Cover of Noites de insomnia, offerecidas a quem não póde dormir. Nº 11 (de 12)

Noites de insomnia, offerecidas a quem não póde dormir. Nº 11 (de 12)

Portuguese 20,955 words 349h 15m read Feb 27, 2009

Excerpt

The Project Gutenberg EBook of Noites de insomnia, offerecidas a quem n„o
půde dormir. Nļ 11 (de 12), by Camilo Castelo Branco

This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
with this eBook or online at www.gutenberg.org

Title: Noites de insomnia, offerecidas a quem n„o půde dormir. Nļ 11 (de 12)

Read the Full Text

The Project Gutenberg EBook of Noites de insomnia, offerecidas a quem n„o půde dormir. Nļ 11 (de 12), by Camilo Castelo Branco This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org Title: Noites de insomnia, offerecidas a quem n„o půde dormir. Nļ 11 (de 12) Author: Camilo Castelo Branco Release Date: February 27, 2009 [EBook #28206] Language: Portuguese Character set encoding: ISO-8859-1 *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK NOITES DE INSOMNIA, NO 11 (DE 12) *** Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images of public domain material from Google Book Search) BIBLIOTHECA DE ALGIBEIRA NOITES DE INSOMNIA OFFERECIDAS A QUEM N√O P”DE DORMIR POR Camillo Castello Branco PUBLICA«√O MENSAL N.ļ 11--NOVEMBRO LIVRARIA INTERNACIONAL DE ERNESTO CHARDRON _96, Largo dos Clerigos, 98_ PORTO EUGENIO CHARDRON _4, Largo de S. Francisco, 4_ BRAGA 1874 PORTO TYPOGRAPHIA DE ANTONIO JOS… DA SILVA TEIXEIRA 62--Rua da Cancella Velha--62 1874 BIBLIOTHECA DE ALGIBEIRA NOITES DE INSOMNIA SUMMARIO _O ultimo carrasco, pelo exc.mo snr. visconde de Ouguella--O desastroso fim de Dami„o de Goes--A menina perdida--O heroe da ilha Terceira--O nariz--Jo„o Baptista Gomes--Auto da fť... a rir_ O ULTIMO CARRASCO I Para mim a sepultura ť santa; s„o santas as fundas agonias humanas, ainda quando associadas ao crime. A. HERCULANO. Si l'on demande comment, avec de pareils sentiments, j'ai pu remplir si longtemps les horribles fonctions qui m'ťtaient ťchues en partage, je n'ai que ceci ŗ rťpondre: qu'on vacille bien jeter les yeux sur la condition dans laquelle j'etais nť... C'est le testament de la peine de mort par le dernier bourreau. _Mťmoires des Sanson_ par H. SANSON, ancien executeur des hautes oeuvres de la cour de Paris. Felizmente a civilisaÁ„o do seculo arrancou do nosso codigo esse negro artigo da pena de morte, e esta conquista da illustraÁ„o, que a tenaz perseveranÁa da philosophia alcanÁou gloriosa, depois d'uma porfiada lucta, jŠ n„o půde retrogradar em Portugal, e parabens me dou a mim mesmo de n„o estar jŠ ameaÁado de commetter homicidios, e de sentir gotejar sobre a minha cabeÁa, n'estes meus jŠ bem canÁados dias, o sangue, que uma lei draconiana fazia espadanar no cadafalso. _Historia_ (inedita) _de Luiz Antonio Alves dos Santos_--O NEGRO, ultimo executor de justiÁa em Portugal. A pena de morte serŠ executada na forca pelo executor da justiÁa criminal, em lugar publico, com o acompanhamento da confraria da Misericordia, se a houver no lugar, e dos ministros da religi„o, que o condemnado professar: assistirŠ o escriv„o dos autos para n'elles dar fť do cumprimento da sentenÁa. Nas quarenta e oito horas marcadas no artigo antecedente, se ministrar„o ao condemnado todos os soccorros da religi„o, e os mais que por elle forem requeridos. (Art. 1203 da _Reforma judicial novissima_, decretada em 21 de maio de 1841). O meu quarto, o meu antro, a minha jaula tinha quinze passos de comprido e seis de largura. Era t„o limitado o recinto que nos achavamos face a face--o carrasco e eu. A primeira impress„o que senti, ainda mal, porque se traduziu em factos--arrependi-me depois--foi recuar e esconder as m„os nos bolsos. Na lei, que ordenava o homicidio, ť que eu n„o devia tocar. Era para com o juiz, que proferia a sentenÁa, para com o jury, que condemnava, e para com o ministerio publico, que requeria, que eu devia guardar estas reservas e cuidados. Para com o executor--n„o. Este era o instrumento, era o cumplice, era a forÁa physica, era a machina brutal, inconsciente, estupida e passiva. Era a forca, era a guilhotina, era o patibulo, era o cadafalso, era o pelourinho, era a gargalheira, era o potro, era o equuleo, era a cruz do supplicio--era finalmente o verdugo, o algoz e o sai„o. Era o carrasco. Para com elle, o meu instincto de repuls„o era um absurdo. Toca-se nas rodas dentadas d'uma machina qualquer--quando postas em movimento, se o operario n'um momento de irreflex„o e de imprudencia se aproxima d'ellas--despedaÁam-no, esmagam-no. A roda ť um agente: obedece impassivel ao impulso da diretriz, do motor. E, aliŠs, ninguem despreza a roda, ninguem a reputa aviltante, ninguem a insulta. Que mais vale o carrasco, para que o legislador lhe legasse o desprezo e a consciencia da sua infamia? O movimento de repuls„o, que actuou em mim, n„o fŰra t„o rapido que o n„o observasse Luiz Negro. Observou. Vi rebentar uma lagrima nas palpebras avermelhadas do velho. Rolou-lhe, depois, deslisando na concavidade das rugas, que lhe sulcavam as faces, e foi em espiral, mansamente, gota a gota, perder-se-lhe na espessura das barbas. Conheci a affronta e corrigi-a sem detenÁa. Estendi-lhe a m„o. Apertou-a o carrasco com uma alegria convulsiva. Havia n„o sei que traÁos de gratid„o desenhados n'aquella physionomia franca e aberta. Parece-me tÍl-os ainda impressos na memoria, para remorso eterno da minha consciencia. ęPosso apertar-lhe a m„o com desafogoĽ, exclamou elle, com uma voz surda e rouca. Senti-a primeiro no coraÁ„o antes de me entrar nos ouvidos. ęFelizmente, nos abysmos da minha profunda desgraÁa, resta-me uma consolaÁ„o...Ľ Hesitou. Depois proseguiu: ęconsolaÁ„o unica, que me alumia a existencia, e mitiga os pezares que me v„o n'alma: as minhas m„os est„o puras, tenho-as immaculadas da forca, n„o arroxearam jŠmais, com a soga, a garganta dos padecentes--n„o derramaram nunca o sangue das victimas que a lei sem respeito pela vida humana, e a que por escarneo chama justiÁa, obriga outro nomem a derramar. ęVenho, aqui, para o conhecer. N„o tenho por costume procurar presos. Nem os busco, nem lhes fallo. Mas sei que ť adversario da pena de morte; quiz vÍl-o face a fece. Era justo que o carrasco e o homem de lei conversassem em intima convivencia. Estamos em presenÁa um do outro: escutar-nos-hemos reciprocamente.Ľ E ao passo que Luiz Negro se exprimia assim, perguntava eu a mim mesmo--quantas m„os mais polluidas, menos nobres, menos dignas e menos puras teria eu apertado na minha vida. Assim como Talleyrand, se Talleyrand era--n„o me falhando a memoria--asseverava, que a palavra fŰra dada ao homem para mentir, tenho para mim que os respeitaveis e acreditados luveiros da nobre cidade de Lisboa foram nascidos e educados, para nos evitarem o contacto de m„os, que nos podem contagiar com estes virus paludosos, que por ahi v„o medrando Š sombra de magnificas protecÁűes. Quando o carrasco proferia as ultimas palavras, que acabo de narrar, chegava o meu almoÁo, trazido por um criado, e acompanhado por outro, que tem sido para mim como o Caleb de Ravenswood, descripto por Walter Scott. Em seguida appareceram amigos meus, trazidos ao Limoeiro pelo desejo de me acompanharem nas horas, em que, sendo-lhes permittida a entrada, eu me achava mais sů. Sentaram-se em torno da mesa. Luiz Negro almoÁava comnosco. Fallavamos de tudo. Ignoravam todos o mister do meu novo hospede. Viam um homem avanÁado em annos, envolto n'um casaco escuro que tinha fůrmas de tunica, silencioso, calado e triste, comendo sem nos interromper a nůs que esqueciamos as grades, os ferrolhos e os guardas--e arrastados pela nossa imaginaÁ„o peninsular nem sequer pensavamos no governo. Fui sempre um conspirador assim--em que pese esta modesta confiss„o minha ao illustre e meritissimo juiz do processo. N„o direi os nomes dos meus amigos, n'este jovial almoÁo, com receio de os denunciar Šs iras, e aos instinctos odientos dos consules actuaes. Receio que lhes abram assento no santo officio regenerador. A conversaÁ„o ia cortada em dialogos cheios de vida, recamados de originalidade e opulentos na elegancia do dizer e na facilidade da phrase. Poderia parecer uma academia litteraria, se n„o fosse uma enxovia. Vivia eu, ent„o, n'um carcere que me dizem ter sido morada de Diogo Alves nas vesperas do seu supplicio. As paredes, se n„o conservavam tradiÁűes de taes luctas legaes, guardavam, pelo menos, os vermes, que formam o apanagio e arrhas d'estes lugubres esponsaes com as nossas cadeias. Ao terminarmos a nossa refeiÁ„o, quando o fumo dos cigarros e charutos comeÁava a ennovelar-se em densas espiraes, velando-nos as faces, disse para os meus amigos e alegres convivas, que me penitenciava alli d'um erro grave, erro de lesa polidez, porque os tivera, por t„o largo espaÁo e em t„o intima convivencia, com pessoa para elles desconhecida, sem os apresentar, conforme ordenam e exigem as demoradas pragmaticas e minuciosas etiquetas britannicas. Ninguem o conhecia. Sů eu. Enchi-me d'animo e terminei assim: ęMeus senhores, tenho o prazer de lhes apresentar o carrasco.Ľ Houve um silencio profundo. Parecia que um d'estes tremendos cataclysmos, de que sů a natureza tem o segredo, se desencadeŠra em torno de nůs. As minhas palavras reboaram como o choque d'uma pilha voltaica--faltavam-lhes, apenas, as chispas eletricas. A sensaÁ„o foi grande. N„o era temor, n„o era medo, n„o era susto, que contagiŠra d'esta sorte todos os meus amigos. Era repuls„o. Sentiam-se todos inficionados d'este contacto. Parecia que haviam respirado os gazes deleterios, os fluidos mephyticos d'algum charco paludoso. E todavia diante de nůs estava um homem, feito Š imagem de Deus, segundo rezam as piedosas lendas biblicas. Estava um irm„o nosso, um filho da mesma raÁa, nascido na mesma patria, educado na mesma religi„o de amor e de perd„o, e fůra a lei e os seus levitas, que o haviam convidado, constrangido ou subornado, a exercer as cruentas e sinistras funcÁűes d'aquella magistratura de sangue. Venerar e respeitar os authores das monstruosas carnificinas, que se appellidam em phrase composta e decorosa ępena de morteĽ desprezando, ao mesmo tempo, o mandante e forÁado executor de uma penalidade absurda e irreparavel, pareceu-me sempre um contrasenso abjecto, um preconceito irrisorio, uma aberraÁ„o torpe e vill„. O pudor deslocado n„o ť virtude: ou ť hypocrisia ou imbecilidade. Achei sempre muito mais racional a doutrina de De Maistre. Divinisava quasi o carrasco, elevava-lhe o mister Š altura de sacerdocio. Bem haja elle. Pelo menos era logico, consequente e audaz. As situaÁűes definidas teem a severidade do raciocinio, a coragem dos dogmas que enunciam, o supremo valor e a immensa lealdade de aceitarem francamente as consequencias fataes e necessarias dos seus actos. Em ťpocas d'uma triste cobardia moral, escůlas que formulam as suas doutrinas, sem tergiversaÁűes nem receios, merecem o respeito de todos nůs; porque qualquer que seja o absurdo dos principios existe, pelo menos, alli, a fť viva que os escuda e defende. Mas nas escůlas dos doutrinarios ou conservadores modernos qual ť o credo ou symbolo do seu programma politico e social? Vejamos. Explica-o Littrť por fůrma tal que me tira o desejo de o dizer: ęN„o ť sů a FranÁa--ť a Europa inteira que se acha dividida em tres escůlas politicas: a escůla retrograda, a escůla revolucionaria e a escůla estacionaria ou conservadora. Buscam todos um d'estes tres balsűes. E cada um se liga e enfileira ou Šs instituiÁűes do passado ou trabalha para a sua destruiÁ„o ou busca, n'um equilibrio--physica e moralmente impossivel--um ponto de apoio, no encontro d'estas duas forÁas oppostas.Ľ As resultantes, n'estas absurdas combinaÁűes de forÁas, s„o as catastrophes. A escůla estacionaria, rigorosamente fallando, n„o tem doutrina sua. Existe, medra e espreguiÁa-se no seio d'estas convulsűes sociaes, aceitando os principios da revoluÁ„o, cujas consequencias repelle, e dobra-se, curva-se e sujeita-se Šs conclusűes da escůla retrograda, ao _ultimatum_ da sua doutrina reaccionaria--simulando, aliŠs, um profundo horror pelos seus principios. N„o ť um systema esta evoluÁ„o do seu procedimento--ť um expediente, que vive da impotencia a que por mais d'uma vez as outras duas escůlas se teem reduzido. E ha tanta verdade n'estes confrontos, que vemos os conservadores, arrastados pelo medo--terror panico dos espiritos timoratos e dos homens enriquecidos Š sombra das revoluÁűes--mergulharem atť ao lŰdo das escůlas retrogradas, como em busca d'um local recondito e mysterioso onde possam esconder e occultar os seus haveres. O pavor produz estas allucinaÁűes. Como se o passado podesse encobrir o trabalho accumulado para o futuro! Luiz Negro era um homem intelligente. Percebeu que eu queria levantal-o, alli, deixando a responsabilidade da sua profiss„o Šquelles que lh'a deram, e que, em seguida, o desprezavam tambem. Ergueu-se, olhou-nos a todos quando se achou de pť, e confesso que nos dominou. O patibulo, que ť um lugar elevado, deve ter fascinaÁűes e delirios deslumbrantes, como os teem os thronos, as eminentes funcÁűes do estado, e a cadeira gestatoria dos pontifices e santos padres. Para alguma cousa deve servir estar mais alto do que os outros homens. Foi n'uma montanha--rezam assim as piedosas chronicas do Nazareno--que Satanaz quiz tentar Jesus. O carrasco, no meio de nůs, fitando-nos a todos--com um olhar profundamente triste, que era o resumo d'uma existencia horrivel--possante, herculeo e espadaķdo como um gladiador dos circos da Roma pag„--era mais do que um homem: era um phantasma. A alegria esvahiu-se. Era t„o profundo e completo o silencio, que o zumbido d'um insecto qualquer ter-nos-hia parecido uma convuls„o medonha no globo que habitamos. JŠ a mim mesmo me reprehendia eu d'esta apresentaÁ„o inopportuna. Luiz Negro mediu-nos a todos com um olhar profundo e scintillante. Havia o que quer que era de feroz e sinistro nos primeiros lampejos d'aquella vista penetrante. Depois amorteceu-se. Em seguida as lagrimas rebentaram-lhe por entre as palpebras, a ferocidade diluiu-se-lhe n'aquelle imperceptivel chŰro, e momentos mais tarde havia um olhar de mansid„o e de ternura a expandir-se, com uma meiguice extraordinaria, por sobre nůs. Desapparecera o carrasco. Estava o homem. ęMetto-vos mÍdo? Faz-vos pavor a minha presenÁa? N„o ha raz„o nem motivo para tanto. De mim sei dizer e posso assegurar que estou livre de odios e de ruins paixűes contra quem quer que seja. Tenho no meu coraÁ„o um thesouro inesgotavel de perdűes--ainda mesmo para aquelles que me acarretaram os infortunios da minha vida.