The Project Gutenberg EBook of Fialho d'Almeida, by Visconde de Vila Moura
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Title: Fialho d'Almeida
Author: Visconde de Vila Moura
Illustrator: Ant¾nio Carneiro
Release Date: November 12, 2010 [EBook #34288]
Language: Portuguese
Character set encoding: ISO-8859-1
*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK FIALHO D'ALMEIDA ***
Produced by Mike Silva
VISCONDE
DE
VILLA-MOURA
FIALHO D'ALMEIDA
(COM UM DESENHO DE ANTONIO CARNEIRO)
EDIŪ├O DA ½RENASCENŪA PORTUGUESA╗
Direitos reservados
FIALHO D'ALMEIDA
DO AUCTOR:
A Moral na ReligiŃo e na Arte, 1906.
A Vida Mental Portuguesa, 1909.
Vida Litteraria e Politica, 1911.
Nova Sapho (romance), 1912.
Camillo Inķdito annotado, 1913.
CONTOS E NOVELLAS:
I--Doentes da Belleza, 1913.
II--Bohemios, 1914.
Antonio Nobre, 1915.
Grandes de Portugal (em collaborańŃo com Antonio Carneiro), 1916.
Fialho d'Almeida, 1916.
VISCONDE DE VILLA-MOURA
Fialho d'Almeida
EDIŪ├O DA
½RENASCENŪA PORTUGUESA╗
PORTO
I
CUBA E VILLA DE FRADES
Eu estive jß, por duas vezes, em Villa de Frades, no largo da
Misericordia, onde foi aquella ½casinha de taipa, construida por
pedreiros da gente de Fialho╗--como elle nos conta na _Autobiographia_
do seu livro--_┴ Esquina_.
Fui ali quando das minhas jornadas pelo Baixo Alemtejo, em excursŃo de
curioso pelo mais da sua gente e paizagem.
A primeira vez que visitei a residencia de Fialho, que nŃo ķ jß hoje a
casita de taipa que os seus construiram, mas uma das melhores da
terriola,--foi por uma tarde de agosto, uma daquellas tardes de
rescaldo que erguem, ß volta de n¾s, serpentes de fogo, e lhe ensinaram,
a elle, a sua pintura deslumbrante, ß maneira de Rubens, em que a
propria c¶r queima!
NŃo foi sem um certo alvorońo, confesso, que bati ao portŃo da antiga
casa do Escriptor.
Veio alguem abri-lo, deixando a descoberto, a meio de uma segunda porta
fronteira, um homem alto, vestido de negro, de aspecto recolhido, quasi
ecclesiastico, e que, num instante, me encarou e desappareceu,
abandonando-me no jardim, ao sol, com o meu remorso de indiscreto.
Desapparecera tambem o creado, ou quem quer que fosse, que me tinha
introduzido no pateo.
Esperei instantes, e, como nŃo visse alguem, dirigi-me para a entrada da
primeira casa, que logo vi ser a cozinha, encarando, pela segunda vez,
aquella mesma figura quasi sombra, que depois soube que era o irmŃo
de Fialho.
Disse alto o que queria:--falar ao dono da casa e pedir-lhe o favor de
me deixar ver a antiga residencia do Artista.
Sahiu a attender-me uma mulher nova, figura doente e franzina, que logo
se deu a explicar-me que era ella a actual dona da antiga casa do
Escriptor, de quem era parenta, vivendo ali com o marido e seu primo, o
irmŃo de Fialho d'Almeida, que, jß ao tempo, mais familiarizado comigo,
me fitava serenamente.
Dei-me tambem a vĻ-lo melhor.
NŃo me lembro da edade que me disse ter; quarenta e sete annos podia
talvez apparentar.
--Que era um temperamento impressionavel, a espańos dado a medos e
hysterias, sempre melancholico, informou ainda a sua parenta.
Deparou-me, pois, o acaso, nem mais nem menos, do que um novo documento
a instruir a historia do genio do Artista, na pessoa do irmŃo, que me
dei a ver como uma figura-symbolo de familia, em que, nŃo sei porque,
presenti a elegia viva da Arte mais exquisita e morbida de Fialho,
qualquer coisa da neurilidade extravagante dos seus doridos, aquella que
animou os seus personagens tŃo suavemente fataes e androgynos, toda a
belleza maravilhosa, e nŃo raro inconsequente, da sua obra de
apontamentos, onde tŃo extranhamente exuberam os noctambulos e toda a
sorte de mysteriosos!
CorrĻra, de certo, enferma a adolescencia do irmŃo de Fialho, que viera
atķ ali, aos quarenta e sete annos, ou mais que podia ter, porventura
ainda innocente, como por milagre da sua mesma frouxidŃo de alma, a que,
a cada momento, sua prima alludia, ao referir-me, perto delle, as
sinistras manhans das suas torturas de neuropatha.
Entretanto que a dona da Casa me convidava a passar ß primeira sala,
chegou o marido della, tambem primo de Fialho, que, a meu pedido,
mandara chamar, e que logo se dispoz a acompanhar-me, apontando-me, por
miudo, o mobiliario e antigos aposentos do Artista.
F¶ra este seu parente a quem Fialho recorrera, quando, na vespera da
morte, veio a Villa de Frades, ordenar os papeis do seu gabinete, como
quem se decide a dispor tudo, antes de seguir...
--Quando chegou deu pela falta da chave do escriptorio, me explicou o
snr. Josķ Fialho. E apontando uma porta:--tentou ainda abri-lo,
quebrando o vidro daquella bandeira; por fim, resolveu-se a chamar-me,
e, como ķ cß da minha arte este servińo, pois sou carpinteiro,
immediatamente arranjei tudo; e, elle entrou, demorando-se aqui atķ ß
hora da partida.
Insisti na supposińŃo, que mais se radicou em mim, depois da minha
derradeira estada no Alemtejo, do provavel suicidio de Fialho,
confirmando-me o seu parente que, de facto, se tinha aventurado tal
suspeita, logo apoz a sua morte, mas que os medicos que, por ultimo, o
haviam soccorrido, tinham negado o facto, e, elle, por si, coisa alguma
sabia dizer a tal respeito...
Entretanto, encarou-me mysteriosamente, quando lhe disse que alguem da
familia Carapeto, que lhe assistira ß morte, na Cuba, tinha como certo o
seu envenenamento; que, na vespera, elle tratara do arranjo definitivo
de tudo, e nomeadamente do seu testamento, lavrado numa das dependencias
da Tabacaria Fonseca, onde costumava passar parte das noites; que
soubera, ainda na Cuba, dos seus aborrecimentos de doente, af¾ra outras
raz§es que a minha admirańŃo tinha reunido para reconstituir o drama
duvidoso do seu desenlace.
Mas deixĻmos este caso ao tempo, que ķ quem definitivamente aclara tudo,
e voltemos ß sua casa de Villa de Frades.
Como acima informei, actualmente pouco deve ella ter da construcńŃo
primitivamente gizada pelo pae do Escriptor, antigo mestre regio da
freguezia.
╔ sabido que Fialho casara com uma senhora de fortuna, de quem tambem
ficou herdeiro, pelo que tanto aquella Casa, como a de Cuba, sua
residencia predilecta, foram por elle reformadas, com todas as melhorias
em uso nas boas construcń§es da regiŃo.
Mas nŃo se infira dahi que se trate de edificios luxuosos; sŃo, pelo
contrario, casas sem interesse, e, ainda, no ponto de vista artistico,
valem tŃo s¾mente pelo caracter que lhes advķm do facto de obedecerem ao
desenho do mais das habitań§es daquellas paragens,--quasi todas ellas
tijoladas, cozinhas brancas de telha van, eirados sobre a planicie, e os
jardins tŃo intimos das casas e pateos, ß maneira arabe, como que
continuando-se das salas.
Villa de Frades, pequena povoańŃo do concelho da Vidigueira, com um
censo de dois mil habitantes proximamente, tem um certo relevo, em
contraste com o resto da formidavel planura sul-alemtejana, e, o que ķ
mais, foi uma das poucas terras, se nŃo a unica do districto, que
encontrei verde, no agosto em que a visitei. Tudo o mais, ao largo, era
desolańŃo e secca.
[IMAGEM: Fialho d'Almeida. Desenho de Antonio Carneiro]
Para lß da matriz, logo ao sahir do povoado, corriam as obras das
escolas que o Escriptor garantira com o seu testamento, e que,
confesso, pouco me detiveram, dado o meu aborrecimento por construcń§es
do seu desenho, entre gaiolas e penitenciarias, com destino ß futura
infancia de Villa de Frades, de mais, ao tempo, sobremaneira
antipathicas, como todos os edificios por concluir.
O que devķras me prendeu, foi a chamada antiga Casa da Aula, pela qual
perguntei ao primo de Fialho e immediatamente saiu a apontar-me.
╔ fronteira ß Egreja, e um edificio tosco, sobre o comprido, ßquelle
tempo escrupulosamente caiado, de aspecto simples e o ar abstracto de um
templo abandonado.
Era quasi noite. A matriz bateu nŃo sei que horas, com aquella
solemnidade triste, que ķ do dobrar dos sinos de todas as villas...
Dei-me a imaginar a infancia de Fialho, partilhando daquella
melancholia, pelas grandes tardes morrinhentas de Villa de Frades, com
todo o primeiro mundo da sua inicial e subconsciente comparticipańŃo da
Vida...
Ali, de facto, naquella humillissima escola, cursara elle as primeiras
lettras, de par das primeiras contrariedades, ao lado do pae, o mestre
escola da terra, ½aquelle typo de santo austero, n'uma alma de sonhador,
sempre calado╗, explica o Artista, annos depois.
E, em verdade, tanto como a casa onde nasceu, mais ainda, talvez, se me
prendeu da alma aquella capellita das suas primeiras canseiras.
Ahi deveria, porventura, estabelecer-se o Museu-Fialho, uma vez que uma
dezena de amigos, refiro-me sobretudo aos seus amigos de leitura, se
concertasse para juntar em tal logar, com os seus livros, tudo o que
pudesse considerar-se como reliquia da sua obra ou memoria.
Da casa de Fialho, em Villa de Frades, hoje quasi vazia do peregrino
espirito que a encheu, lembrarei especialmente o quarto do Artista,
onde, por acaso, quedam algumas arcas com revistas que excluiu da sua
livraria, destinada ß Bibliotheca de Lisboa, legando-as a um amigo que
ainda as nŃo levantou, e, nas paredes, duas telas da sua auctoria.
Propositadamente trazemos a publico a noticia, que cremos em primeira
hora, daquellas telas, ambas mßs, de figuras religiosas, de tintas
empastadas e peior desenho, pelo interesse de documentar o seu esforńo
de plastico, que o fez pintor, em segredo, a elle, o critico
impertinente dos maiores pintores do seu paiz!
Esta, porventura, tambem a nota mais interessante que me foi dado
conhecer por informańŃo da Familia-Fialho, e me fez lembrar o caso
de Hugo, identicamente desenhista e, mais ainda, entalhador, e cuja
obra, no genero, decora, ao presente, a sua antiga residencia, hoje
Museu, na _Place des Vosges_.
Finalmente, resta-me apontar, o trecho fronteiro ß casa, systema absorto
de outeiros verde-suaves, que se me depararam conhecidos, como se, de
sempre, os houvesse visitado.
E, de facto, era quasi assim. Conhecia-os, havia muito, de algumas das
paginas mais luxuriantes do Escriptor, onde elle, o magnifico colorista,
a espańos se deu a pintß-los daquella tinta intima que lhe veio, pelo
tempo f¾ra, das suas memorias e impress§es de infante.
Despeńo-me, ß pressa, da sympathica terriola, como quem foge do tumulto
de lembranńas que me vem da casa, daquelles outeiros, dos primos de
Fialho, do IrmŃo, irreprehensivelmente estatual no seu papel de symbolo
rigoroso; e parece-me receber das mŃos deste fios da tragedia, ainda
viva, das primeiras desfortunas do Artista, as que lhe advieram da quasi
miseria da sua segunda infancia, e cuja recordańŃo o obrigava talvez,
mais tarde, a fugir dali, (onde viveu sempre o menos tempo) por
morphinizar-se do aborrecimento em commum por terras de mais convivio.
A Casa da Cuba, que em geral preferia, quando estava no Alemtejo, ķ um
edificio melhor que o de Villa de Frades, tambem terreo e de
compartimentos amplos.
Nesta casa fui encontrar enferma, na mesma alcova em que o Artista
agonisara, a sua antiga legataria,--uma senhora de edade da Familia
Carapeto, a quem devo o offerecimento dos retratos de Fialho que
illustram a presente noticia e alguns dos seus esclarecimentos.
Pouco me detive nesta sua antiga morada, e o tempo que ali quedei foi no
terrańo, velho miradouro de gosto mourisco, donde se abrange, numa
extensŃo de leguas, o mais das terras seccas que circumdam a Comarca.
Cuba ķ das povoań§es mais incaracteristicas e sem interesse que
encontrei no Baixo Alemtejo. Lembra, pela monotonia do seu casario
reverberante, certas povoań§es de Hespanha, da Mancha, sobretudo, e que,
em vez de quebrarem a aridez das chans, servem como que a memorß-las,
tŃo irmans da estepe parecem crescer da terra.
