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Fialho d'Almeida

Portuguese 18,576 words 309h 36m read Nov 12, 2010

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The Project Gutenberg EBook of Fialho d'Almeida, by Visconde de Vila Moura

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The Project Gutenberg EBook of Fialho d'Almeida, by Visconde de Vila Moura This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org Title: Fialho d'Almeida Author: Visconde de Vila Moura Illustrator: Ant¾nio Carneiro Release Date: November 12, 2010 [EBook #34288] Language: Portuguese Character set encoding: ISO-8859-1 *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK FIALHO D'ALMEIDA *** Produced by Mike Silva VISCONDE DE VILLA-MOURA FIALHO D'ALMEIDA (COM UM DESENHO DE ANTONIO CARNEIRO) EDIŪ├O DA ½RENASCENŪA PORTUGUESA╗ Direitos reservados FIALHO D'ALMEIDA DO AUCTOR: A Moral na ReligiŃo e na Arte, 1906. A Vida Mental Portuguesa, 1909. Vida Litteraria e Politica, 1911. Nova Sapho (romance), 1912. Camillo Inķdito annotado, 1913. CONTOS E NOVELLAS: I--Doentes da Belleza, 1913. II--Bohemios, 1914. Antonio Nobre, 1915. Grandes de Portugal (em collaborańŃo com Antonio Carneiro), 1916. Fialho d'Almeida, 1916. VISCONDE DE VILLA-MOURA Fialho d'Almeida EDIŪ├O DA ½RENASCENŪA PORTUGUESA╗ PORTO I CUBA E VILLA DE FRADES Eu estive jß, por duas vezes, em Villa de Frades, no largo da Misericordia, onde foi aquella ½casinha de taipa, construida por pedreiros da gente de Fialho╗--como elle nos conta na _Autobiographia_ do seu livro--_┴ Esquina_. Fui ali quando das minhas jornadas pelo Baixo Alemtejo, em excursŃo de curioso pelo mais da sua gente e paizagem. A primeira vez que visitei a residencia de Fialho, que nŃo ķ jß hoje a casita de taipa que os seus construiram, mas uma das melhores da terriola,--foi por uma tarde de agosto, uma daquellas tardes de rescaldo que erguem, ß volta de n¾s, serpentes de fogo, e lhe ensinaram, a elle, a sua pintura deslumbrante, ß maneira de Rubens, em que a propria c¶r queima! NŃo foi sem um certo alvorońo, confesso, que bati ao portŃo da antiga casa do Escriptor. Veio alguem abri-lo, deixando a descoberto, a meio de uma segunda porta fronteira, um homem alto, vestido de negro, de aspecto recolhido, quasi ecclesiastico, e que, num instante, me encarou e desappareceu, abandonando-me no jardim, ao sol, com o meu remorso de indiscreto. Desapparecera tambem o creado, ou quem quer que fosse, que me tinha introduzido no pateo. Esperei instantes, e, como nŃo visse alguem, dirigi-me para a entrada da primeira casa, que logo vi ser a cozinha, encarando, pela segunda vez, aquella mesma figura quasi sombra, que depois soube que era o irmŃo de Fialho. Disse alto o que queria:--falar ao dono da casa e pedir-lhe o favor de me deixar ver a antiga residencia do Artista. Sahiu a attender-me uma mulher nova, figura doente e franzina, que logo se deu a explicar-me que era ella a actual dona da antiga casa do Escriptor, de quem era parenta, vivendo ali com o marido e seu primo, o irmŃo de Fialho d'Almeida, que, jß ao tempo, mais familiarizado comigo, me fitava serenamente. Dei-me tambem a vĻ-lo melhor. NŃo me lembro da edade que me disse ter; quarenta e sete annos podia talvez apparentar. --Que era um temperamento impressionavel, a espańos dado a medos e hysterias, sempre melancholico, informou ainda a sua parenta. Deparou-me, pois, o acaso, nem mais nem menos, do que um novo documento a instruir a historia do genio do Artista, na pessoa do irmŃo, que me dei a ver como uma figura-symbolo de familia, em que, nŃo sei porque, presenti a elegia viva da Arte mais exquisita e morbida de Fialho, qualquer coisa da neurilidade extravagante dos seus doridos, aquella que animou os seus personagens tŃo suavemente fataes e androgynos, toda a belleza maravilhosa, e nŃo raro inconsequente, da sua obra de apontamentos, onde tŃo extranhamente exuberam os noctambulos e toda a sorte de mysteriosos! CorrĻra, de certo, enferma a adolescencia do irmŃo de Fialho, que viera atķ ali, aos quarenta e sete annos, ou mais que podia ter, porventura ainda innocente, como por milagre da sua mesma frouxidŃo de alma, a que, a cada momento, sua prima alludia, ao referir-me, perto delle, as sinistras manhans das suas torturas de neuropatha. Entretanto que a dona da Casa me convidava a passar ß primeira sala, chegou o marido della, tambem primo de Fialho, que, a meu pedido, mandara chamar, e que logo se dispoz a acompanhar-me, apontando-me, por miudo, o mobiliario e antigos aposentos do Artista. F¶ra este seu parente a quem Fialho recorrera, quando, na vespera da morte, veio a Villa de Frades, ordenar os papeis do seu gabinete, como quem se decide a dispor tudo, antes de seguir... --Quando chegou deu pela falta da chave do escriptorio, me explicou o snr. Josķ Fialho. E apontando uma porta:--tentou ainda abri-lo, quebrando o vidro daquella bandeira; por fim, resolveu-se a chamar-me, e, como ķ cß da minha arte este servińo, pois sou carpinteiro, immediatamente arranjei tudo; e, elle entrou, demorando-se aqui atķ ß hora da partida. Insisti na supposińŃo, que mais se radicou em mim, depois da minha derradeira estada no Alemtejo, do provavel suicidio de Fialho, confirmando-me o seu parente que, de facto, se tinha aventurado tal suspeita, logo apoz a sua morte, mas que os medicos que, por ultimo, o haviam soccorrido, tinham negado o facto, e, elle, por si, coisa alguma sabia dizer a tal respeito... Entretanto, encarou-me mysteriosamente, quando lhe disse que alguem da familia Carapeto, que lhe assistira ß morte, na Cuba, tinha como certo o seu envenenamento; que, na vespera, elle tratara do arranjo definitivo de tudo, e nomeadamente do seu testamento, lavrado numa das dependencias da Tabacaria Fonseca, onde costumava passar parte das noites; que soubera, ainda na Cuba, dos seus aborrecimentos de doente, af¾ra outras raz§es que a minha admirańŃo tinha reunido para reconstituir o drama duvidoso do seu desenlace. Mas deixĻmos este caso ao tempo, que ķ quem definitivamente aclara tudo, e voltemos ß sua casa de Villa de Frades. Como acima informei, actualmente pouco deve ella ter da construcńŃo primitivamente gizada pelo pae do Escriptor, antigo mestre regio da freguezia. ╔ sabido que Fialho casara com uma senhora de fortuna, de quem tambem ficou herdeiro, pelo que tanto aquella Casa, como a de Cuba, sua residencia predilecta, foram por elle reformadas, com todas as melhorias em uso nas boas construcń§es da regiŃo. Mas nŃo se infira dahi que se trate de edificios luxuosos; sŃo, pelo contrario, casas sem interesse, e, ainda, no ponto de vista artistico, valem tŃo s¾mente pelo caracter que lhes advķm do facto de obedecerem ao desenho do mais das habitań§es daquellas paragens,--quasi todas ellas tijoladas, cozinhas brancas de telha van, eirados sobre a planicie, e os jardins tŃo intimos das casas e pateos, ß maneira arabe, como que continuando-se das salas. Villa de Frades, pequena povoańŃo do concelho da Vidigueira, com um censo de dois mil habitantes proximamente, tem um certo relevo, em contraste com o resto da formidavel planura sul-alemtejana, e, o que ķ mais, foi uma das poucas terras, se nŃo a unica do districto, que encontrei verde, no agosto em que a visitei. Tudo o mais, ao largo, era desolańŃo e secca. [IMAGEM: Fialho d'Almeida. Desenho de Antonio Carneiro] Para lß da matriz, logo ao sahir do povoado, corriam as obras das escolas que o Escriptor garantira com o seu testamento, e que, confesso, pouco me detiveram, dado o meu aborrecimento por construcń§es do seu desenho, entre gaiolas e penitenciarias, com destino ß futura infancia de Villa de Frades, de mais, ao tempo, sobremaneira antipathicas, como todos os edificios por concluir. O que devķras me prendeu, foi a chamada antiga Casa da Aula, pela qual perguntei ao primo de Fialho e immediatamente saiu a apontar-me. ╔ fronteira ß Egreja, e um edificio tosco, sobre o comprido, ßquelle tempo escrupulosamente caiado, de aspecto simples e o ar abstracto de um templo abandonado. Era quasi noite. A matriz bateu nŃo sei que horas, com aquella solemnidade triste, que ķ do dobrar dos sinos de todas as villas... Dei-me a imaginar a infancia de Fialho, partilhando daquella melancholia, pelas grandes tardes morrinhentas de Villa de Frades, com todo o primeiro mundo da sua inicial e subconsciente comparticipańŃo da Vida... Ali, de facto, naquella humillissima escola, cursara elle as primeiras lettras, de par das primeiras contrariedades, ao lado do pae, o mestre escola da terra, ½aquelle typo de santo austero, n'uma alma de sonhador, sempre calado╗, explica o Artista, annos depois. E, em verdade, tanto como a casa onde nasceu, mais ainda, talvez, se me prendeu da alma aquella capellita das suas primeiras canseiras. Ahi deveria, porventura, estabelecer-se o Museu-Fialho, uma vez que uma dezena de amigos, refiro-me sobretudo aos seus amigos de leitura, se concertasse para juntar em tal logar, com os seus livros, tudo o que pudesse considerar-se como reliquia da sua obra ou memoria. Da casa de Fialho, em Villa de Frades, hoje quasi vazia do peregrino espirito que a encheu, lembrarei especialmente o quarto do Artista, onde, por acaso, quedam algumas arcas com revistas que excluiu da sua livraria, destinada ß Bibliotheca de Lisboa, legando-as a um amigo que ainda as nŃo levantou, e, nas paredes, duas telas da sua auctoria. Propositadamente trazemos a publico a noticia, que cremos em primeira hora, daquellas telas, ambas mßs, de figuras religiosas, de tintas empastadas e peior desenho, pelo interesse de documentar o seu esforńo de plastico, que o fez pintor, em segredo, a elle, o critico impertinente dos maiores pintores do seu paiz! Esta, porventura, tambem a nota mais interessante que me foi dado conhecer por informańŃo da Familia-Fialho, e me fez lembrar o caso de Hugo, identicamente desenhista e, mais ainda, entalhador, e cuja obra, no genero, decora, ao presente, a sua antiga residencia, hoje Museu, na _Place des Vosges_. Finalmente, resta-me apontar, o trecho fronteiro ß casa, systema absorto de outeiros verde-suaves, que se me depararam conhecidos, como se, de sempre, os houvesse visitado. E, de facto, era quasi assim. Conhecia-os, havia muito, de algumas das paginas mais luxuriantes do Escriptor, onde elle, o magnifico colorista, a espańos se deu a pintß-los daquella tinta intima que lhe veio, pelo tempo f¾ra, das suas memorias e impress§es de infante. Despeńo-me, ß pressa, da sympathica terriola, como quem foge do tumulto de lembranńas que me vem da casa, daquelles outeiros, dos primos de Fialho, do IrmŃo, irreprehensivelmente estatual no seu papel de symbolo rigoroso; e parece-me receber das mŃos deste fios da tragedia, ainda viva, das primeiras desfortunas do Artista, as que lhe advieram da quasi miseria da sua segunda infancia, e cuja recordańŃo o obrigava talvez, mais tarde, a fugir dali, (onde viveu sempre o menos tempo) por morphinizar-se do aborrecimento em commum por terras de mais convivio. A Casa da Cuba, que em geral preferia, quando estava no Alemtejo, ķ um edificio melhor que o de Villa de Frades, tambem terreo e de compartimentos amplos. Nesta casa fui encontrar enferma, na mesma alcova em que o Artista agonisara, a sua antiga legataria,--uma senhora de edade da Familia Carapeto, a quem devo o offerecimento dos retratos de Fialho que illustram a presente noticia e alguns dos seus esclarecimentos. Pouco me detive nesta sua antiga morada, e o tempo que ali quedei foi no terrańo, velho miradouro de gosto mourisco, donde se abrange, numa extensŃo de leguas, o mais das terras seccas que circumdam a Comarca. Cuba ķ das povoań§es mais incaracteristicas e sem interesse que encontrei