Ľ Continuava o silencio. Luiz Negro proseguiu: ęSou christ„o. Aprendi, portanto, a perdoar nas liÁűes do Divino Mestre. Elle--que levantou a dignidade do homem com o seu proprio martyrio. ęQuebrou as algemas da escravid„o do mundo antigo para implantar, na terra, a liberdade, a igualdade e a fraternidade--trindade augusta d'esta religi„o d'amor. ęAo visconde hei de eu contar largamente a minha vida. Hei de dar-lhe a narraÁ„o escripta do triste fado da minha existencia. Quem, como eu, sů espera do sepulchro--da valla, direi melhor--o silencio e o repouso, n„o pretende nem quer illudir ninguem. ęRetiro-me. Sinto-me aqui de mais. Apavora a minha presenÁa com o sinistro nome que me deram.Ľ Devo dizel-o: estenderam-se-lhe todas as m„os. Nem uma sů houve, que se esquivasse a este signal de pura cordialidade com que os homens se buscam e apreciam. Ao cerrar da porta, ouvi que me dizia: ęAtť Šmanh„.Ľ Este ęŠmanh„Ľ seria a sua historia. Ao passo que o carrasco descia os setenta e sete degraus, que conduziam Š minha jaula, fiquei eu isolado e silencioso no meio dos meus amigos. Perguntava a mim mesmo o que tinha ganho a sociedade, nas suas cruezas e ferocidades, ainda depois da inquisiÁ„o. Havia ao menos--alli--a logica brutal das feras, havia os instinctos felinos d'aquelle tribunal catholico. E nůs a recebel-os e a apertar-lhes a m„o--aos successores, e filhos dilectos d'estas infamias! E nem sentimos as chispas de fogo, as gotas de sangue, os gemidos de tantas victimas! Muito podia e muito půde a reacÁ„o! Diga-o Pelletan. A inquisiÁ„o n„o tinha sů jurisdicÁ„o sobre a vida humana: n„o lhe escapava a propria morte. Assim como a hyena na ferocidade dos instinctos levantava, cavando, a terra dos cemiterios, assim ella, a inquisiÁ„o, desenterrava os ossos dos suspeitos posthumos, escavava, nas vallas, a podrid„o dos cadaveres dos impios, fabricava, com esqueletos, heresiarchas e herejes, interrogava gravemente os espectros, queimava-lhes os detrictos, e as cinzas arremeÁava-lh'as ao vento. Fica entendido, que os bens--pelo confisco--n„o os entregava aos herdeiros. E com todo este apparato affectava ares e modos de suprema beatitude. Havia cheiro de santidade em todo o seu procedimento. ComeÁava por si. Chamava-se a santa fť. Era a pris„o a santa casa, o seu tribunal o santo officio, a sua policia a santa irmandade, o sambenito a sua librť, e para mostrar que em tudo seguia a phrase evangelica, proferia palavras d'uma mansid„o ineffavel. Quando estorcia e quebrava os membros da victima, do paciente pela tortura, chamava a este hediondo facto: interrogar com bondade--_benigniter_. Ao condemnar Š fogueira, acrescentava logo com doÁura evangelical, que applicava a pena mais suave: _poena clementissima_. Ao inscrever a sentenÁa de morte, no seu registro funerario, designava o compendio d'estes horriveis morticinios, pelo nome de livro de vida: _liber vitae_. Se entregava o padecente ao carrasco, em vocabulo t„o amoravel que parecia absolviÁ„o, dizia que o relaxava: _relaxare_; e, quando, finalmente, o condemnado ia a caminho do supplicio escrevia, com letras d'ouro, na sua seraphica bandeira, a palavra _misericordia_! A inquisiÁ„o era dŰce, suave e meiga na fůrma, como o s„o todas as medonhas infamias e todas as fundas hipocrisias. Conta-se do crocodilo, que imita, nos juncaes, os gemidos infantis da crianÁa que se afoga, para arrastar os coraÁűes generosos a acudir-lhes e devoral-os. No baixo imperio, quando as sociedades se estorciam, nas mais baixas e degradantes vasas de cynismo, de hediondez e d'abjecÁ„o, a polidez das fůrmas era inimitavel e soberanamente cortez. Custava a conter na memoria as classificaÁűes, t„o adjectivadas, dos mais ignobeis e crapulosos misteres palacianos. Rezavam as chronicas, estatuiam diariamente os rescriptos dos principes, determinavam os decretos imperiaes as designaÁűes de illustrissimos e eminentissimos senhores--applicadas e votadas estas grandezas--se grandezas ha, n'esta torpe nomenclatura--Š escoria dos eunuchos e dos devassos das aulas regias. Todos estes vocabulos iam envoltos na podrid„o e na torpeza da mais vil malvadez, e no lŰdo aviltante, e vasa immunda e mephytica dos escravos, levantados, sem crenÁas e sem fť. Vieram depois os barbaros. Vieram bem. Sahir„o agora do quarto estado? Talvez. A raÁa latina carece d'uma nova transformaÁ„o. D'onde virŠ? Aviltada, corroida, podre e corrupta em FranÁa, na Italia e em Portugal, olha a medo para a Hespanha. Estremece de susto e pavor ao encarar os delirios d'um povo que parece barbaro, e que faz esforÁos sobrehumanos, para se regenerar e tomar assento nas Šgapes das civilisaÁűes, modernas. PoderŠ concluir e completar esta transformaÁ„o? N„o posso nem quero crÍr na aniquilaÁ„o dos povos da familia latina. Nůs somos a express„o mais perfeita da raÁa indo-europÍa. Assim como, em 1789, a nobreza devassa, leviana e egoista preparou o engrandecimento da burguezia, assim, tambem, os gravissimos e repetidos echos d'esta classe est„o apressando e dando vida ao futuro indestructivel do quarto estado--Š regeneraÁ„o da nossa raÁa pelo povo. Seria longo estudar, aqui, as numerosas causas da decadencia e da fatal destruiÁ„o, que v„o gangrenando, sem elixir reparador, a nobreza, o clero e a classe media. Um dia o povo escreverŠ a historia de todas estas podridűes. * * * * * Os meus amigos sahiram pouco depois do carrasco. Esperei ancioso pelo dia seguinte. Na solid„o da cadeia, entregue por t„o longas horas da tarde e da noite ao silencio e Š reclus„o, ignorando a sorte que me esperava, e os planos que forjaram os meus inimigos, buscava todas as distracÁűes, que o acaso ou a sorte me depararam, para sahir do torpŰr moral e da tristeza profunda que me ia n'alma. As horas corriam t„o lentas e vagarosas, que me aconteceu, por vezes, esperar, com prazer, os momentos em que os guardas vinham, no silencio da noite, correr-me os ferros da minha janella, para se confirmarem e terem a certeza de que eu n„o tentava fugir. Sorria-me sempre a este acto nocturno e solemne da minha vida de prisioneiro d'estado. VISCONDE DE OUGUELLA. O DESASTROSO FIM DE DAMI√O DE GOES N„o era boa pessoa. Tinha talento, fazia chronicas de reis, escrevia em variados assumptos; mas era mordacissimo, deslinguado, e desluzia as geraÁűes dos seus inimigos com a injustiÁa propria da sua malquerenÁa. D. Antonio de Athayde, conde da Castanheira, e valido de D. Jo„o III, foi um dos fidalgos mais aggravados. Uma satyra appareceu na cŰrte por aquelle tempo, precisamente no anno 1554. Um homem vestido de frade a entregou pessoalmente ao rei. Diogo de Paiva de Andrade (_Memorias ineditas_) refere assim o caso: _Um frade capucho, ou, como tambem se disse, pessoa que vestiu aquelle habito, procurou com grande empenho fallar a D. Jo„o III, que estava no paÁo da Ribeira, em occasi„o que se recolhia a dormir a sesta; e, pelo esforÁo que fazia em se lhe dar recado, se deu parte a el-rei; o qual mandou entrar o frade. Este se queixou extraordinariamente de um regulo que havia na sua terra, pedindo a sua alteza desaggravasse o opprimido povo; e, acabando de fallar, se retirou, entregando-lhe um papel. Abriu el-rei o papel; e, vendo que era uma satyra contra o conde da Castanheira, D. Antonio de Athayde, ordenou logo fossem em busca do frade; e, por maiores diligencias que se fizeram, n„o foi possivel encontral-o. Este papel guardou el-rei na sua guarda-roupa, d'onde o pŰde haver Dami„o de Goes que, copiando-o, o deixou junto a um nobiliario, que tinha escripto das familias d'este reino, e d'aqui teve origem, sem fundamento, a seita puritana; porque, depois de descompŰr o conde na figura e nos costumes, o infamou na familia, nas seguintes quadras:_ _Mestre Jo„o sacerdote, de Barcellos natural, houve de uma moura tal um filho de boa sorte._ _Pero Esteves se chamou; honradamente vivia; por amores se casou com uma formosa judia._ _D'este (pois nada se esconde) nasceu Maria Pinheira, m„i da m„i d'aquelle conde que ť conde da Castanheira._ Em outro lanÁo das _Memorias_, Diogo de Paiva, reportando-se novamente a este caso que estrondeou n'aquella ťpoca, acrescenta: _Dami„o de Goes, bem conhecido n'este reino por seus escriptos, foi grande inimigo de D. Antonio de Athayde, 1.ļ conde da Castanheira, e valido de D. Jo„o III; porque apparecendo em palacio a celebre satyra contra o mesmo conde, que deu causa Š murmuraÁ„o de Maria Pinheira, Dami„o de Goes a ajuntou a um nobiliario que tinha escripto;--sabendo-o o conde, o esperou na rua Nova de Lisboa uma noite, e lhe deu com um pau. Augmentou-se de parte a parte a inimizade; e, achando-se D. Antonio de Athayde na casa da India uma manh„, como vedor da fazenda, e Dami„o de Goes como feitor de Flandres, que havia occupado, ahi se travaram de razűes, e o conde lhe deu com umas luvas na cara._ A satyra, que D. Jo„o III releu muitissimas vezes, e outras tantas fechou no contador dos seus papeis particularissimos, devia de ser acerba para o vingativo conde, e mortalmente funesta para Dami„o de Goes. O leitor, sem duvida, deseja vÍl-a, porque, se a n„o viu manuscripta, com certeza a n„o encontrou ainda impressa. As tres quadras trasladadas por Diogo de Paiva s„o as unicas apenas conhecidas dos leitores de genealogias; mas o mordaz poema comprehende sessenta e quatro quadras. Por n„o empecer Š curiosidade, dou primeiro o traslado da satyra; h„o de vÍr depois outras cousas importantissimas no caso. TROVAS QUE SE MANDARAM DAR A EL-REI D. JO√O III POR UM FRADE DE SANTO ANTONIO, DOUS ANNOS ANTES DA SUA MORTE, E AS TINHA NA SUA GAVETA, E AS LIA ALGUMAS VEZES, E AS MANDOU QUEIMAR POR MANOEL DE S. THIAGO NO DIA QUE VEIO DA MISERICORDIA, TRES DIAS ANTES DO SEU FALLECIMENTO QUE FOI A 22 DE JUNHO DO ANNO DE CHRISTO DE 1557. 1 Deus sabe que esconder a minha tenÁ„o n„o posso; e, por seu serviÁo e vosso, digo quanto aqui disser. 2 Se sobre isto o dessirvo, com a clemencia que sůhe, como a vassallo e captivo, que o ama, me perdoe. 3 Um poeta dos latinos a um seu amigo escrevia: ęJŠ agora a terra cria homens maus e pequeninos.!Ľ 4 Como que, com a idade tudo canÁa e nos esquece, afůra sů a maldade, que esta sempre prevalece. 5 Homens bons de muito ser n'esta terra haver sohia; ainda os ha; mais haveria, se os deixassem viver. 6 Os que mettem pelos portos mercadorias defezas, com que os mortos s„o mortos e os vivos s„o suas prezas, 7 Esses no reino metteram mentiras e judiarias, baixezas e hypocrisias que toda esta terra encheram. 8 E tanto quÍ, můr valia tem jŠ isto em Portugal que droga, cravo e tincal, nobreza e cavallaria. 9 Mas de um, que tudo pende[1], vos direi, senhor, um pouco, em que me tenhaes por louco; que Deus calar me defende. 10 Pois dŠ brado sem cessar-- diz Izaias--e canta; como trombeta, levanta tua voz sem descanÁar. 11 E elle, que tudo ť, tudo nos salva pela tenÁ„o! VÍr eu tanta perdiÁ„o me faz fallar, sendo mudo. 12 E eu, com esta ousadia, o direi, porťm com febre, que em sua physionomia vereis melhor que tem lebre. 13 Convenho no que se diz: DÍs que o mundo se criou, aquelle a quem Deus bem quiz no rosto lh'o amostrou. 14 Apůs isto, no cabello, na sombra t„o infernal; de estopa de ruim pello nunca se fez bom sayal. 15 As sobrancelhas hirsutas maiores que abebedouro, no meio da testa justas, signal ť de mau agouro. 16 Olheiras por meio rosto, olhos tristes, embaciados, risinhos falsos, sem gosto, pensamentos esfaimados. 17 Esfaimados de cobiÁa, de soberba e de inveja, de quantos males atiÁa quem todo o mundo deseja. 18 Esfaimado de suspeitas, enganos e falsidades, e palavras contrafeitas onde nunca entrou verdade. 19 Esfaimado por lanÁar o reino e terra a perder, o preÁo, a honra, e o ser dos que s„o para estimar. 20 Esfaimado e esfaimado por acabar de roubar honra, fazenda e estado de quem isto lhe foi dar. 21 Ente do seu parecer, nas obras do tanta perda, parentesco deve ter co' ladr„o da m„o esquerda. 22 … um sem fundo, adverso da direita e do envez, em ser ruim e perverso da cabeÁa atť aos pťs. 23 Do qual ousei affirmar, a um seu (ninguem se espante) pardelhos e calcanhar s„o mores que por diante. 24 S„o de ladr„o calcanhares, dizem todos a uma voz, faz com ratos nos altares mais lavoura que na foz. 25 Tť quando, pois, durarŠ, Senhor, t„o cruel engano, sortido em tanto damno, trinta e tres annos ha! 26 Ponhamos em termos isto, vejamos quem tem raz„o, seja juiz Jesus Christo em quem n„o ha suspeiÁ„o. 27 Vossa alteza que achou n'este homem feito empelado, que assim se apoderou de si e do seu estado? 28 Entregues Š sua vontade d'onde dependem as leis, tudo podem dar os reis, salvo sua liberdade. 29 Este, tudo tem de vůs, com que se fez soberano, ingrato, cruel tyranno, a Deus, a vůs e a nůs. 30 Este, a mais sobre todos, este credes desde a...[2] este tem comvosco os modos de D. Alvaro de Luna. 31 Senhor, que engano ť este? como n„o fugis d'este homem de que tantos outros morrem por ser o seu mal de peste? 32 Que sů dous, tres dias, dura qualquer outro em vossa graÁa, logo de vůs a rechaÁa sua levaÁ„o[3] sem cura. 33 N„o podem ser todos maus; elle sů ť virtuoso, sendo, Š fť, falso raposo todo cheio de _desvaus_(?). 34 Faz quanto se lhe antoja; e diz, quando adoece: ęQuem me visita, me enoja, Quem o n„o faz me aborrece.Ľ 35 Olhai lŠ pelo virote! Amaes-lhe os cabellinhos? Criai-lhe bem os filhinhos, governai por este norte. 36 Em qualquer outra pessoa passŠra isto por graÁa; que quem n„o tem cousa sua, ponha os seus bofes na praÁa. 37 Malditos sejam os pais que geraram t„o mŠ cousa, de que todos d„o mil ais, e nenhum fallar n„o ousa! 38 Por terem reconhecido ser de vůs apoderado, como Deus ť adorado, como o diabo ť temido. 39 Dai ao demo este diabo, dai este diabo ao demo! N„o ť bom, n„o vol-o gabo, de governalho e de remo. 40 N„o se lhe sabe virtude, n„o viu le„o nem pelejou, nem mortos resuscitou, dos vivos tolhe a saude. 41 Pois que milagres s„o estes, que siso, que discriÁ„o, pois que assim lhe concedestes o da vossa jurisdicÁ„o? 42 Se elle fŰra sisudo e discreto em seus modos, n„o governŠra elle tudo, e mais com dolo de todos. 43 … da gloriosa lei, que a todos nůs ensina, imigo, e de Deus e Rei ante quem todos malsina. 44 Se vos tem amor ou n„o, n„o ť texto de HipocrŠs; as obras vol-o dir„o, n„o cureis dos seus _salŠs_[4] 45 que s„o figuras, e basta, vill„s reverenciaduras com que vos caÁou e arrasta por nossas desaventuras. 