Avalio, com tristeza, do viver do Escriptor na villa, quando, obrigado
pelas mil coisas desagradaveis da sua vida, em que parece nŃo ter
figurado pouco a intriga politica da ultima hora,--se recolheu aos seus
telheiros.
Fez o acaso que me defrontasse com o proprietario da Tabacaria, em que
passava uma parte das noites, a conversar, por distrahir-se e illudir a
monotonia que o cercava.
Deu-se-me logo o snr. Fonseca, nŃo afianńo o appellido, como tendo sido
muito da intimidade de Fialho, propondo-se reproduzir factos e retalhos
seus de conversa que, ķ claro, lhe sahiam pouco authenticos...
--Conheceu-o pessoalmente? me perguntou elle, a meio das suas tiradas.
E, ß minha negativa:
--Pois olhe que era melhor ouvi-lo, do que lĻ-lo!
Os livros valem pouco, accrescentou, em comparańŃo com o que elle aqui
nos contava...
E logo continuou a palavrear ßcerca do Artista, emquanto eu me explicava
a sua vida final, o suicidio provavel, os caix§es de revistas que vira
em Villa de Frades, e com as quaes elle, por ultimo, quasi obrigado a
viver ali, bem por certo, de volta a casa, iria feriar-se daquellas
noites mal conversadas com quem, por falta de ouvidos, nŃo podia
ouvi-lo,--a elle que fora em Lisboa, o primeiro de um cenßculo de que
haviam feito parte, entre outros, artistas como Ramalho e Bordallo, ao
lado de curiosos, ßs vezes, valha a verdade, bem inferiores ao
sympathico negociante, que, ao menos, herdara do seu convivio a devońŃo
supersticiosa da sua memoria!
Como quer que seja, pois que Fialho passou em Cuba os ultimos annos da
sua vida, importa-me naturalmente escrever da pequena cabeńa da
comarca o pouco que della apontei de mßs lembranńas.
Como acima referi, nŃo tem ella, para mim, a bem dizer, outro interesse
alem do que lhe advem do facto de ter sido o derradeiro exilio do
Escriptor, que se dava a disfarńß-lo, administrando directamente as suas
herdades.
Especie de villa improvisada, sem paizagem que pudesse entreter, por
momentos, o espirito, aliaz exigentissimo do Artista; sem edificios de
valor; com repartiń§es inferiores; avenidas lugubres, no geito da
Alameda, sobranceira ao Caminho de ferro, e sombria como uma rua de
cemiterio; habitań§es mesquinhas, servidas de ruas mal calńadas; a
EstańŃo, a distancia, quasi que fugida da terra que a fizeram
servir--tal ķ, de facto, Cuba, cujo casario abre sobre a campina
formidavel do sul como uma aguarella infima!
E, entretanto, foi ali que Fialho quiz ficar, e mandou que lhe erigissem
o mausoleu, que visitei na ultima tarde da minha estada em Cuba, depois
de dolorosos transes para arrancar duma adega o chaveiro do Cemiterio.
Ah! como Fialho tinha razŃo, ao informar-nos no conto--_A Ruiva:_--½Ha
uma coisa peior que um cŃo damnado: ķ um coveiro bebado!╗
Comtudo, ao lado dum tal coveiro segui eu atķ ao cemiterio de Cuba, em
que, aliaz, coisa alguma de notavel fui encontrar.
Todos os cemiterios, a meu ver, se parecem; o da Cuba vale o
_PĶre-Lachaise_, como o de _Montmartre_ ou _Montparnasse_, por nomear os
trez mais notaveis de Franńa (onde os homens passam por mais
reconhecidos)--como os de todas as terras, ainda os das muito
civilizadas e extremas.
Imagine-se um cercado alto, com o ar de casa, ß qual o vento
arrebatasse o telhado, arruamentos de capellas e arcas com lettras de
pedra, uma especie de convento de ossos, onde todos os dias ha camas de
terra revolvidas e cruzes novas;--a frieza dos brancos e solemnes livros
de marmore, das flores, ali casuaes e tranzidas, dos esguios arvoredos,
como de todo um pequeno mundo de symbolos;--uma lage-obstaculo em cada
campa, e, como a fechar mais os que jazem, gradis, linhas de cimento
juntando as cantarias, mais um complicado e diabolico systema de
cremalheiras e cadeados!
Eis o cemiterio de Cuba, cujo desenho ķ, de facto, o de todas as grandes
ou pequenas cidades de mortos, dos quaes os vivos se vŃo desquitando,
mais ainda do que cobrindo-os daquelles obstaculos,--quasi esquecendo-os
para ali, onde perpetuamente terŃo de ficar, afastados de tudo, onde
jßmais chegarß o proprio carinho selvagem dos temporaes, s¾s, entre os
silencios negros da sua noite immensa, velados dos elementos, a par das
esculpturas somnambulas dos tumulos, tambem de si indifferentes,
abstractas, e, como por acaso, ali dispostas, ainda por erguerem
(paredes-meias dos cinerarios) o formal e glacido tributo da sua agonia
fria e lapidar!
Ora, isto me ia eu recordando, ao seguir, mais o coveiro, pelo cemiterio
de Cuba, do mesmo passo que, sem querer, lembrava certas passagens da
Obra de Fialho, que, de momento, quasi me falavam, e, eu sentia, como
que batidas de vento, ao meu ouvido...
Como no caso das grandes paginas de presagio da sua
monographia--_Manuel_, comeńßra de anoitecer, e os sinos tocavam!
Ainda mais, lembro-me de ouvir, ao longe, nitidamente,
distinctamente, representando-se-me como um relampago vermelho ß meia
treva, o uivar daquelle cŃo, que, quando, em taes paginas, o Artista se
dß a dialogar com o Coveiro a probabilidade de Manuel ser enterrado
vivo, como toda a sua afflicńŃo pela farńa material dos tumulos--como
que o chama ß realidade desse mundo que fica para alem do proprio
pezadelo hystero-epiletico da sua tortura de superemotivo, e lhe queda,
a dobrar, na alma, o timbre vivo e sinistro da hora horrivel que jß nŃo
conta, e, eu, de momento senti ali, perto delle, bater tragicamente,
lugubremente, como um echo do seu sentido, ainda doloroso, embora jß
distante, vago, erradio...
Porque, para mim, esse typo de _hysterico_ e _fragmentado_,
_contradictorio_ e _presciente_ que figurou no _Manuel_, ķ
fundamentalmente elle proprio, desdobrando-se por escrever a sua
mesma ½duplicidade cerebral╗ e gritar contra a desgrańa do _outro_, ½o
que morrera╗, e agora, eu sabia ali, sem que ao menos pudesse precisar
onde!
Onde?
Eis o que o coveiro, depois que o instei, se deu a contar-me, moendo as
palavras, que, aliaz, lhe sahiam cavas e aos gorgol§es, como se me
falasse ainda da adega ß qual, minutos antes, o f¶ra arrancar.
Afinal pouco tem que ver a futura Casaforte dos ossos de Fialho,--no
comeńo da primeira rua do cemiterio, e a poucos passos do portŃo, como
do logar em que nos encontravamos.
Imagine-se uma especie de cofre em marmore branco, sem arestas,
escrupulosamente polido e goivado ß volta, quasi sem ornatos, uma porta
grossa cruzada da fecharia,--todo elle de um desenho facil, e, por sobre
a cupula, ainda de pedra, dois gatos de bronze, dormindo abrańados o
velho somno dos symbolos! Eis tudo...
Este, repetimos, o mausoleu que lhe servirß em breve.
Porque provisoriamente, e a avaliar das informań§es que apontei, o
Escriptor, descanńa ainda, de momento, ao fim do cemiterio, perto da
ultima parede, num pedańo de chŃo mal tijolado e de emprestimo, em
sepultura rasa...
II
A INDOLE DE FIALHO
NŃo ķ facil escrever de momento, e directamente, ßcerca dum artista como
Fialho, tal o occultismo das suas predilecń§es, como, mais propriamente,
da obra que deixou, e tomaremos ainda como indice da sua singularissima
neurilidade.
Assim, comeńaremos por esclarecer que Fialho d'Almeida era filho de um
homem da Beira e de uma mulher do Alemtejo, por melhor caracterizar
algumas das suas extranhezas e contrastes, como o seu conflicto em
materia de assumptos e realizań§es artisticas, que, antes de tudo,
parecia advir-lhe do ser encontro de duas rańas.
Da mesma maneira que cumpre ter presente a influencia da provincia
em que nasceu, e que, na infancia, a edade impressionavel por
excellencia, lhe deu aquelle amor pela tinta mais propria, ou seja a que
os seus olhos receberam directamente da paizagem; como a sua grande
intimidade com a natureza, com quem aprendeu a exprimir-se, e que tŃo
fundamente foi penetrada pelo seu genio.
De facto, nenhum elemento mais cioso da transmissŃo do caracter do que a
terra. O que Fialho prova, ß saciedade, a par dos nossos maiores
impressionistas.
Desenvolvemos noutro logar[1] a indole da zona mais meridional
do Alemtejo, onde se incluem Cuba e a pequena villa em que nasceu Fialho.
Resulta daquelle estudo um campo ethnico ß parte na geographia intima
de Portugal regiŃo embarańada da heranńa arabe, que semelhantemente
se vĻ na cultura, nos seus barros e azulejos, nas suas casas, como nas
manifestań§es mais simples da vida vulgar dos seus habitantes.
Ora Fialho, que ali passou parte da infancia jßmais destruirß a
recordańŃo do primeiro espectaculo natural que feriu a sua retina de
colorista, e, depois, pela vida f¾ra, mais se lhe foi insinuando pela
mesma fatalidade de sangue e nascimento que ß sua terra o prendia. ╔
isto, apesar da heranńa de tristeza que tambem desta lhe provinha, e a
que se refere, ainda doridamente, annos depois da sua estada ali, no
capitulo autobiographico do _┴ Esquina_.
De facto, ķ sempre presente, na sua obra, aquelle primeiro campo de
observań§es. Ahi ha a ver a intriga das passagens mais violentas das
suas narrativas, as tintas das suas combinań§es de painelista, os
dialogos e personagens brutaes da sua tragedia mais popular; e, para
alem, ainda, da paizagem, como das figuras, a razŃo culminante do seu
genio de origem, em que migra o sonho luxurioso, mais que dum artista e
dum povo,--duma civilizańŃo perdida!
Importa insistir: a heranńa arabe se nŃo vingou entre n¾s, como em
Hespanha, a ponto de que, ainda hoje, quasi tudo o que tem de grande se
nŃo foi della, nella se filia--nem por isso deixou de influir no genio
de Portugal, onde logrou a sua invasŃo pelo Sul, e, onde, repetimos, se
conserva evidente.
╔ ali viva, manifesta em todas as coisas, e, sobretudo, nos homens, a
quem as mesmas condiń§es da terra naturalmente defenderam das fus§es com
outras rańas.
Ora, assentes estes factos, e tendo presente os ensinamentos que do seu
conhecimento derivam, chegamos logicamente a entender melhor o caso,
na apparencia extranho, das manifestań§es, por vezes distantes e tŃo
intensivamente artisticas do Sul, e mais, em especial, de certos
capitulos da obra de Fialho d'Almeida.
Em verdade, eu nŃo encontro para explicar-me o exuberante exquisito de
algumas paginas do Artista, mais do que o segredo das colorań§es, como
dos labyrinthicos e caprichosos desenhos de certos e admiraveis
exemplares da civilizańŃo arabe na Peninsula, dentre os quaes me veem ß
lembranńa, quasi sem o querer, os velhos monumentos da Andaluzia,
tambem, porventura, da melhor intimidade de Fialho, e que o deviam ser
de todos os artistas, muito particularmente dos de Portugal e Hespanha.
E, de facto, qual o artista, verdadeiramente curioso de civilizań§es
mortas, que nŃo percorreu ainda Alhambra,--a Alhambra monumental dos
grandes Pańos de Luz, redosos e filigranados, cujos marchetes e esmaltes
se nos defrontam, mais do que como obra paciente e custosissima, quasi
dolorosos ß nossa admirańŃo, pela mesma regularidade do seu maravilhoso,
tŃo distantemente extranho!
Pois paga a pena a sua visita, sobretudo ß luz de certas horas, quando,
pelo estio, a tarde transfigura os monumentos, quasi os move!--e
Alhambra inteira exulta ß claridade frouxa dos seus crepusculos.
Como, de egual sorte, surprehende o desenho interior dos phantasticos
pańos, ainda pelo que abrigam de inaudito, no espectaculo das suas
casas-retabulos, aliaz tŃo intimamente caprichosas, como se fossem
ampliań§es das covas naturaes que, no Monte Sacro, lhes sŃo fronteiras.
╔ que ninguem como o povo arabe teve o segredo dos recantos, soube
estudar e praticar as sombras, quasi medir a penumbra das arcarias; da
mesma forma que tambem ninguem mais, como elle, conseguiu dominar pontos
de vista, aperceber horizontes, toda a natureza, moldurß-la dos seus
monumentos, por vezes verdadeiros filtros de luz,--viver, sentir a c¶r,
e, o que ķ mais, orchestrß-la na sua obra, de uma fina grandeza sem egual.