no Baixo Alemtejo. Lembra, pela monotonia do seu casario reverberante, certas povoań§es de Hespanha, da Mancha, sobretudo, e que, em vez de quebrarem a aridez das chans, servem como que a memorß-las, tŃo irmans da estepe parecem crescer da terra. Avalio, com tristeza, do viver do Escriptor na villa, quando, obrigado pelas mil coisas desagradaveis da sua vida, em que parece nŃo ter figurado pouco a intriga politica da ultima hora,--se recolheu aos seus telheiros. Fez o acaso que me defrontasse com o proprietario da Tabacaria, em que passava uma parte das noites, a conversar, por distrahir-se e illudir a monotonia que o cercava. Deu-se-me logo o snr. Fonseca, nŃo afianńo o appellido, como tendo sido muito da intimidade de Fialho, propondo-se reproduzir factos e retalhos seus de conversa que, ķ claro, lhe sahiam pouco authenticos... --Conheceu-o pessoalmente? me perguntou elle, a meio das suas tiradas. E, ß minha negativa: --Pois olhe que era melhor ouvi-lo, do que lĻ-lo! Os livros valem pouco, accrescentou, em comparańŃo com o que elle aqui nos contava... E logo continuou a palavrear ßcerca do Artista, emquanto eu me explicava a sua vida final, o suicidio provavel, os caix§es de revistas que vira em Villa de Frades, e com as quaes elle, por ultimo, quasi obrigado a viver ali, bem por certo, de volta a casa, iria feriar-se daquellas noites mal conversadas com quem, por falta de ouvidos, nŃo podia ouvi-lo,--a elle que fora em Lisboa, o primeiro de um cenßculo de que haviam feito parte, entre outros, artistas como Ramalho e Bordallo, ao lado de curiosos, ßs vezes, valha a verdade, bem inferiores ao sympathico negociante, que, ao menos, herdara do seu convivio a devońŃo supersticiosa da sua memoria! Como quer que seja, pois que Fialho passou em Cuba os ultimos annos da sua vida, importa-me naturalmente escrever da pequena cabeńa da comarca o pouco que della apontei de mßs lembranńas. Como acima referi, nŃo tem ella, para mim, a bem dizer, outro interesse alem do que lhe advem do facto de ter sido o derradeiro exilio do Escriptor, que se dava a disfarńß-lo, administrando directamente as suas herdades. Especie de villa improvisada, sem paizagem que pudesse entreter, por momentos, o espirito, aliaz exigentissimo do Artista; sem edificios de valor; com repartiń§es inferiores; avenidas lugubres, no geito da Alameda, sobranceira ao Caminho de ferro, e sombria como uma rua de cemiterio; habitań§es mesquinhas, servidas de ruas mal calńadas; a EstańŃo, a distancia, quasi que fugida da terra que a fizeram servir--tal ķ, de facto, Cuba, cujo casario abre sobre a campina formidavel do sul como uma aguarella infima! E, entretanto, foi ali que Fialho quiz ficar, e mandou que lhe erigissem o mausoleu, que visitei na ultima tarde da minha estada em Cuba, depois de dolorosos transes para arrancar duma adega o chaveiro do Cemiterio. Ah! como Fialho tinha razŃo, ao informar-nos no conto--_A Ruiva:_--½Ha uma coisa peior que um cŃo damnado: ķ um coveiro bebado!╗ Comtudo, ao lado dum tal coveiro segui eu atķ ao cemiterio de Cuba, em que, aliaz, coisa alguma de notavel fui encontrar. Todos os cemiterios, a meu ver, se parecem; o da Cuba vale o _PĶre-Lachaise_, como o de _Montmartre_ ou _Montparnasse_, por nomear os trez mais notaveis de Franńa (onde os homens passam por mais reconhecidos)--como os de todas as terras, ainda os das muito civilizadas e extremas. Imagine-se um cercado alto, com o ar de casa, ß qual o vento arrebatasse o telhado, arruamentos de capellas e arcas com lettras de pedra, uma especie de convento de ossos, onde todos os dias ha camas de terra revolvidas e cruzes novas;--a frieza dos brancos e solemnes livros de marmore, das flores, ali casuaes e tranzidas, dos esguios arvoredos, como de todo um pequeno mundo de symbolos;--uma lage-obstaculo em cada campa, e, como a fechar mais os que jazem, gradis, linhas de cimento juntando as cantarias, mais um complicado e diabolico systema de cremalheiras e cadeados! Eis o cemiterio de Cuba, cujo desenho ķ, de facto, o de todas as grandes ou pequenas cidades de mortos, dos quaes os vivos se vŃo desquitando, mais ainda do que cobrindo-os daquelles obstaculos,--quasi esquecendo-os para ali, onde perpetuamente terŃo de ficar, afastados de tudo, onde jßmais chegarß o proprio carinho selvagem dos temporaes, s¾s, entre os silencios negros da sua noite immensa, velados dos elementos, a par das esculpturas somnambulas dos tumulos, tambem de si indifferentes, abstractas, e, como por acaso, ali dispostas, ainda por erguerem (paredes-meias dos cinerarios) o formal e glacido tributo da sua agonia fria e lapidar! Ora, isto me ia eu recordando, ao seguir, mais o coveiro, pelo cemiterio de Cuba, do mesmo passo que, sem querer, lembrava certas passagens da Obra de Fialho, que, de momento, quasi me falavam, e, eu sentia, como que batidas de vento, ao meu ouvido... Como no caso das grandes paginas de presagio da sua monographia--_Manuel_, comeńßra de anoitecer, e os sinos tocavam! Ainda mais, lembro-me de ouvir, ao longe, nitidamente, distinctamente, representando-se-me como um relampago vermelho ß meia treva, o uivar daquelle cŃo, que, quando, em taes paginas, o Artista se dß a dialogar com o Coveiro a probabilidade de Manuel ser enterrado vivo, como toda a sua afflicńŃo pela farńa material dos tumulos--como que o chama ß realidade desse mundo que fica para alem do proprio pezadelo hystero-epiletico da sua tortura de superemotivo, e lhe queda, a dobrar, na alma, o timbre vivo e sinistro da hora horrivel que jß nŃo conta, e, eu, de momento senti ali, perto delle, bater tragicamente, lugubremente, como um echo do seu sentido, ainda doloroso, embora jß distante, vago, erradio... Porque, para mim, esse typo de _hysterico_ e _fragmentado_, _contradictorio_ e _presciente_ que figurou no _Manuel_, ķ fundamentalmente elle proprio, desdobrando-se por escrever a sua mesma ½duplicidade cerebral╗ e gritar contra a desgrańa do _outro_, ½o que morrera╗, e agora, eu sabia ali, sem que ao menos pudesse precisar onde! Onde? Eis o que o coveiro, depois que o instei, se deu a contar-me, moendo as palavras, que, aliaz, lhe sahiam cavas e aos gorgol§es, como se me falasse ainda da adega ß qual, minutos antes, o f¶ra arrancar. Afinal pouco tem que ver a futura Casaforte dos ossos de Fialho,--no comeńo da primeira rua do cemiterio, e a poucos passos do portŃo, como do logar em que nos encontravamos. Imagine-se uma especie de cofre em marmore branco, sem arestas, escrupulosamente polido e goivado ß volta, quasi sem ornatos, uma porta grossa cruzada da fecharia,--todo elle de um desenho facil, e, por sobre a cupula, ainda de pedra, dois gatos de bronze, dormindo abrańados o velho somno dos symbolos! Eis tudo... Este, repetimos, o mausoleu que lhe servirß em breve. Porque provisoriamente, e a avaliar das informań§es que apontei, o Escriptor, descanńa ainda, de momento, ao fim do cemiterio, perto da ultima parede, num pedańo de chŃo mal tijolado e de emprestimo, em sepultura rasa... II A INDOLE DE FIALHO NŃo ķ facil escrever de momento, e directamente, ßcerca dum artista como Fialho, tal o occultismo das suas predilecń§es, como, mais propriamente, da obra que deixou, e tomaremos ainda como indice da sua singularissima neurilidade. Assim, comeńaremos por esclarecer que Fialho d'Almeida era filho de um homem da Beira e de uma mulher do Alemtejo, por melhor caracterizar algumas das suas extranhezas e contrastes, como o seu conflicto em materia de assumptos e realizań§es artisticas, que, antes de tudo, parecia advir-lhe do ser encontro de duas rańas. Da mesma maneira que cumpre ter presente a influencia da provincia em que nasceu, e que, na infancia, a edade impressionavel por excellencia, lhe deu aquelle amor pela tinta mais propria, ou seja a que os seus olhos receberam directamente da paizagem; como a sua grande intimidade com a natureza, com quem aprendeu a exprimir-se, e que tŃo fundamente foi penetrada pelo seu genio. De facto, nenhum elemento mais cioso da transmissŃo do caracter do que a terra. O que Fialho prova, ß saciedade, a par dos nossos maiores impressionistas. Desenvolvemos noutro logar[1] a indole da zona mais meridional do Alemtejo, onde se incluem Cuba e a pequena villa em que nasceu Fialho. Resulta daquelle estudo um campo ethnico ß parte na geographia intima de Portugal regiŃo embarańada da heranńa arabe, que semelhantemente se vĻ na cultura, nos seus barros e azulejos, nas suas casas, como nas manifestań§es mais simples da vida vulgar dos seus habitantes. Ora Fialho, que ali passou parte da infancia jßmais destruirß a recordańŃo do primeiro espectaculo natural que feriu a sua retina de colorista, e, depois, pela vida f¾ra, mais se lhe foi insinuando pela mesma fatalidade de sangue e nascimento que ß sua terra o prendia. ╔ isto, apesar da heranńa de tristeza que tambem desta lhe provinha, e a que se refere, ainda doridamente, annos depois da sua estada ali, no capitulo autobiographico do _┴ Esquina_. De facto, ķ sempre presente, na sua obra, aquelle primeiro campo de observań§es. Ahi ha a ver a intriga das passagens mais violentas das suas narrativas, as tintas das suas combinań§es de painelista, os dialogos e personagens brutaes da sua tragedia mais popular; e, para alem, ainda, da paizagem, como das figuras, a razŃo culminante do seu genio de origem, em que migra o sonho luxurioso, mais que dum artista e dum povo,--duma civilizańŃo perdida! Importa insistir: a heranńa arabe se nŃo vingou entre n¾s, como em Hespanha, a ponto de que, ainda hoje, quasi tudo o que tem de grande se nŃo foi della, nella se filia--nem por isso deixou de influir no genio de Portugal, onde logrou a sua invasŃo pelo Sul, e, onde, repetimos, se conserva evidente. ╔ ali viva, manifesta em todas as coisas, e, sobretudo, nos homens, a quem as mesmas condiń§es da terra naturalmente defenderam das fus§es com outras rańas. Ora, assentes estes factos, e tendo presente os ensinamentos que do seu conhecimento derivam, chegamos logicamente a entender melhor o caso, na apparencia extranho, das manifestań§es, por vezes distantes e tŃo intensivamente artisticas do Sul, e mais, em especial, de certos capitulos da obra de Fialho d'Almeida. Em verdade, eu nŃo encontro para explicar-me o exuberante exquisito de algumas paginas do Artista, mais do que o segredo das colorań§es, como dos labyrinthicos e caprichosos desenhos de certos e admiraveis exemplares da civilizańŃo arabe na Peninsula, dentre os quaes me veem ß lembranńa, quasi sem o querer, os velhos monumentos da Andaluzia, tambem, porventura, da melhor intimidade de Fialho, e que o deviam ser de todos os artistas, muito particularmente dos de Portugal e Hespanha. E, de facto, qual o artista, verdadeiramente curioso de civilizań§es mortas, que nŃo percorreu ainda Alhambra,--a Alhambra monumental dos grandes Pańos de Luz, redosos e filigranados, cujos marchetes e esmaltes se nos defrontam, mais do que como obra paciente e custosissima, quasi dolorosos ß nossa admirańŃo, pela mesma regularidade do seu maravilhoso, tŃo distantemente extranho! Pois paga a pena a sua visita, sobretudo ß luz de certas horas, quando, pelo estio, a tarde transfigura os monumentos, quasi os move!