46 Que o criado verdadeiro que tem verdadeiro amor, mais que o seu, e primeiro, sente o mal de seu senhor. 47 Nos conselhos, vossa alteza em elle sůmente crÍ; sendo tudo na grandeza da perdiÁ„o que se vÍ. 48 Por seu conselho casou a princeza em Castella[5]; vÍde como Deus livrou este vosso reino d'ella. 49 Por seu conselho deixastes quatro lugares aos mouros[6]; verdade ť que poupastes com isso grandes thesouros. 50 Mas por seu procurador poz Deus boas contraditas, que n„o fizessem mesquitas nos templos do Salvador. 51 Ao duque poz suspeiÁ„o; que sempre em tudo procede por ser parente d'Abrah„o e tambem de Mafamede. 52 Que como homem antigo parece que lhe sabia a sua genealogia, que ť esta que aqui digo: 53 Mestre Jo„o sacerdote, de Barcellos natural, houve de uma moura tal um filho de boa sorte. 54 Pero Esteves se chamou, honradamente vivia, por amores se casou com uma formosa judia. 55 D'este (pois nada se esconde) nasceu Maria Pinheira, m„i da m„i d'aquelle conde, e sua avů verdadeira[7]. 56 VÍde se era bem provada esta sua suspeiÁ„o; mas n„o aproveita jŠ nada onde sobeja a affeiÁ„o. 57 E com juiz t„o suspeito, mal inclinado, teimoso, desalmado, cubiÁoso, todos perdem seu direito. 58 Farto trabalho receio lhe faz tal sentenÁa dar: christ„o e sisudo meio para o meu aproveitar. 59 Antepor a Deus fazenda receio, e maior trabalho; nunca jŠ serŠ atalho mas rodeio sem emenda. 60 Veja isto vossa alteza nas cousas que tal causaram, pois que todas se dobraram e muito mais a pobreza 61 E como, para poupar gastos, se faz a tal obra, Ai! da naÁ„o que sossobra, e dobra-se o individar. 62 Em os taes conselhos v„os verŠ o mais a que veio; nascer„o mil de um receio de mouros aos bons christ„os. 63 O trabalho era d'alťm em meritoria guerra; agora, a alťm e Šquem, em todo o mar e na terra. 64 Vůs, senhor, n„o tenhaes pouca culpa n'este feito; peÁo-vos tudo gemaes sempre dentro em vosso peito. O author da satyra era o proprio Dami„o de Goes, que ajuntŠra a copia ao seu nobiliario; e o portador d'ella a D. Jo„o III fŰra um familiar do conde da Portella, inimigo do conde da Castanheira. Assim m'o assevera o padre D. Manoel Caetano de Sousa, aquelle doutissimo theatino, cujas 289 obras em varias linguas catalogou o conde da Ericeira, no livro intitulado _Bibliotheca Sousana_[8]. Entre os manuscriptos que tenho do insigne academico estŠ a satyra copiada com mais razoavel orthographia da que Dami„o de Goes interpozera na genealogia do conde da Castanheira. _Formosa_, lhe chama elle. A mim me n„o quiz parecer cousa para mediana admiraÁ„o. A escůla de SŠ de Miranda n„o půde gabar-se de mui notavel alumno no engenho de Dami„o de Goes; todavia, mais como documento historico, e pouquissimo como modelo de poesia, a considero dignissima da publicidade. O esclarecido possuidor da satyra invectiva contra Dami„o de Goes alcunhando-o de detrahidor de alheios creditos. Eis a textual exprobraÁ„o do clerigo: _Tudo isto continha aquella formosa satyra de que se n„o sabem mais que as coplas 53, 54 e 55, as quaes malicia e inveja encommendaram mais Š memoria por encerrarem em si falta que se transfunde na posteridade quando n„o ť t„o falsamente imposta como n'este caso. Cheias andam as Memorias dos genealogicos de argumentos que convencem de falta aquella impostura; aos quaes eu sů acrescento que n„o quero maior prova de sua falsidade do que vÍr aquellas coplas, entre tantas t„o maledicas, que dizem de um sů homem, e t„o grande como aquelle conde foi, tantos defeitos que n„o cabem em tantos homens vis e facinorosos; e vÍr que nas coplas 9, 10 e 11, quer o author com pouco respeito Šs divinas escripturas attribuir a impulsos do Espirito Divino os que sů s„o effeitos do espirito maligno que sem duvida levaria comsigo ao inferno o author das coplas, se elle antes de morrer se n„o desdissesse como se affirma que desdisse. E Deus que ť summamente justo quer que aquelle mesmo conde, cuja descendencia, n'esta satyra, se emprehendeu infamar, tivesse uma mui esclarecida descendencia, cheia de varűes insignes em santidade, letras, armas, dignidades ecclesiasticas e seculares as maiores que se podem conseguir em Portugal, como sabem os que tem menos que mediana noticia das familias d'este reino, na qual sempre os mais sisudos tiveram estas coplas por falsidade_[9]. Dami„o de Goes, em favores ou desfavores genealogicos, n„o era extremamente consciencioso. Quando recolheu das suas illustradas viagens, procurou Antonio Carneiro, secretario de estado d'el-rei D. Jo„o III, e entregou-lhe um papel em que demonstrava que a sua familia d'elle secretario descendia do duque de _Mouton_, de FranÁa, que aportuguezado dizia ęCarneiroĽ. O ministro sorriu-se de zombaria Š destampada lisonja, lanÁou o papel, sem o abrir, ao brazido de uma chaminť, e disse a Dami„o de Goes:--ęContento-me com que os meus descendentes contem como progenitora a honra com que procuro viver sendo util ao rei e Š patria.Ľ Antonio Carneiro bem sabia que n„o procedia dos _Moutons_. Era natural do Porto, e de familia honrada. Foi a Lisboa por dependencia que tinha de Pedro Fernandes de AlcaÁova, escriv„o da fazenda d'el-rei D. Jo„o II. Pedro Fernandes tanto se lhe affeiÁoou que, alťm do prompto despacho, o convidou a ficar na cŰrte, empregando-o no expediente do seu officio. Como Antonio Carneiro fosse o encarregado de levar a despacho real o sacco dos papeis, n'estas idas ao paÁo, deu trela ao coraÁ„o, e requestou D. Brites de AlcaÁova, filha do seu protector, e dama da rainha. Casou-se com ella a furto; mas, publicado o delicto, foram ambos degredados para a ilha do Principe. Decorridos annos, as reiteradas supplicas da desterrada commiseraram o coraÁ„o do pai. Veio Antonio Carneiro para o reino com sua mulher, e logo se habilitou para secretario do despacho universal de D. Manoel, revelando-se politico sagacissimo. Semelhantes honras lhe concedeu D. Jo„o III, e com ellas o senhorio da ilha do Principe, onde havia gemido degredado e pobre. Morreu aos 86 annos de idade, deixando larga descendencia. Se leram _Dami„o de Goes, e a InquiriÁ„o de Portugal_, estudo biographico de Lopes de MendonÁa, ou sequer a summariada noticia que escreveu o snr. Innocencio Francisco da Silva, sabem que o adversario do conde da Castanheira, denunciado pelo padre Sim„o Rodrigues, foi preso como lutherano nos carceres da inquisiÁ„o, d'onde o mandaram penitenciar-se em reclus„o austera no mosteiro da Batalha. Concluido o prazo da expiaÁ„o, quando jŠ orÁava pelos setenta annos, transferiu-se a sua casa. Um dia--diz o snr. Innocencio, atido ao testemunho de memorias contemporaneas--o velho chronista d'el-rei D. Manoel foi encontrado morto, _quer de accidente apopletico, quer assassinado por domesticos ou estranhos_. D. Manoel Caetano de Sousa refere que a maledicencia heraldica de Dami„o de Goes n„o despontŠra com a velhice, antes se afiŠra mais na pedra do rancor aos que elle suspeitava seus inimigos. O segundo conde da Castanheira, desforrando-se dos velhos e renovados ultrajes a Maria Pinheira, mandou criados seus moÍrem com saccos de arÍa o anci„o no pateo de sua mesma casa; e de modo se houveram, que Dami„o de Goes apenas teve forÁas que o arrastassem Š cama, onde se desprendeu da vida, e mormente da lingua que tantos trabalhos lhe custŠra. Esta relaÁ„o do theatino Sousa encontrei eu confirmada em um Nobiliario de Pinheiros, que pertence ao meu joven e illustrado amigo Vicente Pinheiro de Mello e Almada, filho do primeiro visconde de Pindella, e tambem descendente de D. Maria Pinheira. Concluo rogando aos barűes do meu conhecimento que me n„o faÁam moÍr com saccos de arÍa, se eu alguma vez lhes lembrar a tripeÁa dos avůs. Eu lhes asseguro que, em suppostos casos, levo mais em vista nobilital-os que envilecÍl-os pelo honrado trabalho de seus avoengos. Ainda assim, n„o estŠ no meu animo--diga-se verdade--comparar ss. exc.as aos condes da Castanheira, nem confrontar-me a mim com Dami„o de Goes. Todos nůs somos mais ou menos sapateiros nos baronatos e nas sciencias. [1] Principia a desancar o valŪdo. [2] Palavra inintelligivel. [3] Tumor. [4] Zumbaias. [5] D. Isabel. Casou com o imperador Carlos V, em 1525. [6] Safi e Azamor foram abandonadas Š mourisma em 1524. Em seguida, perdemos Arzilla. [7] _Que ť conde da Castanheira_, variante de Diogo de Paiva. [8] D. Manoel Caetano de Sousa nasceu em 1658, e falleceu em 1734. [9] A casa da Castanheira passou ao segundo marquez de Cascaes por heranÁa de sua prima D. Anna d'Athayde, ultima condessa da Castanheira, fallecida no meiado do seculo XVII. Na casa de Cascaes succedeu a de Niza. E em ambas succederam o defunto snr. Josť Maria Eugenio e outros que medraram quando a casca do mundo antigo se poz do envez, e as heras absorveram a seiva dos troncos. A MENINA PERDIDA Em novembro de 1873 chegou a Braga uma senhora, que as suas criadas negras e o seu escudeiro inglez chamavam baroneza. Vi-a no _Hotel dos dous amigos_. Figurava trinta annos, ou pouco mais. FeiÁűes fortes, duras; mas bonitas d'esta belleza rija das camponezas da Maia. Garbosa sem delicadeza nem a flexura da casta flebil e fina. Mulher a valer. Era o ideal de um morgado de Cabeceiras de Basto, que vestisse o seu ideal com os musculos e feitios da mulher menos corpulenta que a femea do elephante. Entendi-me com o escudeiro inglez, Šcerca de sua ama. Viera do Brazil em agosto d'aquelle anno. Era viuva do bar„o de... Ipiranga--supponha-se que era de Ipiranga; mas n„o era. Quanto mais verdadeiros s„o os contos, mais forÁosa e urbana ť a mentira. --… portugueza ou brazileira?--perguntei ao inglez. --… portugueza. --Que faz em Braga esta senhora? veio vÍr o Bom-Jesus do Monte? --N„o, senhor. Anda a procurar a m„i; disse-m'o a sua criada grave. --A procurar a m„i em Braga?! Como foi isso? Perdeu-se aqui a m„i, ou... --N„o sei como foi--volveu o escudeiro. N'este comenos, entrou no hotel um meu amigo, que foi conduzido Š sala, onde a baroneza tocava piano melancolicamente. Deteve-se algum tempo. Esperei-o, e perguntei-lhe que romance era aquella mulher. --Um romance, com toda a certeza. --… certo que esta baroneza procura a m„i? --…, e encontrou-a. --Ent„o...--acudi eu t„o incommodado com a escuridade d'aquelle caso como se me faltassem ao respeito, n„o m'o communicando previamente e em quatro palavras.--Ent„o como ť isso? A m„i quem ť? onde estava a m„i? como se perdeu a m„i? como se encontrou a m„i?... --Se a tua impaciencia consente, conversaremos de espaÁo--objectou o meu amigo;--mas peÁo Š tua sofrega curiosidade que se contenha atť Š noite. Vou d'aqui ao recolhimento da Tamanca procurar um velha chamada Anna de Jesus, que ť m„i d'esta baroneza. JŠ sabes quem ť a m„i, onde estŠ a m„i, como se encontrou a m„i. Depois te direi como se perdeu... --A dita m„i? Pois atť logo. Confio em ti. * * * * * Reduz-se a poucas linhas tudo que o sujeito me disse. A baroneza nascera em uma aldeia, visinha do Porto, Š beira-mar, chamada Nevogilde. Seu pai era official-calafate; sua m„i era filha de um agricultor remediado. Os paes amaram-se, e propagaram _extra-matrimonium_, como diz o snr. professor e historiador Viale, quando dŠ noticia dos filhos bastardos dos reis. O artista safou-se para o Brazil. A menina ficou com sua m„i, que a teve comsigo atť aos quatro annos, vestindo-a e alimentando-a com aceio e abundancia, em quanto lhe durou o producto de uns grossos cordűes de ouro, que herdŠra d'uma parenta. Seus paes expulsaram-na de casa, e obrigaram-na a esconder-se com o escandalo da filha em outra aldeia proxima de LeÁa. Quando se lhe exhauriram os recursos, Anna de Jesus foi servir para o Porto, deixando Amelia aos cuidados de uma gente pobre, a quem entregava mensalmente os seus salarios; porťm, como n„o bastassem Š alimentaÁ„o da filha, resolveu entregal-a aos parentes do pai, que eram proprietarios em Mathosinhos. Isto dizia a baroneza que lh'o referira o marido; mas n„o sabia contar como a levaram de LeÁa para o ParŠ, quando tinha seis annos. Lembrava-se de ter sido apertada nos braÁos de um homem, que fŰra a bordo, e lhe chamŠra filha; que esse homem a levŠra para um collegio allem„o, d'onde nunca mais sahira, sen„o aos dezoito annos para casar com um negociante rico, pardo e velho, que, ao depois, se fez bar„o. Acrescentava que via seu pai no dia 1 de cada mez e que nunca lhe perguntŠra por sua m„i. E, por lh'o referir o marido, soubera que seu pai a n„o levava a casa, porque era marido de uma riquissima mulata, velha e doente, de quem esperava herdar tudo, a n„o intervir entre elles algum caso que irritasse o genio ferocissimo da esposa. Mais dizia a baroneza que a mulata acabou os seus dias antes de acabar a paciencia do marido, e o instituira herdeiro; mas, como lhe tinha empeÁonhado o sangue, pouco lhe sobrevivera o viuvo. D'onde resultou ficar Amelia opulenta herdeira, sob a tutela do paraense que a fez sua mulher. Concluiu, finalmente, a baroneza, mostrando ao meu amigo de Braga dous numeros do _Periodico dos Pobres_, do Porto, de agosto de 1845, os quaes ella encontrŠra nas gavetas de seu pai, e d'onde inferira o pouco que sabia do seu nascimento, e se lhe afervorŠra o filial desejo de procurar sua m„i, e afortunar-lhe os ultimos annos, se ella, por ventura de ambas, existisse. Mostrou-me o meu amigo os dous numeros do _Periodico dos Pobres_, que diziam assim: ęMENINA PERDIDA.--No dia 31 de julho pelas 8 horas da noite appareceu batendo a uma porta na rua de Sant'Anna, freguesia de Mathosinhos, uma linda menina, de idade de 4 annos, branca, bem nutrida, cabello louro liso, com uma tranÁa de perto de um palmo, olhos grandes azues, vestido curto de cassa riscada de vermelho, guarnecido de trancelim; calÁa de paninho branco com dous entremeios de renda; saia de paninho, e outra de baeta de algod„o; collete de atacador de linho; chapťo de papel„o coberto de sÍda verde; sapatos de duraque cinzento acoturnados com botűes ao lado, meia comprida de linha, ligas de fitas de nastro cosidas nas meias;--diz chamar-se _Amelia_, e que a m„i se chamava _Anninhas_, a qual vivia com um _snr. Antonio_. Esta crianÁa foi vista Šs 6 horas da tarde na estrada de Mathosinhos na companhia d'uma mulher de mantilha e vestida de preto, e um individuo de pouca idade vestido de calÁa e jaqueta azul e bonť. ęEstes individuos haviam convidado uma mulher para levar a crianÁa ao collo atť Mathosinhos; como elles fossem ficando muito para traz, dando a entender desejarem livrar-se da crianÁa, a mulher desconfiou d'alguma cilada, e os obrigou a tomarem conta da crianÁa. Convidaram ent„o um rapaz a quem prometteram 50 reis, o qual a levou ao collo, atť que, vendo-se de repente abandonado dos ditos individuos, a deixou no lugar indicado e fugiu. A crianÁa diz que a sua casa ť perto do rio; que continuadamente via barcos; que ia aos banhos com a m„i; que fugia para a ponte do rio; e que o snr. Antonio ralhava; que brincava com outra menina que morava no andar de baixo, chamada Julia, a qual tinha bonecos para brincar, etc. Suppűe-se que tinha sido furtada a seus paes, ou por elles abandonada, e por isso se publica este facto para conhecimento de quem pertencer; a crianÁa estŠ em poder do actual administrador do concelho de BouÁas em Mathosinhos.