Dahi tambem o nŃo se saber que mais admirar dos encantados pańos, bem de
molde a servirem a luxuria religiosa de tŃo lendario povo, se o
labyrinthico desenho das suas paredes, como dos seus tectos e azulejos,
se o mesmo diabolismo e imaginativa do seu alńado!
Ora, derivando dos monumentos attribuidos ao genio arabe, ß razŃo de
sangue que flue na gente do sul da Peninsula, chegamos facilmente ß
averiguańŃo do grande valor da tutela semita no nosso movimento
tradicional, mercĻ daquella heranńa--tutela sobremaneira documentada, no
mais do nosso lyrismo, como, em regra, em toda a nossa obra artistica.
E, assim, nos encontramos, muito naturalmente com o caso de Fialho
d'Almeida.
De facto, dentre os grandes plasticos da Peninsula, quem mais que o
grande Artista conseguiu ainda praticar um semelhante ou equivalente
embrenhado de esmaltes e de linhas, o segredo da luz e da c¶r, identica
riqueza no processo de exprimir Arte, toda aquella ancia de vida
luxuriosa que ergue o mais da obra arabe, e, em que domina sempre, ao
lado do culto do individuo, considerado na sua religiosidade como no seu
luxo,--a preoccupańŃo alacre do supremo culto da Natureza!
E, entretanto, nŃo foi, ainda, sob um tal ponto de vista que
principalmente nos demos a estuda-lo.
A verdade ķ que fiamos pouco do rigorismo dos methodos geralmente
considerados como mais logicos, por mais naturalistas, os que tudo
explicam pela razŃo exclusiva da procedencia e do meio--quando se trata
de comprehender emotivos da estatura de Fialho, cuja obra precisa, a
nosso entender, principalmente ser considerada sem opiniŃo previa, ou
seja a toda a luz dos seus livros, e onde ha, a par das admiraveis
fatalidades das suas taras de artista do Sul, o conhecimento, os
commentarios, como a presenńa ou suggest§es de tudo o que nesse rodopio
de Arte, que foi a segunda metade do outro seculo, podia considerar-se
de mais interessante ou notavel.
Mas caminhemos vagarosamente. Em primeiro logar, convem ter presente
que ha nos recursos de Fialho d'Almeida um grande numero de facetas e a
tal ponto imprevistas e admiraveis, que, a elle proprio, o offuscaram,
perturbando-o, e impedindo atķ que realizasse o que para todo o auctor
deve ser o primeiro fim--a obra de conjuncto, que, exactamente, resulta
do ajustamento ou systematizańŃo de todo o seu trabalho, de molde a
levantar a figura do Artista se elle ķ um temperamento, ou o objectivo
da sua Arte, quando elle tenha de desapparecer, em sacrificio ß sua mais
propria missŃo.
O tempo ķ ainda um material ao dispor dos artistas, embora, quanto a
n¾s, o peior dos materiaes.
Fialho devotou-se-lhe, talvez, excessivamente. Pois que tinha auscultado
a miseria do povo, no seu instincto, por desventura apurado nos
primeiros annos da sua vida de acaso, nŃo raro deixou falar o
corańŃo, para alem da sua mesma canseira de Artista.
Quantas vezes elle, que foi um espirito alto e pairante, se deu a
desmedir o grito dos que a propria miseria, confinada da cobardia
congenita das desgrańas populares, havia tornado quasi aphonos, e que
ainda, por uma razŃo de indole, eternizou vivo e plebeu,--tal como lhe
sahiu, ao primeiro golpe, nas paginas formidaveis dos _Gatos_!
Foi isto um delicto de Arte, seria um bem?
Foi um facto. E este facto vale o melhor da sua obra de pamphletario
que, antes de qualquer outra, convem ter presente.
Ora, neste rumo de trabalhos, seguiu elle, naturalmente, o exemplo de
todos os pamphletarios;--isto ķ, deu-se a compor paginas do material
commum, o que vale dizer de aspirań§es e casos, nŃo raro menos
claros de que vulgares!
Dahi partiu, e logicamente foi atķ ao fim: a servir a propria plebe
politica--a peior das plebes!
Houve tempo em que nŃo socegou. Numa canseira pertinaz, diaria, quasi
tomou por seu dever perseguir a vida constituida, onde quer que ella
surgisse ou se se lhe afigurasse.
Ora, este foi, tambem, porventura, o seu mal, assente como estß que, em
materia de vida conjuncta, peior do que qualquer instituińŃo crapulosa
ou gasta, ķ a sua substituińŃo ß doida, ß sorte, como infelizmente,
entre n¾s, elle a ajudou a preparar!
Acabo de percorrer os _Gatos_, onde reuniu o melhor da sua Arte de
pamphletario.
Do primeiro ao ultimo opusculo, que serie de estudos, de commentarios,
de almas e acontecimentos tratados pelo seu riso!
Tudo o que elle tinha de imprevisto, como tudo o que da inferioridade de
uns poude reunir e editar para servir a inferioridade dos outros, estß
ali, nos seis volumes que hoje formam a Obra, e ficarß como documento
dos seus violentos e extremadissimos recursos.
Pois que foi a civilizańŃo quem categorisou o riso, transfundindo-o,
filtrando-o atķ ß ironia, uma das grandes forńas da demolińŃo
moderna,--importa ainda considerar o riso de Fialho.
A ironia de Fialho, se assim podemos escrever daquella sua indole--era
ainda, como nŃo podia deixar de ser, um caso mais do seu temperamento de
violento, aggravado do tempo e meio em que, por acaso, reagiu.
Assim, nada tem de commum, por exemplo, com Eńa e Camillo, por falar dos
humoristas mais discutidos da lida contemporanea.
Camillo era a grańa a flux, com os seus laivos de razŃo intima, muito
para alem dos castellos politico-litterarios de momento, golfando risos
ao acaso da sua natural interpretańŃo sinistra de Humanidade.
Eńa deu-se scepticamente a lapidar costumes e figuras infimas, no geral
de uma banalidade exhaustiva, ß conta do prazer do seu riso frio, que
logo se fez moda, como tudo o que nos vinha de f¾ra, por seu intermedio.
╔ ver o successo das _Cartas de Fradique Mendes_, ½um Acacio a serio╗,
informa Fialho, e cuja prosa relata o apontoado symetrico das notas dum
civilizado, ali paciente e cuidadosamente estylizadas pelo seu sentido
de mundano.
[IMAGEM: Fotografia de Fialho d'Almeida.]
Ora, nada de premeditado encontramos em Fialho, e nomeadamente nas
notań§es dos Gatos, por cujo entrecho natural ķ que comecemos o exame ß
sua obra.
A razŃo desta preferencia incide, ķ claro, na mesma indole dos folhetos
que reuniu debaixo daquelle titulo, e, onde, de facto, encontramos, a
despeito dos seus propositos, o Fialho definitivo, quer sob o ponto de
vista do estylo e inauditismo de Arte, quer ainda pela acńŃo demolidora
que tanto foi de seu empenho e naquella obra rajou desesperadamente, a
paginas plenas, como em nenhum outro dos seus trabalhos.
[1] Terras do Sul.
III
O PAMPHLETARIO
Abre os _Gatos_ o aviso-cartaz de que o auctor se prop§e tratar
criticamente os homens e os acontecimentos, explicando,
humoristicamente, o nome da publicańŃo.
O primeiro folheto da serie tem a data de Agosto de 1889, e inaugura por
um capitulo, pleno de paixŃo artistica, com seus esmaltes de
irreverencia, e a que elle chamou:--_Bric-ß-bracomania, como cultura e
como doenńa._
No desenvolvimento da curiosa these encontra-se naturalmente com o caso
do testamento de D. Fernando. Este caso foi um dos mais antipathicos e
escandalosos do tempo, pois que accendeu nos Pańos, com o odio da
rainha pela condessa d'Edla, uma questŃo de familia burgueza, em que se
discutiu tudo, desde a imaginada loucura lucida do principe, ao tempo
das suas ultimas disposiń§es, atķ ao valor e direito dos _bibelots_ e
quadros do seu espolio!
Veio a questŃo para a rua, e, ainda dessa vez, rua e Pańo se deram as
mŃos, na roda de insultos dirigidos ß viuva de D. Fernando, sem attenńŃo
pela memoria deste principe, cuja probidade foi tratada sem sombra, nŃo
diremos jß de justińa, mas de delicadeza.
Em nome dos republicanos dirigia, no _Seculo_, a campanha Rodrigues de
Freitas, valha a verdade, serenamente. Por parte do Pańo, e vestindo,
mais uma vez, a innocente pelle do povo--. escrevia Emygdio Navarro,
tratando cynicamente D. Fernando, em quem diagnosticara dois scirrhos--o
da cara, que o levara ß morte, e o do corańŃo, que elle, Emygdio
Navarro, se propunha sarjar publicamente, fazendo-lhe a historia na
prańa das _Novidades_, e isto, affirmava, por dignificar a memoria do Rei!
Fialho que, de facto, era um delicado, e, por accidente, se fizera
politico, e, bem por certo, lhe repugnava toda aquella griteira, tratou
tambem do caso moderadamente, chegando a lembrar atķ a arbitragem para
resolver os direitos do espolio controvertido.
Ainda, por egual forma, trata a figura de D. Fernando, cujo perfil
surprehende, sobretudo, ß luz da sua aventura de amoroso e homem de Arte.
Assim visto, nŃo podia elle deixar de lhe ser sympathico, e dahi tambem
o seu elogio, mal disfarńado, como as attitudes em que o focou, e donde
mal sobresahe o vulto, ao tempo tŃo acintosamente discutido, do Rei!
Quer dizer, em verdade, ķ ali presente a homenagem do Artista ao
Artista, para lß de todo o convencionalismo critico, como de toda a
exigencia publica.
Comeńa o segundo opusculo por um capitulo dedicado ao violoncellista
Sergio, e que, neste proposito a que nos obrigamos, de mero indiciador
das suas passagens de mais interesse e que melhor o mostram--mal podemos
tratar condignamente.
Registe-se, no entretanto, o extremado capitulo, como um dos mais
notaveis da sua obra, e, alem de tudo, a forma como elle, sempre tŃo
presente nos seus livros, sabia, embora excepcionalmente, apagar-se,
quando as circumstancias lhe conferiam Arte que um tal sacrificio valesse.
╔ o caso do violoncellista. Para no-lo descrever, Fialho quasi se apaga
no cafķ-concerto da Mouraria, em que o apresenta, e, onde, de facto,
elle costumava ir, ßs noites, transfigurando-o da sua Arte, cuja
referencia ķ, ainda, como que a sombra resoante da alma tŃo
extranhamente regressiva do Musico.
Paginas adiante, ķ tambem com paixŃo e valor equivalentes que, a
proposito das exequias de D. Luiz, trata a figura da Rainha.
D. Maria Pia resalta do seu exame como uma resurreińŃo dos grandes
dramas reaes de Shakespeare, ou seja como um verdadeiro prodigio de
alma, genialmente estatuada da sua tristeza de soberana-viuva,
equilibrando-se no orgulho profissional da sua creańŃo de princeza de
rańa, acaso abordada ßs praias portuguezas.
Inegualavelmente soberba, de facto, a sua maneira de tratar a
lendaria Rainha que surprehende nos funeraes do Rei como um alabastro
solemne!
Assim a tinha sonhado, tanto como o Pańo, a propria Rua que, entretanto,
lhe perdoava tudo, ainda os mais custosos dispendios, tomando-a, mais do
que como Rainha--como uma figura de luxo, especie de marmore vivo, por
boa fatalidade, a soldo no Museu Real das Necessidades.
Tambem, por seu lado, ella cumpria escrupulosamente o papel a que, por
sua mesma prosapia, se compromettera (f¶ra cheia de protocolo a sua
escriptura de esponsaes)--e dahi o vĻ-la toda a gente mais do que
cerimoniosa, theatral, quasi memoria, seguindo sempre, de par da sua
lenda, de que ninguem, nem ainda os mais ousados, tentaram algum dia
separß-la!
Quando endoideceu (a natureza ķ logica; que outra doenńa devia
segui-la?) logo os jornaes vieram contar as parabolas da sua
loucura, nos Pańos de Cintra; corriam historias de _toilettes_ que
jßmais usara; e, por fim, enterneceu a sua retirada de Portugal, quando,
na Ericeira partiu, tŃo magestosa e alheadamente, como annos antes,
tinha chegado...
A differenńa dos dois espectaculos, estava, unicamente, no tempo, que
daquelle passo final da sua vida tinha urdido mais uma tragedia!
Chegara solemnissima, recebida por toda a ordem de festas e alegrias
officiaes; retirou, ß opportunidade da primeira revoluńŃo, como uma
rainha usada, que jß nŃo serve, e segue, ß pressa, devolvida, ao paiz de
origem.