--e Alhambra inteira exulta ß claridade frouxa dos seus crepusculos. Como, de egual sorte, surprehende o desenho interior dos phantasticos pańos, ainda pelo que abrigam de inaudito, no espectaculo das suas casas-retabulos, aliaz tŃo intimamente caprichosas, como se fossem ampliań§es das covas naturaes que, no Monte Sacro, lhes sŃo fronteiras. ╔ que ninguem como o povo arabe teve o segredo dos recantos, soube estudar e praticar as sombras, quasi medir a penumbra das arcarias; da mesma forma que tambem ninguem mais, como elle, conseguiu dominar pontos de vista, aperceber horizontes, toda a natureza, moldurß-la dos seus monumentos, por vezes verdadeiros filtros de luz,--viver, sentir a c¶r, e, o que ķ mais, orchestrß-la na sua obra, de uma fina grandeza sem egual. Dahi tambem o nŃo se saber que mais admirar dos encantados pańos, bem de molde a servirem a luxuria religiosa de tŃo lendario povo, se o labyrinthico desenho das suas paredes, como dos seus tectos e azulejos, se o mesmo diabolismo e imaginativa do seu alńado! Ora, derivando dos monumentos attribuidos ao genio arabe, ß razŃo de sangue que flue na gente do sul da Peninsula, chegamos facilmente ß averiguańŃo do grande valor da tutela semita no nosso movimento tradicional, mercĻ daquella heranńa--tutela sobremaneira documentada, no mais do nosso lyrismo, como, em regra, em toda a nossa obra artistica. E, assim, nos encontramos, muito naturalmente com o caso de Fialho d'Almeida. De facto, dentre os grandes plasticos da Peninsula, quem mais que o grande Artista conseguiu ainda praticar um semelhante ou equivalente embrenhado de esmaltes e de linhas, o segredo da luz e da c¶r, identica riqueza no processo de exprimir Arte, toda aquella ancia de vida luxuriosa que ergue o mais da obra arabe, e, em que domina sempre, ao lado do culto do individuo, considerado na sua religiosidade como no seu luxo,--a preoccupańŃo alacre do supremo culto da Natureza! E, entretanto, nŃo foi, ainda, sob um tal ponto de vista que principalmente nos demos a estuda-lo. A verdade ķ que fiamos pouco do rigorismo dos methodos geralmente considerados como mais logicos, por mais naturalistas, os que tudo explicam pela razŃo exclusiva da procedencia e do meio--quando se trata de comprehender emotivos da estatura de Fialho, cuja obra precisa, a nosso entender, principalmente ser considerada sem opiniŃo previa, ou seja a toda a luz dos seus livros, e onde ha, a par das admiraveis fatalidades das suas taras de artista do Sul, o conhecimento, os commentarios, como a presenńa ou suggest§es de tudo o que nesse rodopio de Arte, que foi a segunda metade do outro seculo, podia considerar-se de mais interessante ou notavel. Mas caminhemos vagarosamente. Em primeiro logar, convem ter presente que ha nos recursos de Fialho d'Almeida um grande numero de facetas e a tal ponto imprevistas e admiraveis, que, a elle proprio, o offuscaram, perturbando-o, e impedindo atķ que realizasse o que para todo o auctor deve ser o primeiro fim--a obra de conjuncto, que, exactamente, resulta do ajustamento ou systematizańŃo de todo o seu trabalho, de molde a levantar a figura do Artista se elle ķ um temperamento, ou o objectivo da sua Arte, quando elle tenha de desapparecer, em sacrificio ß sua mais propria missŃo. O tempo ķ ainda um material ao dispor dos artistas, embora, quanto a n¾s, o peior dos materiaes. Fialho devotou-se-lhe, talvez, excessivamente. Pois que tinha auscultado a miseria do povo, no seu instincto, por desventura apurado nos primeiros annos da sua vida de acaso, nŃo raro deixou falar o corańŃo, para alem da sua mesma canseira de Artista. Quantas vezes elle, que foi um espirito alto e pairante, se deu a desmedir o grito dos que a propria miseria, confinada da cobardia congenita das desgrańas populares, havia tornado quasi aphonos, e que ainda, por uma razŃo de indole, eternizou vivo e plebeu,--tal como lhe sahiu, ao primeiro golpe, nas paginas formidaveis dos _Gatos_! Foi isto um delicto de Arte, seria um bem? Foi um facto. E este facto vale o melhor da sua obra de pamphletario que, antes de qualquer outra, convem ter presente. Ora, neste rumo de trabalhos, seguiu elle, naturalmente, o exemplo de todos os pamphletarios;--isto ķ, deu-se a compor paginas do material commum, o que vale dizer de aspirań§es e casos, nŃo raro menos claros de que vulgares! Dahi partiu, e logicamente foi atķ ao fim: a servir a propria plebe politica--a peior das plebes! Houve tempo em que nŃo socegou. Numa canseira pertinaz, diaria, quasi tomou por seu dever perseguir a vida constituida, onde quer que ella surgisse ou se se lhe afigurasse. Ora, este foi, tambem, porventura, o seu mal, assente como estß que, em materia de vida conjuncta, peior do que qualquer instituińŃo crapulosa ou gasta, ķ a sua substituińŃo ß doida, ß sorte, como infelizmente, entre n¾s, elle a ajudou a preparar! Acabo de percorrer os _Gatos_, onde reuniu o melhor da sua Arte de pamphletario. Do primeiro ao ultimo opusculo, que serie de estudos, de commentarios, de almas e acontecimentos tratados pelo seu riso! Tudo o que elle tinha de imprevisto, como tudo o que da inferioridade de uns poude reunir e editar para servir a inferioridade dos outros, estß ali, nos seis volumes que hoje formam a Obra, e ficarß como documento dos seus violentos e extremadissimos recursos. Pois que foi a civilizańŃo quem categorisou o riso, transfundindo-o, filtrando-o atķ ß ironia, uma das grandes forńas da demolińŃo moderna,--importa ainda considerar o riso de Fialho. A ironia de Fialho, se assim podemos escrever daquella sua indole--era ainda, como nŃo podia deixar de ser, um caso mais do seu temperamento de violento, aggravado do tempo e meio em que, por acaso, reagiu. Assim, nada tem de commum, por exemplo, com Eńa e Camillo, por falar dos humoristas mais discutidos da lida contemporanea. Camillo era a grańa a flux, com os seus laivos de razŃo intima, muito para alem dos castellos politico-litterarios de momento, golfando risos ao acaso da sua natural interpretańŃo sinistra de Humanidade. Eńa deu-se scepticamente a lapidar costumes e figuras infimas, no geral de uma banalidade exhaustiva, ß conta do prazer do seu riso frio, que logo se fez moda, como tudo o que nos vinha de f¾ra, por seu intermedio. ╔ ver o successo das _Cartas de Fradique Mendes_, ½um Acacio a serio╗, informa Fialho, e cuja prosa relata o apontoado symetrico das notas dum civilizado, ali paciente e cuidadosamente estylizadas pelo seu sentido de mundano. [IMAGEM: Fotografia de Fialho d'Almeida.] Ora, nada de premeditado encontramos em Fialho, e nomeadamente nas notań§es dos Gatos, por cujo entrecho natural ķ que comecemos o exame ß sua obra. A razŃo desta preferencia incide, ķ claro, na mesma indole dos folhetos que reuniu debaixo daquelle titulo, e, onde, de facto, encontramos, a despeito dos seus propositos, o Fialho definitivo, quer sob o ponto de vista do estylo e inauditismo de Arte, quer ainda pela acńŃo demolidora que tanto foi de seu empenho e naquella obra rajou desesperadamente, a paginas plenas, como em nenhum outro dos seus trabalhos. [1] Terras do Sul. III O PAMPHLETARIO Abre os _Gatos_ o aviso-cartaz de que o auctor se prop§e tratar criticamente os homens e os acontecimentos, explicando, humoristicamente, o nome da publicańŃo. O primeiro folheto da serie tem a data de Agosto de 1889, e inaugura por um capitulo, pleno de paixŃo artistica, com seus esmaltes de irreverencia, e a que elle chamou:--_Bric-ß-bracomania, como cultura e como doenńa._ No desenvolvimento da curiosa these encontra-se naturalmente com o caso do testamento de D. Fernando. Este caso foi um dos mais antipathicos e escandalosos do tempo, pois que accendeu nos Pańos, com o odio da rainha pela condessa d'Edla, uma questŃo de familia burgueza, em que se discutiu tudo, desde a imaginada loucura lucida do principe, ao tempo das suas ultimas disposiń§es, atķ ao valor e direito dos _bibelots_ e quadros do seu espolio! Veio a questŃo para a rua, e, ainda dessa vez, rua e Pańo se deram as mŃos, na roda de insultos dirigidos ß viuva de D. Fernando, sem attenńŃo pela memoria deste principe, cuja probidade foi tratada sem sombra, nŃo diremos jß de justińa, mas de delicadeza. Em nome dos republicanos dirigia, no _Seculo_, a campanha Rodrigues de Freitas, valha a verdade, serenamente. Por parte do Pańo, e vestindo, mais uma vez, a innocente pelle do povo--. escrevia Emygdio Navarro, tratando cynicamente D. Fernando, em quem diagnosticara dois scirrhos--o da cara, que o levara ß morte, e o do corańŃo, que elle, Emygdio Navarro, se propunha sarjar publicamente, fazendo-lhe a historia na prańa das _Novidades_, e isto, affirmava, por dignificar a memoria do Rei! Fialho que, de facto, era um delicado, e, por accidente, se fizera politico, e, bem por certo, lhe repugnava toda aquella griteira, tratou tambem do caso moderadamente, chegando a lembrar atķ a arbitragem para resolver os direitos do espolio controvertido. Ainda, por egual forma, trata a figura de D. Fernando, cujo perfil surprehende, sobretudo, ß luz da sua aventura de amoroso e homem de Arte. Assim visto, nŃo podia elle deixar de lhe ser sympathico, e dahi tambem o seu elogio, mal disfarńado, como as attitudes em que o focou, e donde mal sobresahe o vulto, ao tempo tŃo acintosamente discutido, do Rei! Quer dizer, em verdade, ķ ali presente a homenagem do Artista ao Artista, para lß de todo o convencionalismo critico, como de toda a exigencia publica. Comeńa o segundo opusculo por um capitulo dedicado ao violoncellista Sergio, e que, neste proposito a que nos obrigamos, de mero indiciador das suas passagens de mais interesse e que melhor o mostram--mal podemos tratar condignamente. Registe-se, no entretanto, o extremado capitulo, como um dos mais notaveis da sua obra, e, alem de tudo, a forma como elle, sempre tŃo presente nos seus livros, sabia, embora excepcionalmente, apagar-se, quando as circumstancias lhe conferiam Arte que um tal sacrificio valesse. ╔ o caso do violoncellista. Para no-lo descrever, Fialho quasi se apaga no cafķ-concerto da Mouraria, em que o apresenta, e, onde, de facto, elle costumava ir, ßs noites, transfigurando-o da sua Arte, cuja referencia ķ, ainda, como que a sombra resoante da alma tŃo extranhamente regressiva do Musico. Paginas adiante, ķ tambem com paixŃo e valor equivalentes que, a proposito das exequias de D. Luiz, trata a figura da Rainha. D. Maria Pia resalta do seu exame como uma resurreińŃo dos grandes dramas reaes de Shakespeare, ou seja como um verdadeiro prodigio de alma, genialmente estatuada da sua tristeza de soberana-viuva, equilibrando-se no orgulho profissional da sua creańŃo de princeza de rańa, acaso abordada ßs praias portuguezas. Inegualavelmente soberba, de facto, a sua maneira de tratar a lendaria Rainha que surprehende nos funeraes do Rei como um alabastro solemne! Assim a tinha sonhado, tanto como o Pańo, a propria Rua que, entretanto, lhe perdoava tudo, ainda os mais custosos dispendios, tomando-a, mais do que como Rainha--como uma figura de luxo, especie de marmore vivo, por boa fatalidade, a soldo no Museu Real das Necessidades. Tambem, por seu lado, ella cumpria escrupulosamente o papel a que, por sua mesma prosapia, se compromettera (f¶ra cheia de protocolo a sua escriptura de esponsaes)--e dahi o vĻ-la toda a gente mais do que cerimoniosa, theatral, quasi memoria, seguindo sempre, de par da sua lenda, de que ninguem, nem ainda os mais ousados, tentaram algum dia separß-la! Quando endoideceu (a natureza ķ logica; que outra doenńa devia segui-la?) logo os jornaes vieram contar as parabolas da sua loucura, nos Pańos de Cintra; corriam historias de _toilettes_ que jßmais usara; e, por fim, enterneceu a sua retirada de Portugal, quando, na Ericeira partiu, tŃo magestosa e alheadamente, como annos antes, tinha chegado... A differenńa dos dois espectaculos, estava, unicamente, no tempo, que daquelle passo final da sua vida tinha urdido mais uma tragedia! Chegara solemnissima, recebida por toda a ordem de festas e alegrias officiaes; retirou, ß opportunidade da primeira revoluńŃo, como uma rainha usada, que jß nŃo serve, e segue, ß pressa, devolvida, ao paiz de origem. Despedimo-nos com pezar destas paginas, que tŃo