Ľ Atť aqui o numero de 3 de agosto. Segue o numero de 6: ęNo dia immediato Šquelle em que a menina foi encontrada, achou-se atraz da parede n'um campo uma trouxa de roupa de crianÁa, e uma carta; foi tudo apresentado ao administrador do concelho, que pelo seu conteķdo descobriu a historia d'aquelle acontecimento, os nomes dos paes e parentes, etc. Era remettida pela m„i aos parentes do pai, por este se achar ausente no Brazil, e pela falta de meios que ella tem para se sustentar, acrescendo achar-se enferma. Parece que os parentes a n„o quizeram receber, e que o rapaz que a conduzia, voltando ao lugar da estrada de Mathosinhos d'onde havia deixado os individuos que lh'a haviam entregado, n„o os encontrou, e, temendo comprometter-se, a lanÁou n'um campo com a trouxa e fugiu. ęO administrador do concelho obrigou a familia do pai, residente em LeÁa, a tomar conta d'ella, o que teve lugar no dia 3 do corrente Š noite, em quanto se n„o descobre onde pŠra a m„i para se verificar atť que ponto sejam verdadeiros os factos de que se faz menÁ„o n'aquella carta. Varias pessoas teem querido tomar conta da menina; porťm isto n„o tem podido ter lugar em vista do que fica exposto, e porque os parentes do pai est„o em circumstancias de podÍl-a sustentar. ęConsta ultimamente que a m„i fŰra para Braga, chama-se _Anna de Jesus Lima_, tem sido criada de servir em algumas casas d'esta cidade.Ľ Na margem do jornal, onde estŠ escripto: ędiz chamar-se _Amelia_, e que a m„i se chamava _Anninhas_, a qual vivia com um snr. _Antonio_Ľ--o pai da baroneza, sublinhando o nome appellativo _Antonio_, escrevera umas palavras que estavam cancelladas e inintelligiveis. O mesmo succedia mais abaixo, no ponto em que se diz: ęque fugia para a ponte do rio, e que o snr. _Antonio_ ralhava.Ľ Parece que este ęAntonioĽ, commentado Š margem, explicava o silencio do marido da mulata a respeito da m„i de Amelia. Eu n„o sei nada positivo a tal respeito, nem formei ainda opini„o com que possa alumiar a vereda de ulteriores pesquizas. * * * * * O que sei ť que no recolhimento da Tamanca existia, desde 1855, Anna de Jesus, como criada de uma velha fidalga que para alli entrŠra em 1834, obrigada pela moral que a condemnŠra a expiar na clausura uns amores de gran vilta para seus avůs. Sei mais que Anna de Jesus sahiu do convento sem verdadeiramente saber a raz„o porque sahia, pois lhe disseram que ia tratar com os seus parentes a restituiÁ„o da legitima que lhe haviam extorquido. Que foi recebida no quarto da baroneza para quem olhou com respeitoso assombro vendo-a coberta de velludo e pelliÁas de varios feitios. E que, ao vÍr-se abraÁada por aquella senhora, rodeada de pretas, e lhe ouvira pronunciar a palavra _m„i_, perdera os sentidos, e os recobrŠra, dizendo extravagancias. Finalmente, como a felicidade n„o faz endoudecer ninguem--para se n„o parecer com a desgraÁa--Anna de Jesus, remoÁada, alegre atť Šs lagrimas, e a cuidar sempre que a sua vida era um sonho, foi para o ParŠ com sua filha, t„o angelica, t„o santa que lhe perdoou o desamparal-a do seu amor de m„i, por onde lhe adveio o acaso mais amparador da riqueza, que somma 1:000 contos, 500 da mulata do pai, e 500 do marido mulato. E mais nada. O HEROE DA ILHA TERCEIRA Cypriano, Cipri„o ou Scipi„o. O leitor conhece o valente governador da ilha Terceira, o portuguez intransigente com Castella, o partidario inflexivel de D. Antonio, prior do Crato, que reinou uma hora em Santarem, outra hora em Setubal, a derradeira hora entre a plebe de Lisboa. Onde elle reinou deveras foi no coraÁ„o e na consciencia dos seus raros amigos. Os historiadores portuguezes chamam _Cypriano_ ao heroe dos AÁores; os francezes chamam-lhe _Scipi„o_, nobilitando-o, por analogia do nome e dos feitos, com o general romano. Nas Provas da Historia genealogica da casa real leio _Cipri„o_. Elle mesmo a si se chamava _Scipi„o_, para n„o desfazer no glorioso nome que Henrique IV lhe dava, e Philippe II tambem, como ironia ou como lisonja[10]. Procedia de estirpe illustre, n„o tanto como diz uma neta de seu irm„o Sebasti„o Gomes de Figueiredo. Esta neta ť mad. Gillot de Sainctonge, que, em 1696, publicou a _Histoire secrete de Dom Antoine Roy de Portugal, tirťe des memoires de Dom Gomes Vasconcellos de Figueiredo_. Engrandece a poetiza franceza a prosapia de sua m„i com a costumada ignorancia dos francezes quando entendem comnosco. Diz que _Jean, fils de Pierre, le Justicier, roy de Portugal, ťpousa Marie fille de Martin Alfonse Tello, & d'Aldonze de Vasconcellos soeur de la reine Eleonor, femme de Ferdinand_. Que mixtiforio ahi vai! Se Aldonsa (ou Dulce) de Vasconcellos podesse ser irm„ de Leonor Telles, nem assim Scipi„o de Figueiredo procederia, por _Vasconcellos_, d'essa linhagem. O pai de Scipi„o era de Alcochete. Chamou-se Sebasti„o Gomes de Figueiredo: casou com D. Antonia Fernandes de Vasconcellos, filha do bispo de Lamego, D. Fernando de Menezes, que morreu arcebispo de Lisboa, e dotou a filha com o prazo de Velloso, doaÁ„o riquissima em direitos reaes. Teve cinco filhos o genro do bispo. O primogenito, Duardos de Figueiredo, era representado em 1716 por Nicolau de Tovar e Vasconcellos, sargento-můr de batalha. O segundo, Scipi„o, doutorou-se em direito canonico imperial, e foi mandado governar a ilha Terceira, n„o por D. Antonio, como diz o historiador Rebello da Silva[11], mas por D. Sebasti„o, como diz o proprio prior do Crato na carta latina ao papa Gregorio XIII, em 1583. Teve um filho illegitimo, que se chamou Constantino. O prior do Crato inscreve-o no rol dos amigos que o seguiram no desterro. Ignoro o destino do filho de Scipi„o. Os outros irm„os do governador da Terceira chamaram-se Ruy, que ficou no reino bem aconchavado com os Philippes; D. Brites, que casou com um Ribeiro Soares; e Sebasti„o, de quem darei ampla noticia, avŰ de mad. de Sainctonge, ou Sainct'Onge, como se escreve modernamente. A porÁ„o mais estafadora d'este escripto conclue aqui. * * * * * Quando chegou Š Terceira a noticia da acclamaÁ„o do prior do Crato, Scipi„o proclamou-o rei, sem lhe discutir a illegitimidade. Era portuguez D. Antonio? Era. Logo era legitimo como D. Jo„o I, o filho de Thereza LourenÁo. Rei castelhano ť que elle n„o queria. Morrer na defeza da sepultura n„o pisada pelo sapato ferrado do hespanhol--cahir em terra ensanguentada, mas portugueza--valia tanto como um triumpho para o faccionario do filho da Pelicana. A onÁa de Castella afrontŠra o le„o na sua caverna. Elle surgiu fůra, e espedaÁou-a. A ilha Terceira era inexpugnavel com tal caudilho na vanguarda de alguns bravos fanatisados pelo heroismo de seu chefe, e talvez atemorisados pelo terror das suas cruezas com os partidarios de Hespanha. Philippe II, em outubro de 1581, mezes depois que D. Pedro Valdez voltŠra derrotado dos AÁores, tentou pela segunda vez a fidelidade de Scipi„o de Figueiredo, enviando de Lisboa Š ilha Terceira Gaspar Homem com uma carta de seu proprio punho. Na brandura das insidiosas expressűes, reÁumbra o aviltamento a que descia o parricida castelhano para haver Š m„o o unico baluarte de D. Antonio. Calcule-se com que rancoroso disfarce Philippe II n„o offereceria perd„o e mercÍs ao indomito governador, que apenas lhe deixŠra vivos cincoenta soldados, e nem um sů dos officiaes aguerridos como D. Diogo Valdez e D. Luiz de BaÁan. Dizia assim a carta de Philippe[12]: _Doutor Scipi„o de Figueiredo, eu el-rei vos envio saudar. N„o podendo deixar de crÍr de vůs que cumprireis com a obrigaÁ„o que tendes a meu serviÁo, e ao bem d'essa ilha, e ao que particularmente vos toca, me parece encommendar-vos isto mesmo que de vůs confio, que fazendo-vos assim como ť de crÍr, n„o sůmente vos perdŰo as culpas passadas, mas que folgarei de vos fazer mercÍ quanto serviÁo que de vůs n'isto espero, para que se escusem os grandes damnos d'essa ilha, e dos moradores d'ella, e seu povo; indo sobre ella o apercebimento que tenho mandado fazer de gente, navios e muniÁűes, como tudo largamente vos dirŠ quem vos esta minha carta darŠ.--Escripta em Lisboa a 14 de outubro de 1581._ O governador respondeu com alguma intermiss„o de tempo: _Vi a carta que V. M. me mandou por Gaspar Homem, na qual me dizeis que n„o podeis deixar de crÍr de mim que cumprirei com a obrigaÁ„o que tenho a vosso serviÁo, ao bem d'esta ilha, e ao que particularmente me toca. Prouvera a Deus que tivera V. M. lembranÁa da em que estaes aos reis de Portugal, e principalmente ao serenissimo infante D. Luiz, que com seus vassallos e pessoa sempre em guerras ajudou ao imperador vosso pai; porque nem as fizereis contra o reino levantado com el-rei D. Antonio seu filho, offendendo tanto a Deus Nosso Senhor nos estragos de honras, vidas e fazendas, que causastes no meu, e nem os portuguezes verdadeiros seus vassallos deixariamos de vos servir como a rei christ„o, e a quem sempre amou a naÁ„o portugueza, mas como V. M. se esqueceu de t„o devida raz„o, e da do sangue pelo muito parentesco que tendes com os reis de Portugal, nem a V. M. lhe cabe querer que eu o sirva, como vassallo, nem a mim convťm obedecer como subdito. Esta ilha, e moradores d'ella s„o de el-rei D. Antonio a quem juraram por seu rei e natural senhor, assim pela success„o do reino lhe pertencer, e o povo d'ella o ter eleito, como por a cidade, e camara de Lisboa isso escrever. As razűes e justiÁa que para isso havia n„o posso eu crÍr que V. M. n„o as tenha muitas vezes passadas pela memoria; e ainda que outras n„o houvera mais que a eleiÁ„o do povo que n'este reino por muitos actos tem direito de nomear rei (faltando descendentes adquiridos) bastŠra entrar V. M. n'elle com m„o armada, estando em litigio, para ainda que tivereis muita justiÁa perderdes todo o vosso direito; mas em Deus confio que tudo ha de tornar ao estado, que nem V. M. por occupar o alheio perca sua alma, nem o que estŠ por ora usurpado deixe de vir ao poder do seu dono. N„o me tenha V. M. por atrevido, mas julgue-me por desinteressado; e prouvera a Deus que os reis tiveram homens livres, e pouco ambiciosos em seus conselhos; porque nem el-rei D. Antonio chegŠra aos termos que o pozeram tamanhas traiÁűes, nem V. M. a perigo de perder o seu, e pŰr em risco toda a christandade. Coitado d'aquelle que ha de dar conta no final juizo das honras, mortes, fazendas de tantos, da liberdade, e gosto da vida; porque para quem se perdeu n„o haverŠ arrependimento que baste em satisfaÁ„o, por se lhe acabar o tempo. Se V. M. bem cuidar na hora da morte que vos espera, e quantos males n'ella se vos h„o de representar, e as penas que, pelo que tendes em Portugal feito eternamente haveis de ter, e justamente haveis de padecer, lembrando-vos qu„o perto estaes de se vos acabar tudo, ah! como dareis uma volta t„o grande ao passado porque tudo se vos ha ent„o de ser presente! Quanto melhor vos fŰra estar em vossos reinos pacifico, vossos vassallos quietos, amado de todos os reis christ„os, e servido de todos os seus, que com o que tendes feito em Portugal! n„o sůmente os christ„os, mas todas as naÁűes infieis vos ter„o intrinseco odio. Cuidai quantos innocentes matastes com o vosso exercito: cuidai nas honras das viuvas, e donzellas roubadas, e nos gemidos que ante a divina justiÁa est„o pedindo vinganÁa de vůs. Lembre-vos quantas casadas ao adulterio forÁadas s„o apostatadas! os templos de Deus que profanaram, as religiosas que deshonraram, a servid„o em que pozestes os moradores de Portugal, e finalmente tudo o que n'elle causastes que Deus tem tomado Š sua conta, e toma-vol-a com rigorosa justiÁa; como por um reino que mais que todos do mundo nobilitou dando-lhe as suas sagradas chagas, com que nos redimiu, por armas, que foi signal e penhor de nunca o desamparar. As cousas que padecem os moradores d'esse affligido reino, bastavam para vos desenganar, que os que est„o fůra d'esse pesado jugo quereriam antes morrer livres, que em paz sujeitos. Nem eu darei aos moradores d'esta ilha outro conselho, porque n„o perca minha alma, nem minha honra, que trocarei quantas vidas tivera, e pudera possuir por morrer leal a meu rei que jurei, porque um morrer bem ť viver perpetuamente; d'aqui me vem ter mais conta com perseverar atť o fim da vida n'esta lealdade, que temer os vossos apercebimentos de gente, navios, e muniÁűes com que V. M. na sua me ameaÁa; porque confiando em Deus que peleja por nůs, para os navios estŠ o mar, e portos d'esta ilha apparelhados, para as muniÁűes as fortalezas e trincheiras e muitos poÁos para metter n'elles toda gente que nos vier buscar, a quem se n„o perdoarŠ, pelos males que resultam de perdűes. N„o me ponha V. M. culpa, por que jurei a D. Antonio por meu rei e senhor, e de defender esta corŰa; que tambem fizera o mesmo por vůs se vos tivera jurado (posto que n„o com tanto gosto) porque basta ser rei portuguez: e, se a desventura me chegasse a estado que ficasse com vida sujeito, e, por fazer o que devo, me mandassem matar, perdendo a vida pelo senhor rei D. Antonio, ent„o a ganhava, e tambem n„o perderia a memoria de minha lealdade, nem se perderia a fama da vossa crueza, e sem justiÁa. Eu n„o sirvo a el-rei D. Antonio por interesse (posto que d'elle se podiam esperar maiores mercÍs que de nenhum outro rei) mas sirvo com a pureza de minha obrigaÁ„o de que resulta n„o me moverem mercÍs promettidas, que foi o laÁo em que cahiu Portugal; porque fůra do que devo nenhuma cousa me poderŠ mover a troco de vender a honra, e lealdade que n„o tem preÁo nem ha nenhum que eu tanto estime; liÁ„o que a muitos fidalgos esqueceu. Nosso Senhor leve a V. M. para o seu reino e restitua o de Portugal ao seu amado rei o snr. D. Antonio como os verdadeiros e leaes portuguezes desejamos._ _D'esta muito nobre, e