Despedimo-nos com pezar destas paginas, que tŃo fundamente, por si,
bastariam a vincar a alma do Artista, acaso nellas mal casada ß sua
preoccupańŃo de pamphletario,--para derivar a outras que, na sua obra,
dŃo o contraste da violencia, talvez, mais inopportuna e abrupta, que
ainda instigou critica portugueza!
Reportamo-nos ao caso grosseiro das suas diatribes contra Guilherme de
Azevedo que justińou depois de morto, e declara analysar sobre uma pedra
de autopsia, ainda sem piedade por si, como pelos leitores, e quando
aquelle, jß longe, havia ganho, ha muito, o esquecimento publico!
Na sua quasi diabolica sanha de deprimir vĻ-o primeiramente no seu logar
de escrivŃo de fazenda em Santarem, onde o surprehende a passear os seus
aleij§es, de par das suas canseiras de lyrico e apaixonado ridiculo.
Depois examina-lhe, publicamente, os defeitos, as suas fraquezas e
purgueiras de estrumoso, como a sua obra, na parte mais rebuscada,
indo atķ pracear-lhe os papeis unhados pela lida do chronista!
Por fim, como que convida o publico a assistir-lhe ß morte, em Pariz,
numa casa de saude!
E, para o caso de que o publico falte, redige elle mesmo a informańŃo da
agonia do Artista, passada, esclarece, entre sujidades!
Ora eu nŃo sei de outra hora tŃo extranhamente infeliz para um escriptor!
Do mais dos artistas contemporaneos, e, especialmente, dos pintores, ķ
sabido o que escreveu de desalentador para elles que jß, contra si,
tinham tudo:--a rua, o mundo politico, o meio pobre em que trabalhavam,
o paiz de origem, e toda a serie de prejuizos que, para mais, Fialho
conhecia intimamente como ninguem!
Comtudo, nem Columbano escapou a esta sua impertinencia, por vezes de
uma irritańŃo doente, quasi atrabiliaria e descomposta, ß conta da sua
faina de exigir do mundo plastico, mais do que representań§es da
natureza, verdadeiras telas vivas, porventura, a capricho, illuminadas
das suas mesmas composiń§es escriptas.
Dahi a sua injustińa para com o grande pintor que, no seu juizo facil da
primeira hora, qualificou de mero artista hesitante, como que estagnado,
½perdido, na monotonia cadaverica dos seus quadros de imitańŃo!╗
E, de identica maneira, tratava os outros.
NŃo lhe era facil fugir ß fatalidade do seu genio, sempre em duvida, e
que mascarava de desdens; para mais acossado pela circumstancia de
viver, o mais do tempo, em Lisboa, onde os Artistas teem _ateliers_
paredes-meias, e a Arte anda sempre ao de cima das sympathias duma tal
Cidade, ainda, como nenhuma outra, de entre as nossas, aberta a
intimidades, mettedińa, e pretenciosamente futil!
Dahi tambem a sua maneira, quasi mesquinha, de tratar a Politica e, em
especial, os politicos.
A Carlos Lobo d'Avila, por exemplo, processa-o como degenerado.
Lopo Vaz ķ, para elle, um mero ½preboste regio╗. A Barjona toma-o como
um conselheiro de negocios, anecdotico e sujo. Hintze ķ uma especie de
empresario de Portugal--feitoria-ingleza, figura dependente e quasi
irresponsavel ßs ordens da dynastia, e assim os outros.
A paixŃo do pamphletario cķga-o a qualquer vislumbre de justińa para
com politicos e assim tambem para com o Rei, que, ainda ß maneira
popular, considerava como figura enkystada no corpo governativo da
Nacionalidade.
Dahi tambem o atacß-lo systematicamente, afeiando-o de todos os
delictos, em que nŃo deixou de figurar a pecha das mais ruins
ingratid§es, as jß classicas ingratid§es dos reis!
Quer dizer, consciente ou inconscientemente, foi, como todos os
pamphletarios, um Orpheu da Rua, pelo menos atķ se sentir sacudido por
ella.
E fossem lß insinuar ao seu aferro pelas chamadas reivindicań§es
democraticas, que atraz da ingratidŃo dos reis, estß sempre a ingratidŃo
dos povos; que a Franńa, por exemplo, politicamente radical, no curso de
dezenas de annos, conserva no _PĶre Lachaise_ a ossada de Balzac, ao
passo que carreou, ha muito, para o Pantheon Carnot e outros menores!
De que lhe serviria, de momento, o aviso? O que sempre enche a obra do
pamphletario ķ a philosophia facil do odio ao Constituido, onde quer que
elle se encontre. Emquanto ha reis, a culpa de tudo o que existe de mau,
ou por tal passa, ķ dos reis; como ķ dos padres emquanto ha padres; dos
validos emquanto ha validos; em ultimo logar, dos parlamentos; de tudo,
emfim, o que o povo, em nome dos seus direitos, nunca atķ hoje
definidos, organiza e desorganiza, menos a seu talante, do que ao acaso
de uma esperanńa ou das gerań§es por apparecer!
E, comtudo, nŃo falta nunca quem se dĻ a orchestrar a sua voz, por mais
vaga, ou dissonante que ella seja.
╔ preciso que o escriptor tenha, mais do que talento, uma sensibilidade
propria e escrupulosamente cerrada ao gosto publico, melhor ainda,
religiosamente isenta, para que possa afastar, com desprezo, o applauso
geral, repulsando, para longe, o titulo de dirigente, ou seja o de
encantador das multid§es, pelo qual, principalmente, o maior numero dos
apostolos se bate.
E, em todo o caso, como aquella isenńŃo ķ rara!
Ainda os de melhor fķ e que se julgam de posse duma missŃo necessaria,
raro chegam, por si, a conhecer do erro de excesso, em materia de
reverencia e culto pelo publico!
O que, a miudo, se dß, ķ a inutilidade da sua faina, e isto pelo mesmo
uso daquelle prestigio, ainda sujeito, como tudo, ß acńŃo do tempo que
s¾mente, nŃo consome as obras de sentido definitivo.
Este foi tambem o caso de Fialho que durante annos destruiu, sem
treguas, confundindo, propositadamente, os principios e os homens,
batendo, de toda a maneira, um systema que, sobretudo, foi erro nŃo
termos reformado dentro das nossas melhores tradiń§es; e que elle,
Fialho, como os demais contemporaneos escriptores politicos, reputaram
f¾ra de toda a razŃo nacional.
╔ claro que deste erro se confessou mais tarde repeso--ou tenha sido
quando as suas palavras offereciam menor echo--ao ver que, para os
logares mais responsaveis, quando o antigo regime cahiu, o paiz,
democratizado ß forńa, nŃo encontrou, de momento, para substituir o
corpo official expulso, mais do que gente ousada, que mental e
moralmente valia menos do que a anterior, que de si jß estava muito
abaixo da gerańŃo que a havia antecedido, e cuja heranńa nem sequer
soubera defender!
╔ de justińa lembrar que tambem Fialho foi dos primeiros a corrigir os
impetos dos pretendentes que, de todos os lados, surgiram com a sua
conta de servińos; embora o facto valha unicamente a justificar a sua
boa fķ.
Era tarde. ┴ sombra das suas paginas, como das de Ramalho, Junqueiro,
Eńa e Bordallo, por lembrar os maiores, se tinham elles organizado de
vez, entretanto que a alvorada do regime abria logicamente por um banquete!
Para mais, quasi todos os demolidores, companheiros de Fialho, tinham
desapparecido. Ao acaso do tempo ficara, unicamente, Ramalho--velho,
surdo a louvores como a insultos, fechado na sua cella de valetudinario,
em Lisboa, de facto uma especie de santo de nicho do _bairro alto_, a
quem jß, a bem dizer, ninguem recorria, de cujos milagres ninguem mais
queria saber...
Bordallo morrera, providencialmente, antes do b¶do.
Alem de que, quem se atreveria a continuar-lhe a obra? Onde o artista da
sua coragem, ß altura de um jornal nos moldes do _Antonio Maria_? Onde o
redactor graphico do seu estylo, e, mais ainda, onde as
personalidades-motivos a enchĻ-lo?
Como quer que seja, Fialho, leal ao que, de comeńo, se impuzera, tentou
ainda o ultimo esforńo, contra o muito do que succedera e lhe repugnava
tanto como ß consciencia, ß sua sensibilidade, acuradissima, de Artista.
Era tarde, repetimos. Jß ninguem o ouvia, demais que elle proprio tinha
perdido o vigor das suas primeiras investidas!
E, entretanto, o Artista crescera ainda, depois das novas provań§es, ou
antes tinha-se accrescentado daquella razŃo de amargura que a vida
empresta sempre, cedo ou tarde, aos temperamentos da sua
impressionabilidade, e que nelle deu a transfigurańŃo notavel de um
ousio artistico sem egual, e de que ķ, sobretudo, exemplo essa obra
trasbordante da sua derradeira colheita--½_Barbear e Pentear_╗.
Este livro, sublinhado pela explicańŃo amarga--_Jornal dum vagabundo_,
que aliaz emprega noutras obras, attinge, effectivamente, o maximo da
sua perfeińŃo exquisita.
╔ ali que verdadeiramente elle trata a mulher-fada, tŃo de sua
predilecńŃo, e de quem se dß a referir a _toilete_, ß luz dos m¾res
recursos, escrevendo da sua razŃo de vestir, como arte maxima; das joias
que redundam do seu imaginar em preciosos esmaltes vivos, especie de
insectos inertes, quasi pedras mornas por nŃo arrepiarem a carne-seda
das animadas estatuas que sŃo chamadas a guarnecer;--de tudo, emfim, o
que do abrańo caprichoso da arte e da natureza elle poude aventurar de
imprevisto na ideańŃo dum espectaculo para embriagar sensibilidades!
E, de facto, chega ßs maiores extranhezas de gosto na inventiva daquelle
livro, e especialmente no seu capitulo:--_Juizo do Anno_, quer pelo
turbilhŃo de c¶r que delle entorna, quer, sobretudo, pelo seu empenho de
phantasia e _nuance_ ali expressos, como ainda pela circumstancia de
considerar a mulher o que, porventura, virß um dia a ser, um caso de
perfeińŃo s¾mente, quando a natureza mais accordada com o homem, sahir
de sua attitude esphingica, e isto ainda por viver com elle uma
futura vida luxuriosa, sem medos e sem pecados...
As _Pasquinadas_ e o _┴ Esquina_ subordinam-se ß mesma rubrica:--_Jornal
dum vagabundo._
Nesta ultima obra ha de tudo:--paginas notaveis e criticas de menos folgo.
SŃo do melhor interesse as que abrem o livro e
titulou:--_Autobiographia_; e devem ter-se como supremas aquellas em que
nos descreve os _Ceifeiros_, como as que referem as suas impress§es da
Atalaya e ExposińŃo-Bordallo.
Tambem este livro inclue umas notas a que deu a epigraphe:--_Problema
taurino_, e que, jß agora, glosaremos, embora de fugida.
Neste capitulo lanńa o Escriptor ß balha a idķa do toureio a serio nas
prańas portuguezas, o que vale informar:--a opiniŃo da morte do
touro, com os demais episodios sangrentos dos curros hespanhoes.
Ora a proposta, se foi sincera, destoa, a nosso ver, da sagacidade do
critico, acaso perturbada pela paixŃo do aficionado e homem do sul,
paredes-meias da Hespanha e seus costumes.
O portuguez habituou-se facilmente ß morte pela associańŃo politica;
aceita, como de direito, o assassinato por adulterio, e toda a ordem de
morte por um delicto sectarista ou passional; o que elle jßmais
decretarß ķ a morte por uma razŃo de Arte, e isto pelo mesmo facto de
nŃo comprehender outro sacrificio que nŃo seja para sagrar ou colher
interesse.
Ora, para elle, o toureio, ainda como exposińŃo de vida e educańŃo de
rańa, nŃo tem interesse.
As _Pasquinadas_ reunem uma serie de artigos de impressŃo
rapida--instantaneos dos acontecimentos e pessoas de occasiŃo.
Entretanto, como se tenha dado o caso de ter sido obrigado a tratar de
figuras da categoria de Camillo e Sarah Bernhardt, este livro inclue, a
seu proposito, paginas que, bem por certo, ficarŃo ainda como documentos
da sua desproporcionada maneira de considerar os grandes artistas!
Insurgia-se elle, a espańos, contra as lettras, friamente rigorosas, dos
modelos mais classicos e academicos.
E, de facto, importava-lhe sahir nŃo s¾ das velhas disposiń§es, como
ainda dos recursos em uso, por inteiro alheios ao genio, mais que
revolucionario, desmedido, daquelles dois vultos, que, por isso mesmo,
tratou, nŃo s¾ f¾ra de todos os moldes, mas, mais ainda, f¾ra do tempo.
A _Lisboa Galante_, outro livro de voga, comprehende, em geral,
episodios e aspectos de cidade, por entre apontamentos de casos minimos,
por communs, a todos os logares de accumulańŃo.
Entretanto, ainda ahi Fialho incluiu phantasias e situań§es admiraveis,
haja em vista o conto--_Amor de velhos_; e, sobretudo, a _Chavena da
China_, porcellanas da sua maior delicadeza e inventiva.
