo uma consequencia do direito á existencia; é
mister que a educaçăo e os meios de produzir năo constituam o privilegio
de uma minoria rica e favorecida da sorte; é mister, năo só que todos
sejam eguaes perante a lei, senăo tambem que todos sejam eguaes perante
a sociedade, pelo desenvolvimento physico e moral, pela posse dos
instrumentos de producçăo e pelo gozo do credito; é mister, emfim, que o
altruismo e a bondade se sobreponham ao egoismo e á crueldade das
modernas sociedades.
* * * * *
AS COOPERATIVAS OPERARIAS
Ha quem pense que as cooperativas operarias podem concorrer
poderosamente para a extincçăo da miseria. Năo somos d'esse numero. As
cooperativas, (e quando fallo em cooperativas, refiro-me particularmente
ás cooperativas de consumo) podem, quando muito, attenuar, e attenuam,
com effeito, as condiçőes de existencia do proletariado. Mas d'ahi, a
resolver o problema da sua emancipaçăo, vae um abysmo.
Quer isto dizer que tenham sido estereis todas as tentativas feitas para
manter e sustentar as cooperativas? De modo algum. Entre os que tudo
pedem e esperam da iniciativa das corporaçőes operarias e os que tudo
esperam do Estado, entre os dois exclusivismos, ha um meio termo que
Malon synthetisava nas palavras de um velho proverbio: _Aide-toi, les
pouvoirs publics t'aideront._
Os esforços cooperativos e corporativos, do mesmo modo que a procura de
uma melhoria immediata, devem ter por alvo a educaçăo administrativa e a
organisaçăo dos trabalhadores, para se chegar á aboliçăo do salariado,
com o concurso dos poderes publicos, influenciados primeiro e
conquistados depois.[3]
Tal era o programma do pae da cooperaçăo, o illustre Robert Owen; mas
năo foi esta a politica seguida pelos seus successores, que mutilaram a
ideia do mestre, fazendo da cooperaçăo um _fim_, quando năo é nem deve
ser senăo um _meio_.
* * * * *
OS APOSTOLOS DA COOPERAÇĂO
Durante muito tempo, foi grande e profunda a inimisade entre
cooperativistas e socialistas, se bem que o principio da cooperaçăo
tenha uma origem caracterisadamente socialista, tendo sido, como já
dissemos, Robert Owen o seu primeiro apostolo. A elle se devem as
primeiras tentativas de cooperaçăo; foi elle quem inventou a palavra e
quem propagou a theoria. Robert Owen, o inventor e o apostolo das
_sociedades cooperativas_--escrevia d'Assaily que para todos deve ser
insuspeito, pela sua tendencia conservadora e retrograda--pretendeu
realisal-as n'um estabelecimento, onde o trabalho collectivo abraçasse,
ao mesmo tempo, a agricultura e a industria; onde o espirito tivesse,
como o corpo, a sua parte de legitima satisfaçăo; onde o trabalho fosse
voluntario; onde năo fosse punida a minima infracçăo; onde năo fossem
obrigatorias quaesquer privaçőes, e onde o respeito dos direitos fosse o
resultado d'um mutuo interesse.»
A idéa de Robert Owen era demasiadamente idealista e synthetica para o
proletariado da Inglaterra. Mas, pratico como é, o operario inglez
descobriu-lhe logo o lado util, e assim nasceram as cooperativas de
consumo, que, após algumas tentativas, chegaram a ter um resultado
brilhante nos _Pionniers de Rochdale_.
Só é efficaz a cooperativa de consumo; a de producçăo é impotente para
luctar com outras emprezas congeneres, attenta a difficuldade em obter o
capital que é, por via de regra, superior ás forças operarias; e a de
credito, por seu turno, tropeça praticamente com embaraços e obstaculos
insuperaveis.
Devemos, porém, repetir, com Malon, que todas as fórmas cooperativas
servem, em geral, para preparar a educaçăo administrativa do
proletariado, tornando-o mais apto para as reivindicaçőes de ordem
politica e social.
Os socialistas fazem mal, rebaixando e combatendo as tentativas
cooperativistas. Do mesmo modo que a iniciativa individual só por si
seria impotente, assim tambem a acçăo dos poderes publicos năo poderá
ser nunca verdadeiramente benefica, se năo fôr secundada pelos esforços
collectivos de um proletariado já familiarisado com as difficuldades
administrativas das organisaçőes politicas e economicas.
Sob este ponto de vista, a cooperaçăo, verdadeira escola de pratica
industrial e commercial, desembaraçando-se pouco a pouco do primeiro
exclusivismo, é uma excellente preparaçăo para as reformas sociaes, que
o proletariado terá um dia de arrancar aos poderes publicos.
N'uma palavra, cooperadores e socialistas săo militantes na mesma obra
de renovaçăo e de justiça. Os trabalhos de uns e as luctas dos outros
completam-se mutuamente, e a sua uniăo apressaria o dia, por todos
desejado, da emancipaçăo humana.
Associamos-nos pois, de todo o coraçăo ao generoso appęlo dirigido aos
socialistas por Louis Bertrand, que é, ao mesmo tempo, um dos primeiros
vulgarisadores do collectivismo e um cooperador pratico.
«Á obra pois, companheiros, á obra! Năo esqueçais nunca que qualquer
nova sociedade cooperativa é um passo a mais para a sociedade do futuro,
a sociedade que sonhamos, feita de justiça e de solidariedade, e na
qual todos encontrarăo o seu bem-estar em troca de um trabalho facil e
remunerador.
«Mas năo olvideis, sobretudo, que o fim a attingir năo se limita a
beneficiar ou a fazer beneficiar os operarios de alguns francos por
semana ou por mez, e que é preciso ter sempre em vista o fim supremo: a
libertaçăo completa da classe operaria pela suppressăo do salariado e
pela applicaçăo das doutrinas socialistas.»[4]
[Gravura: Louis Bertrand]
Na cooperaçăo belga destacam-se cinco grandes realisaçőes, porventura as
primeiras e as mais solidas realisaçőes do principio cooperativista: a
sociedade do _Vooruit (ŕvante)_, de Gand; o _Progrés_, de
Jolimont-La-Louvričre; a _Maison du Peuple_, de Bruxellas; o _Werker_,
d'Anvers; e a _Populaire_, de Liége.
A mais importante, o _Vooruit_, possue uma padaria, officinas de
calçado, de vestuario, de quinquilheria, _armazens_ de carvăo e um
café restaurante onde é prohibida a venda de bebidas alcoolicas. O
_Vooruit_ possue tambem uma caixa de soccorros, sendo os doentes curados
gratuitamente. O jornal que se intitula _Vooruit_ tira por dia 10:000
exemplares. A sociedade _Vooruit_ tem 40 administradores e 150
empregados, e fazem negocios 2.500.000 francos por anno. O centro de
estudos, as camaras syndicaes, as sociedades de musica e de gymnastica,
constituem outras tantas secçőes da cooperativa que tem servido de
modelo a todas as outras cooperativas belgas.
[Gravura: Anseele]
Anseele é o gerente do _Vooruit_, como Jean Volders é o gerente da
_Maison du Peuple_. A elles se deve uma parte da propaganda socialista
da Belgica, porque as cooperativas, n'aquelle paiz, apresentam uma
feiçăo eminentemente revolucionaria e constituem, para o proletariado,
uma formidavel arma de combate. Quantas _grčves_ năo teem sido
sustentadas com o păo e o carvăo distribuido pelas cooperativas?! É que
os belgas fizeram das cooperativas de consumo, ao mesmo tempo, um
elemento de interesse pessoal, de resistencia politica e de propaganda
socialista. Os dividendos a distribuir a cada associado constituem o
fundo social do partido. E d'este modo, tăo digno de ser imitado,
organisaram os socialistas belgas o mais poderoso e valente exercito que
temos visto e admirado, o grande e honrado exercito da sciencia e do
trabalho, o invencivel exercito do povo, o exercito do futuro!
[Gravura: Jean Volders]
Os cinco grupos, acima referidos, năo comprehendem, ainda assim, todo o
movimento cooperativo belga, que, em 1889, havia attingido os algarismos
seguintes:
Cooperativas alimenticias 53
Padarias 36
Bancos populares 19
Sociedades de producçăo 18
Syndicatos agricolas 15
Cooperativas de industriaes e commerciantes 10
Pharmacias populares 6
Uniőes de credito 5
Diversas sociedades 17
Total 179
E Jean Volders năo descança um momento, percorrendo a Belgica em missăo
de propaganda, uma e mais vezes por anno, espalhando a ideia e
attrahindo proselytos á sua generosa causa!
Uni-vos pois, trabalhadores! Organisae-vos e defendei-vos, creando
escolas, estabelecendo cooperativas, fundando associaçőes de classe e
preparando-vos por todos os meios, para o supremo combate contra os
vossos exploradores e os vossos inimigos. Sois hoje o numero e sereis
ámanhă a qualidade! Para isso uma unica cousa bastará:--que vos
associeis, nacional e internacionalmente. Na associaçăo está a vossa
força. Usae d'ella! Reuni os vossos elementos. Instrui, trabalhae,
educae-vos. Sereis os vencedores. O mal năo está n'este ou n'aquelle
paiz: está na sociedade em geral. Os governos recuam e os reis e
imperadores pensam que a salvaçăo está na morte ou no desapparecimento
dos insubmissos e rebeldes. Puro engano! Os effeitos hăo ser os mesmos,
emquanto subsistirem as mesmas causas. Eliminae o mal, pela vossa
perseverança na lucta e pela vossa constancia no combate. Formae,
adestrae os vossos batalhőes. Sois regimento e sereis exercito. Tendes
por vós a razăo e a justiça. Confiae no futuro. Que a voz de commando
seja só uma e que a obediencia seja geral e completa!
O proletariado é só um, tem um só interesse e uma só aspiraçăo. Năo
conhece raças, nem linguas, nem religiőes. No dia em que elle quizer,
nenhuma outra vontade lhe será superior. A humanidade é o supremo ideal,
e, pensando n'ella, abstrahimos de nós mesmos, e das miserias e torpezas
do mundo.
IV
ARBITRAGEM INTERNACIONAL
SOCIEDADES DA PAZ.--EMILE ARNAUD.--O MILITARISMO.--DOMELA
NIEUWENHUIS.--ARBITRAGEM INTERNACIONAL.--MICHEL REVON.--A FEDERAÇĂO E OS
SEUS APOSTOLOS.--NACIONALISMO E INTERNACIONALISMO.--ALFREDO
NAQUET.--RENÉ GOBLET E AUGUSTO VACQUERIE.--A GUERRA VENCIDA PELA
ARBITRAGEM.--O DESARMAMENTO.--EDUARDO VAILLANT.
O movimento em favor da paz, vae-se accentuando de dia para dia. É
consolador registar o facto e apreciar as suas consequencias.
Sobe a mais de cincoenta o numero das sociedades da paz de que temos
conhecimento e que realmente funccionam.
ALLEMANHA
_Sociedade da Paz_ (presidente o conde Bodner)--_Wiesbaden._
_Sociedade da Paz em Berlim_ (presidente o dr. Mühling)--Berlim.
_Sociedade da Paz em Ulm_ (presidente H. Eberle)--_Neu-Ulm._
_Sociedade da Paz em Francfort_ (presidente Franz Wirth)--_Francfort_.
_Sociedade da Paz em Constança_ (presidente professor
Martens)--_Constanz_.
INGLATERRA
_International Arbitration and peace association_ (presidente Hodgson
Pratt)--_London_.
_Peace Society_ (presidente Joseph Pease)--_London_.
_Local Peace Association_ (presidente M.elle Peckover)--_Wisbech_.
_Peace Society of Liverpool_ (presidente Thomas Suape)--_Liverpool_.
_International Arbitration League_ (presidente Cremer)--_London_.
_Local Peace Association_ (presidente Rowntree)--_York_.
_Woman's Peace and Arbitration Society_ (presidente
Thompson)--_Birkenhead_.
AUSTRIA
_Oesterr. Friedensgesselschaft_ (presidente a baroneza de
Suttner)--_Vienna_.
_Societé Universitaire de la paix_ (presidente dr. Steckel)--_Vienna_.
BELGICA
_Section belge de l'arbitrage et de la paix_ (secretario
Lafontaine)--_Bruxellas_.
DINAMARCA
_Association pour la neutralisation de la Danemark_ (presidente
Frederico Bajer)--_Copenhague_.
FRANÇA
_Ligue internationale de la paix et de la liberté_ (presidente Emile
Arnaud)--_Luzarches_.
_Societé française de l'arbitrage entre nations_ (presidente Frederic
Passy)--_Neuilly_.
_Ligue du Bien public_ (presidente Pierre Potonié)--_Fontenay_.
_Societé de la paix du familistére de Guise_ (presidente
Bernardot)--_Guise_.
_Societé de la paix perpétuelle par la justice internationale_
(presidente Philippe Destrem)--_Paris_.
_Groupe des amis de la paix du Puy-de-Dóme_ (presidente
Pardoux)--_Clermont-Ferrani_.
_Association des jeunes amis de la paix_ (presidente Dumas)--_Paris_.
_Societé universitaire internationale_ (presidente Dumas)--_Paris_.
_Societé de la paix d'Abbeville et de Ponthieux_ (presidente Jules
Tripier)--_Eancourt_.
_Union Méditerranéenne_ (presidente Gromier)--_Paris_.
_Comité de la Sarthe_ (presidente Destriché)--_Sarthe_.
_Société de la paix de Felletin_ (presidente Abbé Pichot)--_Felletin_.
HOLLANDA
_Pax Humanitate_ (presidente Schook)--_Amsterdam_.
_Société Générale de la paix_ (presidente Moddermann)--_Haya_.
ITALIA
_Union Lombarda_ (presidente Theodoro Moncta)--_Milăo_.
_Comité Romano da Paz_ (presidente Boughi)--_Roma_.
_Sociedade da paz de Turim_ (presidente Armandon)--_Turim_.
_Sociedade da paz de Palermo_ (presidente Aguanno)--_Palermo_.
_Sociedade da paz e da arbitragem de Perugia_ (presidente Leopoldo
Tiberi)--_Perugia_.
SUECIA
_Sociedade da Paz_ (presidente Wawrinsky)--_Stockholmo_.
SUISSA
LIGA INTERNACIONAL DA PAZ E DA LIBERDADE
--_Comité central_ (secretario M.me Goegg)--_Genčve_.
--_Secçăo de Neuchatel_ (presidente Gustavo Renaud)--_Neuchatel_.
--_Secçăo de Berne_ (presidente W. Marcussen)--_Berne_.
--_Secçăo de Saint Gall_ (presidente Schimd)--_Saint Gall_.
--_Secçăo de Zurich_ (presidente Gustavo Vogt)--_Zurich_.
--_Secçăo de Genebra_ (presidente dr. Cordés)--_Genčve_.
ESTADOS UNIDOS DA AMERICA
--_Sociedade americana da paz_ (presidente dr. Trueblood)--_Boston_.
_Sociedade christă para a arbitragem da paz_ (presidente
Wood)--_Philadelphia_.
_Associaçăo nacional da arbitragem_ (presidente
Gardener)--_Washington_.
_National Association for the Promotion of Arbitration_ (presidente
Lockwood)--_Washington_.
_Associaçăo da arbitragem da California_ (presidente Berwick)--_Monterey
(California)_.
_Universal Peace Union_ (presidente Loye)--_Philadelphia_.
_Peace Department of the N. W. C. T. U._ (presidente Bailey)--_Maine U.
S. A._
_Peace Association of friends in America_ (Daniel Whill
secret.)--_Richmond, Ind. U. S. A._
_South Carolina Peace Society_--_Columbia S. C._
_Illinois Peace Society_ (presidente Allen)--_Chicago III._
_Connecticut Peace Society_ (Whipple, secret.)--_Old Mistic Conn. U. S. A._
_Rhode Island Peace Society_ (Robert, secret.)--_Providence R. I. U. S. A._
_Friend's Peace Association of Philadelphia_ (presidente
Wickersham)--_Philadelphia_.
_National Peacy Society_ (presidente Ellen Lease)--_Topeka (Kausao) U.
S. A._
A paz constitue hoje o supremo _desideratum_ da humanidade trabalhadora.
Mas a paz tem um complemento indispensavel--a liberdade e a justiça.