sempre leal cidade de Angra, ilha Terceira de Jesus Christo._ SCIPI√O DE FIGUEIREDO DE VASCONCELLOS, governador da ilha dos AÁores. * * * * * Este lance de patriotismo n„o impediu que a fidelidade de Scipi„o fosse suspeita a D. Antonio, por insinuaÁűes de perfidos, se ť bem provada a seguinte pagina de Rebello da Silva: ęOs detractores n„o descanÁavam, porťm, e a fim de offuscarem o animo do prior reproduziam as accusaÁűes, asseverando que Figueiredo principiava a vacillar, pintando-o inclinado aos jesuitas, contrafeito na lealdade, e disposto a restituir a liberdade aos presos politicos. Concluiam, por fim, que o corregedor se entendia secretamente com os castelhanos. D. Antonio, se n„o deu inteiro credito a estas vozes, tambem n„o cortou, como devia, os enredos pela raiz, e chamando Cypriano de Figueiredo para seu lado, feriu nos brios e no conceito o homem que acabava de lhe conservar a Terceira. Desconfiado e voluvel, facil em esquecer os serviÁos, mas lembrado e resentido dos aggravos, justificou mesmo na desgraÁa em varios lances a nota de ingrato. Na pequena cŰrte de proscriptos, que o rodeava, sů Diogo Botelho, alma de todos os conselhos, viveu exceptuado da desattenÁ„o com que feriu os portuguezes, que tinham sacrificado patria, bens e posiÁ„o para o seguir. Faltou-lhe sempre a magnanimidade, realce do infortunio, porque tanto engrandece na prosperidade, como serve de quilate e de timbre na desgraÁa aos caracteres heroicos. ęAbrindo os ouvidos Šs queixas contra Figueiredo, e preferindo para o substituir no governo da ilha a Miguel da Silva, nomeado conde de Torres-Vedras, o pretensor, punido pela mŠ escolha, praticou uma acÁ„o injusta, e commetteu um grande erro. As honras v„s, de que assim mesmo se n„o mostrou prodigo com Cypriano de Figueiredo, na idťa de lhe adoÁar o que havia de cruel e de iniquo n'este golpe, n„o apagaram de certo no peito do honrado cavalleiro a nodoa de se vÍr immolado Š calumnia. Offendido na lealdade, e quasi injuriado publicamente pelo triumpho concedido aos adversarios, Figueiredo calou a affronta, e veio encerrar junto do principe, no desterro, a carreira, que abrira, abraÁando uma causa vencida, e rejeitando as promessas de Philippe II, insinuadas pelo principe de Eboly[13].Ľ Descreio que D. Antonio escutasse as intrigas, e afrouxasse na confianÁa do seu validissimo amigo. Na carta latina que escreveu a Gregorio XIII, em 1583, avalia d'esta maneira o defensor da Terceira: ę_... entre outros, estŠ o egregio doutor em direito canonico imperial, integerrimo governador, em nome de el-rei D. Sebasti„o nas ilhas Terceiras; do qual, incorrupto a promessas e lisonjas para que entregasse as praÁas que lhe haviam sido confiadas, confiscou-lhe os bens como costuma, apossou-se d'elles; e, sem embargo este constantissimo fidalgo manteve o povo em sua fť e promessa e deveres, foi quem primeiro, n'estes nossos tempos, domou os castelhanos com gloriosa victoria, e grangeou nome de capit„o e fidelissimo governador e tal soldado se mostrou aos inimigos que muito ť reluzam n'elle a um tempo esplendor de letras e grandeza militar_. Acresce que Scipi„o de Figueiredo ť, juntamente com Diogo Botelho, testamenteiro de D. Antonio, e mais que todos os seus amigos, recommendado Š gratid„o de seus filhos. O testemunho de Sebasti„o de Figueiredo, irm„o do valente defensor da Terceira, insurge-se tambem contra a calumnia, nas memorias que sua neta, mad. de Sainctonge publicou: _Dom Antoine qui croioit qu'il ne donneroit pas peu d'affaire a Philippe, s'il conservait ses Isles, ne pouvait se lasser de louer le courage de Scipion; il avait une si forte passion de le voir, qu'il eut l'imprudence de lui ťcrire de le venir trouver, pour se rejuir avec lui de sa victoire, et de laisser le soin de son gouvernement ŗ Manuel da Silva qu'il lui envoyoit qui etoit une personne de confiance. Voila ce qui fit croire ŗ ceux qui ne jugent des choses que par les aparances que Dom Antoine se dťfioit de lui..._[14]. Se ť aceitavel o testemunho dos contemporaneos, alliviemos a memoria do prior do Crato d'esse imputado crime de ingratid„o ao homem que deixou, na carta a Philippe, o mais energico testemunho de patriotismo, n'aquella vergonhosa conjunctura em que tantissimos fidalgos chatinaram a consciencia. * * * * * Scipi„o de Figueiredo assistiu, em 1595, ao trespasse do quasi mendigo D. Antonio. Pobremente viviam todos os amigos que o rodeavam. A pens„o que Henrique IV lhe esmolava deprehende-se qual seria da mobilia do prior do Crato, inventariada por sua morte[15]. Essa mesquinha pens„o continuou-a o rei em beneficio dos filhos e amigos de D. Antonio, consoante a carta, enviada de Li„o, a Scipi„o de Figueiredo: _Seigneur Scipion de Figueredo, j'ay portť le regret que je devois de la mort de mon feu cousin le roi de Portugal, pour la perte que j'ay faite d'un bon amy, et je seray toŻjours aussi prompt Š faire paraitre Š l'endroit de ses serviteurs, la bonne volontť que je lui portois; comme j'ay de dťplaisir et de compassion de vŰtre infortune; j'ay apris par vos lettres, quil vous a fait executeur de son testament, avec le sieur de Diogo Botheillo, il ne pouvoit faire un meilleur choix, car je m'asseure que vous vous acquiterez fidellement de ses dernieres volontez._ _J'ťcris Š ceux de mon conseil des finances, de payer ce qui ťtoit du de la pension du dit roy, jusqu'ŗ la fin de la presente annťe, dans lequel tems ťtant sur les lieux, je rťglerai et ordenneray ce que je pourray faire ŗ l'avenir pour mon cousin Dom Christolphe son flls, et auray ŗ plaisir de gratifier tous ceux de sa famille en ce qui me sera possible, et vous en particulier, aux occasions qui se presenteront, priant Dieu, seigneur Scipion de Figueredo, qu'il vous ait en sa sainte et digne garde._ _Ecrit Š Lion, le vingt de septembre, mil cinq cent quatre vingt quinze._ Transpira d'esta carta a bonissima alma de Henrique IV a favor de um principe que tragava as penurias a que n„o foi estranho o filho de Joanna d'Albret. Aquelle tempo ainda elle n„o era marido de Maria de Medicis, que lhe permittiu contar com o almoÁo seguro e um gib„o sem remendos. Quem diria que t„o nobre e querida alma se iria a Deus, quando o corpo se estorcia debaixo do punhal de Ravaillac! Menos infeliz e menos amado, morrÍra tranquillamente o proscripto Antonio, graÁas a Henrique III que o defendeu do sicario duque de Mercoeur, bisavŰ da rainha portugueza Maria Francisca Isabel de Saboya[16]. Scipi„o despendeu com D. Antonio e seus filhos os bens que adquirira na governaÁ„o da ilha Terceira. Falla-se de um brilhante que o prior do Crato empenhŠra por quarenta mil libras, na m„o de mr. du Harley Sancy, um dos mais pecuniosos fidalgos de Paris, de quem depois houve mais sessenta mil libras, por trespasse completo da joia (proximamente 18:000$000--o producto total do brilhante). A pedra preciosa era do neto d'el-rei D. Manoel ou de Scipi„o? Mad. de Sainctonge refere a passagem de modo que nos persuade ser do amigo de D. Antonio: _Scipion Vasconcelles de Figueredo avoit dťjŗ vendu pour lui_ (D. Antonio) _tout ce qu'il avoit apportť de son gouvernement, et avoit engagť un diamant d'un prix inestimable pour quarente mille livres, ŗ Monsieur de Sensy qui ťtoit si honnÍte-homme qu'il lui donna encore vingt-mille ťcus voyant qu'il n'etoit pas en ťtat de le retirer_. Parece dizer que o proprietario do diamante era Scipi„o de Figueiredo[17]. Esta pedra, considerada quanto aos quilates, o oitavo diamante conhecido, foi depois empenhada por du Sancy, em Metz. Um hebreu d'aquella cidade emprestou dinheiro para pagar aos suissos de Henrique III, revolucionados por falta de pagamento. O proprio du Sancy cahiu em apuros, por 1605, e vendeu a pedra a Sully que a comprou por 150:000 escudos em nome do rei. N„o sei que m„os percorreu o diamante. Em 1870 foi vendido em Calcutta, por ordem da princeza Demidoff, originaria da Russia, e aparentada com a familia Bonaparte[18]. * * * * * Em 1586, tinha Scipi„o comsigo em Paris um irm„o de vinte e cinco annos, lŠ conhecido por D. Gomes de Vasconcellos, que por alli se andava estadeando a sua pobreza e inutilidade. Pediu Scipi„o a Catharina de Medicis que lhe empregasse o irm„o no exercito do marechal de Brissac. A rainha-m„i escreveu a favor de _Sebasti„o de Gomes_ a affectuosa carta que sua neta publica a pag. 162 da _Histoire secrete_, etc. Poucos mais vestigios restam de Scipi„o de Figueiredo atť 1601. N'este anno Maria de Medicis recommenda-o encarecidamente ao gran-duque de Toscana, por carta escripta de Lion, em 10 de janeiro. Ahi lhe expűe que o seu protegido vai a Italia _pour aucunes siennes affaires_. N„o ť possivel rastrear os negocios particulares de Scipi„o em Italia. O pretendente era jŠ morto desde 26 de agosto de 1595. Půde ser que o testamenteiro de D. Antonio ainda conspirasse a favor dos filhos. N„o sei se se demorou muito em Italia. Sabe-se que, na volta, foi morar nos arrabaldes de Paris em uma aldeia chamada _Les Fontaines_, perto de Lagny, d'onde ia a miudo visitar o filho de seu defunto amo, D. Christovam de Portugal, que vivia em Paris bastante descuidado dos seus interesses e honra[19]. Poucos annos viveu em _Les Fontaines_ soccorrendo os portuguezes expatriados com a pens„o que lhe dava o rei. Ahi morreu, depois de 1606, e foi sepultado no proximo mosteiro dos Agostinhos. O rei continuou a dar a pens„o aos commensaes de Scipi„o, reservando em beneficio de D. Gomes seiscentas libras annuaes, uns 110$000 reis pouco mais ou menos. Ora este D. Gomes tem sua historia, longa e arrastada, porque morreu em idade de noventa e sete annos, reinando jŠ em Portugal D. Jo„o IV. Se o leitor půde esforÁar a sua paciencia, e dar-me relevante prova de que os estudos serios, grossos e profundos lhe s„o agradaveis, leia atť ao fim o que eu lhe vou contar, muito pela rama, do irm„o do heroe da Terceira. * * * * * D. Gomes, soldado valoroso e aventureiro, que expunha a vida na perspectiva da morte ou da fortuna, sahiu de uma das suas batalhas com uma perna quebrada e o rosto desfigurado por um gilvaz que lhe esbrucinŠra parte do nariz. Quando se levantou curado das feridas, e se viu no espelho, trespassou-se-lhe a alma de tamanha paix„o que esteve nos colmilhos da morte. _Il pensa mourir de chagrin de se voir si different de ce qu'il avoit ťtť_--diz sua neta mad. de Sainctonge. A fealdade pungia-o tanto quanto elle era caroavel de damas, galanteador bemquisto, e famoso no bom successo das suas empresas amorosas. Como allivio de seus males, alistou-se de novo na milicia de Luiz XIII. Affrontou a morte com desesperado menospreÁo de si mesmo, e vingou apenas ajuntar novas cicatrizes Š gloria das outras, que o n„o resguardaram da pobreza nos tristes dias de nonagenario. Voltando a Paris, foi acolhido por D. Christov„o, filho do defunto prior do Crato, que o estimava em extremo. Quando orÁava pelos sessenta annos, Sebasti„o Gomes de Figueiredo, que tinha a maior no coraÁ„o o que lhe minguava no nariz--org„o importante da cara humana, segundo a opini„o do diccionarista Couto Guerreiro--apaixonou-se por uma menina parisiense, formosa, illustre e pobre, com a sobrecarga de espirituosa. E casaram--o que foi mau; e tiveram tres filhos--que foi peor. Dous morreram; a m„i tambem morreu aos dezoito annos de casada, deixando-lhe uma galante menina de quartorze annos, conhecida na boa sociedade por mademoiselle de Vasconcellos. D. Gomes era pobre, e o futuro da filha torturava-lhe o coraÁ„o paternal. A estas penas acresceu a da morte do seu amigo D. Christov„o, em 1638, em cuja parcimoniosa mesa elle tinha certo o talher. Porťm, n'esta noite da desgraÁa alvorejou uma aurora de esperanÁa. Em 1640 foi acclamado rei portuguez. Sebasti„o Gomes, com bom fundamento, imaginou-se chamado Š patria e reintegrado nos bens que Philippe II lhe confiscŠra. Assim que chegou a Paris D. Francisco de Mello, primeiro embaixador de D. Jo„o IV, Gomes de Vasconcellos apresentou-se-lhe. O embaixador abraÁou o anci„o, dizendo que n„o esperava encontrar n'este mundo um irm„o do heroico Scipi„o de Figueiredo, cujo nome ainda soava em Portugal gloriosamente. Perguntou-lhe o velho se seria licito esperar que el-rei de Portugal lhe permittisse voltar Š patria e apossar-se dos seus bens. Respondeu D. Francisco de Mello que era illicito duvidar da justiÁa e probidade d'el-rei. Grandes jubilos no seio d'aquella pobre familia! Escreveu o embaixador para o reino aos seus amigos mais conjuntos do monarcha. Todos, Š uma, lhe responderam que o rei faria justiÁa. Pactuaram logo sahirem juntos para Portugal; mas como D. Francisco tivesse um filho enfermo, demorou-se; e, quando o filho convalescia, teve de seguir o rei de FranÁa a Compiegne, e deixou o filho entregue aos cuidados de Gomes de Vasconcellos. O rapaz tinha vinte e dous annos, era atť certo ponto aparvalhado, fŰra educado portuguezmente, n„o tinha a minima pratica de sala, e n„o sabia palavra da lingua franceza. Com o fim de o recrear nos desalentos da convalecenÁa, Gomes de Figueiredo levou-lhe a casa a filha, que era bella, e mais algumas amigas de mademoiselle Vasconcellos--moÁas garridas, buliÁosas, desenxovalhadas, francezas desde as plumas atť ao tal„o--cousas gentilmente satanicas que se pareciam tanto com as damas de Lisboa como elle com os estouvados de Paris. Assim que lhe entraram ao quarto, o rapaz, que as n„o percebia, contemplou-as com a mais sincera cara de tolo, n„o obstante ser prevenido da visita. _Il ne laissa pas de paroÓtre dťconcertť_--diz mad. de Sainctonge, a filha da gentil Vasconcellos--_elles en attribuerent la cause au peu d'habitude qu'il a voit de voir des femmes_. Mas habituou-se logo; o amor ensinou-lhe tudo, sem excepÁ„o do francez. Por essa occasi„o lhe disse o velho: --Este modo de viver francez deve ser estranho a um moÁo de paiz onde os homens n„o tem a menor convivencia com as senhoras. --Gosto d'estes costumes! exclamou o rapaz. De quem elle jŠ gostava muito era da menina Vasconcellos; mas a paix„o que o apanhou de salto n„o impediu que elle se mostrasse portuguez de lei, mandando pŰr na mesa bocÍtas de dŰce nacional para regalar as meninas, e por signal que o avantajaram Šs confeiteiras francezas: _bassins de confitures sťches beaucoup plus belles que celles qu'on fait en France_--diz a citada historiadora. O convalecente deu logo alta, e transfigurou-se. Bailes, merendas, passeios campestres, lyrismo, conjugaÁ„o dos verbos regulares e irregulares de parÁaria com as pequenas, revelaÁűes, confidencias, leituras de novellas, etc. Em resumo, D. Francisco de Mello, quando voltou a Paris, n„o conhecia o filho, de gordo, de folgaz„o, de peraltice, e atť d'uns vislumbres de poeta pelo ar provenÁal com que fallava das graÁas das francezas, e particularmente de mademoiselle Vasconcellos. Amavam-se e projectavam voltar juntos e casados a Portugal. Assim o tinham decidido em sorrisos de mutua e louca felicidade n'um baile em que o moÁo, toda a noite, valsŠra com a noiva. _Mais il ne prevoioit pas que la France seroit son tombeau_, escreve a snr.