fundamente, por si, bastariam a vincar a alma do Artista, acaso nellas mal casada ß sua preoccupańŃo de pamphletario,--para derivar a outras que, na sua obra, dŃo o contraste da violencia, talvez, mais inopportuna e abrupta, que ainda instigou critica portugueza! Reportamo-nos ao caso grosseiro das suas diatribes contra Guilherme de Azevedo que justińou depois de morto, e declara analysar sobre uma pedra de autopsia, ainda sem piedade por si, como pelos leitores, e quando aquelle, jß longe, havia ganho, ha muito, o esquecimento publico! Na sua quasi diabolica sanha de deprimir vĻ-o primeiramente no seu logar de escrivŃo de fazenda em Santarem, onde o surprehende a passear os seus aleij§es, de par das suas canseiras de lyrico e apaixonado ridiculo. Depois examina-lhe, publicamente, os defeitos, as suas fraquezas e purgueiras de estrumoso, como a sua obra, na parte mais rebuscada, indo atķ pracear-lhe os papeis unhados pela lida do chronista! Por fim, como que convida o publico a assistir-lhe ß morte, em Pariz, numa casa de saude! E, para o caso de que o publico falte, redige elle mesmo a informańŃo da agonia do Artista, passada, esclarece, entre sujidades! Ora eu nŃo sei de outra hora tŃo extranhamente infeliz para um escriptor! Do mais dos artistas contemporaneos, e, especialmente, dos pintores, ķ sabido o que escreveu de desalentador para elles que jß, contra si, tinham tudo:--a rua, o mundo politico, o meio pobre em que trabalhavam, o paiz de origem, e toda a serie de prejuizos que, para mais, Fialho conhecia intimamente como ninguem! Comtudo, nem Columbano escapou a esta sua impertinencia, por vezes de uma irritańŃo doente, quasi atrabiliaria e descomposta, ß conta da sua faina de exigir do mundo plastico, mais do que representań§es da natureza, verdadeiras telas vivas, porventura, a capricho, illuminadas das suas mesmas composiń§es escriptas. Dahi a sua injustińa para com o grande pintor que, no seu juizo facil da primeira hora, qualificou de mero artista hesitante, como que estagnado, ½perdido, na monotonia cadaverica dos seus quadros de imitańŃo!╗ E, de identica maneira, tratava os outros. NŃo lhe era facil fugir ß fatalidade do seu genio, sempre em duvida, e que mascarava de desdens; para mais acossado pela circumstancia de viver, o mais do tempo, em Lisboa, onde os Artistas teem _ateliers_ paredes-meias, e a Arte anda sempre ao de cima das sympathias duma tal Cidade, ainda, como nenhuma outra, de entre as nossas, aberta a intimidades, mettedińa, e pretenciosamente futil! Dahi tambem a sua maneira, quasi mesquinha, de tratar a Politica e, em especial, os politicos. A Carlos Lobo d'Avila, por exemplo, processa-o como degenerado. Lopo Vaz ķ, para elle, um mero ½preboste regio╗. A Barjona toma-o como um conselheiro de negocios, anecdotico e sujo. Hintze ķ uma especie de empresario de Portugal--feitoria-ingleza, figura dependente e quasi irresponsavel ßs ordens da dynastia, e assim os outros. A paixŃo do pamphletario cķga-o a qualquer vislumbre de justińa para com politicos e assim tambem para com o Rei, que, ainda ß maneira popular, considerava como figura enkystada no corpo governativo da Nacionalidade. Dahi tambem o atacß-lo systematicamente, afeiando-o de todos os delictos, em que nŃo deixou de figurar a pecha das mais ruins ingratid§es, as jß classicas ingratid§es dos reis! Quer dizer, consciente ou inconscientemente, foi, como todos os pamphletarios, um Orpheu da Rua, pelo menos atķ se sentir sacudido por ella. E fossem lß insinuar ao seu aferro pelas chamadas reivindicań§es democraticas, que atraz da ingratidŃo dos reis, estß sempre a ingratidŃo dos povos; que a Franńa, por exemplo, politicamente radical, no curso de dezenas de annos, conserva no _PĶre Lachaise_ a ossada de Balzac, ao passo que carreou, ha muito, para o Pantheon Carnot e outros menores! De que lhe serviria, de momento, o aviso? O que sempre enche a obra do pamphletario ķ a philosophia facil do odio ao Constituido, onde quer que elle se encontre. Emquanto ha reis, a culpa de tudo o que existe de mau, ou por tal passa, ķ dos reis; como ķ dos padres emquanto ha padres; dos validos emquanto ha validos; em ultimo logar, dos parlamentos; de tudo, emfim, o que o povo, em nome dos seus direitos, nunca atķ hoje definidos, organiza e desorganiza, menos a seu talante, do que ao acaso de uma esperanńa ou das gerań§es por apparecer! E, comtudo, nŃo falta nunca quem se dĻ a orchestrar a sua voz, por mais vaga, ou dissonante que ella seja. ╔ preciso que o escriptor tenha, mais do que talento, uma sensibilidade propria e escrupulosamente cerrada ao gosto publico, melhor ainda, religiosamente isenta, para que possa afastar, com desprezo, o applauso geral, repulsando, para longe, o titulo de dirigente, ou seja o de encantador das multid§es, pelo qual, principalmente, o maior numero dos apostolos se bate. E, em todo o caso, como aquella isenńŃo ķ rara! Ainda os de melhor fķ e que se julgam de posse duma missŃo necessaria, raro chegam, por si, a conhecer do erro de excesso, em materia de reverencia e culto pelo publico! O que, a miudo, se dß, ķ a inutilidade da sua faina, e isto pelo mesmo uso daquelle prestigio, ainda sujeito, como tudo, ß acńŃo do tempo que s¾mente, nŃo consome as obras de sentido definitivo. Este foi tambem o caso de Fialho que durante annos destruiu, sem treguas, confundindo, propositadamente, os principios e os homens, batendo, de toda a maneira, um systema que, sobretudo, foi erro nŃo termos reformado dentro das nossas melhores tradiń§es; e que elle, Fialho, como os demais contemporaneos escriptores politicos, reputaram f¾ra de toda a razŃo nacional. ╔ claro que deste erro se confessou mais tarde repeso--ou tenha sido quando as suas palavras offereciam menor echo--ao ver que, para os logares mais responsaveis, quando o antigo regime cahiu, o paiz, democratizado ß forńa, nŃo encontrou, de momento, para substituir o corpo official expulso, mais do que gente ousada, que mental e moralmente valia menos do que a anterior, que de si jß estava muito abaixo da gerańŃo que a havia antecedido, e cuja heranńa nem sequer soubera defender! ╔ de justińa lembrar que tambem Fialho foi dos primeiros a corrigir os impetos dos pretendentes que, de todos os lados, surgiram com a sua conta de servińos; embora o facto valha unicamente a justificar a sua boa fķ. Era tarde. ┴ sombra das suas paginas, como das de Ramalho, Junqueiro, Eńa e Bordallo, por lembrar os maiores, se tinham elles organizado de vez, entretanto que a alvorada do regime abria logicamente por um banquete! Para mais, quasi todos os demolidores, companheiros de Fialho, tinham desapparecido. Ao acaso do tempo ficara, unicamente, Ramalho--velho, surdo a louvores como a insultos, fechado na sua cella de valetudinario, em Lisboa, de facto uma especie de santo de nicho do _bairro alto_, a quem jß, a bem dizer, ninguem recorria, de cujos milagres ninguem mais queria saber... Bordallo morrera, providencialmente, antes do b¶do. Alem de que, quem se atreveria a continuar-lhe a obra? Onde o artista da sua coragem, ß altura de um jornal nos moldes do _Antonio Maria_? Onde o redactor graphico do seu estylo, e, mais ainda, onde as personalidades-motivos a enchĻ-lo? Como quer que seja, Fialho, leal ao que, de comeńo, se impuzera, tentou ainda o ultimo esforńo, contra o muito do que succedera e lhe repugnava tanto como ß consciencia, ß sua sensibilidade, acuradissima, de Artista. Era tarde, repetimos. Jß ninguem o ouvia, demais que elle proprio tinha perdido o vigor das suas primeiras investidas! E, entretanto, o Artista crescera ainda, depois das novas provań§es, ou antes tinha-se accrescentado daquella razŃo de amargura que a vida empresta sempre, cedo ou tarde, aos temperamentos da sua impressionabilidade, e que nelle deu a transfigurańŃo notavel de um ousio artistico sem egual, e de que ķ, sobretudo, exemplo essa obra trasbordante da sua derradeira colheita--½_Barbear e Pentear_╗. Este livro, sublinhado pela explicańŃo amarga--_Jornal dum vagabundo_, que aliaz emprega noutras obras, attinge, effectivamente, o maximo da sua perfeińŃo exquisita. ╔ ali que verdadeiramente elle trata a mulher-fada, tŃo de sua predilecńŃo, e de quem se dß a referir a _toilete_, ß luz dos m¾res recursos, escrevendo da sua razŃo de vestir, como arte maxima; das joias que redundam do seu imaginar em preciosos esmaltes vivos, especie de insectos inertes, quasi pedras mornas por nŃo arrepiarem a carne-seda das animadas estatuas que sŃo chamadas a guarnecer;--de tudo, emfim, o que do abrańo caprichoso da arte e da natureza elle poude aventurar de imprevisto na ideańŃo dum espectaculo para embriagar sensibilidades! E, de facto, chega ßs maiores extranhezas de gosto na inventiva daquelle livro, e especialmente no seu capitulo:--_Juizo do Anno_, quer pelo turbilhŃo de c¶r que delle entorna, quer, sobretudo, pelo seu empenho de phantasia e _nuance_ ali expressos, como ainda pela circumstancia de considerar a mulher o que, porventura, virß um dia a ser, um caso de perfeińŃo s¾mente, quando a natureza mais accordada com o homem, sahir de sua attitude esphingica, e isto ainda por viver com elle uma futura vida luxuriosa, sem medos e sem pecados... As _Pasquinadas_ e o _┴ Esquina_ subordinam-se ß mesma rubrica:--_Jornal dum vagabundo._ Nesta ultima obra ha de tudo:--paginas notaveis e criticas de menos folgo. SŃo do melhor interesse as que abrem o livro e titulou:--_Autobiographia_; e devem ter-se como supremas aquellas em que nos descreve os _Ceifeiros_, como as que referem as suas impress§es da Atalaya e ExposińŃo-Bordallo. Tambem este livro inclue umas notas a que deu a epigraphe:--_Problema taurino_, e que, jß agora, glosaremos, embora de fugida. Neste capitulo lanńa o Escriptor ß balha a idķa do toureio a serio nas prańas portuguezas, o que vale informar:--a opiniŃo da morte do touro, com os demais episodios sangrentos dos curros hespanhoes. Ora a proposta, se foi sincera, destoa, a nosso ver, da sagacidade do critico, acaso perturbada pela paixŃo do aficionado e homem do sul, paredes-meias da Hespanha e seus costumes. O portuguez habituou-se facilmente ß morte pela associańŃo politica; aceita, como de direito, o assassinato por adulterio, e toda a ordem de morte por um delicto sectarista ou passional; o que elle jßmais decretarß ķ a morte por uma razŃo de Arte, e isto pelo mesmo facto de nŃo comprehender outro sacrificio que nŃo seja para sagrar ou colher interesse. Ora, para elle, o toureio, ainda como exposińŃo de vida e educańŃo de rańa, nŃo tem interesse. As _Pasquinadas_ reunem uma serie de artigos de impressŃo rapida--instantaneos dos acontecimentos e pessoas de occasiŃo. Entretanto, como se tenha dado o caso de ter sido obrigado a tratar de figuras da categoria de Camillo e Sarah Bernhardt, este livro inclue, a seu proposito, paginas que, bem por certo, ficarŃo ainda como documentos da sua desproporcionada maneira de considerar os grandes artistas! Insurgia-se elle, a espańos, contra as lettras, friamente rigorosas, dos modelos mais classicos e academicos. E, de facto, importava-lhe sahir nŃo s¾ das velhas disposiń§es, como ainda dos recursos em uso, por inteiro alheios ao genio, mais que revolucionario, desmedido, daquelles dois vultos, que, por isso mesmo, tratou, nŃo s¾ f¾ra de todos os moldes, mas, mais ainda, f¾ra do tempo. A _Lisboa Galante_, outro livro de voga, comprehende, em geral, episodios e aspectos de cidade, por entre apontamentos de casos minimos, por communs, a todos os logares de accumulańŃo. Entretanto, ainda ahi Fialho incluiu phantasias e situań§es admiraveis, haja em vista o conto--_Amor de velhos_; e, sobretudo, a _Chavena da China_, porcellanas da sua maior delicadeza e inventiva. Passaremos ß pressa sobre o livro--_Saibam quantos..._ nŃo s¾ porque literariamente o nŃo accrescenta, como pela circumstancia de nelle ter reunido cartas e artigos politicos que valem, meramente, como actos de sua contrińŃo. Archivemos, no emtanto, do capitulo--_A morte do Rei_, o seu leal proposito de homenagem a D. Carlos, a cujo caracter, por fim, concede as mais complexas facetas, e a impossibilidade de falar destas em paginas resumidas, como as que, de momento, lhe consagra; e, mais ainda, como fecho dellas, o seguinte:--½Pobre D. Carlos! quando se pensa que afinal era mais intelligente e teve talvez virtudes superiores ßs dos seus adversarios, e por nŃo dizer ßs dos seus cumplices...