D'este modo o antigo adagio: _Si vis pacem, para bellum (Se queres a paz
prepara a guerra)_, que havia sido substituido por est'outro, năo menos
illusorio: _Si vis pacem, para pacem (Se queres a paz prepara a paz)_,
foi transformado, ao sopro da revoluçăo, pelo seguinte principio: _Si
vis pacem, para libertatem (Se queres a paz prepara a liberdade)_.
Com o progresso dos tempos, reconheceu-se porém, que a paz pela
liberdade era ainda pouco, e Aurelio Saffi, traduzindo as aspiraçőes dos
philosophos e pensadores da sua época, estabeleceu o lemma da _paz pela
liberdade e pela justiça (si vis pacem, para libertatem et justitiam)_.
Mais tarde, Carlos Lemmonier reforçou esta formula, demonstrando que a
paz, assim como a liberdade, năo devia ser um _fim_, mas apenas um
_meio_. E os philantropos, aceitando a observaçăo, principiaram entăo de
apregoar a paz _pela_ liberdade e _por amor_ da justiça.
[Gravura: Emile Arnaud]
A formula de hoje--diz ajuizadamente Emile Arnaud--a unica que
corresponde ao estado actual da Europa e á situaçăo especial de cada
paiz, é a seguinte: _Si vis justitiam, para pacem (Se queres a justiça,
prepara a paz)_.
E, uma vez que fallamos em Emile Arnaud, o glorioso continuador da
doutrina de Carlos Lemmonier, devemos dizer que dos apostolos e
evangelistas da paz, é elle um dos mais ardentes, um dos mais convictos
e um dos mais activos. A _Liga Internacional da Paz e da Liberdade_ está
organisada como nenhuma outra sociedade, com ramificaçőes em toda a
Suissa e secçőes e _comités_ em todos os outros paizes da Europa.
* * * * *
O MILITARISMO.--DOMELA NIEUWENHUIS.
Em caso de guerra, qual deverá ser a attitude do partido operario
socialista?--perguntava-se no congresso de Zurich.
Domela Nieuwenhuis, o sympathico e benemerito chefe do socialismo na
Hollanda, já havia respondido a esta pergunta no congresso de Bruxellas,
em 1891.
Em caso de guerra, aconselhava Nieuwenhuis a _proclamaçăo de uma gréve
militar e de uma gréve geral_. Esta mesma idéa havia já sido enunciada
na mesma cidade de Bruxellas, em 1868, por occasiăo do Congresso da
Associaçăo Internacional dos Trabalhadores. Por unanimidade havia sido
approvada a resoluçăo seguinte:
«O congresso recommenda, sobretudo, aos trabalhadores a suspensăo de
todo o trabalho, no caso em que uma guerra viesse a explodir nos seus
respectivos paizes. O congresso conta sufficientemente com o espirito de
solidariedade, que anima os trabalhadores, que năo se negarăo a prestar
o seu apoio a esta guerra dos povos contra a guerra.»
Cesar de Paepe propôz dois meios:
1.ş A recusa em satisfazer o serviço militar, ou, o que vale o mesmo, a
gréve geral;
2.ş A resoluçăo definitiva da questăo social, ou, por outros termos, a
revoluçăo social na Europa.
O militarismo năo póde ser combatido com simples protestos. Á guerra é
mister oppôr a guerra, diz muito bem Domela Nieuwenhuis. Já era este
tambem o grito de Victor Hugo. Guerra á guerra! Morte á morte!
[Gravura: Domela Nieuwenhuis]
Năo basta só condemnar a guerra. É mister impedil-a, por todos meios,
evital-a e _deshonral-a_, ainda na phrase do Mestre.
No manifesto, feito por occasiăo da guerra civil em França, e redigido
por Karl Marx, o conselho geral da Internacional declarou que, no longo
curso da historia, uma unica guerra podia justificar-se--era a guerra
dos escravos contra os senhores. Eis o motivo porque, em caso de guerra,
nós devemos responder, recusando-nos ao serviço militar, quer dizer,
proclamando a guerra civil. O partido socialista quer acabar com as
guerras nacionaes, substituindo-as pela guerra internacional, cujo
ultimo resultado será a emancipaçăo do proletariado.
Propômos a gréve geral, sobretudo nos officios e profissőes, que tenham
qualquer relaçăo com a guerra, porque isso póde ser de grande
utilidade.
Com effeito, se, em caso de proclamaçăo de hostilidades, os operarios
fizerem tudo quanto poderem, para destruir as rędes telegraphicas, os
_rails_, as machinas, numa palavra para impedir o encontro dos
exercitos, é claro que a guerra se tornará impossivel.
Apesar de tudo--concluia Domela Nieuwenhuis[5]--continuaremos a nossa
propaganda, para fazer germinar a idéa da _recusa de serviço em caso de
guerra_, acompanhada de uma _grčve_ geral. Esta idéa fará o seu caminho.
O proletariado deve arriscar o seu sangue unicamente contra o seu unico
e verdadeiro inimigo: _o capitalismo_.
* * * * *
ARBITRAGEM INTERNACIONAL.--MICHEL REVON
Para acabar com a guerra, propőe Michel Revon, pelo seu lado, e com elle
outros notaveis pensadores, á frente dos quaes se encontra Frederico
Passy, a arbitragem internacional. Atravessamos um periodo de
transiçăo--escreve elle[6]--que póde durar ainda dois ou
tres annos, mas que năo poderá prolongar-se. Em dez annos, ou a guerra
geral terá arruinado a Europa, ou o militarismo se haverá tornado
impotente. A lucta entre o espirito da guerra e o espirito da paz, está
por ora indecisa. O momento «psychologico» poderá surgir em 1894, como
em 1895 ou em 1896.
Em 1900 é que năo.
Segundo o criterio desenvolvido por Michel Revon no seu bello livro, a
guerra teve outr'ora a sua rasăo de ser. Foi já um phenomeno divino, mas
é hoje um anachronismo e uma brutalidade sem nome. Em tres seculos os
armamentos actuaes pertencerăo aos museus archeologicos.
Săo precisos os exercitos permanentes, para quę?--Para que os ricos
durmam descançados, como dizia Balzac?
É precisa a guerra para quę? Para devastar e exterminar a humanidade?
N'esse caso, proclamem tambem as vantagens das epidemias que dizimam as
populaçőes e das grandes catastrophes que enchem de victimas as
localidades.
A guerra só se justificava entre povos barbaros, em plena noite da
historia.
Vergniaud pinta-nos effectivamente os povos, combatendo durante a noite,
como amigos ou irmăos que se năo conhecessem, mas promptos a
abraçarem-se e a fraternisarem, desde que a luz, descobrindo-os, os
tornou conhecidos uns dos outros.
Quem é que năo conhece o obra prima de Proudhon:--a Justiça e a Vingança
perseguindo o crime? A victima jaz por terra; o assassino foje; no
ambiente azulado da noite, entrevęem-se, porém, as duas deusas
agitando-se, terriveis e fataes, compasso seguro e tranquillo;
ellas sabem perfeitamente, as immortaes, que, cedo ou tarde, o criminoso
lhes hade cahir nas măos, porque nenhum ainda lhes escapou. Esta
perseguiçăo dramatisada do mal pelo direito, esta vibrante condemnaçăo
d'esse hediondo crime que se chama a guerra, esta passagem formidavel da
vingança e da justiça de Deus, năo é outra cousa, no fundo, senăo a
propria revoluçăo da civilisaçăo humana. É, n'uma palavra, a verdade
suprema da historia, o seu principio de vida e o seu mais salutar
ensinamento.
Para todos aquelles que, estudando a historia, observaram as duas
tendencias que nos offerecem as civilisaçőes da antiguidade--a tendencia
para a paz e a tendencia para a guerra, n'uma lucta épica, semelhante á
lucta entre a morte e a vida; para aquelles que, analysando o
christianismo, as perturbaçőes da edade média, e o esforço immenso do
papado, chegaram emfim, aos tempos modernos, e á transformaçăo dos
Estados europeus, para esses năo póde a arbitragem internacional
apresentar a minima duvida, por isso que ella năo é senăo o resultado
dos progressos alcançados pelo direito positivo moderno, que nol-a
apresenta em nossos dias, na sua preparaçăo social, na sua elaboraçăo
juridica e nas suas applicaçőes.
A arbitragem é, no dizer de Revon, uma reforma absolutamente necessaria,
muito possivel de realisar, mas, ao mesmo tempo, de uma difficuldade
extrema, visto como a sua pratica depende năo só de uma transformaçăo
moral, economica, juridica, e sobretudo do meio em que terá de se
desenvolver, senăo tambem do funccionamento de uma jurisdicçăo
internacional, sob todas as suas fórmas variadas, insensiveis, e
necessariamente ligadas umas ás outras, desde a simples arbitragem
facultativa até ao tribunal geral, no triplice ponto de vista da sua
organisaçăo, da sua competencia e do seu processo.
* * * * *
A FEDERAÇĂO E OS SEUS APOSTOLOS
«A guerra é um facto barbaro, e os exercitos săo instituiçőes barbaras,
disse-o Victor Considérant. O principal dogma da republica
democratica--_Liberdade, Egualdade, Fraternidade_--constitue, com a
guerra e os exercitos, uma triplice contradicçăo. O progresso nos povos
deve contribuir para o desapparecimento da guerra, transformando os
exercitos _destructores_ em exercitos _productores_.»
Herbert Spencer, no fim do terceiro volume dos seus _Principios de
Sociologia_, resume do seguinte modo o seu profundissimo estudo sobre as
instituiçőes politicas:
«A possibilidade de um estado social superior, tanto em politica, como
em geral, depende de um facto fundamental: a cessaçăo da guerra. Tal é a
conclusăo mais importante a que chegam todas as partes do nosso
trabalho. Depois de tudo o que dissémos, é inutil insistir ainda sobre
os effeitos da persistencia do militarismo, o qual, conservando as
instituiçőes adaptadas ás suas necessidades, impede ou neutralisa a
transformaçăo d'essas instituiçőes ou d'essas leis n'um sentido mais
equitativo, ao passo que a paz permanente ha de ser seguida
necessariamente por melhoramentos sociaes de toda a especie.
«A guerra deu tudo o que podia dar. A occupaçăo da terra pelas raças
mais poderosas e intelligentes é um beneficio, já realisado em grande
parte; o que está por conquistar năo reclama senăo uma cousa: a pressăo
crescente que exerce uma civilisaçăo industrial sobre uma barbarie que
recúa. A integraçăo que fusiona grupos simples em grupos compostos, como
resultado de um estado de guerra, e que conduz no fim de certo tempo á
formaçăo das grandes nacionalidades, é uma operaçăo que parece ter
tocado o seu termo. Os imperios formados de povos estranhos uns aos
outros, desmembram-se ordinariamente, quando desapparece a força
coerciva que os mantinha. E, ainda quando mesmo ficassem unidos, năo
poderiam jámais constituir um todo harmonioso. Uma _federaçăo pacifica_
é o unico processo de _consolidaçăo_ que se póde prevęr.»
Tal é a opiniăo do grande philosopho. Para elle a paz é o fundamento da
moral.
Era esta tambem a opiniăo de Kant que consagrou a moral como a base de
toda a politica. Em sua opiniăo, todo o direito civil, politico ou
internacional constitue uma ligaçăo entre duas vontades, e baseia-se no
respeito reciproco das liberdades. Quer se trate de dois povos, quer de
duas pessoas, o estado de guerra significa estado de natureza, e é
um dever sahir d'elle. Sob o ponto de vista da rasăo, năo ha senăo
um meio de tirar os Estados da situaçăo violenta em que se encontram,
renunciando á liberdade anarchica dos selvagens, e submettendo-os ao
imperio de leis mais liberaes, afim de formar assim um Estado de naçőes
(_civitas gentium_) que possa augmentar insensivelmente, até abraçar,
pouco a pouco, todos os povos da terra.
Será chimerico este ideal de paz? Năo, responde Kant, por isso que é
obrigatorio.
E que terá de realisar-se, prova-o năo só o inevitavel progresso do
direito, senăo tambem o progresso dos interesses.
Os interesses economicos deverăo tornar a guerra impossivel. A natureza
garante a paz, pelo simples equilibrio das paixőes humanas.
A federaçăo dos povos năo será só o desarmamento dos reis e imperadores;
será tambem o aniquilamento da guerra.
No dia em que todos os cidadăos souberem conciliar, no seu coraçăo, a
idéa de patria e a idéa de humanidade, n'esse dia a paz pela federaçăo
haverá triumphado definitivamente no mundo.
O que torna os povos inimigos uns dos outros, é o sentimento de
nacionalidade, levado até á barbarie. Mas o homem moderno é
essencialmente cosmopolita. O amor pela patria năo exclue o amor da
humanidade. Ao contrario, estes dois sentimentos completam-se e
identificam-se, num mesmo ideal e n'uma mesma aspiraçăo de progresso. Da
comprehensăo d'este principio deriva, a nosso ver, toda a moderna
philosophia social.
Dir-nos-hăo, talvez, que năo somos patriotas. A esta accusaçăo responde
Alfredo Naquet, o grande e glorioso pensador, n'uma soberba carta que
nos dirigiu, a proposito da _Federaçăo Iberica_:
[Gravura: Alfredo Naquet]
«Năo! se o patriotismo é feito de um espirito estreito e sectario, e á
custa do odio dos outros povos e de aspiraçőes militares--eu năo sou
patriota.
«Mas se o patriotismo consiste em amar profundamente o paiz onde
nascemos, e onde exercemos a nossa actividade, n'esse caso sou patriota.
«Amo apaixonadamente a França. Amo-a porque foi no seu espirito que
moldei o meu cerebro, e porque as minhas aspiraçőes, os meus
sentimentos, e os meus instinctos, n'ella se desenvolveram; amo-a porque
ella constitue um factor indispensavel do grande trabalho humano; e,
mesmo por cosmopolitismo, teria ainda de ser patriota. Amo-a bastante
para tudo sacrificar por ella e pela sua defesa no dia em que fosse
necessario--a minha fortuna, a minha liberdade e a minha vida.
«Mas estou convencido que a patria europeia será tăo superior ás
patrias de hoje, como a França o é á Borgonha, a Hespanha á Andaluzia, e
o Reino-Unido á Inglaterra ou á Escocia.
«E, no dia em que fôr possivel substituir a patria nova ás antigas
patrias, sem prejuizo do amor e das homenagens que estas nos merecem,
n'esse dia, entre o que foi grande e o que deverá ser ainda maior, a
minha escolha far-se-ha sem hesitaçăo.
«Năo tenho a esperança de assistir a esse espectaculo radioso. É
provavel, quem sabe? que eu morra francez, pensando quasi
exclusivamente, além das minhas meditaçőes philosophicas, na defesa, na
grandeza e na prosperidade d'este bello e nobre paiz. Mas invejo
aquelles que tiverem de assistir á creaçăo dos Estados-Unidos da Europa.»
E pensam assim todos os grandes pensadores modernos. No estabelecimento
de uma _Federaçăo occidental_, baseava Littré toda a politica do futuro.
Emile de Laveleye conclue o seu bello livro _La Démocratie_, pela
apologia de uma _federaçăo fraternal_. Federalista foi Garibaldi, que
presidiu, em 1867, ao primeiro congresso da _Liga Internacional da paz e
da liberdade_; federalista foi Mazzini; federalista foi Victor Hugo. Săo
federalistas todas as sociedades de paz, que, presentemente, existem e
funccionam. Em Italia, como em Hespanha e Portugal, o federalismo ganha
terreno de dia para dia. O proprio sr. Crispi, actual presidente de
conselho de ministros, declarava, n'um dos seus ultimos discursos que
era para a federaçăo que os povos caminhavam. Em França, săo muitos os
partidarios da federaçăo. Citemos, principalmente, dois--um por ser
o representante destas idéas no parlamento, e outro por ser, na
imprensa, o seu glorioso interprete. Refiro-me a René Goblet e a Augusto
Vacquerie.
* * * * *
RENÉ GOBLET
Para bem se apreciar esta altissima personalidade, seria necessario
fazer a historia da politica franceza d'estes ultimos vinte annos.
Eleito deputado á Assembléa Nacional em 1871, Goblet nunca mais deixou
de pertencer ao parlamento, a năo ser no periodo que decorreu desde as
eleiçőes geraes de 1889 até á sua eleiçăo para o senado em 1891.