™ de Sainctonge. Ao sahir d'esse baile, aconchegando do seio o ramilhete da adorada menina, constipou-se, e morreu de uma pleuresia seis dias depois. Sobre este infortunio outro maior. N'estes dias, appareceu em Paris um neto de D. Antonio, D. Luiz de Portugal. Este sujeito, que n„o degenerava dos vicios do avŰ e do pai, ainda, dous annos antes (1639) escrevÍra uma carta a Jo„o Caramuel, defensor dos direitos de Castella ao throno portuguez, confessando a legitimidade de Philippe III, e offerecendo o seu braÁo na defeza da usurpaÁ„o. A carta corria impressa, jŠ em Portugal era conhecida, e o leitor půde vÍl-a nas primeiras paginas do in-folio intitulado _Philippus Prudens_. Pois n„o obstante este villanissimo testemunho da sua indignidade, ousou D. Luiz apresentar-se ao embaixador portuguez, encarregando-o de perguntar a D. Jo„o IV se poderia voltar Š patria, e Š posse dos bens de seus avůs. D. Francisco de Mello fez a pergunta a D. Jo„o IV que respondeu d'est'arte: ęPerguntas d'essa natureza n„o se fazem.Ľ Mas, como D. Jo„o IV soubesse que Sebasti„o Gomes de Vasconcellos vivia amigavelmente com o neto de D. Antonio, recusou tambem recebel-o em Portugal; e, quanto Š restituiÁ„o dos bens, disse que n„o podia tiral-os Šs pessoas a quem Philippe II os dera, porque se considerava obrigado a premiar os filhos d'essas pessoas, dos quaes fŰra bem servido na sua acclamaÁ„o. A resposta era infame porque n„o era sincera; e, ao mesmo tempo, injuriava os que haviam trahido a patria, recebendo como paga os bens dos Vasconcellos, e injuriava os filhos d'esses traidores que tambem atraiÁoaram a casa de Hespanha que lhes enriquecera os avůs e os paes. Sebasti„o Gomes supportou corajosamente este golpe, que ainda n„o devia ser o ultimo. Um dos seus amigos mais valedores era um residente que D. Jo„o IV mandŠra a FranÁa: Manoel Fernandes Villa-Real. Aproveitemos a descripÁ„o de mad. Sainctonge qual ella ouvira de sua filha: _C'etoit un homme d'un agreable commerce; il n'avoit rien dans l'humeur de ceux de sa nation; son esprit ťtoit d'un caractere ŗ le faire beaucoup d'amis; aussi tous les gens de qualitť et de bon goŻt se faisoient un plaisir de le voir; on ťtoit charmť de son air ouvert et de ses manieres aisťes; tous ses dehors etoient d'un parfaitement honnÍte homme et on ne pouvoit le connoitre sans l'estimer_[20]. Manoel Fernandes de Villa Real tinha casado em Rouen com a filha de um portuguez opulento, israelita, escapulido ao santo officio. O residente de D. Jo„o IV n„o era--diga-se verdade--mais sincero christ„o que seu sogro. Em compensaÁ„o era intelligentissimo. Tinha escripto, em defeza dos direitos de seu rei, o _Anti-Caramuel_, que o leitor conhece. Era poeta. Fazia versos francezes, que o leitor encontra em uma collecÁ„o de elegias Š _Memoria da snr.™ D. Maria de Athayde_. Como illustrado, ria-se dos serműes bordalengos do padre Francisco de Santo Agostinho de Macedo, prťgados nos pulpitos de Paris, com descredito nacional. Censurava as baixezas que o mesmo ex-frade praticava, agenciando dinheiros com torpes pretextos. Era um homem de bem, quanto půde sÍl-o um incircumciso, como o leitor e eu. Quem o denunciŠra de judaisante para Portugal fŰra o padre Macedo, attribuindo-lhe simultaneamente a redacÁ„o de uns papeis enviados ao cardeal Richelieu, e adversos a D. Jo„o IV. De repente, ť chamado Manoel Fernandes Š presenÁa do rei de Portugal. Contristou-se na hypothese de que ia ser substituido, depois de t„o briosamente haver procedido no serviÁo d'el-rei. Os sustos de Sebasti„o Gomes anteviram mais negro desenlace. Aconselhou-o o anci„o que n„o viesse a Portugal, pois era casado e rico em FranÁa, e tinha inimigos conjurados a perdÍl-o. N„o o demoveram o amigo, a esposa e os filhos. Partiu, quando Sebasti„o Gomes dizia Š filha: ęElle se arrependerŠ; mas tarde.Ľ Figueiredo sabia que o seu amigo era christ„o-novo; mas esta denominaÁ„o terrivel tanto lhe confragia a alma que nem Š filha a denunciou. D'ahi a pouco tempo, o novo residente, que voltou a Paris, levou a triste nova de que Manoel Fernandes Villa-Real estava nos carceres da inquisiÁ„o processado como judeu, e n„o muito depois soube que o seu amigo fŰra condemnado Š morte de garrote, e queimado no dia 10 de outubro de 1652[21]. Alquebrado pela decrepidez, Sebasti„o Gomes ainda achou um amigo no residente que substituira Manoel Fernandes. Era aquelle Duarte Ribeiro de Macedo cujas cartas impressas o meu leitor illustrado conta em o numero dos seus mestres de bem escrever. Nos braÁos d'elle, e de sua filha--esposa de um cavalheiro illustre, pai da escriptora de Sainctonge--expirou o irm„o do heroe da Terceira, aos noventa e sete annos de idade. Que recordaÁűes revoluteariam n'aquella alma! Que synopse de immensas angustias! Como veria elle desdobrarem-se noventa annos de recordaÁűes, desde a infancia de D. Sebasti„o, atravťs da catastrophe de Alcacer, dos heroismos dos AÁores, dos sessenta annos de esforÁos v„os contra a pobreza amparado pela honra do nome portuguez, e por fim... morrer alli, Šs sopas de estranhos, porque D. Jo„o IV lhe dissera: ęMorre de fome, que eu n„o vou tirar os teus bens aos filhos dos que venderam a patria!Ľ [10] Assim subscreve a approvaÁ„o do testamento de D. Antonio, e assigna uma carta a Philippe II que ao diante se lerŠ. [11] _Historia de Portugal..._ t. II, pag. 602. D. Antonio nomeou Scipi„o de Figueiredo conde de S. Sebasti„o--accessorio que nenhum escriptor menciona, sen„o Caramuel (_Philippus Prudens_, pag. 302), que tratou com singular benevolencia os partidarios de D. Antonio, por entender que nenhum contrapeso faziam na balanÁa em que Philippe III, em 1689, no ultimo anno do seu reinado, mandava pesar os seus direitos. [12] A carta e resposta de Scipi„o de Figueiredo possuimol-as na collecÁ„o de _Ineditos_ de D. Manoel Caetano de Sousa. Nos historiadores apenas encontramos noticia perfunctoria de haver sido tentado o suborno do governador pelo principe de Eboly. Estas cartas foram impressas em uma apologia de D. Antonio, escripta por Scipi„o de Figueiredo contra D. Jo„o de Castro. Na duvida em que est„o os bibliophilos sobre a authoridade d'essa apologia decide Jo„o Caramuel no seu _Philippus Prudens_, etc. pag. 171 e 172, na lista dos authores que escreveram a favor de D. Antonio: _Cyprianus de Fuigueredo... sed Scipio... publicavit Epistolam, qu„ notas facit Philippo II, caussas quibus movebatur ut individuus comes non desereret ipsum Antonium, cui ab annis pluribus in honor e maximo servievat. …didit etiam Apologiam pro Antonio contra D. Joannem de Castro, olim ex Antonianis, etc._ O titulo do livro que o cisterciense Caramuel denomina ęapologiaĽ ť _Reposta que os tres estados do reino de Portugal, a saber Nobreza, Clero e Povo, mandaram a D. Jo„o de Castro, sobre um discurso que lhes dirigiu sobre a vida e apparecimento d'el-rei D. Sebasti„o_ (s. l.), 1603, 8.ļ Diz o snr. Innocencio que entre pag. 75-80 estŠ a carta que este dirigiu a Philippe II. N„o sei se alli se encontra a carta que Philippe lhe enviou por Gaspar Homem. Este livro ť um dos rarissimos da livraria portugueza. [13] _Historia de Portugal_, l. c. [14] _Histoire secrete de Dom Antoine roy de Portugal_, pag. 101. [15] Veja tom. II das _Provas da Historia genealogica da real casa portugueza_, pag. 537 e seg. [16] Veja a _Lettre du roy Henry III au duc de Mercueur_ (sic) a pag. 120 da _Histoire secrete de Dom Antoine_, por mad. de Sainctonge. [17] Diversifica da primeira importancia da pedra a outra menor que lhe dŠ a escriptora franceza. Mr. Edouard Fournier extrahiu a noticia das _Memoires de l'Estoile_ por Lenglet Dufresnoy. Veja _Un prťtendant portugais au XVIme siecle_, par Edouard Fournier. Paris, 1852. [18] Parece que D. Antonio jŠ em Londres, no anno de 1582, empenhŠra ou vendera um brilhante de mais quilates. No _Museu Britannico, Bibliot. Cottoniana_, fol. 295. Nero, B. I. ha um diamante que o S. F. F. de la FiganiŤre descreve assim: ęCarta, em inglez, do proprio punho de lord Burghley, dirigida Š rainha Isabel, na qual, em conformidade das ordens que lhe haviam sido transmittidas pelo conde de Leicester, dŠ a sua opini„o sobre o destino que deveria ter o grande diamante de D. Antonio (prior do Crato), o qual estava em poder do mesmo conde, como penhor pelo dinheiro emprestado a D. Antonio por certos negociantes inglezes, que instavam muito pelos seus creditos, julgando lord Burghley, que, em attenÁ„o ao seu grande valor, seria conveniente que a rainha embolsasse os ditos negociantes, ficando com o diamante como penhor da quantia emprestada, etc. Esta carta tem apenas indicado o anno de 1582. Consta de uma pagina. Lord Burghley pede desculpa da carta que envia Š rainha por soffrer muito da perna, e haver-se-lhe exigido resposta immediata. Com effeito parece antes um borr„o do que uma carta que se dirigia a uma soberana.Ľ A venda do outro diamante em Paris ť posterior alguns annos. [19] Em um dos proximos numeros darei noticia laboriosamente averiguada dos descendentes de D. Antonio. [20] _Obra cit._, pag. 234 e seg. [21] A pag. 182 e seg. do romance intitulado _Olho de vidro_ vem integralmente publicada a sentenÁa da inquisiÁ„o. Nos _Manuscriptos addicionaes_ do Museu Britannico, n.ļ 15:170, fl. 243 v. ha um soneto de Manoel Fernandes Villa-Real escripto no carcere do santo officio. (FiganiŤre, _Catalogo_, pag. 284). O NARIZ Na poesia moderna tem adquirido bastante importancia o nariz. E, posto que a ťpoca vŠ muito de idealismo, repara-se mais nas ventas que nas faculdades moraes dos personagens epicos. … certo que o nariz tem servido para formar maximas e aphorismos no regimen social, na sciencia chamada _ethica_--sciencia de que ninguem falla desde que a educaÁ„o da mocidade passou a _tisica_ com apparencias de _hydropica_. Tudo esdruxulo. Do nariz inferiram os observadores certos signaes de qualidades do espirito, e formaram anexins e regras que ainda vigoram, e jŠ vem dos gregos, os quaes tambem tiveram nariz--(_nira_), por anagramma _nari_. Em portuguez, ha muito proloquio sobre nariz e ventas. Caműes, querendo indicar a alegria na rubidez de um nariz a reÁumar bom sangue agitado pelo jubilo, cantou em termos altos: Tem vermelho o sangue do nariz. ęTer cabellos na ventaĽ. ęDar com as ventas n'um sedeiroĽ. ęN„o ver um palmo adiante do narizĽ. Conhecem tudo isto. ęNariz de cÍraĽ--a musa dos tribunos, a inspiraÁ„o dos prťgadores, a rhetorica dos romancistas. ęSenhor do seu narizĽ. Nem sempre. Ńs vezes os poetas fazem-nol-o propriedade sua. ęNariz de palmo e meioĽ--imagem que exprime a embaÁadella--ou, Š franceza--o desapontamento. Exemplo: o leitor, no fim d'este bonito trabalho. ęChegar-lhe a mostarda ao narizĽ, etc. O c„o tambem collabora nasalmente n'estas analogias: ę… sebo em nariz de c„oĽ. * * * * * Em cima, disse eu que o nariz tem adquirido bastante importancia na poesia moderna. Justifica-me um brilhante livro, que estŠ no coronal das modernas publicaÁűes. … _A morte de D. Jo„o_, do snr. Guerra Junqueiro, uma verdadeira flŰr entre os espinheiros da nossa charneca litteraria. D. Jo„o VIII, em sonho, os phantasmas das mulheres que desgraÁŠra. Algumas _... que foram lirios juvenis, JŠ carcomidas pelas larvas frias, Caminhavam sem olhos, sem nariz._ Reduzido a miseravel histri„o e cornaca de ursos e dromedarios, D. Jo„o _Possuia um nariz vermelho, incendiado._ N„o era de certo o nariz vermelho, acceso pelo jubilo, de que falla o Caműes. Mais abaixo, o mesmo D. Jo„o, no deplorativo dizer do snr. Guerra Junqueiro, _Cheirava muito a alho E tinha no nariz verrugas biliosas._ Elle mesmo, o escalavrado amante de Imperia, exclama: _Tornou-se-me o nariz esqualido purpureo Por causa das paixűes e do ultra-romantismo._ Faz pena o diabo do homem! E, para fecho de desgraÁa, quando estŠ nas ultimas, _O seu nariz purpureo … uma esponja de carne a distillar mercurio._ Por onde se vÍ que a poesia moderna tira grande partido do nariz, jŠ cortando-o, jŠ alongando-o, umas vezes enverrugando-o, outras vezes esponjando mercurio d'elle, consoante lhe convťm. N„o ť completamente novo isto. Em Portugal houve sempre esta mania de fazer litteratura nas ventas das pessoas dotadas d'esse org„o com saliencias extraordinarias. No fim do seculo XVII, galhardeavam grandemente os poetas n'esse genero. Eu, entre os meus papeis, tenho um poema consagrado a um nariz, em que n„o havia verrugas nem azougue; mas sim uma grandeza magestosa e limpa. Veja o leitor se acha graÁa a isto: A UM NARIZ GRANDE Tratava de encarecer-vos; porťm logo (ů caso estranho!) vos achei, nariz, tamanho, que n„o pude comprehender-vos. Que sois nariz t„o fatal, em ser comprido, e ser grosso, que n'um reconcavo vosso se escondeu um arraial. Alguem vos chama infinito; mas eu, que em raz„o me fundo, as quatro partes do mundo sei que s„o vosso districto. Pareceis cŠ baluarte dos chinas, bem que o venceis, e com Deus vos pareceis, porque estaes em toda a parte. E um velho da Saxonia diz vos viu mui grande espaÁo servir, nariz, de compasso da torre de Babylonia. Mas affirma quem se humana mais nas vossas maravilhas, que tendes as trinta milhas da ponte do Guadiana. Que sejaes, senhor nariz t„o comprido e t„o fatal, que jŠ cŠ de Portugal cheiraes na Arabia Feliz. Que sois o farol do Egypto que toma de mar a mar, se se půde comparar finito com infinito. E jurou certo moderno (n„o diga elle algum desmancho) que podeis servir de gancho que tire as almas do inferno. E que, se nos horisontes, nariz, vůs nascereis d'antes, escusaram os gigantes de pŰr montes sobre montes. Bem podeis, senhor nariz, estar onde mais quizerdes; mas, se ao sol vos pozerdes, fareis logo ser sol-criz. A vůs, nariz, o gran monte do Parnaso se assemelha; pareceis arco da velha que toma todo o horisonte. E dizem quatro juizes, segundo a sentenÁa diz, que tiram de vůs, nariz, a massa dos mais narizes. Inda que estar queiraes sů, vos ver„o, em que vos