The Project Gutenberg EBook of Descobrimento das Filippinas pelo navegador
portuguez Fernăo de Magalhăes, by Caetano Alberto
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Title: Descobrimento das Filippinas pelo navegador portuguez Fernăo de Magalhăes
Author: Caetano Alberto
Release Date: June 26, 2009 [EBook #29243]
Language: Portuguese
Character set encoding: ISO-8859-1
*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK DESCOBRIMENTO DAS FILIPPINAS ***
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_CAETANO ALBERTO_
DESCOBRIMENTO
DAS
FILIPPINAS
PELO NAVEGADOR PORTUGUEZ
FERNĂO DE MAGALHĂES
_Ediçăo illustrada_
LISBOA
EMPREZA DO OCCIDENTE
Largo do Poço Novo
1898
DESCOBRIMENTO DAS FILIPPINAS
_CAETANO ALBERTO_
DESCOBRIMENTO
DAS
FILIPPINAS
PELO NAVEGADOR PORTUGUEZ
FERNĂO DE MAGALHĂES
_Ediçăo illustrada_
LISBOA
EMPREZA DO OCCIDENTE
1898
_Á memoria de seu tio_
O CAPITĂO
Paulo Antonio da Rocha
_O. e D._
O Auctor.
I
_Primus circumdidisti me._--Foste o primeiro que me circumdou.--Foi esta
a divisa que Carlos V, o imperador, escreveu na esphera que encimou o
brazăo de Sebastiăo de Elcano, o afortunado piloto castelhano, que do
mar do sul trouxe a S. Lucar de Barrameda, a nau _Victoria_, com a
noticia da descoberta das ilhas Mariannas, tendo dado a volta ao mundo.
Afortunado chamámos a Sebastiăo de Elcano, e que maior fortuna que
colher os loiros que deviam cingir a fronte de outro, a quem a sua má
estrella lhe anoitou a existencia depois de o ter guiado á victoria!
E que outro podia ser que um portuguez a devassar os mares, a circundar
o globo?!
Que de emprezas arrojadas; que de feitos d'armas; que de acçőes
generosas; que de progressos das sciencias se poderăo apontar na
historia, que năo encontreis á sua frente primeiro entre os
primeiros:--o portuguez.
Ah! que até chego a duvidar se estou acordado ou sonhando, quando ouço
para ahi tanto pessimismo a amesquinhar o nosso valor, a duvidar, a
descręr de nós proprios!
Năo ha talvez outro exemplo de uma nacionalidade assim!
Tăo grande; tăo prestimosa; tăo brilhante, que o seu nome está escripto
no mundo inteiro, pelos mares, nas ilhas, nos continentes, nos mais
reconditos sertőes e até nos astros--como adiante veremos--e que tăo
pouco julgue de si; tendo-se por fraca quando tanto é o seu valor;
julgando-se pobre quando é tăo rica, que tem dado prodigamente a outros
e tanto ainda lhe resta para si; que tendo uma historia tăo gloriosa
como outra năo ha, pense que năo é d'ella que ha-de viver, como se fosse
uma Roma cahida, que já năo tem a girar-lhe nas veias o mesmo sangue com
que escreveu essa historia!
Mas entăo o que valem os feitos dos nossos soldados, que ainda nos
principios d'este seculo se batiam e levavam de vencida as legiőes do
primeiro capităo, que avassalava o mundo com a sua espada e que veio
encontrar, n'este recanto da peninsula, os primeiros revezes da guerra
que o levaram por fim a Santa Helena:--O grande Bonaparte!; mas que
valem, em nossos dias essas victorias alcançadas em Africa; que
dispertam a admiraçăo do mundo; que significa ainda o triumpho que
n'este momento as armas portuguezas estăo alcançando na Oceania?; o que
vale o resurgir das nossas artes, que văo honrar o nome portuguez nos
certamens onde concorrem os artistas de todo o mundo, como agora, em
Berlim; que gloria nos vem de um dramaturgo portuguez Pinero (Pinheiro),
em Inglaterra, alcançar os maiores triumphos nos theatros de Londres, e
das suas peças percorrerem toda a America; para que orgulhar-mo-nos dos
Luziadas que é um poema eterno porque canta as glorias de um povo de
guerreiros e de navegadores; para que serve a expansăo d'este paiz
pequeno, cujos seus filhos affirmam a victalidade da patria pelas cinco
partes do mundo, em colonias tăo importantes como as da America, da
Africa, da Oceania e da Asia; que importancia tem os nossos homens
scientificos que se distinguem nos congressos onde se reunem as
summidades da sciencia; o que quer dizer essa lucta da industria
portugueza a medir-se com as industrias de outros paizes mais
adiantados, supprindo as necessidades de um povo civilisado a que a má
administraçăo das suas finanças acarretou uma crise economica; o que
importa o renascimento de um paiz que em meio seculo tem realisado todos
os progressos que o aproximam das naçőes mais cultas?