[Gravura: René Goblet]
Goblet pensa, e muito bem, que a republica é mais alguma cousa do que
uma simples mudança de pessoal governamental, e que deve, sob pena de
morte, tirar todas as consequencias do seu principio, correspondendo
plenamente á confiança que o povo n'ella deposita. E eis ahi o motivo
porque năo duvidou aproximar-se dos socialistas. Mudar de instituiçőes,
unicamente para beneficiar meia duzia de favorecidos de um dado
partido ou de uma determinada politica, é cousa que năo póde merecer o
sacrificio do povo. Se, com a mudança de instituiçőes, se năo póde, ao
mesmo tempo, reorganisar economicamente a sociedade ou remodelar o seu
modo de ser social, a transformaçăo é esteril e sem resultado.
Assim pensa Goblet, e assim deveriam pensar todos os que sinceramente
amam os principios republicanos.
«Duas especies de politica săo possiveis--dizia elle n'um dos seus
maravilhosos discursos: a politica conservadora e a politica de
progresso, que consiste em realisar as reformas politicas, sociaes,
economicas, financeiras e administrativas, que, em todos os tempos,
foram consideradas, como que o programma necessario da democracia
republicana.»
Goblet é republicano socialista, e é, na actual camara franceza, um dos
chefes mais authorisados do glorioso grupo a que pertencem Millerand,
Jaurés, Rouanet, etc., e que pretende a revisăo immediata da
Constituiçăo e a discussăo e approvaçăo de alguns dos primeiros artigos
do programma socialista.
É tambem federalista convicto, e um d'aquelles que acreditam que é no
estado federativo que reside o futuro para as naçőes da Europa. O
problema da guerra só no principio federalista poderá encontrar a sua
soluçăo logica e natural. É esta a sua opiniăo que muito o honra e a que
eu năo posso deixar de prestar a minha respeitosa e profunda homenagem.
* * * * *
AUGUSTO VACQUERIE
Augusto Vacquerie é, em França, o continuador da obra de Victor Hugo.
Jornalista primoroso, poeta e escriptor dramatico applaudidissimo, a sua
vida podia e devia servir de modelo a todos os que ás letras e á
politica se consagram. É um puro, na verdadeira accepçăo da palavra, e
nunca jámais a ambiçăo maculou os seus principios ou a vaidade toldou as
suas aspiraçőes. Propugnador das doutrinas do Mestre, tem sempre
defendido, com enthusiasmo e ardôr, o bello e supremo ideal da creaçăo
dos _Estados Unidos da Europa_, como meio de pôr um termo aos conflictos
internacionaes e de levar os povos á fraternisaçăo universal, pela
pratica e realisaçăo dos principios federaes.
[Gravura: Augusto Vacquerie]
Augusto Vacquerie é hoje, na Europa, um dos principaes e um dos mais
brilhantes apostolos da federaçăo latina, e, como premissa, da federaçăo
iberica. É d'aquelles que acreditam como nós, que só pelo federalismo
poderemos chegar á suppressăo dos exercitos permanentes, e,
consequentemente, á suppressăo da guerra.
* * * * *
A GUERRA VENCIDA PELA ARBITRAGEM
A federaçăo dos povos tornará a guerra impossivel. Mas, emquanto a
federaçăo se năo realisa, urge estabelecer a arbitragem internacional,
como meio pacificador. Está ainda na memoria de todos a decisăo que o
tribunal de arbitragem, constituido pelo tratado de Washington, deu
ácerca das reclamaçőes do Alabama. O conflicto levantado entre os
Estados Unidos e a Inglaterra foi assim regulado de uma maneira
pacifica. O governo inglez acatou a sentença, sendo obrigado a pagar ao
governo americano uma indemnisaçăo de 75 milhőes de francos.
Ora, se a questăo do Alabama poude assim ser resolvida, sem derramamento
de sangue, porque năo hăo de resolver-se, pelo mesmo processo, todas as
questőes internacionaes?
Sob o ponto de vista juridico e sob o ponto de vista politico, é pois,
evidente a necessidade da arbitragem: sob o ponto de vista juridico,
porque, sem um systema de arbitragem, o direito das gentes é um edificio
incompleto; sob o ponto de vista politico, porque a situaçăo actual
exige manifestamente uma soluçăo.
Mas os systemas é que variam; havendo uns que advogam a jurisdicçăo
internacional facultativa, outros que defendem a creaçăo de tribunaes
internacionaes especiaes, outros ainda que săo por um tribunal
internacional geral desprovido de sancçăo, e os ultimos que acceitam o
tribunal internacional geral, mas com sancçăo.
[Gravura: Emile de Laveleye]
Poderá, porém, realisar-se a arbitragem internacional, independentemente
da ideia de federaçăo?
Opinam uns pela affirmativa, sendo outros de opiniăo que só, pela
constituiçăo dos Estados Unidos da Europa, poderemos chegar á realisaçăo
effectiva e immediata da arbitragem.
O sabio professor, Emile de Laveleye publicou, em 1873, um interessante
estudo, sobre as causas actuaes da guerra na Europa, concluindo pelo
estabelecimento de um tribunal internacional. Dois eram os meios
aconselhados pelo eminente publicista, para acabar com o flagello da
guerra: em primeiro logar, mostrando aos povos e convencendo-os, que, em
nenhum caso, teriam a ganhar com a guerra, e, em seguida,
realisando duas grandes reformas juridicas: a elaboraçăo de um codigo
internacional e a creaçăo de um tribunal para o applicar. Este tribunal
seria permanente, reunindo-se todas as vezes que se levantasse um
conflicto internacional, tendo a sua séde na capital de um paiz
neutro--a Suissa ou a Belgica--e sendo composto dos representantes
diplomaticos das potencias, coadjuvados por juristas versados na
sciencia do direito das gentes.
Laveleye era um apostolo da ideia federativa, e propunha este alvitre,
por o considerar de mais facil acceitaçăo por parte dos governos actuaes.
Para aquelles que admittem o principio federalista, o tribunal
internacional năo deve ser senăo um dos orgăos do futuro estado
juridico. Quatro săo as instituiçőes, essenciaes a este systema: uma
convençăo federativa, que garantisse ás naçőes associadas a soberania e
a autonomia de cada uma; uma lei, livremente votada por todas essas
naçőes, e pela qual seriam julgados todos os conflictos, litigios e
difficuldades que se levantassem entre ellas; um tribunal, com membros
eleitos por estas mesmas naçőes, que pronunciasse a sentença em ultimo
recurso sobre as questőes que lhe fossem submettidas; e um poder
executivo, tambem livremente eleito por todas as naçőes, encarregado de
assegurar a execuçăo da lei e as determinaçőes do tribunal. Os
partidarios d'esta doutrina năo visam sómente, por este systema, a
aperfeiçoar o direito internacional ou a estabelecer uma jurisdicçăo
internacional obrigatoria; văo mais alęm e chegam a um resultado
final pela creaçăo dos Estados Unidos da Europa.
A guerra é um crime, condemnado pela moral, pelo direito e pela
philosophia social.
A sciencia e o trabalho exigem o seu desapparecimento immediato.
Como?
Pela arbitragem internacional e pela federaçăo. Entre estados
confederados, a soluçăo impor-se-hia sem difficuldade. Na espectativa
porém, e, em caso de guerra, é dever appellar para a arbitragem, sempre
que o permittam as circumstancias especiaes dos paizes, cujos interesses
se degladiam.
«Ou o desarmamento ou a ruina!»
--É este o dilemma que se levanta, sinistro e ameaçador, ante as
potencias da Europa, cada dia mais sobrecarregadas com a contribuiçăo de
guerra.
Se tal estado continua por mais dez annos, os receios de guerra haverăo
desapparecido, dizia Liebknecht e muito bem; o resultado será, entăo, a
ruina geral, e, como consequencia ainda, a revoluçăo social triumphante
e generalisada a todos os paizes.
Bem sabemos nós que a arbitragem internacional ha de triumphar e ha de
estabalecer-se no mundo, como uma consequencia logica da federaçăo. Mas,
emquanto o actual estado de cousas subsistir, năo seria demais que as
naçőes submettessem as suas contendas a um tribunal arbitral, imitando,
d'este modo, a Inglaterra e os Estados Unidos da America, na questăo
Alabama.
Isto seria possivel, e isto seria, principalmente, humanitario.
O espirito moderno detesta a guerra. Só o trabalho liberta. Só a paz
emancipa. Convertamos os exercitos da destruiçăo em exercitos da
producçăo e da abundancia.
* * * * *
O DESARMAMENTO.--EDUARDO VAILLANT
Depois da morte do general Eudes, e, ainda mais, depois da scisăo que se
deu no partido blanquista, por causa do boulangismo, ficou sendo Eduardo
Vaillant o chefe incontestado do partido communista revolucionario, que
preconisa o emprego da acçăo, da força, da propaganda pelo facto, para
conquistar o poder e fazer cessar as iniquidades sociaes.
Sob a sua iniciativa, porém, a concepçăo do velho Blanqui parece haver
passado por uma especie de transformaçăo. O movimento insurrecional de
1871, deixára no espirito de Vaillant uma impressăo profunda e
inextinguivel.
Vaillant năo limita o seu communismo ás forças productoras e a
repartiçăo dos productos, segundo as necessidades de cada um, vae até á
organisaçăo da communa de Paris, como primeiro passo para o
estabelecimento da nova ordem social.
Na sua profissăo de fé, encontra-se esta ideia, profundamente accentuada:
«É mister dar ao paiz, emancipado da tyrannia administrativa, policial e
judiciaria, como elemento do seu organismo politico, a organisaçăo
communal e cantonal, dando a Paris a liberdade communal, e fazendo-a
entrar no direito commum, pelo restabelecimento da _Communa de Paris_.»
Mais adeante pede, «que a communa seja senhora da sua administraçăo, das
suas finanças, e da sua policia.»
[Gravura: Eduardo Vaillant]
A vida politica de Vaillant, começou no anno terrivel. Regressando da
Allemanha, por occasiăo da declaraçăo de guerra, fez parte da communa,
refugiando-se depois em Inglaterra.
A amnistia trouxe-o novamente a França, em 1880.
Ao lado de Blanqui que os eleitores de Lyon e Bordeaux haviam arrancado
á prisăo, Vaillant prosegue na sua obra revolucionaria, organisando o
comité central revolucionario e sendo um dos fundadores do jornal--_Ni
Dieu ni Maitre_, que pouco tempo poude resistir ás forças combinadas da
policia e da reacçăo.
Foi eleito conselheiro municipal em 1887, 1890 e 1893, e é hoje um dos
deputados socialistas de Paris.
Foi elle o auctor de um importantissimo projecto de lei apresentado
ultimamente, em nome do partido socialista, á camara dos deputados
sobre _a suppressăo do exercito permanente e a sua transformaçăo
progressiva em milicias nacionaes_.
_Artigo primeiro._--É supprimido o exercito permanente.
«Esta suppressăo far-se-ha pela transformaçăo immediata e rapida do
exercito permanente em milicias nacionaes, de modo que o poder defensivo
da naçăo, longe de diminuir, pelo contrario se eleve e augmente, até ao
ponto de poder pôr em acçăo integralmente todas as suas forças. A defeza
do paiz e da Republica, da sua independencia e das suas liberdades,
tornar-se-hia, assim, invencivel.»
É a renovaçăo do projecto de Blanqui e de Gambon.
«A Republica franceza, pela transformaçăo democratica das suas
instituiçőes militares, deve pôr-se ao abrigo de todos os perigos de
guerra ou de invasăo, e de toda a ameaça de intervençăo ou influencia de
qualquer inimigo estrangeiro. Para esse fim, devem ser educadas,
exercidas e organisadas todas as suas forças, e aproveitados todos os
cidadăos validos.»
O desarmamento só poderá realisar-se, em virtude de um accôrdo, feito e
acceite pelas differentes potencias. Năo se concebe que uma naçăo
desarme, ficando á mercę de naçőes inimigas e armadas. Seria um
contrasenso e uma leviandade sem nome.
O notavel criminalista italiano, N. Colajanni, termina o capitulo da
guerra e do militarismo, da sua _Sociologia criminale_, pelas seguintes,
conceituosas palavras:
«Em resumo: a guerra e o militarismo engendram o desgosto de todo o
trabalho util; favorecem a tendencia para a preguiça; despertam no
soldado novas necessidades, sem os meios necessarios para as satisfazer;
excitam os primitivos instinctos, ferozes e egoistas, transformam o
respeito do direito em respeito exaltado pela força bruta; conduzem ao
servilismo e á prepotencia; e, por vias directas e indirectas, levam á
miseria, ao suicidio, á alienaçăo mental e ao crime.--Taes săo os
tristes resultados d'estas instituiçőes sinistras, deduzidos das provas
historicas e estatisticas.
N'uma palavra--conclue o illustre e honrado socialista--«_o militarismo
constitue a verdadeira escola do crime._»
O eminente escriptor e philosopho russo, Léon Tolstoi, é de opiniăo que
a principal origem da guerra deriva da actual ordem social, baseada
sobre a violencia. A organisaçăo militar dos estados modernos está toda
concentrada nas măos dos governos, que năo desejam perder o monopolio,
servindo-se para isso de meios poderosos, taes como o _terrorismo_, o
_egoismo_, a _disciplina militar_, etc.
A guerra, apesar de iniqua, năo poderá nunca ser destruida, senăo pela
educaçăo, generalisada a todos os paizes. Quando a maioria dos povos
reconhecer que a guerra é injusta, n'esse dia cessará a guerra. Esta
revolta do direito e da justiça contra a força e a violencia, está
certamente destinada a fazer algumas victimas; mas, como todas as idéas
nobres e generosas, penetrará, pouco a pouco, nas consciencias e acabará
por triumphar.
Em Paris, publicou-se recentemente um livro interessantissimo de A.
Hamon, o sabio socialista, sobre a _psychologia do militar de
profissăo_, que năo podemos deixar de mencionar n'este logar, por ser de
uma actualidade palpitante.
O dr. Hamon parte do principio de que a criminalidade legal é infima,
quasi inapercebivel, relativamente á criminalidade occulta.
O fim da profissăo militar é a guerra, e toda a guerra implica
necessariamente a violencia, manifestando-se por assassinatos,
violaçőes, pilhagens e incendios.
Os individuos que escolhem esta profissăo, fazem-n'o levados pelo seu
interesse pessoal. Taes individuos sentem-se predispostos para a
violencia pela sua organisaçăo psychica, resultante do seu organismo
physiologico, pelo meio em que vivem e pela sua educaçăo profissional.
O livro de A. Hamon é a justificaçăo da _Delenda Caserna_ do capităo
Siccardi. Estabelece a superioridade moral dos exercitos nacionaes sobre
os exercitos profissionaes. Nos primeiros encontra-se maior respeito
pela dignidade humana, e isto basta para que se năo registem os actos de
grosseria, de brutalidade e de violencia, que se registam ordinariamente
nos segundos.
«O militarismo é a escola do crime!»--tal é a conclusăo a que chega
Hamon no seu bello estudo de psychologia social.
Quando é, porém, que os povos poderăo celebrar, no mundo, o supremo
beneficio da paz, do amor e da concordia?!
Quando é que o homem se libertará, por completo, dos velhos prejuizos
selvagens e das antigas e barbaras tradiçőes?
Quando soará a hora da completa maioridade e da completa emancipaçăo?
A humanidade caminha,--lentamente, é certo!--mas caminha...
Confiemos no futuro!
V
A MULHER
RESOLUÇĂO DO CONGRESSO DE ZURICH.--A SITUAÇĂO DA MULHER--SEUS DIREITOS
CIVIS E POLITICOS.--A MULHER EM RELAÇĂO Á INDUSTRIA.--A MULHER NO ESTADO
SOCIALISTA.--A PRIMEIRA VICTORIA.--MADAME FAULE MINK.--AUGUSTO
BEBEL.--P. ARGYRIADÉS.
Relativamente ao trabalho das mulheres nas fabricas, o congresso de
Zurich adoptou as seguintes resoluçőes, promettendo envidar, n'esse
sentido, todos os esforços dos seus delegados:
--Dia de trabalho maximo de dez horas para as mulheres, e de seis horas
para as jovens de menos de dezoito annos;
--Descanço semanal de trinta e seis horas consecutivas;
--Prohibiçăo do trabalho nocturno;
--Prohibiçăo do trabalho das mulheres em todas as industrias insalubres;
--Prohibiçăo do trabalho das mulheres nos quatro mezes seguintes ao
parto e nos dois ultimos mezes de gravidez;
--Creaçăo dos logares de inspectoras de fabricas, em numero sufficiente
á efficaz vigilancia de todas as officinas, onde se empreguem mulheres;
--Applicaçăo d'estas disposiçőes a todas as mulheres empregadas nas
fabricas, officinas, armazens e na industria domestica e agricola.