pez, que tamanho Deus vos fez como a escada de Jacob. E assenta certo moderno, no que acerta, quanto a mim, que sois sem principio e fim, e que sois, nariz, eterno. Ao arraial do Maluco daes n'uma venta estalagem; e podereis dar passagem de Lisboa a Pernambuco. Para que el-rei se desvela? Se el-rei quer estar seguro, ponha-vos, nariz, por muro entre este reino, e Castella. A vůs sů, nariz, se deu pena eterna, e gosto eterno; que tendes posto no inferno um pedaÁo, outro no cťo. Ha no mundo narigote, ha nariz, e narig„o, houve nariz de Sans„o, e nariz de D. Quixote. Sois nariz archi-potente, porque sů vůs assombraes do Occidente, onde estaes, os narizes do Oriente. D'onde, nariz, presumi chamar-vos gran narig„o; porque sei que ha ahi gran C„o, que ha gran turco, e gran Sophi. Se n„o se půde alcanÁar nunca a medida do mundo, nem nunca ao mar se achou fundo, vůs, nariz, sois mundo e mar. Parece, quando espirraes, (cousa para o mundo nova!) Eolo que sahe da cova com todos os ventos mais. Eras bom n'uma fronteira; que d'essas ventas o vento ť pelouro mais violento, que de bombarda, e roqueira. Outros, encontrando a fť, dizem atrevidamente que em vůs se salvou mais gente que na arca de Noť. E em fim sois, porque conclua, nariz t„o mal ensinado, que vos viram cavalgado ent„o nos cornos da lua. Do sol dizem que enfiava; da lua, que ent„o gemia; e do cťo, que estremecia co'o peso que sustentava. Sois můr que a serra da Estrella; porque eu vi por uma venta vossa, na maior tormenta, passar um navio Š vela. Esse rosto deshumano onde pŰr-vos o cťo quiz, chama-se cento-nariz, como o outro centimano. E de quem n'elle vos pŰz saber me dera gran gosto, se andaes vůs, nariz, no rosto, ou se o rosto anda em vůs. Bem que o rosto ť cousa rara de maneira que sů diz tal cara com tal nariz e tal nariz com tal cara. Da limpeza foreis centro, se vůs deixareis entrar cem mil homens, a limpar as furnas, que lŠ v„o dentro. Mas ser sujo n„o me espanto; pois jŠmais vos assoastes, nariz, porque n„o achastes, linho que abrangesse a tanto. Para a India uma nau ia, eis que um peixe se levanta no mar, de grandeza tanta, que a nau Š vela cobria. Eram tudo paroxismos na nau, tudo estremecer, quando lhe mandam fazer por um padre os exorcismos. Mandou-lhe n'este comenos o bom padre, que a nau deixe, e o que criam que era peixe, era o demo, quando menos. Entrou-me no pensamento mandar-vos exorcismar, sůmente por alcanÁar se sois nariz, se portento. Que nariz n„o pareceis; e, pelo rosto em que estaes, a nariz assemelhaes, e no rosto n„o cabeis. Salvo, nariz, se sois tal, e de t„o mŠ condiÁ„o, que ides comer ao Jap„o, e purgaes em Portugal. _Etc. etc._ Posto isto, em quanto o leitor boceja nos preliminares de um agradavel somno, apresso-me a dizer-lhe que n„o estŠ no meu animo detrahir nem menoscabar a seita poetica, a hoste da Idťa Nova em que o snr. Guerra ť o alferes da bandeira. Gosto do nariz de D. Jo„o; e, quanto Šs verrugas biliosas e Š distillaÁ„o de _licŰr de Van-Swieten_, prefiro estes narizes pŰdres das pessoas afflictas aos narizes de cÍra dos litteratos. JO√O BAPTISTA GOMES Conhecem perfeitamente o famoso author da _Nova Castro_. Seria opprobrio desconhecerem o poeta portuense, honrado na Allemanha ha trinta annos, desde que Alexandre Wittich traduziu a tragedia de Ignez. Jo„o Baptista Gomes, filho de outro de igual nome e appellido, foi guarda-livros no Porto. Casou com uma formosa menina, D. Anna Benedicta Gomes. Morreu na flŰr da idade em 20 de dezembro de 1803. Nos braÁos da sua viuva--que contava vinte e quatro annos--deixou uma menina, D. Thereza Benedicta que veio a ser esposa do dr. Josť Machado de Abreu, que morreu bar„o de S. Thiago de Lordello. A viuva do poeta felleceu em 1844, aos sessenta e seis annos de idade. A bisneta do author da _Nova Castro_, D. Maria Ismenia de Abreu, ainda vive, casada com o snr. Guilherme Francisco de Almeida e Silva, coronel de cavallaria. O dr. Josť Machado de Abreu, reitor da universidade e bar„o de S. Thiago de Lordello, contrahiu segundas nupcias. A exc.ma baroneza, que enviuvou na flŰr dos annos, casou com o snr. conselheiro Adriano de Abreu Cardoso Machado, t„o notavelmente respeitado nas boas letras, como na politica militante, Š qual n„o chamo tambem _boa_, para me forrar a contendas com os que militam na politica diversa. Jo„o Baptista Gomes, ainda em fevereiro do anno em que morreu, levado de generosa inspiraÁ„o, escreveu um _Elogio aos cidad„os do Porto_, concorrentes a um beneficio destinado a suavisar a desgraÁa dos presos. Foi o Elogio recitado no real theatro do Principe na noite de 16 de fevereiro de 1803. Esta poesia inedita n„o ť talvez a unica reliquia desconhecida d'aquella forte, dado que inculta intelligencia, da qual Garrett escreveu: _Atalhou-o a morte em t„o illustre carreira, e deixou orph„o o theatro portuguez, que de tamanho talento esperava reforma e abastanÁa._ Por ventura, no espolio de sua viuva, se encontrariam as paginas soltas da historia dos seus reciprocos amores, e, talvez, as fatidicas tristezas da morte que empeceu ao desabotoar das vergonteas d'aquella poderosa phantasia. Como quer que seja, desde que Jo„o Baptista Gomes se extinguiu, raras vezes as honras posthumas lhe enverdeceram a gloria na lembranÁa dos vivos, nem alguem se lembrou de lhe estremar os ossos sepultados na igreja de S. Francisco. No _Elogio_ aos portuenses, ha versos de profundo sentimento, de elevado conceito, e dos mais condimentados com as especies arcadicas d'aquelle tempo. Queiram-lhe bem os portuenses ao seu poeta, e inscrevam mais este nome no numero dos que, depois de cantarem duas ou tres primaveras, quebraram a lyra na pedra do sepulcro. Que mysterio haverŠ n'esta ceifa da morte, n'este golf„o que tantos cerebros grandes e ardentes dissolve na leiva dos cemiterios?--Coelho Lousada, Evaristo Basto, Soares de Passos, Arnaldo Gama, Ernesto Pinto de Almeida, Guilherme Gomes Coelho, e ainda hontem o maximo entre os melhores, Guilherme Braga!... * * * * * Jo„o Baptista Gomes, dez mezes antes de se arrancar n„o sei se Šs alegrias, se Šs amarguras da existencia, pedia esmola para os encarcerados, e deixava aos seus portuenses talvez os derradeiros sons da sua harpa. Dizia assim: Louvores Š virtude aos cťos aprazem: Nas aras da verdade puro incenso Respeitosa tribute a humanidade A quem da humanidade os males pungem, A quem aos males da indigencia acode; Com piedosa m„o, m„o generosa, Da macilenta face ao desgraÁado O pranto enxuga, que a penuria arranca. Sensiveis cidad„os, porÁ„o mimosa, D'alta prole de Luso esmalte, e gloria, Meus hymnos relevai, que aos vates cumpre Honrar a quem dŠ honra Š especie humana: Beneficas acÁűes, que almas transportam, Por desafogo d'alma applausos pedem. Na sinuosa habitaÁ„o do crime, Nas pavorosas, lobregas masmorras, Onde fome, e nudez (oh dŰr!) outrora, As miserandas victimas ralavam; Onde o estridor horrisono dos ferros, D'imprecaÁűes, de pragas, de blasphemias Era, n„o sem raz„o, acompanhado; Alli onde animados esqueletos Bradavam pelo jus, que Š vida tinham, Em quanto justo oraculo de Themis Castigo aos crimes seus n„o arbitrava; E os descarnados braÁos, d'entre os ferros Famintos estendendo as m„os escassas, Com lamentosa voz, parco alimento, Quasi desfallecendo em v„o pediam; Alli, onde impio throno a morte alÁŠra, Tem agora seu throno a humanidade. Amavel, divinal beneficencia, Dos cťos emanaÁ„o, innata ao homem, Lei filha da raz„o, que a natureza Indelevel gravou no peito humano! Sů tu fazes heroes, sů tu distingues Os entes racionaes das brutas feras. Cobraste, ů natureza, os teus direitos, Desaffrontada estŠs. Exulta, ů patria! Na estancia destinada ao crime, Š infamia, Inconcusso padr„o teus beneficios Fabricado jŠ tem Š gloria tua. Os carceres contempla, e goza o fructo Das acÁűes, que praticas generosa, Em louvores trocadas as blasphemias; Co'a justiÁa abraÁada a humanidade; Abundancia frugal alenta os tristes, Que inerte esquecimento abandonŠra Nas garras da penuria, e dos flagicios: Como se n„o bastasse aos desgraÁados Do crime o peso, o peso dos remorsos, Da justa puniÁ„o a idťa horrivel! Quem ha que delinquente ser n„o possa? E ha de auxilio negar-se aos delinquentes? Os culpados n„o deixam de ser homens: E Š compaix„o dos homens tem direito, Compaix„o, n„o esteril, prestadia. A bem da humanidade taes dictames Leu em seu coraÁ„o heroe prestante; De honrosa instituiÁ„o motor ditoso, Com seu sopro accendeu piedoso incendio Em coraÁűes dispostos Š piedade: Liberaes Š porfia generosos, Sobeja caridade exercem todos. Oh dadiva do cťo! alma sublime, Que recto, imparcial punindo os crimes Pranteias compassivo os criminosos, E ao culpado infeliz auxilio prestas, Aligeiras seu mal, a m„o lhe estendes, Que invergavel d'Astrea a vara empunha, Illustre... Mas que faÁo? o teu preceito, Tua nobre modestia me prohibe Teu nome proferir porťm debalde: Mesmo entre ferros o profere o afflicto, Que de lisonja vil n„o ť suspeito; Perenne gratid„o aos astros manda O nome teu, que impresso em nossos peitos, Transmittido serŠ de paes a filhos!... Mais quizera dizer, dissera pouco Por muito, e muito, que dizer podesse: Custa ao vate conter d'alma os transportes: Mas silencio m'impűes, silencio guardo. AUTO DA F…... A RIR O meu benevolente mestre e amigo, o snr. Innocencio Francisco da Silva, alludindo ao que se escreveu no n.ļ 10 das _Noites de insomnia_, a respeito do infeliz e talentoso Josť Anastacio da Cunha, diz-me o seguinte: _A proposito, occorreu-me offerecer-lhe o papel junto, copia de outro que possuo ha bons quarenta annos. … uma noticia assŠs circumstanciada e divertida do auto da fť, em que sahiram penitenciados o mallogrado professor da universidade e seus companheiros. Se acaso v. entender que a narrativa agradarŠ a alguns leitores das NOITES, půde dar-lhe ahi as honras da publicidade, etc._ Segue o curioso papel que, a meu vÍr, ť a photographia das cousas e das pessoas d'aquelle tempo, avultando Š primeira luz do painel o cardeal da Cunha, inquisidor geral: Noticia presencial do auto da fť a que presidiu o cardeal da Cunha em 11 de outubro de 1778. ęMeu pai tinha grangeado, n„o sei como, a amizade, e era muito da obrigaÁ„o d'esse cardeal inquisidor geral, que na vespera do auto da fť, em que sahiu Josť Anastacio com os outros seus companheiros, veio a nossa casa e recommendou a meu pai, que ao outro dia, _para boa doutrina e exemplo_, mandasse seu filho assistir a esse acto de religi„o: ę_venha o rapaz_ (disse o tonto); _venha cedo; que almoÁarŠ commigo, e depois tambem lhe darei de jantar_.Ľ Assim m'o encommendou o meu velho, quando n'esse dia me recolhi a casa, e n„o tive eu mais remedio sen„o apresentar-me ao outro dia na casa triste, aonde cheguei a tempo de vÍr levantar-se da cama o alarve do inquisidor, que enceroulou os seus calÁűes largos, e esfregando os olhos, bocejando, e fazendo cruzes na bocca, me levou para a mesa do almoÁo, que nos foi servido de cafť com leite e as torradas competentes. D'ahi abalamos para a capella da inquisiÁ„o, aonde foi a minha boa fortuna o ficar assentado junto a um frade de S. Domingos, homem com menos de meia idade, mas de juizo inteiro, segundo o mostrou no discreto e gracioso motejo, que fez de quanto se passou n'aquella santa e religiosa feira da ladra. Tivemos missa inteira, e depois tivemos serm„o, que bem fŰra o ter sido partido por todos os dias do anno, por o muito que nos enfadou com um sem numero de sandices o prťgador. Quando as este vasava do sagrado almofariz, n„o escapavam ellas ao meu visinho, que para mim se voltava, dizendo admirado: ę_arre! e como ť eloquente o prťgador!_Ľ E tambem, quando ao lÍr da sentenÁa, os rťos, segundo o chav„o e formulario do santo officio, foram alcunhados de deistas, atheistas, herejes, scismaticos, etc., o bom do meu visinho, pondo os olhos no cťo com grande compunÁ„o, dizia: ę_Jesus Maria! Que gente t„o ruim!... Atheistas e deistas ao mesmo tempo!... E ainda com mais o trambolho de herejes e scismaticos!... Valha-nos Deus com tantos peccados!_Ľ Todavia, a gravidade e recolhimento discreto desamparou a esse bom frade, assim como a maior parte da companhia, quando se leu a sentenÁa, havendo por intervallos uma assuada geral de gargalhadas, rompida por os fidalgos, que assistiam de familiares. Quem n„o havia rir? Entre os cargos, que se faziam aos rťos, entrava o de que nos dias d'abstinencia deitavam postas de vacca em baldes d'agua, d'onde tiravam a carne com um gancho, e a chamavam _pescada_, que mandavam guisar para o jantar! Entre os mais graves capitulos era o que se fazia ao rťo Jo„o Manoel d'Abreu, o qual, perguntado--qual tinha por mais violento, o fogo do inferno ou o do purgatorio? Respondeu: _O do purgatorio._ E instado por a raz„o de o julgar assim, tornou a responder: _porque o do purgatorio, alťm de queimar as almas, tem a forÁa de aguentar as panellas de tantos mil frades e clerigos, que d'ahi vivem._ Sonora gargalhada, que retumbou por toda a capella, com grande escandalo dos padres tristes. Josť Anastacio, com todos os mais penitenciados, tinham velas de cÍra amarella nas m„os[22]; estavam todos com o semblante carregado e melancolico, sen„o o major de artilheria de ValenÁa, que se estava sorrindo; e, acontecendo pŰr os olhos nos d'um conhecido seu, logo lhe fez uma cortezia com o brand„o de cÍra, por o modo, que o faria com a espada, se estivesse mandando uma parada. Emfim, acabou-se a farÁa; sahiram d'ahi os penitenciados para os lugares de suas reclusűes, e nůs para o abundante jantar, que nos deu o cardeal. Quando assentados Š mesa, voltou-se elle para mim, e comeÁou a me admoestar por esta maneira: _Ent„o, snr. V... viu vm.ce a piedade e misericordia da santa inquisiÁ„o? Veja como deu castigo brando a tamanhas culpas! Porťm, isso foi por a primeira vez; que se tornarem a delinquir, n„o h„o de ficar assim._ A isto respondi eu--que me parecia deviam os penitenciados ser mais d'uma vez perdoados; porque, perguntando Pedro a seu divino Mestre, quantas vezes se havia perdoar ao peccador; se deveria ser atť sete vezes, Christo lhe respondera: _n„o sů sete vezes, mas sete vezes setenta; pelo que_ (continuei eu) _multiplique v. exc.™ sete por setenta, ou 70 por 7, e acharŠ a conta de 490 vezes, que se deve perdoar ao peccador, e d'ahi se a inquisiÁ„o quizer seguir a doutrina da Escriptura, ainda aos que foram agora penitenciados se deve 489 vezes o perd„o_. A este tempo estava um dominicano, frei Josť da Rocha, grande valido do cardeal, por traz d'elle, fazendo-me signaes para que n„o continuasse o discurso; e para esse frade, como para arbitro e qualificador, se voltou o cardeal: _hui! oh frei Josť! Aquillo que diz este rapaz vem lŠ na Escriptura?