╗ Eis, finalmente, palavras suas, ßcerca de D. Carlos, alinhadas, talvez, sobre a impressŃo da morte brutal do rei, ß hora, quem sabe? em que o seu cadaver, abandonado de todos, presidente do Conselho incluso, lhe dava a lembrar a calumnia, tanta vez pelo pamphletario, contra elle, escripta, de primeiro responsavel da desordem a que o paiz descera! ╔ que talvez jß ao tempo elle bem claramente visse que aquelle que tŃo violentamente responsabilizara como primeiro culpado do desastre a que a nacionalidade havia chegado, era afinal um rei que consumira um reinado a procurar Alguem, no fundo, bem da alma, elle proprio, com a Rua, que era, de facto, quem mandava, sem que, ao menos, governasse, como ao presente, e que ora o applaudia, mais ß rainha, ora o insultava, atķ que se decretou a montaria com que, por fim, deu fecho ß Realeza. Mas, deixemos o rumo de taes considerań§es que, indevidamente, ķ de uso considerar politicas, e que, ao acaso, nos occorreram, a proposito dalgumas paginas do _Saibam quantos..._ ultimo passo na vida de Fialho, e ainda ß conta da sua velha lida de pamphletario. Finalmente, pois que, por esta obra, chegamos ao termo da sua jornada de agitador, resta-nos, ao presente, e logicamente, insistir no mais da sua melhor canseira--isto a proposito, nŃo s¾ dalguns trechos jß marcados, como ainda doutros, onde mais intencionalmente se deu a urdir obra de Arte pela Arte. Assim visto, este serß, em nosso entender, o Fialho definitivo, cujo elogio desde jß promettemos levar a cabo quasi sem rasuras criticas, ou seja sem restricń§es, no capitulo a seguir... IV O ARTISTA FIGURAS NOTAVEIS DA SUA GALERIA. INTUITOS E SUPERIORES FATALIDADES DO SEU TEMPERAMENTO. UMA GRANDE E ADMIRAVEL REVOLUŪ├O ESTHETICA. A SUA OBRA. [IMAGEM: Fotografia de Fialho d'Almeida.] Nenhum outro documento mais interessante, se bem que mais difficil de ler, do que o primeiro livro dum Artista. Toda a obra de Arte tem a sua infancia que importa ver na prova-estreia do auctor, atravez dos seus defeitos, como das suas virtudes. Ora essa difficuldade eu senti ao ler os _Contos_ de Fialho, quer pela exuberancia de vida episodica de que esta obra se enreda, quer pelo tumulto dos recursos que jß ali o auctor revela. Exemplificando. Abre elle este seu primeiro livro por uma historia, em parte de sua observańŃo, e em parte de phantasia,--_A Ruiva._ Pela intriga deste seu trabalho, vĻ-se que elle nŃo chegou a realizar uma novella, no rigor geralmente attribuido ßs composiń§es deste nome. Bem pelo contrario, o que conseguiu foi uma serie de biographias, ou, mais propriamente, de exquisitas telas. Fialho, muito do Sul, ķ, como jß vimos, um pintor; ou melhor, um painelista, no geito dos pintores da Hespanha meridional, logrando, pela penna, conforme o seu poder de descriptivo, dar a c¶r, tonalidades e almas tŃo distantes e irreaes e, no entretanto, tŃo signaladamente intimas e perfeitas, como s¾ as encontramos nas prodigiosas collecń§es dalguns auctores da Andaluzia,--isto a averiguar da impressŃo das suas manchas, como das suas madonas e dos seus aleijados, ou seja de quasi toda a sua galeria de excelsas e de sinistros! Assim, a _Ruiva_, principal figura do conto em analyse, ķ uma especie de hyena de amor, transportando-se, quando os guardas do cemiterio saem, ß casa do deposito, onde entra para escolher cadaveres! ╔ pela calma mysteriosa e calada que elle descreve a necrophila Carolina, misto de miseravel e viciosa, tacteando os mortos adolescentes, quasi possuindo-os. Exquisita figura de virgem, a suave e brutal filha do coveiro, que Fialho trata com enthusiasmo, quasi carinhosamente, ainda na sua faina de amante de formas mortas! A Marcellina ķ o typo vulgar da harpia, velha e sabia, que tendo aprendido da miseria tudo o que de mau ella ensina, volvera a sua experiencia num capital que lhe ia servindo para viver... Para o caso, ella ķ a alcoveta que vende a _Ruiva_ a um rapazola, o JoŃo, um precoce torpe, typo de bambino operario, official de marceneiro e fadista, que um momento a possue e quasi logo a abandona. ╔ filho dum bebado e duma desgrańada que elle, ainda creanńa, vae encontrar, pela ultima vez, na _morgue_, depois que a acabaram os maus tratos do marido. E, tambem, dahi a sua historia, que em si resume a vida natural de todos os tresnoitados pelos portaes e escadas. Por fim, fecha o conto o relato da faina livre de Carolina (a _Ruiva_), primeiro assalariada numa fabrica, depois pelos quartos andares, vendendo-se a todos os vicios, atķ que, roida da tuberculose, chega ao hospital, donde sße aos pedańos, como um gesso em cacos! O seu enterro descreve-o o Artista no primeiro capitulo, como para imp¶r, logo de comeńo, o conto, de tal arte iniciado, ß maneira romantica, pelo seu episodio mais pio e sinistro. ╔ ahi que apparece a figura do coveiro, pae da Ruiva, uma especie de Antonio Pedro no _Hamlet_, acaso transportado ß taberna do _Pescada_, onde o Contista o apresenta, bebado, a commentar a morte da filha! Eis a noticia-summario do que temos pela estreia de Arte de Fialho, em 1878, ou tenha sido do tempo de quando elle, intencionalmente realista, com suas tintas de Hoffmann, se deu a iniciar a sua obra por uma figura, aliaz nada casual--a _Ruiva_, cuja caveira nos aponta, ao fim do livro, sobre a sua banca de contista-medico, nŃo se sabe bem, se como um despojo de estudioso, se como um cofre de osso de que antes, por capricho, se dera a extrahir uma novella... Como quer que seja, esta realiza menos o que pretende ser--a biographia da filha do coveiro--do que a primeira galeria de figuras da sua maneira extranha de pintar, e onde a _Ruiva_ acaso surge como que sombreada daquella macerańŃo e tinta de luar que Zurbaran parece ter composto jß da eternidade para espectrar as figuras tŃo suavemente doentes dos seus monges! E, entretanto, como ali estß, naquella simples novella todo o seu original processo, desde o poderosissimo descriptivo que lhe anima o melhor da obra, atķ ß sua pintura, ainda narrativa, de costumes; a hesitańŃo do Artista no papel violento ou declamatorio dos personagens; a sua maneira dispersa e fragmentaria; o dialogo; a imprecisŃo de trańos; a preoccupańŃo das grandes telas; a falta de peńas no esqueleto do seu trabalho; a paixŃo de certas figuras, como de certos logares; a sua dolorosa e sensual sanha de necrographo, de par dos seus carinhos, como dos seus sustos pela morte; o monstruoso dos typos, desgarrando, aut¾nomos, um drama proprio; o sentido da vida no que ella tem de mais intimo, como no que pode suggerir de mais esparso; a falta de ajustamento e equilibrio no curso da acńŃo; e, para alem destas qualidades e defeitos, dos typos, como das situań§es, o Auctor, exuberante da sua razŃo de belleza a esmo, desmedindo, revolucionando a Arte, por servir a Arte; no seu intimo medroso, e instinctivamente avesso, se nŃo inimigo de todo o methodo;--e, entretanto, sempre elle, comsigo mesmo, fazendo valer o defeito pelo que nelle nos dß de grande e imprevisto; creando das suas desproporń§es, uma Arte propria; arruando de grańa a cidade amoral dos seus viciosos; enscenando a vida do verde-amarello da sua biliosa de pamphletario;--e tudo como quem empresta a sua fatalidade de exotico aos homens e coisas a tratar; e sempre para alem de todas as convenń§es, como de todos os moldes academicos! Particularizemos, ainda um pouco, este seu processo, nŃo tanto por firmar principios, como por tratar do seu ousio de Artista, ou seja das suas figuras de imaginańŃo, visto que esta nŃo ķ, nos emotivos do seu destino, mero delirio do sentido, mas, pelo contrario, uma forńa ainda a avaliar das suas creań§es. Effectivamente, bem errada e mesquinhamente trabalham os que se dŃo a encaixar a vida num preceito! Pois que esta ķ, de si, infinita, recurso algum, por minimo, deve escapar ao seu apercebimento. Ora este cuidado tinha Fialho bem affecto da sensibilidade, cuja ancia de representańŃo, jßmais deixou de archivar tudo quanto a vida real ou a phantazia lhe importavam, embora, ßs vezes, ß doida,--fosse numa pagina, ou numa simples linha. Assim, naquelle mesmo volume--_(Contos)_, ha um capitulo, _Os dois Primos_, em que apparece a sombra de Albertina, uma actriz, e que vale menos pela belleza real da sua figurinha de exigua, que pela sua presenńa artificializada de quasi-dahlia--ao acaso cahida num palco de Lisboa, onde elle, o Artista, a surprehende, ß luz da sua _toilette_, ß qual, por fim, de todo, attribue o successo feliz da sua linha de _cocotte_! Este ainda um exemplo do seu occultismo de Arte,--do seu segredo e poder de imprevisto. Tambem a mesma grańa quasi infantil, de tratar a phantasia a que deu o nome de _Chavena da China_, como todos os seus objectos e figurinhas do mais delicado relevo, usa elle jß no conto--_Os dois patifes_, do mesmo volume, ao escrever ßcerca de dois gatitos, verdadeiras porcellanas vivas e mexidas, e de cujas correrias elle logrou a deliciosa tragicomedia do arrasamento duma cidade de cartŃo, prenda de annos do pequeno Arthur. LĻ-se dum folgo a linda historia, como essa outra--_Ninho d'Aguia_, de que, por egual, o Artista tira o partido, jß notavel, do seu engenho de considerar figuras suaves e innocentes, e em que, tambem, as pobres aves do conto sŃo tratadas como barros vivos, a que sempre alligou carinhos que jßmais o vimos dispender no capitulo humano da sua Obra. E propositadamente nos referimos a estas suas pequeninas obras primas, menos por feriar-nos da historia magoante dos seus nevroticos--figuras quasi-anjos, ao lado de mulheres e bambinos quasi-flores--do que por mostrar as delicadezas da sua Arte, tŃo sinceramente desegual, quanto, por vezes, exhaustiva, ß conta de certas insistencias e mal escolhidos episodios. Comtudo, verdadeiramente grande ķ s¾ mais tarde, quando, muito para alem daquelle livro, sae a moldar do seu genio adulto, entŃo notavel de extremos recursos, a vida monstruosa dos grandes e desafortunados typos do seu fabulario. Reportamo-nos ao tempo da _Madona do Campo Santo_, do _AnŃo_, da monographia-_Manuel_ e principalmente dos _Pobres_. E, pois que mal poderiamos concluir do seu grande poder de plasticizar da ImaginańŃo, sem nos referirmos a estas obras, tratemo-las, embora passageiramente, menos para as ver que para as apontar. O _Manuel_ ķ, sem contestańŃo, a mais sincera figura da sua galeria de _Nocturnos_. ╔ um ser que da sua propria alma o Escriptor edita; e, de si, nos dß como um ex-voto ß sua tortura de humano quando, penitente da propria escravidŃo da sua Arte, della se entrega a versar o que de mais inquietante ella tem:--o indefinido da sua universalidade dolorosa e reveladora. Quer dizer, ķ ainda menos do que uma obra de Arte, um espelho doloroso, em que elle se transfigura dos seus medos, como dos seus sonhos,--dando-se ahi, de facto, como melhor nos nŃo podia surdir:--no espectaculo da sua figura de receio, ou seja no esgar caricatural e dramatico da sua afflicńŃo de presciente. Mas reconstruamos, tanto quanto possivel, por palavras suas, a sinistra figura de _Manuel_, ainda por melhor a esclarecer. Primeiramente a creanńa: --½Era aos nove annos como uma figurinha de aguarella, fina de carnes, os cabellos sem pigmento, as unhas longas, a voz avelludada e com demoras sentimentaes em certas inflex§es--amando a solidŃo e as musicas plangentes, colleccionando estampas de castellos, terrivel no amor como no odio, e duma volubilidade tal na phantasia, que era impossivel prende-lo a uma lińŃo por meia hora, sem elle cortar o assumpto com extravagancias de mimo e _enfant gatķ_.