De futuro reclamar-se-ha formalmente a equiparaçăo dos salarios das
mulheres, conforme o seu trabalho.
A situaçăo da mulher, na sociedade, constitue evidentemente uma das
questőes mais importantes do nosso seculo, e reclama por isso um estudo
especial. A populaçăo da Europa, é formada, na sua maioria, por
mulheres. D'ahi a sua importancia, e o grande numero de opiniőes,
formuladas, ácerca da sua condiçăo. Pensam uns que é a vocaçăo natural
da mulher que determina a esposa, a măe e a dona de casa. Mas esquecem
que, apenas, uma parte minima da populaçăo feminina está no caso de
preencher os seus deveres. Contam-se por milhőes, as mulheres que nunca
poderam ser nem esposas, nem măes, nem donas de casa, e muitas outras
que nem sequer poderam satisfazer a esta vocaçăo natural, sendo, como é,
o casamento, para ellas, uma escravidăo, graças ás condiçőes da
industria moderna. Outros reclamam o accesso da mulher a todos os ramos
do trabalho, manual e intellectual, e outros văo ainda mais longe
pedindo que lhes sejam tambem conferidos direitos politicos.
Na opiniăo de Bebel, este assumpto está intimamente ligado á
questăo social. A sua soluçăo, assim como a da questăo operaria, é
impossivel, emquanto năo forem radicalmente transformadas as condiçőes
do actual estado social.[7]
* * * * *
A SITUAÇĂO DA MULHER
Os defensores da ordem actual dizem e sustentam que o casamento é a base
da familia, esta a base do Estado, e que, por conseguinte, atacar o
casamento o mesmo é que atacar a sociedade e o Estado.
Perguntaremos, em primeiro logar, qual dos casamentos é o mais moral?
Será o casamento forçado, o casamento venal da sociedade actual, ou o
casamento livre, fundado sobre o amor e a estima reciproca, e que, de
resto, năo poderá realisar-se senăo n'uma sociedade socialista?
O casamento dos nossos dias, que é um resultado de consideraçőes
puramente materiaes, está intimamente ligado á sociedade actual e
destinado a cahir com ella. A lucta pela existencia, tornando-se, de dia
para dia, mais acerba, transformou o casamento n'um acto de perfeita
especulaçăo mercantil.
A prostituiçăo é, pois, uma instituiçăo necessaria á sociedade burgueza,
e tăo necessaria como a policia, o exercito permanente, a egreja, etc.
Na Grecia, em Roma e na Edade-Média, a prostituiçăo era organisada pelo
Estado, e Santo Agostinho chegou mesmo a affirmar a sua necessidade. A
sociedade burgueza, năo só a julgou indispensavel, senăo tambem a
regulamentou.
Hügel, na sua historia sobre a _Estatistica e regulamentaçăo da
prostituiçăo em Vienna_, exprime-se do seguinte modo:
«Com os progressos da civilisaçăo, a prostituiçăo transformar-se-ha,
adoptando uma fórma mais doce e mais conveniente, mas existirá emquanto
existir o mundo.»
Quaes săo as consequencias d'este estado de cousas?
As doenças syphiliticas e a degeneraçăo da humanidade que d'ellas resulta.
O abaixamento progressivo da moral.
A humilhaçăo da mulher e a sua escravidăo.
O infanticidio e o suicidio das mulheres săo devidos, em grande parte, á
prostituiçăo, devendo ainda accrescentar-se que săo os orphăos e os
filhos bastardos que constituem, tambem, em grande parte, os criminosos
da nossa sociedade burgueza.
A sociedade inteira encontra-se em estado de enervamento e de excitaçăo,
sendo a mulher a victima.
Mulheres ha que sentem e vęem claramente a situaçăo, e procuram
remedial-a. Reclamam primeiro a sua independencia economica. Pretendem
ser admittidas em todos os trabalhos e em todos os empregos que a sua
força physica e a sua capacidade moral lhes permittem; pedindo,
sobretudo, o accesso ás chamadas profissőes liberaes.
Serăo justas e realisaveis semelhantes tendencias?
É isso o que procuraremos demonstrar.
* * * * *
O casamento, na antiguidade, era fundado sobre o despreso e a escravidăo
da mulher; o casamento christăo tinha, por principio, a inferioridade e
a servidăo da mulher; o casamento burguez actual baseia-se sobre a unica
conveniencia dos interesses mercantis e ainda na subordinaçăo da mulher.
Pela primeira d'estas fórmas matrimoniaes, o filho era para o pae uma
simples cousa; pela segunda, o seu servo; e pela terceira quasi se póde
dizer que continua sem direito. É indispensavel libertar a mulher e
conceder direitos aos filhos. O casamento futuro terá, por condiçăo, a
escolha revogavel dos interessados, escolha livre e baseada unicamente
sobre as affinidades intellectuaes, moraes e physicas. Assim ficarăo
assegurados a felicidade e o aperfeiçoamento dos conjuges; assim poderá
effectuar-se a perpetuaçăo da especie nas melhores condiçőes moraes e
physicas[8]
Todos os socialistas dos partidos operarios săo partidarios da
emancipaçăo da mulher, e da manutençăo e educaçăo dos filhos pela
Communa ou pelo Estado. A unica divergencia está em saber se, de futuro,
as uniőes deverăo ou năo ser consagradas pela lei, admittindo todos que
devem ser fundadas sobre a livre escolha dos affectos.
O inconveniente da familia actual năo é, como querem alguns, a monogamia
que deve considerar-se a fórma mais digna da uniăo dos sexos e que
subsistirá, atravez de todas as reformas e innovaçőes. É antes, a sua
quasi indissolubilidade, a subordinaçăo legal da mulher, e o
rebaixamento do sentimento, pela preoccupaçăo de um mercantilismo vil
que preside aos actos conjugaes.
O congresso internacional de Bruxellas de 1891 affirmou, no seu
programma, a egualdade completa dos dois sexos, e reclamou para a mulher
os mesmos direitos civis e politicos, concedidos aos homens. Como
esposa, como măe de familia, como trabalhadora, a mulher é tăo
interessada como o homem, na confecçăo das leis. A humanidade compőe-se,
por egual, de homens e mulheres, inseparaveis em direitos e eguaes
perante a justiça.
* * * * *
A MULHER EM RELAÇĂO Á INDUSTRIA
A burguezia, diz Bebel, concedeu á mulher a independencia individual e o
direito ao trabalho: resultou d'aqui a sua admissăo em quasi todos os
ramos da industria.
A burguezia reconheceu que era esse o seu interesse, por isso que o
trabalho da mulher é menos retribuido que o do homem.
E isto porquę?
Porque a mulher foi sempre considerada como um ser subordinado, inferior
ao homem, por causa das suas particularidades sexuaes. Sendo muitas
vezes forçada a suspender o seu trabalho, os capitalistas exploraram
habilmente essa circumstancia, como pretexto para o abaixamento do salario.
Além d'isso, a mulher é mais docil, mais paciente que o homem,
deixando-se tambem explorar mais facilmente do que elle.
D'este modo, a mulher substitue o homem, e, é, por seu turno,
substituida pela creança.--Tal é «a ordem moral» na industria moderna.
Em vista de semelhantes abusos, tem-se já pedido a prohibiçăo completa
do trabalho da mulher.
Năo esqueçamos que o machinismo representou um papel importante na
transformaçăo industrial e que foram justamente os progressos do
machinismo, que, supprimindo os trabalhos mais rudes, tornaram
possivel o emprego da mulher em certos ramos da industria.
Só um limitado numero de pessoas, porém, graças ao auxilio dos seus
capitaes, podem aproveitar os resultados que as descobertas scientificas
trouxeram á sociedade; e é revoltante que milhares de operarios sejam
lançados á margem, em virtude dos progressos do machinismo que
substituiu o trabalho manual.
Resulta de tudo isto, que se torna indispensavel mudar as actuaes bases
sociaes, procurando-se a fórma de uma distribuiçăo mais equitativa dos
bens e dos instrumentos de trabalho.
Na sociedade nova, os instrumentos de trabalho serăo propriedade de
todos, sem distincçăo de classes nem de sexos. Cada um será obrigado a
trabalhar, e os melhoramentos e as descobertas technicas a todos
aproveitarăo.
A mulher tornar-se-ha egual ao homem, podendo exercer e desenvolver as
suas qualidades physicas e intellectuaes e gosar de todos os seus direitos.
Sustentam alguns que a mulher é inferior ao homem, sob o ponto de vista
intellectual, e que năo é susceptivel de uma elevada cultura, sendo,
como é, o peso do seu cerebro inferior ao do homem.
Se a mulher é hoje menos intelligente que o homem, provém isso de haver
sido descurada a sua educaçăo. Quanto ao cerebro, năo é o peso que lhe é
necessario, mas a boa organisaçăo e o exercicio. Averiguou-se, além
d'isso, que, em muitos homens notaveis, o peso do cerebro era quasi
egual á média dos cerebros femininos.
No dia em que a mulher fôr tăo instruida, tăo educada e tăo
desenvolvida, como o homem, n'esse dia terá proclamado a sua
emancipaçăo, pela conquista dos seus direitos civis e politicos, e pela
equiparaçăo do seu salario ao do homem, em todos os ramos da industria.
Para esse estado caminhamos. Na vida da familia, tem-se operado, n'estes
ultimos cincoenta annos, uma verdadeira revoluçăo. A mulher tornou-se
mais livre, e está menos adstricta ás funcçőes de dona de casa. Com o
andar dos tempos chegará a emancipar-se completamente.
* * * * *
A MULHER NO ESTADO SOCIALISTA
Na sociedade nova, a mulher, gosando de inteira independencia, năo
estará mais exposta a qualquer dominio ou exploraçăo, e tornar-se-ha a
egual do homem. Receberá a mesma educaçăo que o homem, excepto nas
especialidades em que a differença de sexo exige uma cultura especial.
Como o homem, ella poderá pois, desenvolver livremente as suas forças,
as suas capacidades physicas e intellectuaes, e escolher, para a esphera
da sua actividade, o que fôr conforme aos seus gostos e ás suas
aptidőes.
Pelo que respeita ao amor, a mulher gosará de tanta liberdade como o
homem. Poderá, pelos mesmos titulos, manifestar os sentimentos que elle
lhe inspirar. Na sua uniăo, năo será guiada senăo pelo amor, como
nos tempos primitivos. Tal uniăo dependerá de uma simples combinaçăo
particular, sem o concurso de nenhum funccionario, com a differença de
que a mulher deixará de ser a escrava do homem e năo lhe será dada como
um presente ou uma mercadoria.
Devemos pois, trabalhar para esse futuro proximo que ha de inaugurar o
regimem das uniőes monogamicas, livremente contractadas, e, em ultimo
caso, tambem livremente dissolvidas, por simples consentimento mutuo, á
semelhança do que se faz já hoje com os divorcios, nos diversos paizes
europeus, em Genebra, na Belgica, na Roumania, etc., e com a separaçăo
na Italia.
O discernimento, a instrucçăo e a independencia facilitarăo as uniőes.
No caso em que a antipathia, o desgosto, e a incompatibilidade de genio
succedessem ao amor, entre o homem e a mulher, a moral impôr-lhes-hia o
dever de romperem uma uniăo, que, năo sendo já baseada sobre o affecto,
se havia tornado anormal.
N'uma palavra, sendo supprimida a herança, os casamentos de mero
interesse deixarăo de ter uma razăo de ser.
* * * * *
A PRIMEIRA VICTORIA
As mulheres francesas acabam de alcançar a sua primeira victoria, no
campo politico: o senado adoptou, em primeira leitura, um projecto de
lei que concede á mulher o direito de participar, como eleitora, na
formaçăo dos tribunaes de commercio. Se a camara partilhar esta opiniăo,
de hoje em deante as mulheres commerciantes poderăo nomear os seus
juizes.
A 3 de dezembro de 1883, a camara dos deputados tinha de examinar a nova
lei que lhe era proposta, sobre a eleiçăo dos juizes consulares. A
commissăo das petiçőes, havia recebido de Madame Maria Deraismes uma
petiçăo, pedindo para que fosse extendido ás mulheres este direito de
suffragio. O relator introduziu effectivamente, na lei, uma emenda,
assim concebida: «Os membros dos tribunaes de commercio serăo eleitos
pelos commerciantes e _pelas commerciantes_...» A commissăo, porém, por
rasőes de simples opportunidade, năo adoptou esta emenda.
Na sessăo de 11 de Março de 1884, o deputado Hubbard apresentou um novo
projecto, em que se propunha «que as mulheres commerciantes tinham pela
lei obrigaçőes e encargos especiaes inherentes á qualidade da sua
profissăo. A commerciante paga, como o commerciante, um imposto
especial, a patente; está submettida ás disposiçőes rigorosas da lei
commercial; póde ser declarada fallida e póde ser perseguida por quebra
fraudulenta. É impossivel citar uma unica das obrigaçőes impostas aos
homens que lhe năo incumbam. Estando submettida aos mesmos deveres
especiaes, é justo que aproveite dos direitos especiaes que a lei
confere ao commerciante. E desde que ao commerciante é dado eleger os
magistrados que teem de julgar as suas causas, á commerciante, sob
pena de inferioridade, năo póde deixar de ser concedido o mesmo direito.»
O relator terminava, affirmando que as mulheres que teem a direcçăo e a
responsabilidade de um estabelecimento commercial, assignalam-se, em
geral, mais que os homens, por qualidades de ordem, de economia e de
probidade.
A 17 de fevereiro, a camara dos deputados tomava em consideraçăo um
relatorio do sr. Colfavru favoravel aos direitos civis da mulher.
Finalmente, em junho de 1889, Ernesto Lefčvre, vice-presidente da
camara, com mais 53 dos seus collegas, renovou a iniciativa da proposta,
que tinha por fim conferir ás mulheres o eleitorado nos tribunaes de
commercio. A camara tomou-a na devida consideraçăo, elegendo-se uma
commissăo de 9 membros, todos favoraveis ao projecto, e, sendo votada a
lei, depois de approvado o relatorio do sr. Colfavru.
Após quatro annos e meio de demora, acaba tambem o senado de dar o seu
assentimento ao projecto. O tempo pouco faz ao caso. O importante a
registrar, foi o triumpho obtido pelas mulheres, triumpho que năo será
certamente o ultimo, e que é, porventura, o primeiro de uma longa serie
de outros a contar e a celebrar.
* * * * *
MADAME PAULE MINK
Entre as mulheres que, em França, mais se teem distinguido na gloriosa
campanha, em favor da emancipaçăo da mulher, seria ingratidăo esquecer
Madame Paule Mink, que, ainda nas ultimas eleiçőes, foi apresentada como
candidata á deputaçăo por Paris.
[Gravura: M.me Paule Mink]
Conheci-a, em Madrid, por occasiăo do centenario de Colombo. Era
delegada ao congresso dos livres pensadores e fôra-me recommendada por
Benoit Malon e P. Argyriadés.
Modesta, despretenciosa e dedicada, Madame Paule Mink tem sido para
muitos uma incomprehendida, mas é seguramente para todos um bello e
luminoso talento, engastado n'um coraçăo de oiro.
Quem a visita, na sua casa de Paris, encontra-a sempre rodeada das suas
gentis filhas que estremece e adora, e absorvida pela leitura dos seus
authores predilectos. É uma măe disvelada e terna e uma companheira leal
e affectuosa.
Madame Paule Mink fez parte da Communa de Paris, e ainda ultimamente,
por occasiăo da greve de Pas de Calais, foi presa, no momento em que se
preparava para fazer uma conferencia, e depois julgada e condemnada.
As perseguiçőes teem-lhe avigorado ainda mais, se é possivel, as
convicçőes purissimas. Nada a contraria e nada a desalenta. Faz
consistir toda a sua felicidade, no amor de seus filhos e na dedicaçăo
pela causa a que se entregou de corpo e alma. É uma altruista, no bom e
verdadeiro sentido da palavra. Năo conhece obstaculos e năo conhece
sacrificios. Nem as privaçőes, nem as difficuldades da vida, lograram
jámais perturbar-lhe o animo ou aniquilar-lhe a vontade indomavel. Năo é
só uma mulher forte; é tambem um grande e superior caracter, e, n'este
duplo aspecto, reside o segredo do seu poder, como evangelista e como
propagandista da causa social.