Passaremos ß pressa sobre o livro--_Saibam quantos..._ nŃo s¾ porque
literariamente o nŃo accrescenta, como pela circumstancia de nelle ter
reunido cartas e artigos politicos que valem, meramente, como actos de
sua contrińŃo.
Archivemos, no emtanto, do capitulo--_A morte do Rei_, o seu leal
proposito de homenagem a D. Carlos, a cujo caracter, por fim,
concede as mais complexas facetas, e a impossibilidade de falar destas
em paginas resumidas, como as que, de momento, lhe consagra; e, mais
ainda, como fecho dellas, o seguinte:--½Pobre D. Carlos! quando se pensa
que afinal era mais intelligente e teve talvez virtudes superiores ßs
dos seus adversarios, e por nŃo dizer ßs dos seus cumplices...╗
Eis, finalmente, palavras suas, ßcerca de D. Carlos, alinhadas, talvez,
sobre a impressŃo da morte brutal do rei, ß hora, quem sabe? em que o
seu cadaver, abandonado de todos, presidente do Conselho incluso, lhe
dava a lembrar a calumnia, tanta vez pelo pamphletario, contra elle,
escripta, de primeiro responsavel da desordem a que o paiz descera!
╔ que talvez jß ao tempo elle bem claramente visse que aquelle que tŃo
violentamente responsabilizara como primeiro culpado do desastre a
que a nacionalidade havia chegado, era afinal um rei que consumira um
reinado a procurar Alguem, no fundo, bem da alma, elle proprio, com a
Rua, que era, de facto, quem mandava, sem que, ao menos, governasse,
como ao presente, e que ora o applaudia, mais ß rainha, ora o insultava,
atķ que se decretou a montaria com que, por fim, deu fecho ß Realeza.
Mas, deixemos o rumo de taes considerań§es que, indevidamente, ķ de uso
considerar politicas, e que, ao acaso, nos occorreram, a proposito
dalgumas paginas do _Saibam quantos..._ ultimo passo na vida de Fialho,
e ainda ß conta da sua velha lida de pamphletario.
Finalmente, pois que, por esta obra, chegamos ao termo da sua jornada de
agitador, resta-nos, ao presente, e logicamente, insistir no mais da
sua melhor canseira--isto a proposito, nŃo s¾ dalguns trechos jß
marcados, como ainda doutros, onde mais intencionalmente se deu a urdir
obra de Arte pela Arte.
Assim visto, este serß, em nosso entender, o Fialho definitivo, cujo
elogio desde jß promettemos levar a cabo quasi sem rasuras criticas, ou
seja sem restricń§es, no capitulo a seguir...
IV
O ARTISTA
FIGURAS NOTAVEIS DA SUA GALERIA. INTUITOS E SUPERIORES FATALIDADES DO
SEU TEMPERAMENTO. UMA GRANDE E ADMIRAVEL REVOLUŪ├O ESTHETICA. A SUA OBRA.
[IMAGEM: Fotografia de Fialho d'Almeida.]
Nenhum outro documento mais interessante, se bem que mais difficil de
ler, do que o primeiro livro dum Artista.
Toda a obra de Arte tem a sua infancia que importa ver na prova-estreia
do auctor, atravez dos seus defeitos, como das suas virtudes.
Ora essa difficuldade eu senti ao ler os _Contos_ de Fialho, quer pela
exuberancia de vida episodica de que esta obra se enreda, quer pelo
tumulto dos recursos que jß ali o auctor revela.
Exemplificando.
Abre elle este seu primeiro livro por uma historia, em parte de sua
observańŃo, e em parte de phantasia,--_A Ruiva._
Pela intriga deste seu trabalho, vĻ-se que elle nŃo chegou a realizar
uma novella, no rigor geralmente attribuido ßs composiń§es deste nome.
Bem pelo contrario, o que conseguiu foi uma serie de biographias, ou,
mais propriamente, de exquisitas telas.
Fialho, muito do Sul, ķ, como jß vimos, um pintor; ou melhor, um
painelista, no geito dos pintores da Hespanha meridional, logrando, pela
penna, conforme o seu poder de descriptivo, dar a c¶r, tonalidades e
almas tŃo distantes e irreaes e, no entretanto, tŃo signaladamente
intimas e perfeitas, como s¾ as encontramos nas prodigiosas collecń§es
dalguns auctores da Andaluzia,--isto a averiguar da impressŃo das suas
manchas, como das suas madonas e dos seus aleijados, ou seja de quasi
toda a sua galeria de excelsas e de sinistros!
Assim, a _Ruiva_, principal figura do conto em analyse, ķ uma especie de
hyena de amor, transportando-se, quando os guardas do cemiterio saem, ß
casa do deposito, onde entra para escolher cadaveres!
╔ pela calma mysteriosa e calada que elle descreve a necrophila
Carolina, misto de miseravel e viciosa, tacteando os mortos
adolescentes, quasi possuindo-os.
Exquisita figura de virgem, a suave e brutal filha do coveiro, que
Fialho trata com enthusiasmo, quasi carinhosamente, ainda na sua faina
de amante de formas mortas!
A Marcellina ķ o typo vulgar da harpia, velha e sabia, que tendo
aprendido da miseria tudo o que de mau ella ensina, volvera a sua
experiencia num capital que lhe ia servindo para viver...
Para o caso, ella ķ a alcoveta que vende a _Ruiva_ a um rapazola, o
JoŃo, um precoce torpe, typo de bambino operario, official de
marceneiro e fadista, que um momento a possue e quasi logo a abandona.
╔ filho dum bebado e duma desgrańada que elle, ainda creanńa, vae
encontrar, pela ultima vez, na _morgue_, depois que a acabaram os maus
tratos do marido.
E, tambem, dahi a sua historia, que em si resume a vida natural de todos
os tresnoitados pelos portaes e escadas.
Por fim, fecha o conto o relato da faina livre de Carolina (a _Ruiva_),
primeiro assalariada numa fabrica, depois pelos quartos andares,
vendendo-se a todos os vicios, atķ que, roida da tuberculose, chega ao
hospital, donde sße aos pedańos, como um gesso em cacos!
O seu enterro descreve-o o Artista no primeiro capitulo, como para
imp¶r, logo de comeńo, o conto, de tal arte iniciado, ß maneira
romantica, pelo seu episodio mais pio e sinistro.
╔ ahi que apparece a figura do coveiro, pae da Ruiva, uma especie de
Antonio Pedro no _Hamlet_, acaso transportado ß taberna do _Pescada_,
onde o Contista o apresenta, bebado, a commentar a morte da filha!
Eis a noticia-summario do que temos pela estreia de Arte de Fialho, em
1878, ou tenha sido do tempo de quando elle, intencionalmente realista,
com suas tintas de Hoffmann, se deu a iniciar a sua obra por uma figura,
aliaz nada casual--a _Ruiva_, cuja caveira nos aponta, ao fim do livro,
sobre a sua banca de contista-medico, nŃo se sabe bem, se como um
despojo de estudioso, se como um cofre de osso de que antes, por
capricho, se dera a extrahir uma novella...
Como quer que seja, esta realiza menos o que pretende ser--a biographia
da filha do coveiro--do que a primeira galeria de figuras da sua maneira
extranha de pintar, e onde a _Ruiva_ acaso surge como que sombreada
daquella macerańŃo e tinta de luar que Zurbaran parece ter composto jß
da eternidade para espectrar as figuras tŃo suavemente doentes dos seus
monges!
E, entretanto, como ali estß, naquella simples novella todo o seu
original processo, desde o poderosissimo descriptivo que lhe anima o
melhor da obra, atķ ß sua pintura, ainda narrativa, de costumes; a
hesitańŃo do Artista no papel violento ou declamatorio dos personagens;
a sua maneira dispersa e fragmentaria; o dialogo; a imprecisŃo de
trańos; a preoccupańŃo das grandes telas; a falta de peńas no esqueleto
do seu trabalho; a paixŃo de certas figuras, como de certos logares;
a sua dolorosa e sensual sanha de necrographo, de par dos seus carinhos,
como dos seus sustos pela morte; o monstruoso dos typos, desgarrando,
aut¾nomos, um drama proprio; o sentido da vida no que ella tem de mais
intimo, como no que pode suggerir de mais esparso; a falta de
ajustamento e equilibrio no curso da acńŃo; e, para alem destas
qualidades e defeitos, dos typos, como das situań§es, o Auctor,
exuberante da sua razŃo de belleza a esmo, desmedindo, revolucionando a
Arte, por servir a Arte; no seu intimo medroso, e instinctivamente
avesso, se nŃo inimigo de todo o methodo;--e, entretanto, sempre elle,
comsigo mesmo, fazendo valer o defeito pelo que nelle nos dß de grande e
imprevisto; creando das suas desproporń§es, uma Arte propria; arruando
de grańa a cidade amoral dos seus viciosos; enscenando a vida do
verde-amarello da sua biliosa de pamphletario;--e tudo como quem
empresta a sua fatalidade de exotico aos homens e coisas a tratar; e
sempre para alem de todas as convenń§es, como de todos os moldes
academicos!
Particularizemos, ainda um pouco, este seu processo, nŃo tanto por
firmar principios, como por tratar do seu ousio de Artista, ou seja das
suas figuras de imaginańŃo, visto que esta nŃo ķ, nos emotivos do seu
destino, mero delirio do sentido, mas, pelo contrario, uma forńa ainda a
avaliar das suas creań§es.
Effectivamente, bem errada e mesquinhamente trabalham os que se dŃo a
encaixar a vida num preceito!
Pois que esta ķ, de si, infinita, recurso algum, por minimo, deve
escapar ao seu apercebimento.
Ora este cuidado tinha Fialho bem affecto da sensibilidade, cuja ancia
de representańŃo, jßmais deixou de archivar tudo quanto a vida real ou a
phantazia lhe importavam, embora, ßs vezes, ß doida,--fosse numa pagina,
ou numa simples linha.
Assim, naquelle mesmo volume--_(Contos)_, ha um capitulo, _Os dois
Primos_, em que apparece a sombra de Albertina, uma actriz, e que vale
menos pela belleza real da sua figurinha de exigua, que pela sua
presenńa artificializada de quasi-dahlia--ao acaso cahida num palco de
Lisboa, onde elle, o Artista, a surprehende, ß luz da sua _toilette_, ß
qual, por fim, de todo, attribue o successo feliz da sua linha de
_cocotte_!
Este ainda um exemplo do seu occultismo de Arte,--do seu segredo e
poder de imprevisto.
Tambem a mesma grańa quasi infantil, de tratar a phantasia a que deu o
nome de _Chavena da China_, como todos os seus objectos e figurinhas do
mais delicado relevo, usa elle jß no conto--_Os dois patifes_, do mesmo
volume, ao escrever ßcerca de dois gatitos, verdadeiras porcellanas
vivas e mexidas, e de cujas correrias elle logrou a deliciosa
tragicomedia do arrasamento duma cidade de cartŃo, prenda de annos do
pequeno Arthur.
LĻ-se dum folgo a linda historia, como essa outra--_Ninho d'Aguia_, de
que, por egual, o Artista tira o partido, jß notavel, do seu engenho de
considerar figuras suaves e innocentes, e em que, tambem, as pobres aves
do conto sŃo tratadas como barros vivos, a que sempre alligou
carinhos que jßmais o vimos dispender no capitulo humano da sua Obra.
E propositadamente nos referimos a estas suas pequeninas obras primas,
menos por feriar-nos da historia magoante dos seus nevroticos--figuras
quasi-anjos, ao lado de mulheres e bambinos quasi-flores--do que por
mostrar as delicadezas da sua Arte, tŃo sinceramente desegual, quanto,
por vezes, exhaustiva, ß conta de certas insistencias e mal escolhidos
episodios.
Comtudo, verdadeiramente grande ķ s¾ mais tarde, quando, muito para alem
daquelle livro, sae a moldar do seu genio adulto, entŃo notavel de
extremos recursos, a vida monstruosa dos grandes e desafortunados typos
do seu fabulario. Reportamo-nos ao tempo da _Madona do Campo Santo_,
do _AnŃo_, da monographia-_Manuel_ e principalmente dos _Pobres_.
E, pois que mal poderiamos concluir do seu grande poder de plasticizar
da ImaginańŃo, sem nos referirmos a estas obras, tratemo-las, embora
passageiramente, menos para as ver que para as apontar.
O _Manuel_ ķ, sem contestańŃo, a mais sincera figura da sua galeria de
_Nocturnos_. ╔ um ser que da sua propria alma o Escriptor edita; e, de
si, nos dß como um ex-voto ß sua tortura de humano quando, penitente da
propria escravidŃo da sua Arte, della se entrega a versar o que de mais
inquietante ella tem:--o indefinido da sua universalidade dolorosa e
reveladora. Quer dizer, ķ ainda menos do que uma obra de Arte, um
espelho doloroso, em que elle se transfigura dos seus medos, como
dos seus sonhos,--dando-se ahi, de facto, como melhor nos nŃo podia
surdir:--no espectaculo da sua figura de receio, ou seja no esgar
caricatural e dramatico da sua afflicńŃo de presciente.