╗ Mais:--½Tinha a feminilidade da igreja, o nervosismo do incenso, paix§es quasi physicas por imagens, sentido este que nunca se lhe apagou de todo, e que a reclusŃo de Campolide exasperou a um mysticismo de fazer inquietań§es aos proprios padres.╗ Quando jß homem, ½no typo de algarvio, branco de cera, idealmente puro como a afilada gravańŃo dum camafeu, a sua belleza tinha transcendencias extaticas, uma pacificańŃo de tinta lurenta, macerada, esfallecida de insomnia; e dava a impressŃo dum destes insexuaes no gosto da Seraphita, cujo mysterio desorienta,--por terem tudo o que faz sonhar, sublinhado por tudo o que faz soffrer.╗ Esta a epoca em que o Escriptor melhor fixa o drama de _Manuel_, que jß daquelles retratos, resulta menos uma figura autonoma do que uma imagem de especial e entranha vocańŃo, especie de seraphim de egreja, dahi fugido por viver a vida emprestada do Artista que o elegeu. Mas sigamos, ainda mais vagarosamente, o graphico doloroso das suas grandes azas de anjo bohemio... _Manuel_ chega a Lisboa quando--diz o Artista--½a bem dizer jß ninguem esperava por elle╗, isto ķ, ½quando decrescia no Martinho a terrivel phalange dos revoltados ß Byron, e entrava a achar-se um tic pulha nas attitudes procuradas, nas vozes de chibato, nos olhares revoltos, e mais artificios de que atķ ali os homens de lettras se revestiam em publico, por fugir ao molde burguez da outra gente.╗ Era uma figura ½toda nervos, altivo como se viesse de berńo real╗, a preceito recortado pelo Artista, do seu album intimo,--o que lhe reproduzia as sombras carinhosas dos ½bellos seres de excepńŃo do seu cyclo, os da extranha lumininosidade interior╗ que ante a sua ½mysantropia moral╗ conseguiam impor-se, pela mesma razŃo do seu genio,--de que elle via chispar, a par de extravagantes ½inauditismos╗ ½maravilhas minusculas╗ da mais emotiva Arte. Chegado a Lisboa, ei-lo, primeiramente perplexo, o pobre _Manuel_, no papel de anjo despregado, e, como que por acaso, transferido da Egreja da sua aldeia ao museu vivo duma cidade tŃo falha de interesse que nem sequer tem torpeza propria;--depois vivendo o expediente dos sem-recursos, longe dos seus, luctando entre o seu pudor de Artista e a intranquilidade do seu genio atrabiliario e dispersivo. Esta inadaptańŃo ķ a mesma que depois lhe dß a Tragedia--aquella ½_tragedia dum homem de genio obscuro_╗, que Fialho extrae da sua caprichosa maneira de reagir, tal como devia sahir-lhe, lavrada de ironias--como daquella philosophia e tristeza que enchem a obra a que o Artista dß o nome de--½_Esculptura_ em fragmentos╗ pois que ½dos seus avulsos bocados╗ ninguem poderia tirar mais do que ½mutilań§es de uma grande estatua...╗ Ora, dessa estatua nos apresenta elle, a par de bocados infimos, com extranhezas caricaturaes e laivos dum rir doente, _boutades_ e d¶r inferior, por demais fragmentada, quasi sem significańŃo de Arte,--trechos formidaveis, como certas passagens da ½_Noite de Alcacer Kebir_╗, aliaz tŃo lugubres e intensivamente trabalhadas como raro encontramos outras, ainda na obra de Fialho. E, entretanto, nŃo ķ a Arte de _Manuel_ o que mais interessa da sua biographia. O que melhor vale, e della resalta, ķ a sua mesma reacńŃo, ainda mais que de encontro ao meio alheio, quando do ruflar do seu genio no intimo de si proprio! Esta lucta f¾ca-a o Artista da sua lente amarello-lugubre, desde a primeira infancia do bohemio atķ ß edade da ½fixańŃo do seu typo de adolescente╗ que estatua da ½hereditariedade╗, desenvolvendo-se, determinando-se, sobretudo, na vida de collegio--na sua reclusŃo de Campolide, onde toda a ordem de factores apropriados, ajustando-se-lhe ½como serpes╗ se porfiam ½a esfuriar nesse corpinho espurio╗ todos os instinctos do seu genio de tarado, e que de si erguem o perfeito modelo morbido que, effectivamente, chega a realizar. Na sua vontade lassa nada mais governa que o proprio instincto do luxo, do inesperado, da extravagancia da sua ideańŃo frouxa e admiravel,--como a inclinańŃo bohemia da sua vida de acaso, ß qual se dß, sem que alguma vez se interrogue. Ainda por dessedentar os nervos, logo de comeńo perros ßs suas exigencias, entrega-se ß embriaguez. Tinha necessidade de excitar-se, de viver violentamente os seus delirios, ainda como por melhor escutar a sua nevrose, de tal arte mais nitida ß sua sensacional expectańŃo. Intermittentemente cahia em marasmos; tinha ½syncopes de intelligencia╗ que eram como que sombras daquella sobrexcitańŃo e o derivavam do seu tumulto ao que Fialho chamou os seus ½crepusculos intellectuaes com sobrelaivos de perseguińŃo e delirio religioso.╗ ½De resto na sua esthetica, como na sua vida, sobresaltos de louco!╗ Depois dum maior exgottamento de vida nervosa, adoeceu gravemente, e tŃo gravemente, informa o Escriptor, que nŃo era difficil ½marcar na sua intelligencia o accesso vesperal da sua ennublańŃo╗. A partir deste momento deu-se a errar... A sua enfermidade era como que uma obsessŃo de si proprio, sempre alerta contra o _outro_, isto ķ, contra aquelle que a sua duplicidade mental dava como presente aos seus menores actos--e lhe embarańava tudo o que deliberasse! Novos dias e elle cada vez mais doente, erratico, somnambulo, com a paixŃo do alcool e o susto de tudo. Certa madrugada accordou horrorizado com a idķa de que o estavam a enterrar vivo e o desejo ½de que o deixassem apodrecer f¾ra da cova╗... A partir deste dia a sua vida torna-se pavorosa; ķ a creatura sem rumo, equilibrando-se, ao justo, no acaso geral do arranjo commum. ╔, sobretudo, como expoente de vontade que o homem vale; ora elle perdera absolutamente a vontade, mantendo-se como que, provisoriamente, a dentro do seu corpo, ao tempo jß desconjunctado de fantochino, e que lhe sobrevivia por milagre, como num assomo de quasi extravagante apego pelo que f¶ra... O resto adivinha-se:--ķ a convulsŃo das ultimas horas; sŃo restos de sonho; os derradeiros phantasmas, nos seus derradeiros dias; ķ elle gritando a sua agonia doida, numa casa de saude, a pelejar a morte, como se, de minuto a minuto, lhe rompessem cord§es nervosos; finalmente elle ainda, mas com a vida a fugir-lhe e como que afilando-se-lhe atķ perder-se na noite rehabilitante da sua podridŃo... E, entretanto, a sua historia nŃo acaba ahi! Como noutro logar affirmamos, ha, para alem da sua vida de symbolo, o caso vivo, em aberto, duma real figura da qual o bohemio ½um duplo╗, se accrescenta e desdobra, e que, a nosso ver, ķ, nem mais nem menos, do que o seu proprio revelador,--o Artista que, na alludida monographia, sinceramente, lugubremente, trata o caso da morte de _Manuel_ como se a espreitasse em si proprio! Passaremos adiante a miuda informańŃo daquelle desenlace, ainda logico dentro da extravagante ½_Tragedia de um homem de genio obscuro_╗, por ver, de relance, o Artista, ao pretexto do admiravel estudo em analyse. De facto, qual a figura que surde para alem da mascara de _Manuel_? ╔, affirma-lo-emos ainda uma vez, nem mais nem menos do que o Auctor, embora transfigurado da sua Arte:--isto ķ o artista ½_violento e contradictorio_╗ que dahi resulta; ou seja o escriptor atavicamente ½_presciente do raro em arte_╗, com o mais extranho ½_senso pictoral de certos aspectos sociaes_╗, de par do maior ½_poder amplificador dos grotescos_╗; o artista, a um tempo ½_fragmentario e dispersivo_╗; o transfigurador; a creatura perdida ½_em assumpń§es de genio_╗ e logo baixada dos ½_fulgurantes cimos da intelligencia_╗, como que distrahido por casos minimos; o ½_de filiańŃo hysterińa e infancia convulsiva, terrivel no amor como no odio_╗, o ½mystico╗ e necrographo, de ½_vontade frouxa, com antipathias invenciveis pelos grandes fanfarr§es da sociedade e escriptores lanńados_╗--o emotivo, emfim, que no _Manuel_ nŃo faz mais do que esmaltar de picaresco e lugubre a sua propria figura, errando nelle o seu drama de morbido, e parabolando-lhe, nas attitudes, como na desgrańa, os seus grandes pavores da morte, de par da duvida que lhe advinha da sua mesma Obra, que, no fundo, julgava irremediavelmente episodica e fragmentaria![2] Por isso, tambem, ao deixar o quarto, do _outro_, agonisante, elle p§e na boca do indio, o Pratas, velho confidente dos dois, como que o echo do seu pensamento intimo:--½O ideal seria que a alma delle nŃo morresse, e n¾s ainda a encontrassemos, intacta e genial, num outro mundo insubmisso╗! Ainda uma vez mais, elle formula o seu velho sonho:--nŃo acabar! Em ultima analyse:--o seu drama em duas palavras[3]. Finalmente nada mais haveria a escrever de commentario ao extraordinario capitulo da obra de Fialho que principalmente nos demos a desarticular ainda por compor a figura que nelle foi--se nŃo tivessemos de incluir um tal trabalho na parte que reservamos das suas melhores provas. Como demonstrańŃo de Arte, mal poderiamos deixar de alludir ßs paginas que fecham a tragedia, em parte verdadeira, de _Manuel_--e que tambem, de si, sŃo, ainda de uma precisŃo e valor notaveis. De facto, velou elle o doente de duas figuras que mal apparecem no curso da acńŃo e, no quarto do moribundo, apresenta silenciosas,--duas esphinges de odio que o encaram e ao Pratas, o segundo companheiro de _Manuel_, como se fossem elles os verdadeiros culpados da sua desgrańa! A primeira ķ um velho, o pae do doente que, depois de lhe ter negado os recursos, tomando ß conta de extravagancia todos os seus dispendios, como o seu irremissivel alcance de saude, vem assistir-lhe ß morte. A segunda, e mais notavel das duas figuras, ķ aquella que o Artista designa na folha-cartaz da monographia por--_essa mulher de negro!_ ½╔, segundo informa, quasi velha, com um vestido negro e uma gollilha bordada, em grandes bicos. Sobre as orelhas ha jß cabellos brancos, tem a pallidez macerada duma santa, as mŃos reaes, queixo voluntario... Emtanto essa rigidez guarda uma boca pura de creanńa, e sae dessa magua, uma obra prima de martyrio.╗ ½T¾co, narra, por fim, as mŃos do agonisante, um marmore molhado. Estß a amanhecer lß f¾ra, e os cinzentos azues dessa madrugada de inverno entram no quarto, com albescencias funeraes que me espantam. Pelas quatro horas Pratas que lhe sustinha o pulso, dß de repente um grito: ķ o momento: e o velho erguendo-se, em vez de correr ao filho morto, ķ contra n¾s que parece crescer, rigidamente...╗ Eis o final do drama! Mas quem ķ aquella _mulher de negro_? Eis o que mal nos diz. O que della se sabe ķ unicamente que f¶ra uma rara figura de dedicańŃo, envelhecendo no sonho de ser noiva do bohemio, que lhe escrevia, e elle amara vagamente... De momento, aponta-a o Artista como um regelo de amor, acaso um symbolo assomado ali ainda por enscenar as ultimas horas do bohemio. Derivando, no exame das suas obras primas, ßs paginas que, dentre as citadas, maior contraste offerecem com aquella monographia, encontramo-nos com o seu admiravel conto,--o _AnŃo_. Este demonstra, alem de tudo, de par da mais frisante extravagancia imaginativa, o seu grande poder caricatural. Trata-se duma ligeira farńa que o auctor comp§e, mais que dos personagens, das suas situań§es. Por outro lado, o drama ķ um jogo de riso, em cujo taboleiro Fialho incluiu uma pedra dolorosa--o Carrasquinho, o _AnŃo_... Este ķ uma figura minima, minuscula a ponto de se perder na copa dum chapeo de pello, e no bolso da madrinha quando do seu casamento; ķ um quasi monstro de fabula, entre humano e herbivoro, de ½focinho aguńado e movel, mascando sempre, com as bosseladuras da testa de tendencias conicas para chibato, sensivel e espantadińo aos rumores dispersos do campo, a quem os bodes reconheciam um ar de familia, e por quem as cabrinhas amorosamente se rońavam╗ quando elle, o pobre cabreiro, se misturava com ellas no redil. Casou com a Rosa ½um cavallŃo da mais desmedida estatura, que a mŃe trouxera vinte e sete mezes no ventre e levßra seis dias a expulsar!