* * * * *
P. ARGYRIADÉS
Năo encerraremos já agora este capitulo, sem prestar uma homenagem
devida a P. Argyriadés, pelo serviço que prestou á democracia
socialista, com a traducçăo analytica da bella e gloriosissima obra de
Augusto Bebel--_A mulher e o Socialismo._
Alto, forte, robusto, dotado de um temperamento excepcional e de
qualidades verdadeiramente superiores, Panagiotis Argyriadés nasceu em
Castoria, na Macedonia, a 15 de agosto de 1852. Em 1872, installou-se em
Paris, fazendo-se inscrever na faculdade de direito. Em 1878, assistiu,
como representante da Grecia, ao congresso dos orientalistas que se
realisou n'aquella cidade, e, no anno seguinte, ao de Londres, tambem
como delegado do seu paiz. Em 1875, publicou um interessante
opusculo sobre a _Pena de morte, considerada sob o ponto de vista
philosophico, moral, legal e pratico_, que teve as honras de ser citado,
na tribuna do senado, por Victor Schoelcher. Foi depois d'esta bella
estreia que se entregou inteiramente ao socialismo. Naturalisou-se
francez, em 1880; e d'esta época em diante, assignalou-se no fôro, pela
defeza de muitas causas importantes que, ao mesmo tempo, lhe grangearam
renome e gloria. Em 1883, foi elle quem organisou a manifestaçăo em
honra de Flourens; mais tarde, foi ainda, pela sua iniciativa, que se
provocou o protesto publico contra a chegada a Paris do rei Affonso XII
que acabava de ser nomeado coronel de uhlanos. Em 1885, fundou _La
Question Sociale_, a popularissima revista que todos conhecem e que tăo
relevantes serviços tem prestado aos principios socialistas.
[Gravura: P. Argyriadés]
O _Almanach de la Question Sociale_ que é o melhor, no seu genero, que
se publica na grande capital da França, vae já no seu quarto anno, e foi
fundado com eguaes intuitos e eguaes aspiraçőes. É um excellente
repositorio do actual movimento socialista, e recommenda-se a todos os
que se interessam pelo estudo e pela soluçăo dos problemas sociaes.
Tambem lhe é devido o numero commemorativo da _Manifestaçăo do 1.ş de
Maio_ que, nos dois ultimos annos, se publicou em Paris.
P. Argyriadés reside em Autenil, numa deliciosa e aprasivel vivenda, a
vinte minutos dos Campos Elyseos. A sua casa é o ponto de reuniăo de
todos os escriptores e pensadores socialistas. Foi ali que eu, pela
primeira vez, travei conhecimento com Allemane, um glorioso trabalhador
e um chefe incontestado; foi ali, em almoços intimos, e numa dôce e pura
confraternidade, que tive o inolvidavel prazer de estreitar relaçőes com
alguns dos principaes vultos do socialismo moderno--com Pierre Lavroff,
o honrado revolucionario russo, um convicto e um fanatico; com Adolphe
Tabarant, o auctor do _Pequeno cathecismo socialista_, um poeta
adoravel, e um espirito vivo e scintillante; com Paul Cassard, o
intrepido e valente redactor do _Peuple_, de Lyon; com Aurelien Scholl,
o mais delicioso e original conversador que temos encontrado, a prosa
transformada em arte, a palavra feita esculptura; com Sanial, um
americano, trazendo ao socialismo as liçőes da sua experiencia e as
observaçőes da sua longa pratica na vida; com Duc-Quercy, tăo
attrahente pela sua physionomia energica e communicativa, como pelo seu
caracter firme e decidido; e com tantos outros cujos nomes constituem a
immensa e gloriosa pleiade de publicistas, de revolucionarios e de
combatentes que bem poderiamos denominar a ala dos namorados do Bem, da
Verdade e da Justiça.
A estas pequenas festas de familia preside de ordinario uma senhora que
occulta, sob o pseudonymo de Marianne, um bello e juvenil talento de
escriptora, e que, além de măe disvelada e de esposa extremosa, é tambem
a companheira gentilissima do nosso querido e honrado amigo: é M.me
Argyriadés.
Juntos os dois esposos formam como que um nucleo de propaganda
socialista, de uma influencia decisiva e de um largo e elevado alcance.
O socialismo internacional e cosmopolita năo tem, seguramente, em
França, melhor vulgarisador nem mais dedicado e intelligente
apostolo!
VI
A SOCIEDADE NOVA
A TRANSFORMAÇĂO SOCIAL IMPŐE-SE.--O QUE É O COLLECTIVISMO.--O ESTADO
SOCIALISTA, SEGUNDO AUGUSTO BEBEL, E BENOIT MALON.--A LEGISLAÇĂO DIRECTA
PELO POVO.--A SOCIALISAÇĂO DOS MONOPOLIOS.--HECTOR DENIS, GUILLAUME DE
GREEF E EMILE DE VANDERWELDE.--A NOVA GERAÇĂO PORTUGUEZA.--JOSÉ FONTANA
E SOUSA BRANDĂO.
Já n'outro logar o dissémos: o socialismo desenvolve-se, por toda a
parte, de uma maneira espantosa. Nas eleiçőes geraes para deputados, de
1889, obteve o partido socialista, em França, 90:000 votos nas ultimas
eleiçőes de 1893, elevou-se essa votaçăo a 500:000 votos, cabendo a
Paris 226:000. Na Inglaterra, o paiz do individualismo, conseguiram os
socialistas levar ao parlamento onze deputados, na eleiçăo de 1892. A
limitaçăo das horas de trabalho e a garantia obrigatoria nos accidentes,
săo uma prova provada da importancia e da influencia d'esse grupo, na
camara dos communs. Na Austria, e especialmente na Bohemia e na Silesia,
o partido operario dispőe de uma forte organisaçăo. Na Suissa, á frente
do seu programma, inscrevem os socialistas o direito ao trabalho;
na Dinamarca, pela eleiçăo de 1893, foram sete socialistas eleitos para
o conselho municipal de Copenhague; em França, por duas vezes, no mez de
Janeiro corrente, esteve o governo da republica ameaçado de dar a sua
demissăo: a primeira vez pela proposta de Paschal Grousset, o antigo
communista e um pamphletario destemido, sobre a amnistia, e a segunda
vez pela emenda de Jaurés, um pensador e um parlamentar distinctissimo,
ácerca da conversăo dos titulos da divida publica. Emfim, năo ha já hoje
governo ou individuo, qualquer que seja a sua posiçăo ou fortuna, que
năo acompanhe ou se năo interesse pela soluçăo dos problemas sociaes. O
exercito do futuro é cada vez mais numeroso. Sobre o fundo vermelho da
sua bandeira, desfraldada aos ventos, destaca-se esta divisa, escripta
em letras de fogo: «_Emancipaçăo de todos os opprimidos e de todos os
explorados. Renovaçăo total, pela bondade, pelo amor, pela sciencia,
pela justiça e pela solidariedade._»
A todos se afigura năo só _possivel_, senăo tambem inevitavel uma
revoluçăo social.
Luiz Blanc dizia-o ha cincoenta annos, dirigindo-se á burguesia franceza.
«Deve tentar-se uma revoluçăo social:
«1.ş--Porque a actual ordem social está cheia, em demasia, de
iniquidades, de miserias e de servidőes, para que possa durar muito tempo;
«2.ş--Porque năo ha ninguem que deixe de ter interesse n'uma nova ordem
social;
«3.ş--Porque, emfim, esta revoluçăo, tăo necessaria, é possivel e
até facil de se proclamar pacificamente.»
Assim fallava o eloquente author de _L'histoire de dix ans_, ha meio
seculo. De entăo para cá, os factos teem-lhe dado rasăo. A transformaçăo
social impőe-se a todos os espiritos, a todos os paizes e a todos os
governos, e isto explica, até certo ponto, o motivo porque o socialismo
está tanto em voga e porque o perfilham e adoptam os povos modernos, năo
só por intermedio dos seus pensadores mais notaveis, senăo tambem pelos
seus representantes de classe e pelos interpretes da opiniăo popular.
* * * * *
O QUE É O COLLECTIVISMO
Toda a theoria, como toda a civilisaçăo, diz Benoit Malon, tem a sua
dominante, pela qual se julga e afere. A dominante da sociedade
contemporanea encontra-se na pratica do individualismo universal, pelo
odioso _cada um para si e pela guerra de todos contra todos_.
De todas as questőes que o socialismo pretende resolver, é, sem duvida,
a questăo da propriedade a mais importante. Da sua soluçăo depende o
juizo a fazer sobre o pensamento social contemporaneo. O collectivismo
derivou do modo de conceber a apropriaçăo das cousas. Ha mais de
quarenta annos que os socialistas procuram explicar a significaçăo
d'esta palavra, e, sem embargo, o vulgo ainda muitas vezes confunde
o collectivismo com o communismo, năo obstante haver uma differença
radical entre um e outro.
No _communismo_, as forças productoras e os productos, postos em commum,
ficam sob a gestăo directa do Estado; o _collectivismo_ năo é senăo a
inalienabilidade das forças productoras, collocadas sob a tutella do
Estado, que, por seu turno, as confia, temporariamente e mediante
indemnisaçăo, aos grupos profissionaes. N'estes grupos a repartiçăo
faz-se pelo _prorata_ do trabalho. O consumo é inteiramente livre. Cada
um gasta, conforme lhe apraz, o equivalente que lhe cabe, do producto do
seu trabalho, depois de satisfeitos os encargos sociaes.
O collectivismo é pois, uma concepçăo socialista que comporta:
1.ş--A apropriaçăo em commum, mais ou menos gradual, da terra, dos
instrumentos de producçăo e da troca;
2.ş--A organisaçao corporativa, communal ou geral, da producçăo e da troca;
3.ş--A faculdade para cada trabalhador de dispôr, a seu bel prazer, do
equivalente de maior valor por elle creado;
4.ş--O direito ao desenvolvimento integral para as creanças; o direito á
existencia para os invalidos do trabalho; e a garantia, para todos os
validos, de um trabalho remunerador na associaçăo da sua livre escolha.
Querer isto--affirma muito bem Malon--năo é perfilhar os erros do
communismo utopico: é combinar simplesmente a necessidade do concurso
para a producçăo com a justiça economica e as justas exigencias da
liberdade humana.
* * * * *
O ESTADO SOCIALISTA, SEGUNDO AUGUSTO BEBEL
Năo se destróe radicalmente senăo aquillo que se substitue--dizia
Danton, na sua phrase grandemente revolucionaria.
O Estado socialista oppőe:
1.ş--_ao estado de guerra, a paz internacional e a federaçăo dos povos;_
2.ş--_aos antagonismos economicos, a organisaçăo solidaria da producçăo
e da distribuiçăo das riquezas;_
3.ş--_á ignorancia, a universalisaçăo do saber e a cultura moral._
Todos os pensadores progressistas săo pois, accordes em reconhecer que
os Estados socialistas, de um futuro mais ou menos proximo, hăo de ser
formados por republicas federadas, que, em si mesmo, năo serăo outra
cousa, senăo uma estreita federaçăo de communas, engrandecidas e
transformadas, politica e socialmente. Para essa concepçăo de fórmas
sociaes superiores se dirigem presentemente todas as vistas e todas as
escholas. Só os processos variam, segundo o individuo que os emprega ou
segundo o meio em que teem de actuar.
Vejamos, primeiro, como Augusto Bebel, um socialista republicano,
segundo a sua propria confissăo, concebe as relaçőes sociaes que hăo de
vigorar n'um regimen socialista, isto é, n'uma sociedade futura.
[Gravura: Augusto Bebel]
A.--_A expropriaçăo capitalista inherente ao novo regimen, será feita em
proveito de todos e no interesse de toda a sociedade. Realisada esta
expropriaçăo, a sociedade assentará em novas bases e a existencia humana
mudará por completo. A organisaçăo actual tornar-se-ha inutil, e o
proprio Estado se tornará desnecessario, tendendo a desapparecer, como
desappareceram as religiőes, desde que deixou de existir a crença no
sobrenatural._
B.--_A lei fundamental da sociedade socialista é o trabalho para cada um
dos seus membros sem distincçăo de sexo._
Esta lei é justa e necessaria. Em primeiro logar, ninguem póde
satisfazer as suas necessidades sem trabalhar. Sendo valido, ninguem tem
o direito, por outro lado, de viver do trabalho do seu semelhante.
A organisaçăo da sociedade, fundada sobre a liberdade e a legalidade, na
qual cada um responde por todos assim como todos respondem por cada um,
suscitará um sentimento de solidariedade, uma emulaçăo e um desejo de
trabalho até hoje desconhecidos. D'esta fórma o trabalho tornar-se-ha
mais productivo e o producto aperfeiçoar-se-ha.
A falta de trabalho, tăo frequente nos nossos dias, năo poderá existir
na sociedade futura, que apenas produzirá para consumir, em harmonia com
os principios de justiça e tendo sempre em vista o bem geral.
C.--_Na sociedade futura, a producçăo, mudando de fórma, fará
desapparecer o commercio, apanagio da sociedade actual._
Em vez dos milhares d'intermediarios que hoje existem, teremos os
grandes estabelecimentos, e o transporte dos productos far-se-ha por uma
fórma completamente nova.
D.--_Na nova organisaçăo as terras serăo propriedade commum, assim como
o foram já no começo da civilisaçăo, mas com fórmas sociaes superiores._
O bem estar de uma populaçăo depende do grau de cultura que o sólo
attingir. Emquanto a terra se conservar como propriedade privada, nunca
a cultura se aperfeiçoará. Os pequenos proprietarios năo dispőem para
isso dos meios necessarios, e os grandes proprietarios, com as suas
florestas e os seus parques, deixam por cultivar uma grande parte das
suas terras.
Pela fórma indicada desapparecerá o contraste secular entre a populaçăo
das cidades e a populaçăo dos campos.
E.--_Com a expropriaçăo do sólo e dos instrumentos de trabalho,
desapparecerá um grande numero de abusos e de males que nos affligem na
organizaçăo actual._
O que determina hoje a posiçăo dos homens, na sociedade, é a quantidade
maior ou menor de dinheiro que possuem. No futuro estado socialista, a
sociedade fará tudo por si mesmo. Nem as pessoas nem as classes poderăo
prejudicar-se entre si. O estado, tornando-se inutil, desapparecerá. Năo
haverá pois, nada a governar nem a supprimir ou a opprimir.
Com o Estado desapparecerá naturalmente tudo o que o representa:
ministros, parlamentos, policia, prisőes, exercito permanente,
procuradores, advogados, n'uma palavra, todo o apparelho da dominaçăo
politica. A sociedade ficará na plena posse de si mesmo.
F.--_Na organisaçăo actual reclama-se, para todos, o mesmo nivel
d'instrucçăo e de educaçăo._
Ora esta egualdade é impossivel no regimen burguez, conforme o demonstra
Augusto Bebel. Para receber uma instrucçăo mediana é preciso ter
dinheiro e vagar. No Estado socialista as condiçőes do desenvolvimento
physico, moral e intellectual serăo as mesmas para todos. Cada um poderá
pois, instruir-se e viver, conforme as suas aptidőes e os seus gostos.
G.--_Sob o regimen futuro a vida social tornar-se-ha publica._
Săo os factos que o provam. A vida tem-se modificado sensivelmente
n'estes ultimos dez annos. A existencia torna-se cada vez menos
familiar, e, em pouco, será passada inteiramente nas officinas, nos
campos, e nos locaes publicos, destinados ao estudo e á instrucçăo.
H.--Bebel diz que, sendo melhoradas e augmentadas as vias de
communicaçăo na sociedade futura, as viagens de instrucçăo tornar-se-hăo
mais faceis do que succede no actual regimen. O trabalho será regulado,
de modo a permittir a viagem, ao mesmo tempo, de prazer e de estudo.
Quanto aos velhos, aos invalidos, e aos doentes, quando já năo possam
trabalhar, a sociedade fornecer-lhes-ha os meios indispensaveis á
existencia.
As doenças tomar-se-hăo mais raras, por isso mesmo que a vida será mais
regular. A alimentaçăo será preparada scientificamente nos
estabelecimentos publicos. A vida de familia será transformada por
completo.
Bebel diz ainda que o socialismo năo póde ser realisado por um povo,
isoladamente. Á primeira vista parece que o principio das nacionalidades
domina o mundo. Mas é um erro. O internacionalismo cosmopolita começa
realmente a penetrar nas populaçőes. Todos os povos se encontram nas
mesmas condiçőes sociaes. Por toda a parte se observam as mesmas luctas
de classes que serăo decisivas antes do fim do seculo XIX.