Serăo proprios de uma raça degenerada, de um paiz perdido, de uma
civilisaçăo extincta, todas estas manifestaçőes de vida, affirmaçőes de
força, de lucta pela existencia, sob um sol creador, n'uma terra
uberrima, que se desentranha em fructos, que encerra thesouros, em suas
minas, fertilisada por abundantes rios, que tem tudo que ha em outros
paizes e mais o que elles năo teem, que é rica, emfim, de todos os bens
que a natureza possue e que Deus parece ter reunido aqui como no paraizo
terreal!
E para que foi que este povo, achando-se apertado no solo que as suas
espadas conquistaram, se aventurou aos mares a alçar a sua bandeira em
terras até entăo desconhecidas, levantando imperios na India e na
America, avassallando novos mundos onde a familia portugueza póde viver
como na patria porque săo patria tambem de portuguezes.
Mas basta. Năo ennumeremos mais o que deveria estar na lembrança de
todos os filhos de Portugal, o que nunca deveriam esquecer, porque é
esquecerem-se da sua nacionalidade, do que prova a sua existencia e
autonomia, do que dá razăo da sua vida atravez de todas as vicissitudes
porque tem passado.
Pois quę! se Portugal năo fosse um élo importante da cadeia que liga a
grande familia da humanidade, teria resistido aos embates da sorte que
tantas vezes o hăo experimentado?
Se elle năo tivesse concorrido tăo bastamente para a civilisaçăo que o
mundo disfructa, como teria atravessado por entre os seculos e luctado
contra as ambiçőes de extranhos que tentaram apagar dos mappas as linhas
que demarcam as suas fronteiras!
A Polonia succumbe sob o grande collosso porque a sua nacionalidade năo
coopera na transformaçăo porque o mundo passa ao sahir da idade media; o
mesmo acontece á Hungria. Veneza cahiu quando as novas descobertas
empanam o brilho da sua navegaçăo e do seu commercio.
Portugal existe e vive porque o ciclo da civilisaçăo de que elle lançou
os primeiros segmentos ainda năo se fechou.
II
Que serie de heroes encontramos ao folhear da historia, desde os que
tentam as primeiras descobertas geographicas até os que fundam imperios
como Affonso de Albuquerque.
Como as prôas das naus portuguezas foram deliniando, na immensa tabola
do Oceano os fundamentos da civilisaçăo moderna.
Os argonautas precedem os venezianos nas suas viagens; o scandinavo Leif
Erik descobre tres seculos antes de Colombo a America do norte e os
noruegueses estabelecem-se na Islandia; Roger Bacon e o cardeal Pedro
d'Ailly esboçam os primeiros deliniamentos geographicos, mas tudo isto é
nebuloso no espirito dos navegadores e cosmographos do seculo XV e faz
crescer a vontade de conhecer os caminhos do mar, para chegar áquellas
regiőes mysteriosas de que se contavam historias da Fabula.
Christovăo Colombo e Amerigo Vespucci estudam e fazem calculos para
achar o caminho do Oriente de que falla Marco Polo, e o aventuroso
genovez despresado na sua patria vem offerecer a Portugal os seus
serviços e pedir-lhe naus para ir á descoberta, mas năo é mais feliz nas
suas pretençőes do que o fôra na Italia.
Já Portugal entăo andava tambem empenhado n'essas emprezas, e o immortal
infante D. Henrique lançava, na supposta eschola de Sagres, as bases das
grandes navegaçőes e descobertas que iam seguir-se.
Ali se planeava a grande revoluçăo geographica que se ia operar e que
seria o fóco de novas revoluçőes, nas sciencias, nas artes e no
commercio, o prologo d'esta civilisaçăo que hoje nos maravilha.