╗ O AnŃo dansava o fandango e era videiro. De principio tudo lhe foi bem; a boda correra-lhe alegre, bem folgada, depois da qual o manageiro de Torres, o Jacinthinho, se installou por metade de cada dia em casa da Rosa. Esta a desgrańa! Quando o _AnŃo_ chega a mulher bate-lhe e o manageiro obriga-o a dansar... A seis mezes do casamento a Rosa dß-lhe um rapagŃo, forte como ½um boi bravo╗. Tudo no conto sŃo confrontos e confus§es de animaes armados... O AnŃo, cada vez mais chibato, lß vae vivendo, ora em casa, ora entre os sement§es, sempre lamentando-se, na sua ½voz balada╗, atķ que um dia, tendo-o a mulher enfaixado (por confusŃo com o filho) e conduzido ß missa, lß o povileo toma-o pelo proprio diabo, e logo um devoto bebado o arremessa da torre abaixo, e era uma vez o pobre Carrasquinho, esborrachado contra as lages sepulcraes do adro!... Tal o esqueleto da historia que o genio do humorista vae depois folhando das situań§es mais ridiculas, e que, de tal arte, lhe decorre viva, hilariante pelo imprevisto e desproporcionado dos personagens, e em que o pobre ½_grŃo de milho_╗, mal sobresae como uma figurinha de amuleto, errando ao acaso vida emprestada. E, entretanto, ķ num tŃo exiguo personagem que, principalmente, o Auctor se dß a desenrolar aquella aventura, toda ella uma farńa de dolorosa escravidŃo! O mesmo sestro que levara Fialho a apolegar a gente miuda, por attingir a expansŃo maxima do seu inegualavel empirismo de Arte, de semelhante forma lhe pautou a soluńŃo da vida em riso, que a breve trecho e involuntariamente derivava em farńa. Ainda mais, deliciou-se da uniŃo dos elementos mais difficeis, como impossiveis atķ, quando, pelo drama convulso da sua polypersonalidade, se deu a parabolar da vida real o mundo imaginativo das suas extravagantes suggest§es de artista. Dahi as phantasias, no genero daquellas, ao lado de outras em que sobresaem mulheres como a _Madona do Campo Santo_, a quem dota da galantaria e gestos nobres dos cysnes, figurinha de suave illuminura, e que, mais ainda que do seu vicio de comer flores, elle parece alimentar do pŃo azymo da sua Arte! Mas nŃo nos antecipemos ß referencia que della nos deixou. Reunamos os fragmentos da estatua da _Madona_:--½restos, diz o Escriptor, da mais assombrosa esculptura que tem visto o mundo, e que, soldados por agulhas de ferro, ornam hoje o tumulo de Judith.╗ [IMAGEM: Fotografia e assinatura de Fialho d'Almeida.] Ora a _Madona do Campo Santo_, foi tambem uma das creań§es mais tratadas pela suave idolatria de Fialho, e que elle, antes do apaixonado Albano, se deu a estatuar numa hora de quasi divina loucura! E nŃo ķ ainda casualmente que escrevemos da sua idolatria. A verdade ķ que o grande Artista foi, alem de tudo, um pagŃo, embora por fatalidade da sua arte de Extranho, por amor daquella Arte que ainda, de egual maneira, o fez religioso ou, melhor, sectario de toda a Belleza, como jßmais conhecemos outro. ╔ ver as paginas que dedica ß _Madona do Campo Santo_, ao lado de outras, como as que abrem o _Paiz das Uvas_, e a admiravel _Symphonia_ da _Cidade do Vicio_! Em todas ellas, que de adoraveis espectros de faunos e de sylphos:--creań§es phantasticas do genio mysterioso da grande jornada humana immemoravel; e que a elle, ao Poeta, o levam a cantar (a sua obra ķ ali um hymno)--um quasi amor contra a natureza, de tŃo extravagante e brutal! E, entretanto, ķ ainda ß ½vibratilidade dolorosa do sol╗ que elle escreve e nos diz da ½vida allucinada╗ que lhe vae em roda. Dahi, tambem, a sua litteratura, na apparencia difficil e desajustada, como um romance da Mythologia, gritada de Evohķs, com palmas ß belleza e ß ebriedade, pompas sem rito, casos de flora animada e fauna monstruosa, com a sua multidŃo de satyros e dryades, formando junto a Baccho--o Deus da boca fogueirada de risos, acaso os mesmos que, por vezes, parecem tingir da sua cambiante algumas das paginas mais notaveis, ainda por menos verosimeis, do transfigurador! ╔ dum folgo que se leem estas passagens que quasi nos suggerem a esperanńa dum suave mundo de deuses reaes, pleno de sentido novo, e em que exuberem, a esmo, os fructos, e cresńam divinamente os marmores! Ora, dum tal poder de imaginańŃo, e influencia de tudo, facil nos ķ derivar ao mais do seu _atelier_ de estatuario do Exquisito; e, mais propriamente, ao caso da _Madona do Campo Santo_, a cujo proposito trouxemos aquelles recursos. A _Madona_ ķ, na verdade, uma das suas obras primas de mais justificado renome:--typo de mulher-insecto, dentando flores, amando por instincto, comendo com d¶r, tocada, ainda por uma razŃo de belleza, do susto humano de morrer, gracil como uma ave, de resto frouxa e luarada como convinha a uma creatura do outro mundo... E tŃo deslocada f¶ra, tŃo doutro mundo ella era, que Fialho, querendo apontar-nos, no final da novella, a estatua que da sua memoria desbastou Albano, ķ assim que a descreve: ½Era uma maravilha unica de genio! Desabrochava completa, estendendo os brańos para invocar Deus, por um assombro de equilibrio lanńada na attitude de quem desprende v¶os, desennovelando-se da base como uma labareda de sarńa, em zig-zags aķreos. Esse phenomeno de extranha belleza, era ao mesmo tempo um prodigio de audacia, palpitava, falava, sentia-se soffrer e respirar, como uma creatura.╗ Notavel trecho, de si eloquente atķ ao excesso, e bem de molde a resuscitar a pobre Judith! Entretanto, permitta-se-nos, ainda a tal proposito, um breve parentheses, ou seja o glossario de faceis considerań§es, ß conta da sua esculptura. ╔ tŃo somente para frisar que, ainda em Fialho, como para o mais dos plasticos portuguezes, a estatuaria ķ sobretudo narrativa. O marmore da _Madona_ nŃo ķ, effectivamente, um mero acaso da imaginańŃo do contista; bem pelo contrario, estava na logica da sua educańŃo, pois que lhe proveio directamente da mesma causa romantica, que ainda, ao presente, determina o grande numero dos nossos estatuarios. Ainda mais, o movimento liberal, que, entre n¾s, comeńou em 1820, deu ß Arte portugueza um motivo de ornamentańŃo tŃo extranho como detestavel,--a estatuaria rhetorica, se assim podemos defini-la e que, de logo, comeńou a animar os nossos terreiros publicos, onde mais ou menos todas as memorias discursam! E, a tal ponto a nossa exuberancia de latinos, ligou ao gesto o seu sentido de eternidade que, ainda hoje, reputariamos inverosimil, entre n¾s, a estatua, ß maneira ingleza, como significado de mera presenńa,--a figura-marco, tal como surde, nas prańas de Londres, menos como ficńŃo de vida, do que, pelo contrario, como uma forma abstracta, e a que o Artista procura dar sempre aquella attitude quasi sagrada que, definitivamente, volve em symbolos as memorias! Comtudo, dado o facto do supremo poder de Fialho, como plastico, forńa ķ admittir que bem foi para a memoria de Judith a sua estatua, tal qual elle a trabalhou, como todo o drama de que circumscreveu a sua prodigiosa e raphaelesca figura, a cuja decomposińŃo, por fim, assiste, indifferente, depois que ella, jß morta, de ½face marbreada de roxo╗ e a ½expressŃo carrancuda╗ por lhe terem arrancado a mascara,--comeńa a abater, da sua gracil e suave forma de noiva dos ½esponsaes da eternidade...╗ Finalmente, o ultimo conto das suas apontadas obras--_Os Pobres_, comprehende um trecho curto, e, no entretanto, ainda mais notavel que os anteriores. E tŃo notavel que s¾ a custo poderemos desarticular essa singularissima peńa de Arte, tal a selvageria que dß cohesŃo ß novella, concebida para alem de todas as ficń§es litterarias! Trata-se dum casamento de monstros numas ruinas, de ½duas virgindades adormecidas╗, informa o narrador, que num momento vingam o amor abstemio de tantos annos, e celebram, ß cumplicidade de uma noite tenebrosa, o seu brutal noivado. Elle, o macho, ķ um ser desprezivel, vivendo de restos, especie de cyphotico, aleijado pelo lapis de Velasquez; valente pela sua vida de carreira, ao ar livre; humilde; torto e forte como um azinho; animal corrido de todas as mesas, piolhento que as raparigas enjeitam e escarnecem nos ser§es:--figura, emfim, perdida no ½immenso irradouro╗ que ķ, para elle, o mundo. Segue da Vidigueira para PedrogŃo ao acaso do vento, que o esfarrapa, confundindo-o com a urze. Leva-o o mesmo fim de sempre:--pedir, errar... Vae por entre a esteva que o ańouta; ½o vento fala-lhe╗; e, no emtanto, elle nada ouve, caminhando ß ventura, como um elemento deslocado da mesma noite sinistra que o persegue... Entra, por acaso, numa ruina, onde o guia primeiramente um resto de brazido, depois um farrapo de orańŃo, que sae dum canto, por fim o cheiro da femea, uma sombra que escabuja a seu lado, e, num momento, desdobra para elle fios occultos de uma voluptuosidade instinctiva, toda animal. Elle presente-a; e ella fala-lhe, numa voz que ķ um r¶go, de que elle nŃo sabe deslindar-se, atķ que comeńam de tecer-se novos fios do desejo dos dois, do impulso mutuo que subito os impelle um para o outro, como duas forńas dum mesmo systema que a luxuria move e dŃo de si o ruido de corpos escamosos, ½rimando urros╗, diz o Artista, numa especie de noivado de potestades, com ferezas e grunhidos de varrascos! Tal o relato-impressŃo que do estupendo conto nos ficou, e pelo qual chegamos, naturalmente, e, por ultimo, ao fim dos maiores recursos de Fialho; e que, a partir deste momento, nos permittem averiguar da sua obra em conjuncto, atravez das paginas exemplificadas, como daquelles seus mais caracteristicos personagens. Ora, o que, dumas e doutros, de logo se nota ķ que o mesmo titulo de _Doentios_, que indica o seu primeiro livro, inculca tambem o grande numero das suas figuras-motivos. Entretanto, o que mal pode explicar-se, f¾ra do seu caso de rańa, ķ o segredo da sua forma, ainda tŃo exoticamente plastica,--como o seu grande conhecimento da Arte pairante alem-fronteiras, e que, cumulativamente, exerceu de par dos m¾res diabolismos, ainda e sobretudo ao pretexto da nossa comedia publica. Como quer que seja, propositadamente guardamos, para final do presente estudo, a analyse generica destes recursos, de que, jß agora, partiremos para a revoluńŃo artistica que da sua penna levantou, sobretudo contra o pantano classico, e rhetorica do momento. A todos os formalismos, de facto, elle deu batalha, nŃo s¾ vencendo, mas, mais ainda, trazendo ß Arte novas intenń§es, de par de melhores impulsos e novos rumos. Houve contemporaneos, como JoŃo de Deus e Bordallo, cujo inauditismo ķ tanto mais para admirar, quanto mais occulta nos deixaram a sua razŃo de Arte. NŃo ķ este o caso de Fialho, cujo genio reagiu sobre uma cultura intensa, procurada como num anceio de quasi exhaustańŃo. Desde Balzac, o mais notavel dos mestres do pensamento novo, atķ aos exquisitos Goncourts, lavrantes quasi diabolicos dos mil nadas mundanos, apostolos da grańa, como do mais extravagante japonesismo litterario, todos os grandes contemporaneos elle conheceu e estudou; do mesmo passo que o seu espirito, com escala por todas as representań§es de Arte:--museus, revistas, theatros, escolas, industrias de luxo, por todo o espectaculo, emfim, onde houvesse que aprender,--se repartiu, talvez menos por enriquecer-se dos seus ensinamentos, que por colher as suggest§es que do seu interesse mais tarde desenvolveu. Ora duma curiosidade de tal forma animada foi que, naturalmente, sahiu a editar o melhor da sua obra, como tudo o que da sua sympathia pelo raro elle poude discorrer atravez da sua dolorosa fadiga de supersensibilizado! Assim, tambem, talvez nenhum dos escriptores do seu tempo conseguisse surprehender a Arte dos etherisados e extranhos cumes donde elle se deu a vertiginß-la. ╔ ver as paizagens, quasi irreaes do seu lapis de crayonista; as suas figurinhas hystericas de branda genealogia biblica; os seus aleijados; as suas porcellanas, como todo o mundo phantastico da sua inegualavel Arte! Tambem ķ de costume, tratando-se de Fialho, escrever do que vulgarmente se considera a sua obra critica. NŃo o faremos n¾s, ainda em attenńŃo ao criterio proprio de que Fialho nŃo foi um critico, mas um impressionista. E, a proposito, vem recordar o caso de Ramalho que, depois de uma vida longa, perscrutando a canseira extranha, talvez menos pelo trabalho de a corrigir que pelo vicio de a desfiar; depois duma fadiga insana por ver do trabalho alheio, no proposito de deixar definitivas as suas notań§es de pedagogo, sße, por fim, a desculpar-se, na pagina derradeira do seu papel de critico, denunciando a publico a sua aspirańŃo atķ ahi occulta,--imagina-se lß de que!