No novo estado social, fundado sobre bases internacionaes, as naçőes
civilisadas formarăo uma federaçăo d'onde será banida a guerra. A paz
universal năo é um sonho nem uma aspiraçăo de visionarios. Um progresso
dará logar a outros progressos, e a humanidade avançará sem cessar para
um ideal de perfeiçăo illimitada.
* * * * *
O ESTADO SOCIALISTA, SEGUNDO BENOIT MALON
A noçăo de patria encerrou-se primeiro na _tribu_; depois na _cidade_;
mais tarde na _provincia_, e por ultimo na _naçăo_. Porque é pois, que a
patria năo ha de ser _continental_ ou _intercontinental_
(europeio-americana) e finalmente _planetaria_?
A philosophia antiga dizia: _Dignidade, Moderaçăo, Virtude;_ o
Christianismo: _Fé, Esperança, Caridade;_ o boudhismo: _Vontade,
Justiça, Affinidade;_ o XVIII seculo: _Investigaçăo, tolerancia,
sensibilidade;_ a revoluçăo franceza: _Liberdade, egualdade,
fraternidade;_ o socialismo utopico: _Dedicaçăo, solidariedade,
harmonia;_ o socialismo integral terá por divisa: _Justiça,
fraternidade, solidariedade._
Taes serăo os principios do Estado social do futuro, no conceito de
Benoit Malon.
Năo nos accuseis de utopista, diz elle. Possuimos o _saber_ e a
_actividade_; o que nos falta é a _doutrina_ e a _boa vontade_. Nas
federaçăes europeia, americana e planetaria do futuro, estas quatro
forças estarăo unidas, e, pelo seu poder, constituirăo a origem da
felicidade e tenderăo a suavisar, no interesse de todos os seres, a
crueldade da situaçăo actual.
Como politica, o socialismo aconselha: o emprego de todos os meios de
lucta: a resistencia economica (grčve); voto; e, sendo necessario,
a força, a geradora das sociedades novas, no dizer de Marx.
Tăo longe năo ia decerto Malon. Elle năo renegou nunca o espirito
revolucionario que reputava indispensavel á existencia e á disciplina
dos partidos operarios. Mas estava persuadido que o convencimento e a
persuasăo valiam mais que a força, como elementos de propaganda e de
transformaçăo social.
Vejamos qual era a sua concepçăo, sobre o Estado socialista, pela
socialisaçăo dos monopolios. Mas antes d'isso fallemos rapidamente n'um
outro artigo, tambem do seu programma.
* * * * *
A LEGISLAÇĂO DIRECTA PELO POVO
Charles Burkli apresentou, sobre este assumpto, ao congresso de Zurich,
uma proposta muito notavel e muito bem deduzida:
«O congresso, considerando que a lei é o interesse escripto do
legislador; que na legislaçăo a determinante deve ser o interesse do
povo; que os corpos representativos, segundo a experiencia, representam
mais os capitalistas do que os operarios; e que as leis, por
conseguinte, se fazem a favor do capital, em detrimento da classe
operaria; que o parlamentarismo, em toda a parte onde domina sem
limites, conduz á corrupçăo e ao ludibrio do povo; e que só pela
intervençăo directa na legislaçăo é que o povo adquirirá a
consciencia da sua força, condiçăo indispensavel á liberdade da classe
operaria:
«Declara que é uma condiçăo preliminar da suppressăo de todo o dominio
de classe, que as classes operarias intervenham, como o mais poderoso
meio de combate politico, a favor da legislaçăo directa pelo povo,
segundo a qual o povo exercerá o direito de proposiçăo para as leis
(iniciativa) e o direito da votaçăo das leis (referendum).»
Foi Mauricio Rittinghausen o instigador d'esta ideia e o seu
propagandista mais authorisado.
Convencido que só o collectivismo na legislaçăo, isto é, a participaçăo
de todos na confecçăo das leis, póde corresponder ao collectivismo da
propriedade, e que nunca chegaremos a este segundo meio, a năo ser por
intermedio do primeiro: convencido ainda que o systema representativo,
embora fira o privilegio, năo resolverá nunca a questăo social;
Rittinghausen tentou construir sobre este principio um systema
governamental que tornou applicavel ás grandes naçőes modernas,
compostas de milhares de individuos, e foi este o systema que elle
intitulou _a legislaçăo directa pelo povo_.
Foi a 8 de setembro de 1850, que appareceu, na _Démocratie Pacifique_, o
primeiro dos tres artigos intitulados--a legislaçăo directa pelo povo ou
a verdadeira democracia. Rittinghausen viu-se logo atacado por Luiz
Blanc, Emile de Girardin e Proudhon. Mas teve por si o apoio das massas.
Poucos mezes depois, mais de trinta e seis jornaes defendiam a nova
theoria. Proudhon publicava, por esse tempo, a sua grande obra:
_Idée générale de la Révolution_, e dizia:--Supponhamos que é esta a
questăo: «O governo será directo ou indirecto?»--A avaliar pelo successo
que acabam de ter, para a democracia, as ideias de Rittinghausen e
Considerant, quasi se póde affirmar, com uma quasi certeza, que a
resposta da grande maioria será pelo governo _directo_...»
Após longos annos de lucta, Rittinghausen logrou ver inscripta a
legislaçăo directa, no programma da democracia socialista allemă,
approvado pelo congresso d'Eisnach, em agosto de 1869.
Só em 1868, porém, foi a legislaçăo directa, introduzida em Zurich, por
Charles Burkli, o mesmo que apresentou ao congresso de 1863 a proposta a
que acima nos referimos.
Mauricio Rittinghausen nasceu em Huckeswagen (Allemanha) a 12 de
Novembro de 1814 e falleceu em Ath (Belgica) a 29 de dezembro de 1890.
O systema parlamentar deu já, por toda a parte, o que tinha a dar. A
legislaçăo directa pelo povo é o unico systema governamental que
corresponde, em politica, ás exigencias e ás necessidades do socialismo
moderno.
* * * * *
A SOCIALISAÇĂO DOS MONOPOLIOS
O direito á existencia deve ser fundado sobre o direito ao trabalho. Por
seu turno o direito ao trabalho engendra a organisaçăo social do
trabalho, d'onde deriva a necessidade de um _ministerio do trabalho_.
As attribuiçőes d'este ministerio seriam:
1.ş--A applicaçăo rigorosa das leis industriaes, melhoradas e completadas;
2.ş--A reorganisaçăo do trabalho das prisőes, de molde a proteger os
interesses do trabalho livre, e a tornar mais justas, mais humanas e
mais moralisadoras as relaçőes entre a administraçăo e os condemnados;
3.ş--O estabelecimento de um serviço especial de estatistica, que sirva
de informaçăo aos productores (operarios e patrőes) e aos commerciantes,
ácerca das condiçőes do mercado do trabalho e da troca;
4.ş--Reorganisaçăo do trabalho nas manufacturas e outros
estabelecimentos do Estado;
5.ş--Instituiçăo de uma camara operaria consultiva do trabalho, em bases
rigorosamente corporativas, e de uma camara do commercio e da industria,
destinada a apresentar os projectos que teriam de ser discutidos em
publico;
6.ş--Instituiçăo de um grande conselho arbitral, eleito em parte pelos
syndicatos operarios, e em parte pelos syndicatos dos patrőes e pelas
camaras de commercio, e que se pronunciaria sobre todas as questőes
economicas a elle submettidas pelas partes interessadas;
7.ş--A reorganisaçăo do ensino agricola, industrial e commercial;
8.ş--A reorganisaçăo dos trabalhos publicos, comportando a constituiçăo
de exercitos industriaes, de quadros permanentes mas de pessoal
variavel, e que poderiam ser quadruplicados em certas estaçőes e
redobrados em épocas de crise;
9.ş--A fundaçăo de colonias agricolas e viticolas;
10.ş--O exercicio racional da força de ponderaçăo, afim de attenuar ou
prevenir as crises, de regularisar o mercado e de preparar a organisaçăo
social do trabalho.
A reorganisaçăo do credito far-se-hia, lançando um pesado imposto sobre
a agiotagem, abolindo as leis que permittem a emissăo de titulos ao
portador e a formaçăo das sociedades anonymas, e prohibindo a especulaçăo.
Por seu turno, a reorganisaçăo judiciaria realisar-se-hia por uma
justiça prompta, simplificada e gratuita.
Emfim, todas as questőes de finanças e de credito seriam resolvidas pela
nacionalisaçăo dos bancos.
Mas estas reformas tornar-se-hiam irrealisaveis, se a collectividade,
Estado ou Communa, conforme os casos, năo procedesse á transformaçăo, em
serviço publico productivo, dos monopolios de facto que gera
espontaneamente o systema capitalista, e a que chamaremos a SOCIALISAÇĂO
DOS MONOPOLIOS.
A regra effectivamente, estabelecida pela theoria do socialismo, é a
seguinte: desde que uma industria ou o principal elemento de uma
industria, passa, pela sua natureza e pelo seu desenvolvimento, ao
estado de monopolio, constituindo uma poderosa agglomeraçăo de forças
productoras, incumbe á collectividade exploral-a em _régie_ ou
fazel-a explorar, sob a sua direcçăo, mediante indemnisaçăo.
D'este modo, além dos monopolios do Estado já constituidos, figuram, na
primeira linha, os caminhos de ferro, as minas, os poços de petroleo, as
fontes de aguas mineraes, os canaes, as fabricas de armas, os grandes
fornos, as companhias de vapores, as grandes officinas de machinas, que,
por seu turno, devem ser collocados sob a direcçăo do Estado e
transformados gradualmente em _serviços nacionaes_ productivos.
Esta socialisaçăo dos organismos dominantes da producçăo e da viaçăo,
tem o seu complemento logico e inevitavel na _communalisaçăo_ dos
monopolios urbanos, que, por sua vez, seriam tambem transformados em
serviços communaes. N'esta cathegoria entram:--a illuminaçăo (gaz e
electricidade); os transportes em commum (omnibus, tramways,
carruagens); o serviço das aguas (fornecimento, banhos e lavatorios
communs), os grandes armazens; os serviços de provisăo (padarias e
talhos municipaes), o serviço pharmaceutico e a habitaçăo.
A organisaçăo dos serviços communaes presuppőe uma completa
reconstituiçăo communal, baseada sobre uma populaçăo de cinco mil
habitantes, pelo menos.
Uma sociedade, onde se tivessem operado semelhantes
transformaçőes--conclue Benoit Malon--teria progressiva e pacificamente
vencido a miseria e a ignorancia, organisando socialmente o trabalho,
creando uma nova consciencia social, fundada sobre as bases
indestructiveis da liberdade politica, da justiça economica e da
solidariedade humana.
_Muitos serăo os chamados e poucos serăo os eleitos_--dizia a antiga
formula christă. _Todos serăo chamados e todos serăo eleitos_--tal é a
divisa da moderna escola socialista.
* * * * *
HECTOR DENIS, GUILLAUME DE GREEF E EMILE DE VANDERWELDE
Por _socialismo integral_ deve entender-se o socialismo encarado sob
todos os seus aspectos, em todos os seus elementos de formaçăo, e com
todas as suas possiveis manifestaçőes.
O sentimento năo abdicará nunca, e será sempre o primeiro mobil dos
actos humanos--disse-o Claude Bernard na sua _Philosophia experimental_.
_Faz socialismo_ o sabio, o pensador, que, ao cabo das suas longas
investigaçőes sobre a natureza das cousas, descobre o mysterio da
evoluçăo universal.
_Faz socialismo_ o inventor, quando applica as forças productoras do
homem, favorecendo a multiplicaçăo dos productos e diminuindo, ao mesmo
tempo, a duraçăo e as agruras do trabalho.
_Faz socialismo_ o escriptor quando no livro, no drama ou no jornal, faz
a apotheose dos sentimentos de justiça para com os homens e de piedade
para com os animaes.
_Faz socialismo_ todo aquelle que combate pela liberdade.
_Faz socialismo_ o altruista que passa a sua existencia, fazendo o bem,
soccorrendo, consolando e fortalecendo os que soffrem e os que săo
desventurados.
_Faz socialismo_ o poeta, quando canta o heroismo, a bravura, o
desinteresse e consagra as grandes e supremas virtudes civicas.
_Faz socialismo_ o professor, quando á orthodoxia das velhas formulas
inuteis, antepőe o sagrado ideal de emancipaçăo humana, prégando-o e
ensinando-o aos seus discipulos.
Emfim, o socialismo já năo é apenas uma doutrina abstracta. O socialismo
faz-se e pratica-se por toda a parte: por sentimento uns, por convicçăo
muitos, por raciocinio outros e por necessidade todos. E d'ahi a grande
variedade de escolas e um sem numero de theorias e de programmas.
Mas, em nosso juizo, é o socialismo professoral ou cathedratico aquelle
que mais tem concorrido para o desenvolvimento da ideia emancipadora, no
seio das sociedades modernas. E entre os principaes apostolos da escola,
seria erro imperdoavel esquecer os professores belgas que tăo grande
relevo teem sabido dar ás doutrinas socialistas. Năo fallando já no
fallecido Emile de Laveleye, o mais celebre dos economistas
contemporaneos e auctor de um livro que se tornou classico--_Da
propriedade e das suas fórmas primitivas_, cumpre-nos mencionar aqui
Hector Denis, Guilherme de Greef, o sabio auctor da _Introducçăo ŕ
sociologia_, e Emile de Vanderwelde que, sendo advogado, pertence,
todavia, a esse glorioso grupo.
A Universidade livre de Bruxellas conta, no seu seio, dois
socialistas--Hector Denis e Guilherme de Greef, e um anarchista--Elisée
Reclus.
[Gravura: Emile de Vanderwelde]
Estăo ainda na memoria de todos os recentes acontecimentos, que se
originaram pela suspensăo official do curso de Elisée Reclus. Os
estudantes tomaram uma parte activa no assumpto. Hector Denis, o reitor
da Universidade, demittiu-se, e Guilherme de Greef interveiu a favor dos
que protestavam contra a intervençăo dos poderes publicos. O governo
viu-se obrigado a reconsiderar, e o socialismo sahiu mais uma vez
triumphante da lucta.
Na campanha figurou tambem Emile de Vanderwelde, antigo alumno da
Universidade, um nobre e generoso espirito e auctor de um bello estudo
sobre _os parasitas organicos e os parasitas sociaes_.
Emile de Vanderwelde exerce, sobretudo, uma acçăo espiritual sobre o
socialismo belga. A sua influencia é enorme, e o seu prestigio cresce e
augmenta de dia para dia.
* * * * *
Entre os socialistas cathedraticos, ha uma escola moderada que aspira á
implantaçăo da theoria socialista por uma transformaçăo gradual e lenta
da sociedade actual. Assim, săo alguns de opiniăo que, para se chegar á
completa aboliçăo da propriedade, se deverá principiar pela aboliçăo da
grande propriedade que estabelece um desequilibrio economico no mundo,
concentrando e monopolisando nas măos de alguns os capitaes e os
recursos que deveriam estar nas măos de todos. Outros fazem distincçăo
entre a propriedade industrial e a propriedade agricola, reclamando a
suppressăo da primeira e conservando a segunda, visto mediar uma enorme
distancia entre o industrialismo e a agricultura.
Succede o mesmo com relaçăo á grande e á pequena industria e com relaçăo
ás heranças. N'este ponto divergem tambem muitos socialistas, querendo
uns a extincçăo total das heranças, além de uma certa quantia e
revertendo o excedente para o fundo da educaçăo nacional, contentando-se
outros apenas, com a sua extincçăo immediata em linha collateral.
Como quer que seja, ha um ponto fundamental em que todos estăo de
accôrdo--a negaçăo do existente. É indispensavel pois, destruir o que
está para o substituir. E a reconstrucçăo social será tanto mais facil,
quanto maior fôr o numero de ideias emittidas. Da variedade de
theorias é que hade resultar a unidade do conjuncto. E a lucta travada
entre o capitalismo e o proletariado ainda mais apressará e favorecerá a
soluçăo do problema.
* * * * *
A NOVA GERAÇĂO PORTUGUEZA
A evoluçăo que, n'estes ultimos annos, se tem operado na parte să,
intellectual, deixem-me dizer assim, da nova geraçăo portugueza, é muito
digna de registar-se. Á frente d'esses moços estudiosos e enthusiastas,
encontra-se Fernando Martins de Carvalho, um grande e solido talento,
disciplinado pelo estudo da philosophia moderna e educado na convivencia
dos grandes mestres da sciencia social.