Mas reconstruamos, tanto quanto possivel, por palavras suas, a sinistra
figura de _Manuel_, ainda por melhor a esclarecer.
Primeiramente a creanńa:
--½Era aos nove annos como uma figurinha de aguarella, fina de carnes,
os cabellos sem pigmento, as unhas longas, a voz avelludada e com
demoras sentimentaes em certas inflex§es--amando a solidŃo e as musicas
plangentes, colleccionando estampas de castellos, terrivel no amor como
no odio, e duma volubilidade tal na phantasia, que era impossivel
prende-lo a uma lińŃo por meia hora, sem elle cortar o assumpto com
extravagancias de mimo e _enfant gatķ_.╗
Mais:--½Tinha a feminilidade da igreja, o nervosismo do incenso, paix§es
quasi physicas por imagens, sentido este que nunca se lhe apagou de
todo, e que a reclusŃo de Campolide exasperou a um mysticismo de fazer
inquietań§es aos proprios padres.╗
Quando jß homem, ½no typo de algarvio, branco de cera, idealmente puro
como a afilada gravańŃo dum camafeu, a sua belleza tinha transcendencias
extaticas, uma pacificańŃo de tinta lurenta, macerada, esfallecida de
insomnia; e dava a impressŃo dum destes insexuaes no gosto da Seraphita,
cujo mysterio desorienta,--por terem tudo o que faz sonhar, sublinhado
por tudo o que faz soffrer.╗
Esta a epoca em que o Escriptor melhor fixa o drama de _Manuel_, que jß
daquelles retratos, resulta menos uma figura autonoma do que uma imagem
de especial e entranha vocańŃo, especie de seraphim de egreja, dahi
fugido por viver a vida emprestada do Artista que o elegeu.
Mas sigamos, ainda mais vagarosamente, o graphico doloroso das suas
grandes azas de anjo bohemio...
_Manuel_ chega a Lisboa quando--diz o Artista--½a bem dizer jß ninguem
esperava por elle╗, isto ķ, ½quando decrescia no Martinho a terrivel
phalange dos revoltados ß Byron, e entrava a achar-se um tic pulha nas
attitudes procuradas, nas vozes de chibato, nos olhares revoltos, e mais
artificios de que atķ ali os homens de lettras se revestiam em publico,
por fugir ao molde burguez da outra gente.╗
Era uma figura ½toda nervos, altivo como se viesse de berńo real╗, a
preceito recortado pelo Artista, do seu album intimo,--o que lhe
reproduzia as sombras carinhosas dos ½bellos seres de excepńŃo do
seu cyclo, os da extranha lumininosidade interior╗ que ante a sua
½mysantropia moral╗ conseguiam impor-se, pela mesma razŃo do seu
genio,--de que elle via chispar, a par de extravagantes ½inauditismos╗
½maravilhas minusculas╗ da mais emotiva Arte.
Chegado a Lisboa, ei-lo, primeiramente perplexo, o pobre _Manuel_, no
papel de anjo despregado, e, como que por acaso, transferido da Egreja
da sua aldeia ao museu vivo duma cidade tŃo falha de interesse que nem
sequer tem torpeza propria;--depois vivendo o expediente dos
sem-recursos, longe dos seus, luctando entre o seu pudor de Artista e a
intranquilidade do seu genio atrabiliario e dispersivo.
Esta inadaptańŃo ķ a mesma que depois lhe dß a Tragedia--aquella
½_tragedia dum homem de genio obscuro_╗, que Fialho extrae da sua
caprichosa maneira de reagir, tal como devia sahir-lhe, lavrada de
ironias--como daquella philosophia e tristeza que enchem a obra a que o
Artista dß o nome de--½_Esculptura_ em fragmentos╗ pois que ½dos seus
avulsos bocados╗ ninguem poderia tirar mais do que ½mutilań§es de uma
grande estatua...╗
Ora, dessa estatua nos apresenta elle, a par de bocados infimos, com
extranhezas caricaturaes e laivos dum rir doente, _boutades_ e d¶r
inferior, por demais fragmentada, quasi sem significańŃo de
Arte,--trechos formidaveis, como certas passagens da ½_Noite de Alcacer
Kebir_╗, aliaz tŃo lugubres e intensivamente trabalhadas como raro
encontramos outras, ainda na obra de Fialho.
E, entretanto, nŃo ķ a Arte de _Manuel_ o que mais interessa da sua
biographia.
O que melhor vale, e della resalta, ķ a sua mesma reacńŃo, ainda mais
que de encontro ao meio alheio, quando do ruflar do seu genio no
intimo de si proprio!
Esta lucta f¾ca-a o Artista da sua lente amarello-lugubre, desde a
primeira infancia do bohemio atķ ß edade da ½fixańŃo do seu typo de
adolescente╗ que estatua da ½hereditariedade╗, desenvolvendo-se,
determinando-se, sobretudo, na vida de collegio--na sua reclusŃo de
Campolide, onde toda a ordem de factores apropriados, ajustando-se-lhe
½como serpes╗ se porfiam ½a esfuriar nesse corpinho espurio╗ todos os
instinctos do seu genio de tarado, e que de si erguem o perfeito modelo
morbido que, effectivamente, chega a realizar.
Na sua vontade lassa nada mais governa que o proprio instincto do luxo,
do inesperado, da extravagancia da sua ideańŃo frouxa e admiravel,--como
a inclinańŃo bohemia da sua vida de acaso, ß qual se dß, sem que
alguma vez se interrogue.
Ainda por dessedentar os nervos, logo de comeńo perros ßs suas
exigencias, entrega-se ß embriaguez.
Tinha necessidade de excitar-se, de viver violentamente os seus
delirios, ainda como por melhor escutar a sua nevrose, de tal arte mais
nitida ß sua sensacional expectańŃo.
Intermittentemente cahia em marasmos; tinha ½syncopes de intelligencia╗
que eram como que sombras daquella sobrexcitańŃo e o derivavam do seu
tumulto ao que Fialho chamou os seus ½crepusculos intellectuaes com
sobrelaivos de perseguińŃo e delirio religioso.╗
½De resto na sua esthetica, como na sua vida, sobresaltos de louco!╗
Depois dum maior exgottamento de vida nervosa, adoeceu gravemente, e
tŃo gravemente, informa o Escriptor, que nŃo era difficil ½marcar
na sua intelligencia o accesso vesperal da sua ennublańŃo╗.
A partir deste momento deu-se a errar...
A sua enfermidade era como que uma obsessŃo de si proprio, sempre alerta
contra o _outro_, isto ķ, contra aquelle que a sua duplicidade mental
dava como presente aos seus menores actos--e lhe embarańava tudo o que
deliberasse!
Novos dias e elle cada vez mais doente, erratico, somnambulo, com a
paixŃo do alcool e o susto de tudo.
Certa madrugada accordou horrorizado com a idķa de que o estavam a
enterrar vivo e o desejo ½de que o deixassem apodrecer f¾ra da cova╗...
A partir deste dia a sua vida torna-se pavorosa; ķ a creatura sem rumo,
equilibrando-se, ao justo, no acaso geral do arranjo commum.
╔, sobretudo, como expoente de vontade que o homem vale; ora elle
perdera absolutamente a vontade, mantendo-se como que, provisoriamente,
a dentro do seu corpo, ao tempo jß desconjunctado de fantochino, e que
lhe sobrevivia por milagre, como num assomo de quasi extravagante apego
pelo que f¶ra...
O resto adivinha-se:--ķ a convulsŃo das ultimas horas; sŃo restos de
sonho; os derradeiros phantasmas, nos seus derradeiros dias; ķ elle
gritando a sua agonia doida, numa casa de saude, a pelejar a morte, como
se, de minuto a minuto, lhe rompessem cord§es nervosos; finalmente elle
ainda, mas com a vida a fugir-lhe e como que afilando-se-lhe atķ
perder-se na noite rehabilitante da sua podridŃo...
E, entretanto, a sua historia nŃo acaba ahi!
Como noutro logar affirmamos, ha, para alem da sua vida de symbolo,
o caso vivo, em aberto, duma real figura da qual o bohemio ½um duplo╗,
se accrescenta e desdobra, e que, a nosso ver, ķ, nem mais nem menos, do
que o seu proprio revelador,--o Artista que, na alludida monographia,
sinceramente, lugubremente, trata o caso da morte de _Manuel_ como se a
espreitasse em si proprio!
Passaremos adiante a miuda informańŃo daquelle desenlace, ainda logico
dentro da extravagante ½_Tragedia de um homem de genio obscuro_╗, por
ver, de relance, o Artista, ao pretexto do admiravel estudo em analyse.
De facto, qual a figura que surde para alem da mascara de _Manuel_?
╔, affirma-lo-emos ainda uma vez, nem mais nem menos do que o Auctor,
embora transfigurado da sua Arte:--isto ķ o artista ½_violento e
contradictorio_╗ que dahi resulta; ou seja o escriptor atavicamente
½_presciente do raro em arte_╗, com o mais extranho ½_senso pictoral de
certos aspectos sociaes_╗, de par do maior ½_poder amplificador dos
grotescos_╗; o artista, a um tempo ½_fragmentario e dispersivo_╗; o
transfigurador; a creatura perdida ½_em assumpń§es de genio_╗ e logo
baixada dos ½_fulgurantes cimos da intelligencia_╗, como que distrahido
por casos minimos; o ½_de filiańŃo hysterińa e infancia convulsiva,
terrivel no amor como no odio_╗, o ½mystico╗ e necrographo, de ½_vontade
frouxa, com antipathias invenciveis pelos grandes fanfarr§es da
sociedade e escriptores lanńados_╗--o emotivo, emfim, que no _Manuel_
nŃo faz mais do que esmaltar de picaresco e lugubre a sua propria
figura, errando nelle o seu drama de morbido, e parabolando-lhe, nas
attitudes, como na desgrańa, os seus grandes pavores da morte, de
par da duvida que lhe advinha da sua mesma Obra, que, no fundo, julgava
irremediavelmente episodica e fragmentaria![2]
Por isso, tambem, ao deixar o quarto, do _outro_, agonisante, elle p§e
na boca do indio, o Pratas, velho confidente dos dois, como que o echo
do seu pensamento intimo:--½O ideal seria que a alma delle nŃo morresse,
e n¾s ainda a encontrassemos, intacta e genial, num outro mundo
insubmisso╗!
Ainda uma vez mais, elle formula o seu velho sonho:--nŃo acabar! Em
ultima analyse:--o seu drama em duas palavras[3].
Finalmente nada mais haveria a escrever de commentario ao extraordinario
capitulo da obra de Fialho que principalmente nos demos a desarticular
ainda por compor a figura que nelle foi--se nŃo tivessemos de incluir um
tal trabalho na parte que reservamos das suas melhores provas.
Como demonstrańŃo de Arte, mal poderiamos deixar de alludir ßs paginas
que fecham a tragedia, em parte verdadeira, de _Manuel_--e que tambem,
de si, sŃo, ainda de uma precisŃo e valor notaveis.
De facto, velou elle o doente de duas figuras que mal apparecem no curso
da acńŃo e, no quarto do moribundo, apresenta silenciosas,--duas
esphinges de odio que o encaram e ao Pratas, o segundo companheiro de
_Manuel_, como se fossem elles os verdadeiros culpados da sua desgrańa!
A primeira ķ um velho, o pae do doente que, depois de lhe ter negado os
recursos, tomando ß conta de extravagancia todos os seus dispendios,
como o seu irremissivel alcance de saude, vem assistir-lhe ß morte.
A segunda, e mais notavel das duas figuras, ķ aquella que o Artista
designa na folha-cartaz da monographia por--_essa mulher de negro!_
½╔, segundo informa, quasi velha, com um vestido negro e uma gollilha
bordada, em grandes bicos. Sobre as orelhas ha jß cabellos brancos, tem
a pallidez macerada duma santa, as mŃos reaes, queixo voluntario...
Emtanto essa rigidez guarda uma boca pura de creanńa, e sae dessa
magua, uma obra prima de martyrio.╗
½T¾co, narra, por fim, as mŃos do agonisante, um marmore molhado. Estß a
amanhecer lß f¾ra, e os cinzentos azues dessa madrugada de inverno
entram no quarto, com albescencias funeraes que me espantam. Pelas
quatro horas Pratas que lhe sustinha o pulso, dß de repente um grito: ķ
o momento: e o velho erguendo-se, em vez de correr ao filho morto, ķ
contra n¾s que parece crescer, rigidamente...╗
Eis o final do drama!
Mas quem ķ aquella _mulher de negro_?
Eis o que mal nos diz. O que della se sabe ķ unicamente que f¶ra uma
rara figura de dedicańŃo, envelhecendo no sonho de ser noiva do bohemio,
que lhe escrevia, e elle amara vagamente...
De momento, aponta-a o Artista como um regelo de amor, acaso um
symbolo assomado ali ainda por enscenar as ultimas horas do bohemio.
Derivando, no exame das suas obras primas, ßs paginas que, dentre as
citadas, maior contraste offerecem com aquella monographia,
encontramo-nos com o seu admiravel conto,--o _AnŃo_.