_ Depois d'algum empacho, respondeu o frade: _Isso lŠ vem por algum modo, como v. exc.™ sabe melhor do que eu; mas, para que ť agora acarretar a Escriptura para o jantar? O que se agora ha mister ť refeiÁ„o corporal, e n„o espiritual._ Ficou com a decis„o um pouco turvado o cardeal, mas logo, dando maior pinote, poz termo Š quest„o dizendo: _Pois se isso vem lŠ na Escriptura, nůs cŠ ť outra cousa._ E como isto disse, foi entrando pela sopa.Ľ [22] A cŰr amarella ť de reprovaÁ„o, e a usavam os inquisidores nas velas e sambenitos dos penitenciados, talvez por ser d'essa cŰr a tunica, que sempre em todas as pinturas se dŠ a Judas traidor, assim como n'ellas a S. Jo„o sempre se deu a tunica verde. D'ahi vem talvez a cŰr das fitas e capellos na faculdade de medicina, a qual era antigamente a menos nobre das faculdades em a nossa universidade, e por isso seguida, por a můr parte dos que o povo infamava com o titulo de _christ„os-novos_. Todavia, jŠ nůs conhecemos ťpoca, em que a cŰr amarella andou mais em moda, que a de purpura, e foi em FranÁa, legisladora de modas e vestidos; pois quando ahi nasceu por 1811 ou 1812 um filho a Bonaparte, foi t„o geral em todos a alegria, que para solemnisar t„o feliz acontecimento, todas as senhoras trajavam de cŰr do excremento do menino. Oh francezes!... FIM DO 11.ļ NUMERO End of the Project Gutenberg EBook of Noites de insomnia, offerecidas a quem n„o půde dormir. Nļ 11 (de 12), by Camilo Castelo Branco *** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK NOITES DE INSOMNIA, NO 11 (DE 12) *** ***** This file should be named 28206-8.txt or 28206-8.zip ***** This and all associated files of various formats will be found in: https://www.gutenberg.org/2/8/2/0/28206/ Produced by Pedro Saborano (produced from scanned images of public domain material from Google Book Search) Updated editions will replace the previous one--the old editions will be renamed. Creating the works from public domain print editions means that no one owns a United States copyright in these works, so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United States without permission and without paying copyright royalties. Special rules, set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you do not charge anything for copies of this eBook, complying with the rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose such as creation of derivative works, reports, performances and research. They may be modified and printed and given away--you may do practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is subject to the trademark license, especially commercial redistribution. *** START: FULL LICENSE *** THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free distribution of electronic works, by using or distributing this work (or any other work associated in any way with the phrase "Project Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project Gutenberg-tm License (available with this file or online at https://gutenberg.org/license). Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm electronic works 1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to and accept all the terms of this license and intellectual property (trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession. If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8. 1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be used on or associated in any way with an electronic work by people who agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works even without complying with the full terms of this agreement. See paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic works. See paragraph 1.E below. 1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation" or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the collection are in the public domain in the United States. If an individual work is in the public domain in the United States and you are located in the United States, we do not claim a right to prevent you from copying, distributing, performing, displaying or creating derivative works based on the work as long as all references to Project Gutenberg are removed. Of course, we hope that you will support the Project Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with the work. You can easily comply with the terms of this agreement by keeping this work in the same format with its attached full Project Gutenberg-tm License when you share it without charge with others. 1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in a constant state of change. If you are outside the United States, check the laws of your country in addition to the terms of this agreement before downloading, copying, displaying, performing, distributing or creating derivative works based on this work or any other Project Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning the copyright status of any work in any country outside the United States. 1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg: 1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed, copied or distributed: This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org 1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived from the public domain (does not contain a notice indicating that it is posted with permission of the copyright holder), the work can be copied and distributed to anyone in the United States without paying any fees or charges. If you are redistributing or providing access to a work with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or 1.E.9. 1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted with the permission of the copyright holder, your use and distribution must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the permission of the copyright holder found at the beginning of this work. 1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm License terms from this work, or any files containing a part of this work or any other work associated with Project Gutenberg-tm. 1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this electronic work, or any part of this electronic work, without prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with active links or immediate access to the full terms of the Project Gutenberg-tm License. 1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary, compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any word processing or hypertext form. However, if you provide access to or distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than "Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org), you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm License as specified in paragraph 1.E.1. 1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying, performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9. 1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided that - You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method you already use to calculate your applicable taxes. The fee is owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he has agreed to donate royalties under this paragraph to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments must be paid within 60 days following each date on which you prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax returns. Royalty payments should be clearly marked as such and sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the address specified in Section 4, "Information about donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation." - You provide a full refund of any money paid by a user who notifies you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm License. You must require such a user to return or destroy all copies of the works possessed in a physical medium and discontinue all use of and all access to other copies of Project Gutenberg-tm works. - You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the electronic work is discovered and reported to you within 90 days of receipt of the work. - You comply with all other terms of this agreement for free distribution of Project Gutenberg-tm works. 1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm electronic work or group of works on different terms than are set forth in this agreement, you must obtain permission in writing from both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the Foundation as set forth in Section 3 below. 1.F. 1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread public domain works in creating the Project Gutenberg-tm collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic works, and the medium on which they may be stored, may contain "Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by your equipment. 1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all liability to you for damages, costs and expenses, including legal fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH DAMAGE. 1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a written explanation to the person you received the work from. If you received the work on a physical medium, you must return the medium with your written explanation. The person or entity that provided you with the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a refund. If you received the work electronically, the person or entity providing it to you may choose to give you a second opportunity to receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy is also defective, you may demand a refund in writing without further opportunities to fix the problem. 1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE. 1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages. If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any provision of this agreement shall not void the remaining provisions. 1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance with this agreement, and any volunteers associated with the production, promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works, harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees, that arise directly or indirectly from any of the following which you do or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause. Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of electronic works in formats readable by the widest variety of computers including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from people in all walks of life. Volunteers and financial support to provide volunteers with the assistance they need are critical to reaching Project Gutenberg-tm's goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will remain freely available for generations to come. In 2001, the Project Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations. To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 and the Foundation web page at https://www.pglaf.org. Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit 501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at https://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent permitted by U.S. federal laws and your state's laws. The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered throughout numerous locations. Its business office is located at 809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email [email protected]. Email contact links and up to date contact information can be found at the Foundation's web site and official page at https://pglaf.org For additional contact information: Dr. Gregory B. Newby Chief Executive and Director [email protected] Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide spread public support and donations to carry out its mission of increasing the number of public domain and licensed works that can be freely distributed in machine readable form accessible by the widest array of equipment including outdated equipment. Many small donations ($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt status with the IRS. The Foundation is committed to complying with the laws regulating charities and charitable donations in all 50 states of the United States. Compliance requirements are not uniform and it takes a considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up with these requirements. We do not solicit donations in locations where we have not received written confirmation of compliance. To SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any particular state visit https://pglaf.org While we cannot and do not solicit contributions from states where we have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition against accepting unsolicited donations from donors in such states who approach us with offers to donate. International donations are gratefully accepted, but we cannot make any statements concerning tax treatment of donations received from outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff. Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation methods and addresses. Donations are accepted in a number of other ways including including checks, online payments and credit card donations. To donate, please visit: https://pglaf.org/donate Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic works. Professor Michael S. Hart was the originator of the Project Gutenberg-tm concept of a library of electronic works that could be freely shared with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support. Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S. unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily keep eBooks in compliance with any particular paper edition. Most people start at our Web site which has the main PG search facility: https://www.gutenberg.org This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, including how to make donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.

20,955 words • 349h 15m read

— End of Noites de insomnia, offerecidas a quem não póde dormir. Nº 11 (de 12) —

Book Information

Title
Noites de insomnia, offerecidas a quem não póde dormir. Nº 11 (de 12)
Author(s)
Castelo Branco, Camilo
Language
Portuguese
Type
Text
Release Date
February 27, 2009
Word Count
20,955 words
Library of Congress Classification
PQ
Bookshelves
PT Periódicos, Browsing: History - General, Browsing: Literature
Rights
Public domain in the USA.