A tendencia federalista e socialista accentua-se na nova geraçăo
portugueza, como um resultado da corrente internacionalista que, por
toda a parte, se impőe e affirma, e como uma consequencia logica e
necessaria das ideias do nosso tempo.
Prova este facto que marchamos para a conquista de um novo ideal e que a
politica, entre nós, vae perdendo o seu antigo caracter sentimental e
jacobino, para se transformar n'uma soluçăo organica, positiva, liberal
e moral.
Procedendo assim, a nova geraçăo portugueza affirma a sua solidariedade
com o movimento social moderno e mostra-se em tudo digna e á altura
dos grandes problemas que agitam a sociedade.
Parabens muito sinceros a todos esses bons e leaes companheiros, e, em
especial, a Fernando Martins de Carvalho, o chefe incontestado da
gloriosa crusada!
Os periodos que văo lęr-se representam mais do que um simples estudo ou
uma simples aspiraçăo: săo, para assim o dizer, o programma ou o
manifesto dos novos. Por isso julgámos que tinham aqui o seu logar, e
que seria de summa utilidade reproduzil-os, embora n'elles se notem umas
lisongeiras referencias á minha pessoa que năo posso nem devo attribuir
senăo á muita bondade de Martins de Carvalho.
* * * * *
«A aproximaçăo do individualismo economico do individualismo politico é
o resultado de uma viciosa associaçăo de ideias. A sociologia moderna
deve acceitar o individualismo, como soluçăo politica, e o communismo,
como soluçăo economica. Nem ha qualquer conflicto entre estas duas
formulas, restrictas aos campos proprios:--o _neminem laede_, essa
formula fundamental do individualismo, tem evidentemente consequencias
communistas; năo lesar a ninguem é năo tolher a ninguem a apropriaçăo do
necessario, năo é apenas năo perturbar ninguem na sua situaçăo actual,
justa ou injusta. Spencer, que generalisou a economia orthodoxa na
sociologia, é decididamente individualista e affirma a tendencia
evolutiva para a propriedade social.
Do primitivo communismo genealogico, de caracter familiar, passou-se
para o communismo local, dos que habitam o mesmo territorio. Dos
communismos das tribus passa-se para o communismo universal, para a
confederaçăo de todas as communas.
A passagem de uma a outra fórma do communismo deu logar ao
individualismo economico, a desintegraçăo, successiva e gradual, do
communismo genealogico, desde o condominio familiar até á simples quota
legitimaria dos parentes. O individualismo năo poderá ser uma integraçăo
social; os elementos que elle dispersou precisam de se integrar n'uma
nova fórma communista.
A evoluçăo social realisa-se em virtude da lei do uso e do desuso, de
que deriva a divisăo do trabalho, e que é o principio fundamental do
transformismo, em que se accentua hoje uma renascença lamarckista.
Lamarck deveria ter applicado aquella lei, que applicou só aos
organismos individuaes, tambem directamente aos organismos collectivos,
ás especies. A influencia do uso e do desuso actua sobre os orgăos dos
organismos individuaes, mas actua tambem sobre os organismos
individuaes, como orgăos dos organismos collectivos. A doutrina da
selecçăo natural năo representa senăo uma tentativa para applicar á
differenciaçăo das especies a lei do uso e do desuso; na selecçăo
social, uma fórma da selecçăo natural, desapparecem todos os inuteis,
embora as subsistencias cheguem para todos. A evoluçăo realisa-se
pela differenciaçăo estructural das massas organicas primitivas,
constituindo os organismos individuaes; pela differenciaçăo dos
organismos individuaes formando o protoplasma social primitivo, em
variedades, especies, reinos. Uma especie constitue-se organicamente
pela successăo de fórmas cada vez mais perfeitas da divisăo do trabalho,
pela formaçăo de uma solidariedade social, generalisando-se gradualmente
dos pequenos grupos ás raças, e a toda a especie; á concorrencia vital
dentro das especies succede-se a concorrencia vital com outras especies,
até que umas e outras entrem n'um hyper-organismo superior, que irá até
estabelecer a solidariedade de toda a existencia.
A sociedade, que começou a sahir da primitiva homogeneidade communista
pela anthropophagia, com manifestaçőes juridicas notaveis, como por
exemplo a condemnaçăo do criminoso a servir de alimento á tribu,--pelas
fórmas parasitarias e commensalistas, vae pouco a pouco aproximando-se
da fórma superior da divisăo do trabalho,--o communismo, que é a fórma
de repartiçăo nos organismos perfeitos--a cada orgăo segundo as suas
necessidades.
Á medida que esta evoluçăo se realisa a concorrencia social torna-se
cada vez menos intensa; o parasitarismo interno da especie transforma-se
em parasitarismo com relaçăo ás outras especies. As profundas
differenciaçőes anthropologicas, produzidas pelas velhas fórmas
parasitarias da constituiçăo social, văo-se attenuando. A analogia real
da sociedade com o organismo, que tem sido muito exaggerada e tem
dado logar a mil hespanholadas scientificas, a doutrinas muito
estheticas que se tęem destacado por gemmiparidade das theorias de Comte
e Spencer, năo nos póde levar a idealisar a sociedade futura como a
perfeita reproducçăo do organismo individual, com a sua forte
differenciaçăo de estructura, a sociedade é um organismo superior, que
reproduz na sua phase embryonnaria a evoluçăo dos organismos individuaes
(como pela lei biogenetica o individuo reproduz na vida fetal toda a
evoluçăo organica anterior), mas que na sua phase post-embryonnaria a
continua.
A economia da divisăo do trabalho, que se succede á primitiva economia
communista, tem duas phases preparatorias: uma militar, violenta,--a
escravidăo, a servidăo, o feudalismo--, outra pacifica,--o capitalismo
moderno. A distribuiçăo da riqueza pelo producto do trabalho, dando
logar á intervençăo da concorrencia, produz o capitalismo; a theoria
communista quer que se pague o trabalho-funcçăo social e năo o
trabalho-producto, como o capitalismo e mesmo o collectivismo, uma
doutrina transitoria evidentemente, e que se vę em difficuldades para
provar que o capital năo é accumulaçăo de trabalho, coisa absolutamente
indifferente no ponto de vista communista.
As castas năo săo diversas raças, diversos povos, que se sobrepőem; săo
differenciaçőes anthropologicas, que se formam dentro de todas as
sociedades pela acçăo de factores eminentemente sociaes, as fórmas
primitivas da divisăo do trabalho. As castas correspondem ás raças
occipital--a exploradora pela violencia--e á frontal, a
primitivamente explorada, que se liberta pela intelligencia;--a theoria
de Gratiolet é verdadeira, admittindo-se factores sociaes da
differenciaçăo dentro das primitivas raças, que pouco a pouco
desapparecem perante as nacionalidades, um parasitismo de que resultam
differenciaçőes anthropologicas, e perante as castas. O militarismo
exterior e internacional e o militarismo nacional ou aristocracia, tęem
origens economicas, e produzem differenciaçőes anthropologicas.
No regime communista primitivo o direito é a coacçăo á adaptaçăo social
pela intimidaçăo, ou o appressamento violento da inadaptaçăo. Existia a
promiscuidade. Havia perfeita egualdade economica e perfeita egualdade
politica.
Fez-se sentir a necessidade da divisăo do trabalho: ia-se constituir a
primeira fórma de parasitarismo. Ninguem ousava violar a tradiçăo, com
profunda sancçăo religiosa, da propria tribu. Começa a guerra permanente
entre as tribus de bimanos. O que se năo aventurava a escravisar
individuos, a monopolisar femeas, a apossar-se da propriedade da propria
tribu, cahia sobre a tribu visinha. O individualismo começou pela
escravidăo dos extrangeiros, pela exogamia, pelo roubo da propriedade
das outras tribus. Constituiu-se um direito internacional,
fundamentalmente differente do direito do _clan_;--conflicto
anthropologico, o direito tinha um caracter collectivo;--crime e pena
eram conflictos ethnicos.
Constituiram-se assim em casta os homens de guerra, passando depois a
exercer a violencia sobre a propria tribu. O direito entre as
castas passou a ser cópia do direito internacional; o velho direito
interno só persistiu em _survivances_ nas relaçőes entre os membros das
classes inferiores.
Á casta, como a todos os grandes factores sociaes, devia corresponder
uma differenciaçăo anthropologica. A anthropologia criminal, quando nega
os factores economicos do crime, năo repara em que a selecçăo natural
das raças tem segundo o darwinismo, de que essa escola deriva, uma
origem economica--o facto registado pela lei de Malthus.
Á primitiva selecçăo individual devia pouco a pouco substituir-se uma
selecçăo entre os grupos anthropologicos, que se iam formando, selecçăo
naturalmente preventiva, d'ahi a formaçăo da escravidăo, que é uma fórma
de caracter duradouro da selecçăo e que se substituiu á pena de morte do
criminoso e do prisioneiro de guerra; d'ahi a formaçăo na aristocracia
da familia polygamica, destinada a garantir a rapida multiplicaçăo da
casta superior, e acompanhada de diversas medidas restrictivas da
multiplicaçăo da casta inferior.
Pouco a pouco tem ido perdendo de intensidade a fórma violenta do
individualismo, pelo apparecimento do capitalismo e pelo cruzamento das
castas, primitivamente prohibido, que caracterisa as fórmas sociaes
superiores, como o cruzamento das raças caracterisa a domesticaçăo com
respeito ao estado selvagem. O caracter de conflicto anthropologico do
direito na phase primitiva do militarismo tem pouco a pouco
desapparecido de diversos dos seus ramos; primitivamente aquelle direito
que hoje só tem sancçăo civil, tinha uma sancçăo penal. Hoje o
direito penal tende a tornar-se tăo contractualista como o direito
civil; Spencer baseia toda uma theoria penal sobre a organisaçăo
systematica da indemnisaçăo de perdas e damnos.
Á medida que o militarismo vae declinando, vae-se realisando no direito
internacional uma endosmose do direito interno progressivo; o contrario
precisamente do que se deu nas origens do militarismo.
Resultado de todos estes progressos sociaes é o desapparecimento
evolutivo das differenciaçőes anthropologicas, a que as castas e as
nacionalidades deram origem.
Contra o que o collectivismo affirma, somos de opiniăo que o capitalismo
representa um progresso. A evoluçăo realisa-se pela acçăo cada vez menor
da hereditariedade, permittindo a evoluçăo rapida da especie, por
adaptaçőes repetidas. A organisaçăo em castas, a hereditariedade
politica e economica, correspondeu a phases inferiores da transformaçăo
da especie: hoje sobre a hereditariedade predomina a adaptaçăo, na sua
fórma seleccional, que tem como consequencia politicamente o regime
representativo, economicamente o regime capitalista. As selecçőes, năo
sendo fixas pela hereditariedade, que, tanto nas suas consequencias
politicas, como nas suas consequencias economicas, tende a desapparecer,
é uma transiçăo necessaria para o regime da egualdade, em que as
progressivas adaptaçőes da especie năo se realisarăo seleccionalmente,
mas solidariamente.
É um facto conhecido o da degeneraçăo das aristocracias,
facto perfeitamente egual ao da degeneraçăo das raças indigenas
perante a civilisaçăo branca, e ao da degeneraçăo das raças
criminosas,--selecçőes militaristas e aristocracias abortadas, raças
d'origem teratologica,--perante o homem normal. Á degeneraçăo das
aristocracias correspondeu necessariamente a formaçăo das monarchias;
era facil no decorrer da degeneraçăo da casta, uma familia garantir-se o
poder monarchico. Quando a degeneraçăo se estende ás dynastias, a
monarchia torna-se temperada ou constitucional. É possivel que na
degeneraçăo da burguezia perante o quarto estado, pelo mesmo processo
historico appareçam novos cesarismos.
Vejamos os factores intellectuaes da evoluçăo social. O homem primitivo
faz corresponder á sensaçăo o mundo exterior; á _ideia_, que julga
independente da sensaçăo, o espirito, a substancia: eis a origem do
substancialismo, do livre-arbitrismo, da doutrina das ideias innatas, da
theoria da creaçăo. Reconhecida a dependencia causal da ideia para a
sensaçăo, substitue-se ao principio da substancialidade o principio de
causalidade, e funda-se a sciencia moderna, positiva, monista,
determinista e evolucionista. Por fazer do positivismo uma questăo de
methodo e năo determinar precisamente a origem do causalismo e todas as
suas consequencias, Comte acceitou a irreductibilidade dos phenomenos e
a relatividade dos conhecimentos, principio que occasionou esta recente
recaida idealista. A evoluçăo scientifica năo é deductiva, como queria
Comte, mas inductiva, das ciencias do espirito para as sciencias
mais geraes, as do mundo inorganico; é assim que, por exemplo, a
doutrina da evoluçăo appareceu successivamenie na sociologia, na
biologia e na physico-chimica. Note-se que na astronomia ainda se
admitte a evoluçăo-circular, da nebulosa á nebulosa, e a
evoluçăo-circular foi precisamente a primeira phase do evolucionismo
social; e que nada ha ainda sobre a evoluçăo geral physico-chimica.
Conhecem-se os factores psychologicos da marcha social; conhecem-se os
seus factores biologicos ainda; e muito mal os factores inorganicos.
A doutrina do livre-arbitrio deu origem ao contractualismo na politica,
no direito economico, na familia e no direito penal, punindo o crime,
năo o criminoso. O determinismo, que successivamente, visivelmente na
criminologia, tem passado da sua fórma statica, para uma fórma dynamica,
evolucionista, do motivismo psychologico ao condicionalismo biologico e
anorganico, tem como consequencia necessaria uma constituiçăo
socialista. O direito economico fundar-se-ha sobre o destino social dos
actos, năo sobre o livre-arbitrio dos contrahentes; reconhecido o
governo de leis sociologicas, e o progresso, contradictorio com o
livre-arbitrio, isto é, a eterna possibilidade do homem pensar e
praticar indifferentemente, desapparecerá a necessidade do Estado,
resultado theorico da necessidade de uma eterna intervençăo coactiva
para levar o livre-arbitrio ao Bem; a pena terá um fim socialista, a
adaptaçăo do criminoso á sociedade. Esta adaptaçăo será facil, contra o
que julga a antropologia criminal, que admitte a evoluçăo
anthropologica e social e nega a evoluçăo anthropologica e social dos
criminosos, que, sabendo que a symbolica juridica mostra bem que a
origem da propriedade foi a conquista e que a origem da successăo foi o
culto dos mortos, chama aos attentados contra a propriedade--_delictos
naturaes_. A probidade actual que é senăo o habito violentamente creado
de respeitar a desegualdade economica, hereditariamente transmittido?
Differimos do collectivismo:--na nossa soluçăo final economica, que é
communista; na theoria politica, que é o anarchismo scientifico; no
processo theorico, por isso que fazemos sociologia anthropologica e por
năo fazermos sociologia exclusivamente economica. Os primitivos
socialistas como os primeiros economistas nem sequer suspeitaram a
sociologia, viveram no especialismo economico; n'uma segunda phase
economista e socialista levaram a explicaçăo economica a todos os
phenomenos sociaes, fizeram sociologia economica; n'uma terceira phase a
economia orthodoxa generalisou-se com as outras sciencias sociaes na
sociologia spenceriana. Tudo hoje tambem faz prever a constituiçăo de
uma sociologia socialista. A biologia nunca ousou explicar a evoluçăo
organica só por factores economicos--os que dizem respeito á nutriçăo. O
collectivismo é, em Marx principalmente, um argumento _ad hominem_ com
relaçăo á economia orthodoxa, de cujas entidades metaphysicas tirou
consequencias habeis, mas scientificamente infundadas; Karl Marx vę-se
obrigado a contradizer violentamente as suas theorias, aproximando
o seu socialismo da formula communista da distribuiçăo.
Differimos do anarchismo, apesar de acreditarmos que o Estado tende a
desapparecer pelas rasőes que démos e ainda pelas legitimas deducçőes
sociologicas da doutrina lamarckiana da creaçăo natural dos instinctos,
em virtude da qual o Estado perderá a sua rasăo de ser apenas tenha
formado habitos, que, tornados hereditarios, sejam a base moral da
sociedade futura:--na theoria determinista e anthropologica, e pelo
sentimento profundo da evoluçăo historica. É preciso contar com a
historia, a hereditariedade psychologica; o espirito social năo é
evidentemente a _taboa rasa_ da velha psychologia materialista. A
evoluçăo tem periodos revolucionarios; a _lucta pelo direito_ de Jhering
é a theoria do progresso sanguinolento das sociedades. Mas năo podemos
como o anarchismo ou como o jacobinismo fazer do crime politico uma
metaphysica revolucionaria. Dissémo-nos communistas: devemos notar que a
unica theoria socialista de que saiu uma sociologia, foi uma doutrina
communista, a de Saint-Simon, cuja influencia na obra de Comte é conhecida.