Este demonstra, alem de tudo, de par da mais frisante extravagancia
imaginativa, o seu grande poder caricatural.
Trata-se duma ligeira farńa que o auctor comp§e, mais que dos
personagens, das suas situań§es.
Por outro lado, o drama ķ um jogo de riso, em cujo taboleiro Fialho
incluiu uma pedra dolorosa--o Carrasquinho, o _AnŃo_...
Este ķ uma figura minima, minuscula a ponto de se perder na copa
dum chapeo de pello, e no bolso da madrinha quando do seu casamento; ķ
um quasi monstro de fabula, entre humano e herbivoro, de ½focinho
aguńado e movel, mascando sempre, com as bosseladuras da testa de
tendencias conicas para chibato, sensivel e espantadińo aos rumores
dispersos do campo, a quem os bodes reconheciam um ar de familia, e por
quem as cabrinhas amorosamente se rońavam╗ quando elle, o pobre
cabreiro, se misturava com ellas no redil.
Casou com a Rosa ½um cavallŃo da mais desmedida estatura, que a mŃe
trouxera vinte e sete mezes no ventre e levßra seis dias a expulsar!╗
O AnŃo dansava o fandango e era videiro. De principio tudo lhe foi bem;
a boda correra-lhe alegre, bem folgada, depois da qual o manageiro de
Torres, o Jacinthinho, se installou por metade de cada dia em casa
da Rosa.
Esta a desgrańa! Quando o _AnŃo_ chega a mulher bate-lhe e o manageiro
obriga-o a dansar...
A seis mezes do casamento a Rosa dß-lhe um rapagŃo, forte como ½um boi
bravo╗.
Tudo no conto sŃo confrontos e confus§es de animaes armados...
O AnŃo, cada vez mais chibato, lß vae vivendo, ora em casa, ora entre os
sement§es, sempre lamentando-se, na sua ½voz balada╗, atķ que um dia,
tendo-o a mulher enfaixado (por confusŃo com o filho) e conduzido ß
missa, lß o povileo toma-o pelo proprio diabo, e logo um devoto bebado o
arremessa da torre abaixo, e era uma vez o pobre Carrasquinho,
esborrachado contra as lages sepulcraes do adro!...
Tal o esqueleto da historia que o genio do humorista vae depois
folhando das situań§es mais ridiculas, e que, de tal arte, lhe decorre
viva, hilariante pelo imprevisto e desproporcionado dos personagens, e
em que o pobre ½_grŃo de milho_╗, mal sobresae como uma figurinha de
amuleto, errando ao acaso vida emprestada.
E, entretanto, ķ num tŃo exiguo personagem que, principalmente, o Auctor
se dß a desenrolar aquella aventura, toda ella uma farńa de dolorosa
escravidŃo!
O mesmo sestro que levara Fialho a apolegar a gente miuda, por attingir
a expansŃo maxima do seu inegualavel empirismo de Arte, de semelhante
forma lhe pautou a soluńŃo da vida em riso, que a breve trecho e
involuntariamente derivava em farńa. Ainda mais, deliciou-se da uniŃo
dos elementos mais difficeis, como impossiveis atķ, quando, pelo drama
convulso da sua polypersonalidade, se deu a parabolar da vida real
o mundo imaginativo das suas extravagantes suggest§es de artista.
Dahi as phantasias, no genero daquellas, ao lado de outras em que
sobresaem mulheres como a _Madona do Campo Santo_, a quem dota da
galantaria e gestos nobres dos cysnes, figurinha de suave illuminura, e
que, mais ainda que do seu vicio de comer flores, elle parece alimentar
do pŃo azymo da sua Arte!
Mas nŃo nos antecipemos ß referencia que della nos deixou.
Reunamos os fragmentos da estatua da _Madona_:--½restos, diz o
Escriptor, da mais assombrosa esculptura que tem visto o mundo, e que,
soldados por agulhas de ferro, ornam hoje o tumulo de Judith.╗
[IMAGEM: Fotografia e assinatura de Fialho d'Almeida.]
Ora a _Madona do Campo Santo_, foi tambem uma das creań§es mais tratadas
pela suave idolatria de Fialho, e que elle, antes do apaixonado Albano,
se deu a estatuar numa hora de quasi divina loucura!
E nŃo ķ ainda casualmente que escrevemos da sua idolatria.
A verdade ķ que o grande Artista foi, alem de tudo, um pagŃo, embora por
fatalidade da sua arte de Extranho, por amor daquella Arte que ainda, de
egual maneira, o fez religioso ou, melhor, sectario de toda a Belleza,
como jßmais conhecemos outro.
╔ ver as paginas que dedica ß _Madona do Campo Santo_, ao lado de outras,
como as que abrem o _Paiz das Uvas_, e a admiravel _Symphonia_ da
_Cidade do Vicio_!
Em todas ellas, que de adoraveis espectros de faunos e de
sylphos:--creań§es phantasticas do genio mysterioso da grande
jornada humana immemoravel; e que a elle, ao Poeta, o levam a cantar (a
sua obra ķ ali um hymno)--um quasi amor contra a natureza, de tŃo
extravagante e brutal!
E, entretanto, ķ ainda ß ½vibratilidade dolorosa do sol╗ que elle
escreve e nos diz da ½vida allucinada╗ que lhe vae em roda.
Dahi, tambem, a sua litteratura, na apparencia difficil e desajustada,
como um romance da Mythologia, gritada de Evohķs, com palmas ß belleza e
ß ebriedade, pompas sem rito, casos de flora animada e fauna monstruosa,
com a sua multidŃo de satyros e dryades, formando junto a Baccho--o Deus
da boca fogueirada de risos, acaso os mesmos que, por vezes, parecem
tingir da sua cambiante algumas das paginas mais notaveis, ainda por
menos verosimeis, do transfigurador!
╔ dum folgo que se leem estas passagens que quasi nos suggerem a
esperanńa dum suave mundo de deuses reaes, pleno de sentido novo, e em
que exuberem, a esmo, os fructos, e cresńam divinamente os marmores!
Ora, dum tal poder de imaginańŃo, e influencia de tudo, facil nos ķ
derivar ao mais do seu _atelier_ de estatuario do Exquisito; e, mais
propriamente, ao caso da _Madona do Campo Santo_, a cujo proposito
trouxemos aquelles recursos.
A _Madona_ ķ, na verdade, uma das suas obras primas de mais justificado
renome:--typo de mulher-insecto, dentando flores, amando por instincto,
comendo com d¶r, tocada, ainda por uma razŃo de belleza, do susto humano
de morrer, gracil como uma ave, de resto frouxa e luarada como convinha
a uma creatura do outro mundo...
E tŃo deslocada f¶ra, tŃo doutro mundo ella era, que Fialho, querendo
apontar-nos, no final da novella, a estatua que da sua memoria desbastou
Albano, ķ assim que a descreve:
½Era uma maravilha unica de genio! Desabrochava completa, estendendo os
brańos para invocar Deus, por um assombro de equilibrio lanńada na
attitude de quem desprende v¶os, desennovelando-se da base como uma
labareda de sarńa, em zig-zags aķreos. Esse phenomeno de extranha
belleza, era ao mesmo tempo um prodigio de audacia, palpitava, falava,
sentia-se soffrer e respirar, como uma creatura.╗
Notavel trecho, de si eloquente atķ ao excesso, e bem de molde a
resuscitar a pobre Judith!
Entretanto, permitta-se-nos, ainda a tal proposito, um breve
parentheses, ou seja o glossario de faceis considerań§es, ß conta
da sua esculptura.
╔ tŃo somente para frisar que, ainda em Fialho, como para o mais dos
plasticos portuguezes, a estatuaria ķ sobretudo narrativa.
O marmore da _Madona_ nŃo ķ, effectivamente, um mero acaso da imaginańŃo
do contista; bem pelo contrario, estava na logica da sua educańŃo, pois
que lhe proveio directamente da mesma causa romantica, que ainda, ao
presente, determina o grande numero dos nossos estatuarios.
Ainda mais, o movimento liberal, que, entre n¾s, comeńou em 1820, deu ß
Arte portugueza um motivo de ornamentańŃo tŃo extranho como
detestavel,--a estatuaria rhetorica, se assim podemos defini-la e que,
de logo, comeńou a animar os nossos terreiros publicos, onde mais
ou menos todas as memorias discursam!
E, a tal ponto a nossa exuberancia de latinos, ligou ao gesto o seu
sentido de eternidade que, ainda hoje, reputariamos inverosimil, entre
n¾s, a estatua, ß maneira ingleza, como significado de mera presenńa,--a
figura-marco, tal como surde, nas prańas de Londres, menos como ficńŃo
de vida, do que, pelo contrario, como uma forma abstracta, e a que o
Artista procura dar sempre aquella attitude quasi sagrada que,
definitivamente, volve em symbolos as memorias!
Comtudo, dado o facto do supremo poder de Fialho, como plastico, forńa ķ
admittir que bem foi para a memoria de Judith a sua estatua, tal qual
elle a trabalhou, como todo o drama de que circumscreveu a sua
prodigiosa e raphaelesca figura, a cuja decomposińŃo, por fim,
assiste, indifferente, depois que ella, jß morta, de ½face marbreada de
roxo╗ e a ½expressŃo carrancuda╗ por lhe terem arrancado a
mascara,--comeńa a abater, da sua gracil e suave forma de noiva dos
½esponsaes da eternidade...╗
Finalmente, o ultimo conto das suas apontadas obras--_Os Pobres_,
comprehende um trecho curto, e, no entretanto, ainda mais notavel que os
anteriores.
E tŃo notavel que s¾ a custo poderemos desarticular essa singularissima
peńa de Arte, tal a selvageria que dß cohesŃo ß novella, concebida para
alem de todas as ficń§es litterarias!
Trata-se dum casamento de monstros numas ruinas, de ½duas virgindades
adormecidas╗, informa o narrador, que num momento vingam o amor
abstemio de tantos annos, e celebram, ß cumplicidade de uma noite
tenebrosa, o seu brutal noivado.
Elle, o macho, ķ um ser desprezivel, vivendo de restos, especie de
cyphotico, aleijado pelo lapis de Velasquez; valente pela sua vida de
carreira, ao ar livre; humilde; torto e forte como um azinho; animal
corrido de todas as mesas, piolhento que as raparigas enjeitam e
escarnecem nos ser§es:--figura, emfim, perdida no ½immenso irradouro╗
que ķ, para elle, o mundo.
Segue da Vidigueira para PedrogŃo ao acaso do vento, que o esfarrapa,
confundindo-o com a urze.
Leva-o o mesmo fim de sempre:--pedir, errar...
Vae por entre a esteva que o ańouta; ½o vento fala-lhe╗; e, no emtanto,
elle nada ouve, caminhando ß ventura, como um elemento deslocado da
mesma noite sinistra que o persegue...
Entra, por acaso, numa ruina, onde o guia primeiramente um resto de
brazido, depois um farrapo de orańŃo, que sae dum canto, por fim o
cheiro da femea, uma sombra que escabuja a seu lado, e, num momento,
desdobra para elle fios occultos de uma voluptuosidade instinctiva, toda
animal.
Elle presente-a; e ella fala-lhe, numa voz que ķ um r¶go, de que elle
nŃo sabe deslindar-se, atķ que comeńam de tecer-se novos fios do desejo
dos dois, do impulso mutuo que subito os impelle um para o outro, como
duas forńas dum mesmo systema que a luxuria move e dŃo de si o ruido de
corpos escamosos, ½rimando urros╗, diz o Artista, numa especie de
noivado de potestades, com ferezas e grunhidos de varrascos!
Tal o relato-impressŃo que do estupendo conto nos ficou, e pelo qual
chegamos, naturalmente, e, por ultimo, ao fim dos maiores recursos de
Fialho; e que, a partir deste momento, nos permittem averiguar da sua
obra em conjuncto, atravez das paginas exemplificadas, como daquelles
seus mais caracteristicos personagens.
Ora, o que, dumas e doutros, de logo se nota ķ que o mesmo titulo de
_Doentios_, que indica o seu primeiro livro, inculca tambem o grande
numero das suas figuras-motivos.
Entretanto, o que mal pode explicar-se, f¾ra do seu caso de rańa, ķ o
segredo da sua forma, ainda tŃo exoticamente plastica,--como o seu
grande conhecimento da Arte pairante alem-fronteiras, e que,
cumulativamente, exerceu de par dos m¾res diabolismos, ainda e sobretudo
ao pretexto da nossa comedia publica. Como quer que seja,
propositadamente guardamos, para final do presente estudo, a analyse
generica destes recursos, de que, jß agora, partiremos para a revoluńŃo
artistica que da sua penna levantou, sobretudo contra o pantano
classico, e rhetorica do momento.
A todos os formalismos, de facto, elle deu batalha, nŃo s¾ vencendo,
mas, mais ainda, trazendo ß Arte novas intenń§es, de par de melhores
impulsos e novos rumos.
Houve contemporaneos, como JoŃo de Deus e Bordallo, cujo inauditismo ķ
tanto mais para admirar, quanto mais occulta nos deixaram a sua razŃo de
Arte.