Vasco da Gama, mais feliz do que Colombo encontra o caminho da India. Os
seus marinheiros vencem os mares tenebrosos e quebram o encanto das
sereias que se rendem ás suas cançőes maritimas; o indomito Adamastor
respeita tăo grande audacia e deixa passar adiante a frota que entra
alfim no Oceano Indico.
Depois que serie de descobertas se succedem; que trabalho de civilisaçăo
de novas gentes se enceta.
Os nossos arsenaes apparelham, sem cessar, naus e caravellas para novos
emprehendimentos. Desenvolve-se a febre da navegaçăo; cada portuguez é
um navegador. Portugal quasi se despovoa para ir povoar novas terras
onde leve a luz da nova civilisaçăo.
Os seus capităes văo continuar para além do Atlantico a sua obra de
conquista principiada em Ourique. Eram ainda o mesmo peito d'aço, o
mesmo braço esforçado. A flôr da mocidade adiantava-se; os que ficavam
tinham inveja dos que partiam. Vieram as emolaçőes, as intrigas da
côrte, os despeitos, e quantos d'isto foram victimas, os maus, os bons.
Houve, porém, um homem na côrte de D. Manuel, mais audaz, por ventura
que outros, que acariciava a idéa de dar a volta ao mundo por mares
ainda năo devassados de europeus.
Era a idéa predominante no espirito dos navegadores achar a passagem
para o mar do Sul que incurtaria o caminho para a India.
Colombo já o pensára, Balboa estivera a ponto de o realisar, mas o
Destino tinha escripto no seu insondavel livro que seria a um portuguez
que caberia essa gloria: e esse portuguez, esse homem da côrte de D.
Manuel;--foi Fernăo de Magalhăes, que quizera enflorar na corôa de
Portugal uma nova joia de alto valor, mas que o mesmo Destino quiz que a
fosse engastar na Corôa de Castella!
III
Năo é proprio dos espiritos aventurosos medir as suas acçőes pelas
regras da prudencia e da boa razăo; se assim năo fôra deixaria de haver
a aventura para só prevalecer a fria reflexăo, o que tanto monta como o
mundo ter avançado metade do caminho precorrido nos progressos da
humanidade: _Audentes fortuna juvat._
Năo se esperem aventuras donde só dominar a intelligencia sem participar
o coraçăo. Os productos da primeira serăo admirados e respeitados, mas o
que o segundo produzir ha-de espantar e maravilhar.
Raro se reunem estas qualidades e por isso, quando se encontram em um só
homem, esse homem será um heroe, porque encherá de beneficios a
humanidade.
Comtudo năo menos raro é, que a esses homens de espirito e coraçăo
privilegiados, a humanidade tenha aberto os braços antes de lhe mover
uma guerra de morte. Porque elles vęem mais longe que o vulgar dos
espritos, advinhando o que outros năo comprehendem, săo sempre o alvo da
inveja dos maus a espicaçar a aversăo dos nescios.
É por isso que em todos os tempos a intriga tem envolvido os grandes
homens, deturpando-lhe as intençőes, maculando-lhe o caracter,
desfazendo de seus meritos, pretendendo annular-lhe as suas obras.
Quantas vezes os ferros de el-rei arroxearam os pulsos dos seus melhores
servidores; quantas o desgosto matou homens a quem a posteridade tem
levantado monumentos!
N'este labyrinto da Historia, que os historiadores nem sempre tem podido
espurgar das paixőes, quăo difficil é apreciar com justiça o caracter
dos homens que n'ella mais preponderam por suas acçőes e influencia.
É n'esta difficuldade que nos encontrâmos para definir nitidamente o
caracter de Fernăo de Magalhăes, avaliando as rasőes que o levaram a
deixar a patria e o serviço do seu rei, pelo serviço do imperador das
Hespanhas, por um paiz que era o emulo de Portugal, nas conquistas e
descobertas.
É fóra de duvida que Fernăo de Magalhăes deveria ter um caracter
independente e ousado, porque outro năo se compadecia com o seu espirito
aventuroso; que esse caracter năo seria facilmente maleavel como năo se
amoldaria ás adulaçőes e hypocrisias da côrte, parece seguro; mas viria
só d'isto o desagrado em que cahiu para com el-rei D. Manuel?
Seria Fernăo de Magalhăes mais ambicioso que outros, o que năo é para
admirar, visto que o seu espirito se dilatava tanto pelo que outros năo
viam, e essa ambiçăo miraria mais á gloria do que ao interesse material?