--nem mais nem menos do que de poeta lyrico... E, comtudo, como ķ de estimar, a nova triste daquelle velho, figura rigida de portuense, com suas tintas de trato inglez, escrevendo ß garrocha no couro endurecido de Portugal do tempo, afinal sobre o motivo constante e commum a todos os criticos,--ßcerca dos mais versateis casos de gosto burguez! Porque, fundamentalmente, foi o gosto burguez que elle tratou, embora como uma especie de jogador de penna contra os cenaculos havidos entŃo como tradicionaes, e de que um acaso de civilizańŃo o fizera transfuga. Entretanto, ķ bem de archivar aquella sua pagina de contrińŃo, ainda como desfecho do seu ingrato mister. ╔ que, de facto, elle era um artista, e dahi o ter vindo a publico indultar-se, como em final provańŃo, dos seus canńados propositos criticos, se nŃo legar-nos, ß hora da sua agonia litteraria, uma derradeira ironia... Contrariamente outros dos seus melhores contemporaneos, e entre todos:--Fialho, Eńa, Bordallo e ainda Junqueiro (a despeito da sua escravidŃo politica)--haviam sido mais do que reformadores da Arte,--seus verdadeiros revolucionarios, isto no melhor sentido da desacreditada palavra. Vejamos, a trańos rapidos, a acńŃo que de um tal confronto advem, pois que obteremos, assim, a par da divergencia dos temperamentos de maior interesse na vida artistica do tempo,--a sua systematizańŃo e um fim commum, ou tenha sido a notavel revoluńŃo litteraria que das suas provas resultou. Comecemos por Bordallo, bem por certo, ainda hoje, o menos estudado. Raphael Bordallo, que conseguiu tornar poderosa uma arte, entre n¾s desacreditadissima, mercĻ da chusma dos habilidosos:--a Caricatura, foi, de facto, o genio em bruto, um oleiro de amalgama, misturando, na sua masseira de Jove do tempo, toda a sorte de civilizańŃo, por mais desencontrada; trabalhando, ora de phantasia, ora dos seus apontamentos de rua; e, finalmente, editando-se, tal como Fialho, ainda por seu innato valor. Eńa, talvez o de menos influencia, se bem que tambem o unico que logrou admirań§es incondicionaes, foi, de facto, dentre todos, o menos original, que nŃo o menos brilhante. No seu _atelier_ nŃo faltou petrecho algum dos mais necessarios ao arranjo dos seus livros de Arte, aliaz sempre duma belleza meditada, a bem dizer medida, e em que perpassa todo um methodo opiado de ironias, por entre as suas demais preoccupań§es de consciente marmorista e penitenciario da prosa. Finalmente, Junqueiro foi dentre as figuras litterarias do momento o mais sagaz e ajustavel ß sua extranha confusŃo. Por isso tambem, logo que appareceu, se fez mister consagrß-lo, de par dos seus alexandrinos, ainda undisonos e revoados, ß Hugo, e que os do tempo immediatamente se deram a ouvir, mais do que com attenńŃo devida a uma obra de Arte, religiosamente, como se nas suas rolantes e evocativas estrophes o Poeta orchestrasse a propria musica do mar... Mas deixemos propriamente o caso da acńŃo politica por parte da gerańŃo a que pertenceu Fialho para o vermos, a elle, tal como tem de ficar, nessa outra revoluńŃo litteraria que sobreleva aquella, e ß qual devemos mais attento exame. Fialho foi, bem por certo, sob tal ponto de vista, o maior do seu tempo, pois que realizou um verdadeiro revolucionario da Arte, que, partindo da admirańŃo dos typos classicos, das paginas mais academicas, seguiu directamente o filŃo popular, colhendo e escrevendo, sem o corromper, o sentimento plebeu, sempre que este sentimento lhe poude expressar uma verdade, ou refundir da phantasia situań§es e estados litterarios novos. E nŃo se imagine que, ainda no capitulo menos original e mais facil da sua obra, como pamphetario, elle deixasse de mostrar os melhores ensinamentos e boa fķ. ╔ ver o que nos diz duma possivel Lisboa monumental, ß sua maneira; dos seus propositos de substituińŃo duma cidade ß moderna, como a fizeram,--facil e incaracteristica,--por uma cidade-memoria! Ainda mais:--antes delle creara-se uma especie de constitucionalismo das Lettras, aliaz sempre, mais ou menos regradas ao gosto classico, o que, de egual maneira, satisfazia leitores e auctores... Ora Fialho foi um dos raros que, entre n¾s, com melhor ousio praticou o direito da escripta a flux, sem medos, como sem os bardos aramados da covencional Litteratura anterior. Muito justas as suas paginas de theatro onde versou a nossa miserabilissima flora dramatica, e onde nem sequer teve a descontar ß auctoridade com que a viu a pecha dalguma vez a ter tentado. O que elle nos diz dessas peńasinhas de acaso, que lß f¾ra seriam inverosimeis num theatro de suburbio, e que, entre n¾s, tŃo facilmente sŃo alńadas, segundo a categoria jornalistica ou politica dos auctores, a peńas de grande effeito, por um publico, ßs vezes educado, mas sem coragem para patear ou sahir a meio da semsaboria em que, por via de regra, nos nossos palcos, as peńas decaem! Da Hespanha do Sul, sua visinha, vimos como soube orchestrar a luz, tanto do seu pincel, de par do mais da vida natural que, como ninguem, teve o poder de aperceber. Tambem elle, se vivesse em Hespanha, onde a sua intenńŃo revolucionaria seria inopportuna, teria completado, talvez, o capitulo mais desfalcado de quanto escreveu:--referimo-nos, sobretudo, ß sua maneira de tratar figuras e seus demais esbońos de novellista. Entre n¾s, dados os multiplices acasos da mesquinhez publica, que affecta a nossa vida de livraria, e onde a maior parte dos auctores, de olhos fitos na _coterie_, raro sabe trabalhar independentemente,--elle que comeńou por demolir, e demolir _Ó outrance_, gastando, a paginas plenas, talento e nervos, deixou-se, talvez, desviar, demasiadamente, pelas reclamań§es que do seu valor o publico exigia; e dahi aquellas faltas, de que, por fim, a visŃo clara da derradeira hora lhe deu os mais angustiosos clar§es! E, entretanto, se onde quer que estß, chega a memoria do que vae passando,--com que surpresa ha de sentir (se lß ha surpresas) tudo isso que para ahi ficou ap¾s de si! ╔ que, bem pķor do que no seu tempo, os Artistas sŃo hoje, para o grande numero dos mentores officiaes, meras figuras de acaso, cujos agoiros elles, os revolucionarios de hontem, por cautela, se dŃo a amordańar; e, isto s¾mente, porque se nŃo perturbe a trońa a que a Nacionalidade desceu,--ou seja uma ceia de politicos, pela cerrada noite f¾ra, que vem de longe, e onde um teclado de dentes, instrumentando o desforńo de fomes velhas, nem sequer deixa ouvir, por attenuar, a voz dos _baccarats_... Mas abandonemos, por uma razŃo de sensibilidade, a noticia do inopportuno festim. E pois que, sobre uma tal noite, acertou de baixar escuridŃo mais tragica, a que ameańa de subverter a rańa, que, ainda por sua admiravel fatalidade, terß de triumphar,--vamos n¾s inventariando tudo o que ao presente de grande existe e futuramente possa servir-nos. Ora, no extranho conjuncto da nossa obra escripta, jß hoje extrema,--tĻem, como acabamos de ver, o maior interesse, as paginas de Fialho, quer no seu valor intrinseco, quer pelo que representam em confronto com os demais e alheios padr§es de Arte. Uma obra, unicamente, elle nŃo teve de seu intento; e, conseguintemente, nŃo logrou escrever, como a nŃo escreveram, talvez, por a supporem entŃo menos necessaria, os que o precederam, e que, no entretanto, de momento, se torna preciso, quanto antes, compor, ainda por servir aquelle resurgimento. Reportamo-nos, (quem ainda o nŃo sentiu?) ß falta de um _Manual de Sensibilidade_, o que equivale a informar--duma nova Cartilha, com destino ß futura mocidade portugueza, e onde caibam as delicadezas porque sempre nos affirmamos, ainda atravez do mais accidentado da nossa jornada historica; e que hoje, mais do que nunca de opportunidade ķ que desde jß occupem quem, para alem de todos os sectarismos--sinta, mais do que por si, pela Nacionalidade, a carinhosa obrigańŃo de as versar! Trata-se, de resto, dum livro facil, pois que nos nŃo ķ preciso mais do que editß-lo dum bem orientado sentido popular, ou seja do nosso velho espirito de generosidade e isenńŃo, aliaz, de si, ainda latente, quando nŃo expresso, na obra dos nossos maiores auctores,--tambem, quanto a n¾s, os melhores, se nŃo, atķ hoje, os unicos interpretes da verdadeira alma de Portugal. _Ancede_, novembro de 1916. [2] Propositadamente, e ß sua maneira, _pelas suas proprias palavras_, e tambem ½como quem junta uma esculptura de bocados╗, entendemos dever reunir, ainda por melhor o revelar, aquellas suas mais entranhas e quasi confessadas caracteristicas. [3] E nŃo se infira destes seus receios o argumento simplista da improbabilidade do seu suicidio, pois que, muito ao contrario, aquella versŃo pode denotar, quem o sabe? como que o seu aprestamento, com as costumadas alternań§es de desespero e intimidades com a Morte, de facto habituaes ß maior parte dos que voluntariamente a provocam. INDICE I Pag. Cuba e Villa de Frades 7 II A indole de Fialho 33 III O Pamphletario 51 IV O Artista 79 ACABOU DE SE IMPRIMIR NA TIPOGRAFIA DA ½RENASCENŪA PORTUGUESA╗, RUA DOS M┴RTIRES DA LIBERDADE, 178, AOS 14 DE FEVEREIRO DE 1917. End of Project Gutenberg's Fialho d'Almeida, by Visconde de Vila Moura *** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK FIALHO D'ALMEIDA *** ***** This file should be named 34288-8.txt or 34288-8.zip ***** This and all associated files of various formats will be found in: https://www.gutenberg.org/3/4/2/8/34288/ Produced by Mike Silva Updated editions will replace the previous one--the old editions will be renamed. Creating the works from public domain print editions means that no one owns a United States copyright in these works, so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United States without permission and without paying copyright royalties. Special rules, set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. 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18,576 words • 309h 36m read

— End of Fialho d'Almeida —

Book Information

Title
Fialho d'Almeida
Author(s)
Villa-Moura, Bento de Oliveira Cardoso, Visconde de
Language
Portuguese
Type
Text
Release Date
November 12, 2010
Word Count
18,576 words
Library of Congress Classification
PQ
Bookshelves
PT Biografia, Browsing: Biographies, Browsing: Language & Communication, Browsing: Literature
Rights
Public domain in the USA.