NŃo ķ este o caso de Fialho, cujo genio reagiu sobre uma cultura
intensa, procurada como num anceio de quasi exhaustańŃo.
Desde Balzac, o mais notavel dos mestres do pensamento novo, atķ aos
exquisitos Goncourts, lavrantes quasi diabolicos dos mil nadas mundanos,
apostolos da grańa, como do mais extravagante japonesismo litterario,
todos os grandes contemporaneos elle conheceu e estudou; do mesmo passo
que o seu espirito, com escala por todas as representań§es de
Arte:--museus, revistas, theatros, escolas, industrias de luxo, por todo
o espectaculo, emfim, onde houvesse que aprender,--se repartiu, talvez
menos por enriquecer-se dos seus ensinamentos, que por colher as
suggest§es que do seu interesse mais tarde desenvolveu.
Ora duma curiosidade de tal forma animada foi que, naturalmente, sahiu a
editar o melhor da sua obra, como tudo o que da sua sympathia pelo raro
elle poude discorrer atravez da sua dolorosa fadiga de
supersensibilizado!
Assim, tambem, talvez nenhum dos escriptores do seu tempo conseguisse
surprehender a Arte dos etherisados e extranhos cumes donde elle se deu
a vertiginß-la.
╔ ver as paizagens, quasi irreaes do seu lapis de crayonista; as suas
figurinhas hystericas de branda genealogia biblica; os seus aleijados;
as suas porcellanas, como todo o mundo phantastico da sua inegualavel Arte!
Tambem ķ de costume, tratando-se de Fialho, escrever do que vulgarmente
se considera a sua obra critica.
NŃo o faremos n¾s, ainda em attenńŃo ao criterio proprio de que Fialho
nŃo foi um critico, mas um impressionista.
E, a proposito, vem recordar o caso de Ramalho que, depois de uma vida
longa, perscrutando a canseira extranha, talvez menos pelo trabalho
de a corrigir que pelo vicio de a desfiar; depois duma fadiga insana por
ver do trabalho alheio, no proposito de deixar definitivas as suas
notań§es de pedagogo, sße, por fim, a desculpar-se, na pagina derradeira
do seu papel de critico, denunciando a publico a sua aspirańŃo atķ ahi
occulta,--imagina-se lß de que!--nem mais nem menos do que de poeta
lyrico...
E, comtudo, como ķ de estimar, a nova triste daquelle velho, figura
rigida de portuense, com suas tintas de trato inglez, escrevendo ß
garrocha no couro endurecido de Portugal do tempo, afinal sobre o motivo
constante e commum a todos os criticos,--ßcerca dos mais versateis casos
de gosto burguez!
Porque, fundamentalmente, foi o gosto burguez que elle tratou, embora
como uma especie de jogador de penna contra os cenaculos havidos
entŃo como tradicionaes, e de que um acaso de civilizańŃo o fizera
transfuga.
Entretanto, ķ bem de archivar aquella sua pagina de contrińŃo, ainda
como desfecho do seu ingrato mister. ╔ que, de facto, elle era um
artista, e dahi o ter vindo a publico indultar-se, como em final
provańŃo, dos seus canńados propositos criticos, se nŃo legar-nos, ß
hora da sua agonia litteraria, uma derradeira ironia...
Contrariamente outros dos seus melhores contemporaneos, e entre
todos:--Fialho, Eńa, Bordallo e ainda Junqueiro (a despeito da sua
escravidŃo politica)--haviam sido mais do que reformadores da
Arte,--seus verdadeiros revolucionarios, isto no melhor sentido da
desacreditada palavra.
Vejamos, a trańos rapidos, a acńŃo que de um tal confronto advem, pois
que obteremos, assim, a par da divergencia dos temperamentos de
maior interesse na vida artistica do tempo,--a sua systematizańŃo e um
fim commum, ou tenha sido a notavel revoluńŃo litteraria que das suas
provas resultou.
Comecemos por Bordallo, bem por certo, ainda hoje, o menos estudado.
Raphael Bordallo, que conseguiu tornar poderosa uma arte, entre n¾s
desacreditadissima, mercĻ da chusma dos habilidosos:--a Caricatura, foi,
de facto, o genio em bruto, um oleiro de amalgama, misturando, na sua
masseira de Jove do tempo, toda a sorte de civilizańŃo, por mais
desencontrada; trabalhando, ora de phantasia, ora dos seus apontamentos
de rua; e, finalmente, editando-se, tal como Fialho, ainda por seu
innato valor.
Eńa, talvez o de menos influencia, se bem que tambem o unico que
logrou admirań§es incondicionaes, foi, de facto, dentre todos, o menos
original, que nŃo o menos brilhante.
No seu _atelier_ nŃo faltou petrecho algum dos mais necessarios ao
arranjo dos seus livros de Arte, aliaz sempre duma belleza meditada, a
bem dizer medida, e em que perpassa todo um methodo opiado de ironias,
por entre as suas demais preoccupań§es de consciente marmorista e
penitenciario da prosa.
Finalmente, Junqueiro foi dentre as figuras litterarias do momento o
mais sagaz e ajustavel ß sua extranha confusŃo.
Por isso tambem, logo que appareceu, se fez mister consagrß-lo, de par
dos seus alexandrinos, ainda undisonos e revoados, ß Hugo, e que os do
tempo immediatamente se deram a ouvir, mais do que com attenńŃo devida a
uma obra de Arte, religiosamente, como se nas suas rolantes e
evocativas estrophes o Poeta orchestrasse a propria musica do mar...
Mas deixemos propriamente o caso da acńŃo politica por parte da gerańŃo
a que pertenceu Fialho para o vermos, a elle, tal como tem de ficar,
nessa outra revoluńŃo litteraria que sobreleva aquella, e ß qual devemos
mais attento exame.
Fialho foi, bem por certo, sob tal ponto de vista, o maior do seu tempo,
pois que realizou um verdadeiro revolucionario da Arte, que, partindo da
admirańŃo dos typos classicos, das paginas mais academicas, seguiu
directamente o filŃo popular, colhendo e escrevendo, sem o corromper, o
sentimento plebeu, sempre que este sentimento lhe poude expressar uma
verdade, ou refundir da phantasia situań§es e estados litterarios
novos.
E nŃo se imagine que, ainda no capitulo menos original e mais facil da
sua obra, como pamphetario, elle deixasse de mostrar os melhores
ensinamentos e boa fķ.
╔ ver o que nos diz duma possivel Lisboa monumental, ß sua maneira; dos
seus propositos de substituińŃo duma cidade ß moderna, como a
fizeram,--facil e incaracteristica,--por uma cidade-memoria!
Ainda mais:--antes delle creara-se uma especie de constitucionalismo das
Lettras, aliaz sempre, mais ou menos regradas ao gosto classico, o
que, de egual maneira, satisfazia leitores e auctores...
Ora Fialho foi um dos raros que, entre n¾s, com melhor ousio praticou o
direito da escripta a flux, sem medos, como sem os bardos aramados
da covencional Litteratura anterior.
Muito justas as suas paginas de theatro onde versou a nossa
miserabilissima flora dramatica, e onde nem sequer teve a descontar ß
auctoridade com que a viu a pecha dalguma vez a ter tentado. O que elle
nos diz dessas peńasinhas de acaso, que lß f¾ra seriam inverosimeis num
theatro de suburbio, e que, entre n¾s, tŃo facilmente sŃo alńadas,
segundo a categoria jornalistica ou politica dos auctores, a peńas de
grande effeito, por um publico, ßs vezes educado, mas sem coragem para
patear ou sahir a meio da semsaboria em que, por via de regra, nos
nossos palcos, as peńas decaem!
Da Hespanha do Sul, sua visinha, vimos como soube orchestrar a luz,
tanto do seu pincel, de par do mais da vida natural que, como ninguem,
teve o poder de aperceber.
Tambem elle, se vivesse em Hespanha, onde a sua intenńŃo revolucionaria
seria inopportuna, teria completado, talvez, o capitulo mais desfalcado
de quanto escreveu:--referimo-nos, sobretudo, ß sua maneira de tratar
figuras e seus demais esbońos de novellista.
Entre n¾s, dados os multiplices acasos da mesquinhez publica, que
affecta a nossa vida de livraria, e onde a maior parte dos auctores, de
olhos fitos na _coterie_, raro sabe trabalhar independentemente,--elle
que comeńou por demolir, e demolir _Ó outrance_, gastando, a paginas
plenas, talento e nervos, deixou-se, talvez, desviar, demasiadamente,
pelas reclamań§es que do seu valor o publico exigia; e dahi
aquellas faltas, de que, por fim, a visŃo clara da derradeira hora lhe
deu os mais angustiosos clar§es!
E, entretanto, se onde quer que estß, chega a memoria do que vae
passando,--com que surpresa ha de sentir (se lß ha surpresas) tudo isso
que para ahi ficou ap¾s de si!
╔ que, bem pķor do que no seu tempo, os Artistas sŃo hoje, para o grande
numero dos mentores officiaes, meras figuras de acaso, cujos agoiros
elles, os revolucionarios de hontem, por cautela, se dŃo a amordańar; e,
isto s¾mente, porque se nŃo perturbe a trońa a que a Nacionalidade
desceu,--ou seja uma ceia de politicos, pela cerrada noite f¾ra, que vem
de longe, e onde um teclado de dentes, instrumentando o desforńo de
fomes velhas, nem sequer deixa ouvir, por attenuar, a voz dos
_baccarats_...
Mas abandonemos, por uma razŃo de sensibilidade, a noticia do
inopportuno festim.
E pois que, sobre uma tal noite, acertou de baixar escuridŃo mais
tragica, a que ameańa de subverter a rańa, que, ainda por sua admiravel
fatalidade, terß de triumphar,--vamos n¾s inventariando tudo o que ao
presente de grande existe e futuramente possa servir-nos.
Ora, no extranho conjuncto da nossa obra escripta, jß hoje
extrema,--tĻem, como acabamos de ver, o maior interesse, as paginas de
Fialho, quer no seu valor intrinseco, quer pelo que representam em
confronto com os demais e alheios padr§es de Arte.
Uma obra, unicamente, elle nŃo teve de seu intento; e, conseguintemente,
nŃo logrou escrever, como a nŃo escreveram, talvez, por a supporem entŃo
menos necessaria, os que o precederam, e que, no entretanto, de
momento, se torna preciso, quanto antes, compor, ainda por servir
aquelle resurgimento.
Reportamo-nos, (quem ainda o nŃo sentiu?) ß falta de um _Manual de
Sensibilidade_, o que equivale a informar--duma nova Cartilha, com
destino ß futura mocidade portugueza, e onde caibam as delicadezas
porque sempre nos affirmamos, ainda atravez do mais accidentado da nossa
jornada historica; e que hoje, mais do que nunca de opportunidade ķ que
desde jß occupem quem, para alem de todos os sectarismos--sinta, mais do
que por si, pela Nacionalidade, a carinhosa obrigańŃo de as versar!
Trata-se, de resto, dum livro facil, pois que nos nŃo ķ preciso mais do
que editß-lo dum bem orientado sentido popular, ou seja do nosso velho
espirito de generosidade e isenńŃo, aliaz, de si, ainda latente,
quando nŃo expresso, na obra dos nossos maiores auctores,--tambem,
quanto a n¾s, os melhores, se nŃo, atķ hoje, os unicos interpretes da
verdadeira alma de Portugal.
_Ancede_, novembro de 1916.
[2] Propositadamente, e ß sua maneira, _pelas suas proprias
palavras_, e tambem ½como quem junta uma esculptura de bocados╗,
entendemos dever reunir, ainda por melhor o revelar, aquellas suas
mais entranhas e quasi confessadas caracteristicas.
[3] E nŃo se infira destes seus receios o argumento simplista da
improbabilidade do seu suicidio, pois que, muito ao contrario,
aquella versŃo pode denotar, quem o sabe? como que o seu
aprestamento, com as costumadas alternań§es de desespero
e intimidades com a Morte, de facto habituaes ß maior parte
dos que voluntariamente a provocam.
INDICE
I
Pag.
Cuba e Villa de Frades 7
II
A indole de Fialho 33
III
O Pamphletario 51
IV
O Artista 79
ACABOU DE SE IMPRIMIR
NA TIPOGRAFIA DA ½RENASCENŪA PORTUGUESA╗,
RUA DOS M┴RTIRES DA LIBERDADE, 178,
AOS 14 DE FEVEREIRO DE 1917.
End of Project Gutenberg's Fialho d'Almeida, by Visconde de Vila Moura
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Fialho d'Almeida
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Excerpt
The Project Gutenberg EBook of Fialho d'Almeida, by Visconde de Vila Moura
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— End of Fialho d'Almeida —
Book Information
- Title
- Fialho d'Almeida
- Author(s)
- Villa-Moura, Bento de Oliveira Cardoso, Visconde de
- Language
- Portuguese
- Type
- Text
- Release Date
- November 12, 2010
- Word Count
- 18,576 words
- Library of Congress Classification
- PQ
- Bookshelves
- PT Biografia, Browsing: Biographies, Browsing: Language & Communication, Browsing: Literature
- Rights
- Public domain in the USA.