Qualquer das duas seria o bastante para o malquistar com os camaradas e
com os cortezăos.
É certo que um dos motivos de desgosto de Magalhăes foi el-rei
desattender-lhe o pedido de augmento de pensăo, ao voltar de Azamor,
onde combatera valentemente contra os moiros ao lado de Joăo Soares e
onde fôra ferido em uma perna, de que ficou coxeando; mas se o augmento
pouco valia monetariamente, sobrava-lhe em importancia moral porque,
como diz Faria e Sousa, na _Asia Portugueza_: «Subir cinco reaes em
dinheiro, é subir muitos graus em qualidade», e Lafitau na _Europa
Portugueza_: «... crescer aqui um real é crescer muito em opiniăo».
IV
Quando isto succedeu já Fernăo de Magalhăes havia illustrado o seu nome
em Africa, tendo feito parte de tres expediçőes, que de Lisboa partiram
para aquelles paizes.
A primeira d'essas expediçőes foi a de 25 de março de 1505, sob o
commando de D. Francisco d'Almeida. N'ella se alistou Fernăo de
Magalhăes, contando 25 annos de idade, pois, segundo parece, nascera
pelos annos de 1480,[1] deixando os commodos da côrte, onde, segundo diz
Argenzola, na _Historia de las Malucas_ e _Anales de Aragon_, era pagem
da rainha D. Leonor e d'el-rei D. Manuel. Preparou-se Magalhăes, tanto
com as coisas espirituaes como materiaes, para a perigosa viagem,
conforme o costume dos tempos. Confessou-se e sacramentou-se e fez
testamento, em Belem, a 19 de dezembro de 1504, em que transparece o
animo com que o testador se achava para as grandes emprezas, pois
recommenda n'aquelle documento--segundo dá fé Diego de Barros Arana, na
_Vida e Viagens de Fernăo de Magalhăes_,[2]--a sua irmă D. Thereza de
Magalhăes, que institue herdeira do seu patrimonio como parente mais
proximo, casada com Joăo da Silva Telles, gentilhomem da côrte e senhor
do castello de Pereira de Sabrosa, que transmitta o seu appellido
juntamente com o seu brazăo d'armas a seus herdeiros.
Em 1508 encontrava-se já Fernăo de Magalhăes em Lisboa de volta
d'aquella viagem. Havia tomado parte com Nuno Vaz Pereira nas guerras da
Costa Oriental da Africa para submetter aquelles povos á soberania de
Portugal, como era necessario para a submissăo das possessőes da India.
Năo nos transmitte a historia os feitos d'armas que elle praticou n'esta
viagem; é comtudo certo que ella lhe serviu, como as subsequentes, para
alargar os seus estudos geographicos, como affirmam todos os escriptores
que de Magalhăes se tem occupado.
A segunda viagem encetou-a Fernăo de Magalhăes em 5 de abril de 1508,
partindo de Lisboa na frota de Diogo Lopes de Sequeira, composta de
quatro naus, com objecto de novas descobertas e conquistas no Oriente.
Malaca era uma das terras mais cubiçadas pelas riquezas que tinha, e
Sequeira ia encarregado de estabelecer relaçőes com aquelle povo.
A viagem foi bem succedida até Madagascar, mas, proseguindo para Ceylăo,
um grande temporal obrigou os navios a arribar a Cochim, onde residia o
vice-rei da India D. Francisco d'Almeida. Aqui augmentou Sequeira a sua
frota com mais um navio e a guarniçăo com mais 60 homens, largando de
Cochim a 18 de agosto de 1509.
Chegou Diogo Lopes de Sequeira a Malaca depois de ter reconhecido a ilha
de Sumatra. Foi, porém, desgraçado o fim d'esta viagem, porque os
malayos, que a principio receberam bem os portuguezes, năo tardou muito
que conspirassem contra os nossos, tentando assassinar Sequeira,
tentativa de que Magalhăes teve conhecimento e conseguiu frustrar, assim
como com esforçado valor defendeu seus companheiros de morrerem
traiçoeiramente ás măos d'aquelle povo, salvando quantos poude dos que
se encontravam em terra. Entre estes nomea-se Francisco Serrano, ou
Serrăo, seu companheiro e, parece, parente.