É nitida a nossa posiçăo. Libertos completamente das velhas doutrinas,
hereditariedade morbida muitas vezes secular do espirito collectivo,
affirmamos a necessidade de uma reconstrucçăo social completa. As velhas
theorias sociaes, que săo senăo as velhas tendencias inconscientes, a
que se quer dar um pretexto de que se faz pedantemente uma sociologia,
como o hypnotisado dá um pretexto pueril e julga da sua iniciativa
os actos suggeridos e que inconscientemente praticou?
É no partido republicano o logar dos novos, năo vencidos por essa
_surménage_ mental da historia que caracterisa o momento, para quem a
sociologia năo é apenas um libretto da _Portugueza_, que fazem uma
critica intellectual do que existe, e que deixam a velha critica
jacobina, uma parte de policia carregada.
É preciso que o partido republicano faça, porém, vigorosamente
affirmaçőes socialistas e federalistas. Estas duas correntes poderosas
teem sido vehementemente representadas na propaganda republicana por
Magalhăes Lima, contra aquelles, para quem a republica é toda a sciencia
social e um _ménagesinho patriotico_, e que fazem a sociologia pacata do
bom homem Ricardo.
A questăo politica năo é indifferente, contra o que alguns deduzem do
principio socialista de que as transformaçőes politicas teem apenas
factores e destinos economicos. Os novos devem pois, collocar-se ao lado
dos republicanos, porque a soluçăo politica immediata é a mesma.
Socialistas, achamo-nos reunidos aos orthodoxos, que piedosamente julgam
o socialismo uma metaphysica do roubo. Aproxima-nos uma especie de
_isomorphismo_, porque as nossas e as suas doutrinas crystalisam nas
mesmas formulas politicas.
Socialismo rasgado, năo um socialismo que seja um dilettantismo da
Historia, e que corresponda á velha formula--_panem et circenses_,
politica internacional definida e sem hesitaçőes, tem sido a
propaganda vehemente feita por Magalhăes Lima, que assim abriu uma
nova phase na historia do partido republicano portuguez. Os novos podem,
pois entrar sem hesitaçőes na vida nova do partido.»
* * * * *
JOSÉ FONTANA E SOUSA BRANDĂO
E, uma vez que fallámos nos novos, seria ingratidăo esquecer aquelles
que, pela sua influencia, pela sua dedicaçăo, pela sua actividade e pela
sua propaganda, tanto contribuiram para o derramamento d'estas ideias no
povo portuguez. Refiro-me a José Fontana e Sousa Brandăo.
Ser republicano ou ser socialista n'estes tempos que văo correndo, cousa
é que năo importa um grande acto de coragem ou de audacia. Mas para
affirmar as opiniőes republicanas e socialistas, na época em que
aquelles dois benemeritos o fizeram, requeria-se ainda mais que coragem
e audacia--requeria-se uma grande independencia de caracter e um grande
e soberano despreso pelas conveniencias e interesses pessoaes.
Os que modernamente vieram para a politica, năo sabem, nem podem mesmo
avaliar, o que custava a propaganda n'aquelle tempo. Era uma lucta cruel
e constante, com a familia, com os amigos, e com tudo e com todos.
Ser republicano o mesmo era que ser um doido mau. Socialismo era
synonimo de pilhagem e de liquidaçăo social.
[Gravura: José Fontana]
Os partidos por via de regra, ingratos para com os seus servidores.
Superior, porém, á gratidăo dos partidos, ha o applauso da propria
consciencia. E só pela satisfaçăo do dever cumprido, vale bem a pena
supportar as chufas dos adversarios, as calumnias dos maldosos e a
perseguiçăo dos inscientes e dos inconscientes.
José Fontana era muitas vezes calumniado por aquelles que o năo
comprehendiam. De Sousa Brandăo sorriam-se os _finorios_ e os homens
praticos, como se tivessem dó d'elle. Fui d'essa época, e sei o que isso
era e o que isso custava! Mas que importava? Os calumniadores calaram-se
e os disfructadores desappareceram. José Fontana e Sousa Brandăo săo
hoje venerados e consagrados, em Portugal, como o săo egualmente, na
Allemanha, Karl Marx e Lassale.
E isto porquę?
Precisamente porque elles representaram, na sociedade portugueza,
mais alguma cousa do que as suas proprias pessoas. Elles foram os
genuinos interpretes de uma ideia que honraram e glorificaram, pela sua
coherencia, pela sua abnegaçăo e pelo seu civismo. Foram dois puros e
foram dois fortes. Era differente o processo de cada um. Mas o ideal, o
fim, o objectivo era o mesmo em ambos. José Fontana era o apostolo da
_Internacional_, e ella ahi está hoje mais solida e mais viva do que
nunca, apesar da perseguiçăo dos governos! Sousa Brandăo foi o
evangelista das _sociedades cooperativas_, e ellas ahi estăo hoje a
impôr-se por toda a parte e em todas as classes, apesar dos embaraços e
obstaculos que o capitalismo lhe levanta!
[Gravura: Sousa Brandăo]
Ha quem desanime na lucta e ha quem cance, durante o caminho. Nem um nem
outro souberam nunca o que era o desanimo ou o cansaço. Trabalharam,
combateram, perseveraram e seguiram sempre ávante como os crentes das
antigas religiőes. Edificaram sobre as ruinas e construiram sobre
os escombros do velho mundo. A obra ahi está--bella, soberba,
imponente. O exemplo é d'aquelles que năo morrem nunca e a liçăo é das
que aproveitam sempre. Inspiremo-nos no seu nobre e magnanimo exemplo e
reavivemos nos nossos espiritos a grandeza e a sublimidade da sua liçăo.
A homenagem aos mortos deve constituir um culto para os vivos. E, quando
os mortos se chamam José Fontana e Sousa Brandăo, a homenagem reveste
entăo o duplo caracter de um preito ao amigo querido e de uma apotheose
pelo bravo, pelo apostolo e pelo heróe.
CONCLUINDO
Bom ou máu, ahi fica um rapido esboço do actual movimento. Foi simples a
nossa missăo. Desejando que todos vissem pelos proprios olhos e
palpassem pelas proprias măos, limitámos-nos a fazer a historia do que é
e do que se passa. Historiámos; năo criticámos; narrámos; năo
commentámos. _Savoir pour prévoir, afin de pouvoir_--tal era a maxima de
Augusto Comte. _Saber para prevęr, afim de poder_--tal deve ser o
principio de todos os que, presentemente, se dedicam e consagram aos
estudos politicos e sociaes.
Năo confundamos o ideal com a utopia. O ideal de hoje é a realidade de
ámanhă. O ideal,--disse muito bem Elie Réclus, năo é senăo o
desenvolvimento da realidade. A utopia năo passa, muitas vezes, do
espirito ou do cerebro que a gerou. Mas năo succede o mesmo com o ideal
que encontra sempre uma realisaçăo pratica, no mundo. O socialismo é o
ideal do seculo XIX e será a realidade do seculo XX. Muitos governos
monarchicos começam já a aceitar-lhe as reivindicaçőes e as
consequencias. Gladstone perfilhou, para o seu programma liberal, o
dia normal das 8 horas de trabalho e a responsabilidade nos accidentes.
É socialista o imperador da Allemanha e săo socialistas todos os
governos da Europa. Comprehende-se. Fazendo concessőes ao proletariado,
os reaccionarios e ultramontanos procuram defender-se da onda que os
ameaça, prolongando d'este modo a sua existencia, embora á custa de uma
especulaçăo e de uma hypocrisia. Năo acontece porém, o mesmo com os
partidos avançados. Esses teem de acompanhar o movimento, sob pena de se
suicidarem, năo o fazendo. Ahi fica a advertencia. Quem tem olhos para
vęr, veja; quem tem ouvidos para ouvir, oiça.
N'este livro reproduzi, a largos traços, as minhas impressőes sobre o
congresso operario de Zurich de 1893, desenvolvendo os assumptos ali
tratados, segundo o criterio das diversas escolas socialistas. Aos novos
me dirijo, porque só dos novos ha alguma cousa a esperar. Os velhos săo
impenetraveis ás ideias modernas. Concorre, para isso, o egoismo e a
intransigencia da edade. Seria absurdo esperar qualquer cousa de
proficuo e de util de elementos gastos, cançados, e, em parte,
desacreditados. Já uma vez o disse e năo cessarei de o repetir. O bom
senso publico năo reconhece, em geral, senăo dois partidos--o partido
dos que avançam e o partido dos que recúam. Deixemos recuar os que tudo
sacrificam ao seu interesse pessoal e á sua desmesurada ganancia;
deixemos recuar os timidos, os covardes e os impotentes; e avancemos
nós, unidos, fortes e disciplinados--unidos na acçăo, embora
divergentes na doutrina; fortes pelo sentimento do dever, e
disciplinados pela solidariedade das ideias e dos principios.
A festa do 1.ş de de maio do corrente anno será uma nova affirmaçăo da
força e da importancia do proletariado internacional.
Michelin, o illustre deputado socialista, apresentou ultimamente, na
camara franceza, o seguinte projecto de lei:
«O trabalho é a origem unica e legitima da riqueza. Nenhum producto póde
existir sem o trabalho, que é a condiçăo essencial da liberdade e da
prosperidade do homem, e só, por meio d'elle, se póde assegurar o
progresso e moralisar a sociedade.
«Os trabalhadores tomaram a iniciativa da celebraçăo de uma festa
annual, com o fim de honrar o trabalho. Peço por isso, á camara que
decrete, no sentido de considerar esta festa nacional.
Os poderes publicos, cuja missăo consiste em dar satisfaçăo ás
aspiraçőes do povo, năo podem senăo associar-se a um sentimento tăo
elevado, demonstrando assim o desejo sincero em que estăo de examinar,
para as attender, as justas reivindicaçőes dos trabalhadores que
constituem a immensa maioria do paiz.
«Por estas rasőes, tenho a honra de submetter á camara o seguinte projecto:
Art.ş unico--O 1.ş de Maio é declarado o dia da festa nacional e annual
do trabalho.»
Michelin deseja, por este modo, consagrar o 1.ş de Maio, assim como se
tem consagrado o 14 de julho que é o dia da festa da Republica. Perderia
a festa dos operarios, n'este caso, o seu caracter de resistencia, e
converter-se-hia n'uma celebraçăo pacifica do trabalho. Nada mais nobre
e digno! Aos termos da proposta, associou-se enthusiaticamente o grande
poeta socialista, Clovis Hugues, embora outros divergissem por desejarem
conservar ao 1.ş de Maio a sua feiçăo, radical e revolucionaria, de
combate e de opposiçăo ao existente.
De um ou de outro modo, a celebraçăo do 1.ş de Maio năo deixará de
fazer-se.
Ha um problema a resolver. É a questăo magna do seculo. Ou os governos o
resolvem, ou as sociedades terăo de passar por um cataclismo terrivel.
É este o dilemma. E da soluçăo do assumpto dependerá, no futuro, a
felicidade e o bem-estar dos povos!
FIM
INDICE
SOLEMNIA VERBA 7
O PRIMEIRO DE MAIO 11
O DESENVOLVIMENTO DAS IDEIAS SOCIALISTAS.--Benoit Malon, Luiz Ruchonnet,
Ramón Chies, Victor Schoelcher e Victor Considérant.--Theodoro Hertzka e
o seu Freiland.--No congresso de Zurich.--A Allemanha, a Belgica, a
França e a Inglaterra.--A Italia, a Hespanha e Portugal.--Notas e
commentarios 13
O PROGRAMMA SOCIALISTA.--O programma do partido operario.--Parte
politica e parte economica--Jules Guesde e Paulo Lafargue.--O programma
do partido socialista em Portugal 57
A COOPERAÇĂO DOS TRABALHADORES.--Cooperaçăo e solidariedade.--Instrucçăo
e associaçăo.--O internacionalismo.--As cooperaçőes operarias e alguns
dos seus mais dedicados e fervorosos apostolos.--Cesar de Paepe,
Anseele, Jean Volders, Louis Bertrand 97
ARBITRAGEM INTERNACIONAL.--Sociedades da paz.--Emile Arnaud.--O
militarismo.--Domela Nieuwenhuis.--Arbitragem internacional--Michel
Revon.--A federaçăo e os seus apostolos.--Nacionalismo e
internacionalismo.--Alfredo Naquet.--René Goblet e Augusto Vacquerie.--A
guerra vencida pela arbitragem.--O desarmamento.--Eduardo Vaillant 109
A MULHER.--Resoluçăo do Congresso de Zurich.--A situaçăo da
mulher.--Seus direitos civis e politicos.--A mulher em relaçăo á
industria.--A mulher no estado socialista.--A primeira victoria.--Madame
Paule Mink.--Augusto Bebel.--P. Argyriadés 137
A SOCIEDADE NOVA.--A transformaçăo social impőe-se.--O que é o
collectivismo.--O Estado socialista, segundo Augusto Bebel e Benoit
Malon.--A legislaçăo directa pelo povo.--A Socialisaçăo dos
monopolios.--Hector Denis, Guillaume de Greefe Emile de Vanderwelde.--A
nova geraçăo portugueza.--José Fontana e Souza Brandăo 155
CONCLUINDO.-- 193
RETRATOS
1.ş--Benoit Malon 14
2.ş--Ramón Chies 17
3.ş--Victor Schoelcher 18
4.ş--Victor Considerant 21
5.ş--Theodoro Hertzka 26
6.ş--Amilcare Cipriani 35
7.ş--Frederico Engels 39
8.ş--Liebknecht 41
9.ş--Millerand 44
10.ş--Thivrier 47
11.ş--John Burns 48
12.ş--De Felice 53
13.ş--Jules Guesde 58
14.ş--Paulo Lafargue 60
15.ş--Cesar de Paepe 98
16.ş--Louis Bertrand 104
17.ş--Anseele 105
18.ş--Jean Volders 106
19.ş--Emile Arnaud 113
20.ş--Domela Nieuwenhuis 115
21.ş--Alfredo Naquet 122
22.ş--René Goblet 124
23.ş--Augusto Vacquerie 126
24.ş--Emile de Laveleye 128
25.ş--Eduardo Vaillant 132
26.ş--M.me Paule Mink 149
27.ş--P. Argyriadés 151
28.ş--Augusto Bebel 160
29.ş--Emile de Vanderwelde 173
30.ş--José Fontana 189
31.ş--Sousa Brandăo 190
[1] _Freiland. Ein soziales Zukunftbild_. Leipzig, Duncker und
Humblot, 1889, 10 mk; Dresden, E. Pierson, 1891 e 1892, 3
mk.--_Freeland_, traducçăo ingleza por Arthur Ranson. Londres,
Chatto e Windus, 1892, 6 sh.--_Freiland und die Freilandbewegung_.
Vienna, 10 pf., traduzido por H. La Fontaine, advogado em Bruxellas,
sob o titulo de _Freiland_, un roman collectiviste. Extraits et
résumé. Bruxelles. 1892. Imprimerie Veuvc Mounom.
[2] _Horace Greeley._
[3] B. Malon--_Socialismo integral._
[4] Louis Bertrand.--_La Cooperation, ses avantages et son avenir._
[5] _Discurso proferido no congresso de Zurich._
[6] Michel Revon--_L'arbttrage international._
[7] Serviu-nos de guia, n'este estudo, a traducçăo analytica da obra
de Rebel--_La femme et le socialisme_--publicada por P. Argyriadés.
Vulgarisando a excellente doutrina, procurámos fazer obra de
propaganda e nada mais.
[8] B. Malon--_Le Socialisme Integral._
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O Primeiro de Maio
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Project Gutenberg's O Primeiro de Maio, by Sebastiăo de Magalhăes Lima
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re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
with this eBook or online at www.gutenberg.org
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— End of O Primeiro de Maio —
Book Information
- Title
- O Primeiro de Maio
- Author(s)
- Lima, S. de Magalhães (Sebastião de Magalhães)
- Language
- Portuguese
- Type
- Text
- Release Date
- May 15, 2010
- Word Count
- 42,288 words
- Library of Congress Classification
- HX
- Bookshelves
- PT Política e Sociedade, Browsing: Culture/Civilization/Society, Browsing: Politics, Browsing: Sociology
- Rights
- Public domain in the USA.
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