Sequeira voltou para a Europa no melhor navio da frota, tendo mandado
queimar dois por falta de gente para os tripular, e ordenando que os
outros officiaes e resto de tripulaçăo fossem para Cochim nos dois
navios restantes, d'onde depois seguiriam para Portugal.
Assim se observou; porém, a má sorte quiz que os navios se perdessem no
archipelago de Laquedivas, desfazendo-se nos recifes de Padua, logrando
salvar-se a tripulaçăo para um ilheu deserto, esperando passar a terra
povoada.
N'esta conjuntura revela-se a grandeza de animo e o coraçăo generoso de
Fernăo de Magalhăes, porque, embarcando-se os seus companheiros nas
lanchas para procurarem terra hospitaleira, elle se ficou com os
restantes correndo o risco de, embora perecer, mas nunca os abandonar.
Assim esperou que os companheiros lhe enviassem o auxilio necessario, e,
chegado elle, se passou a Cananor, onde encontrou Affonso de
Albuquerque, que ia de viagem para Ormuz com gente de guerra a dilatar
suas conquistas na Persia e seguir até o mar Roxo e Egypto.
Recebeu Affonso de Albuquerque a Fernăo de Magalhăes e aos companheiros,
que embarcou em sua armada, os quaes o ajudaram a submetter Goa e a
dominar a costa de Malabar, e depois a tentar nova guerra contra Malaca,
que é um dos feitos mais gloriosos das armas portuguezas no Oriente e o
inicio de novos descobrimentos como os das ilhas de Banda e das Molucas,
centro das ricas e procuradas especiarias.
No regresso d'esta viagem (1512), em que tanto se distinguiu Fernăo de
Magalhăes, teve este em recompensa de seus serviços o cargo de moço
fidalgo do paço, com a pensăo de mil réis mensaes com moradia. Esta
pensăo lhe foi melhorada pouco tempo depois, o que muito lhe
accrescentou o valor e importancia na côrte, como se deprehende dos
documentos achados por Muńoz no archivo de Lisboa.
A recompensa dada por el-rei D. Manuel a Fernăo de Magalhăes foi
incentivo bastante para o bravo portuguez voltar á guerra, procurando na
sorte das armas augmentar o lustre do seu nome já entăo galardoado.
Na Africa feria-se uma guerra contra mouros que se batiam denodadamente
com os portuguezes. Năo menos que para a India se dirigiam as vistas do
rei afortunado para aquelle campo das nossas conquistas, e assim mandou
aprestar uma grande armada, composta de quatrocentos navios,--segundo
diz Faria e Sousa, na sua _Africa Portuguesa_,--em que embarcou dezenove
mil homens de guerra, sob as ordens de seu sobrinho D. Jayme de
Bragança.
N'esta armada partiu Fernăo de Magalhăes, emprehendendo a sua terceira
viagem, em 1513; e năo foi esta menos gloriosa para o seu nome que as
duas primeiras; pois que combatendo ao lado de Joăo Soares contra
aquelles povos semi-barbaros, occupou a praça de Azamor e defendeu-a
valorosamente contra as tropas dos reis de Fez e de Mequinez. N'esta
guerra se excedeu tanto em valor que, a par do ferimento que recebeu em
uma perna, de que ficou coxeando, lhe foi dado o posto de
quadrilheiro-mór, ou capităo de uma companhia; e perseguiu de tal modo
os mouros que aprisionou oitocentos e noventa d'estes e duas mil cabeças
de gado.
Segundo diz Barros, esta façanha foi origem de desgostos para Fernăo de
Magalhăes, porque na repartiçăo da presa levantaram-se tantas
reclamaçőes e intrigas que chegaram aos ouvidos de el-rei D. Manuel,
indispondo este monarcha contra o heroe de Azamor.
Quanto de inveja e de mal soffridas ambiçőes andariam n'isto, é o que
năo podemos affirmar; mas, a julgar pelos resultados, mui negras deviam
ser as côres com que apresentaram a el-rei o quadro do procedimento de
Magalhăes, para que este, depois de se justificar com documentos,
provando a falsidade das arguiçőes ainda assim năo conseguisse
recompensa regia dos seus serviços e ainda menos perdăo da supposta
culpa.
Ouçamos o que sobre este ponto diz Gaspar Correia, nas suas _Lendas da
India_, n'aquella linguagem do tempo, e que vamos transcrever quanto
possivel approximada e intelligivel para a maioria dos leitores de
agora. «... Fernăo de Magalhăes, vindo ao reino, allegando a el-rei seus
serviços, pediu em recompensa lhe accrescentasse cem réis de moradia por
mez, o que el-rei lhe denegou, por năo cahir em sua graça, ou porque
estava destinado que assim havia de ser. Fernăo de Magalhăes, aggravado,
porque muito o pediu a el-rei e elle lh'o năo quiz fazer, lhe pediu
licença de ir viver para quem lhe fizesse mercę e alcançasse mais
fortuna que com elle, ao que el-rei lhe disse, fizesse o que quizesse, e
lhe quiz beijar a măo e el-rei lhe a năo quiz dar.»
Năo se pense d'aqui que a pureza dos costumes do tempo fosse tal que,
admittindo que Magalhăes fosse menos escrupuloso no seu procedimento,
năo lhe pudessem ser levados em conta os serviços prestados ao reino,
para lhe attenuar a falta; porque é certo que a outros, năo mais
prestantes nem menos ambiciosos, a munificencia do rei encheu de honras
e prebendas, apesar das faltas commettidas.
As injustiças săo de todos os tempos, sem que por isso se deva sempre
condemnar quem as comette; porque muitas vezes săo involuntarias e
apenas resultado de tramas bem urdidos por terceiros.
Foi, provavelmente, o que aconteceu com Fernăo de Magalhăes, que tanto
se sentiu de ver-se injustamente desattendido, que renegou da sua
nacionalidade de portuguez para offerecer os seus serviços a Castella.
Năo se fala da lucta que elle travaria comsigo mesmo para levar a cabo
esta resoluçăo; mas é bem de suppôr seria enorme, se tivermos em vista
quanto devia repugnar a um portuguez o trocar a sua nacionalidade pela
de uma naçăo, que sempre nos disputou a supremacia, quer nas conquistas
e descobrimentos, quer na absorpçăo d'esta gloriosa patria portugueza.
Enorme lucta, sem duvida, a que se levantou no espirito de Fernăo de
Magalhăes; mas como resistir-lhe, se essa resistencia seria a annullaçăo
dos seus planos audaciosos, que năo eram a satisfacçăo de um capricho,
vaidade impertinente, ou ambiçăo injusta.
O escudo das suas armas ia ser picado, o nome da sua familia execrando,
apontado ao desprezo; e elle estimava tanto os pergaminhos de seus
antepassados, o seu nome, a sua patria, que, ao apartar-se d'ella pela
primeira vez, recommendara a seus herdeiros, nas desposiçőes
testamentarias, que lhe guardassem o seu escudo de armas e o
transmitissem aos seus descendentes.
Enorme lucta, sem duvida; mas ainda maior que essa lucta era o ideal de
Fernăo de Magalhăes, que antesonhava o grande progresso geographico que
realizaria com a sua viagem de circumnavegaçăo do globo, prestando ao
mundo um alto serviço e cobrindo o seu nome de tanta gloria, que
faltando á religiăo da patria, ella năo se deshonraria a final de o ter
por filho.
Deshonra e vergonha seria se Fernăo de Magalhăes houvesse cruzado os
braços ante a injustiça dos homens, rojando-se submisso aos pés de um
throno que o desprezava. Encontrando-se com animo para a audaz empresa
que planeava, pouco lhe devia importar o ser portuguez ou de outra
qualquer nacionalidade; essa preoccupaçăo seria futil no meio da sua
grandiosa obra. Elle tinha fatalmente que realizar os seus planos. Se a
patria lhe negava os meios de os levar a effeito, elle iria por esse
mundo fóra procural-os até encontrar quem lh'os facultasse; e foi e
encontrou!
Se para a Hespanha Fernăo de Magalhăes conquistou terras, para Portugal
conquistou a gloria do seu nome. Essas terras poderăo um dia deixar de
ser de Hespanha; mas a gloria do nome de Fernăo de Magalhăes é que nunca
deixará de ser de Portugal!
[1] Năo está bem determinada a data do nascimento de Fernăo de
Magalhăes; é, todavia, certo que elle nasceu na aldeia de Sabrosa,
de Traz-os-Montes e que seu pae se chamava Pedro, sendo da quarta
nobreza de Portugal, ou fidalgo de cotta d'armas e geraçăo que tem
insignias de nobreza, tendo a sua familia escudo d'armas
enxequetado, ou em quadradinhos como taboleiro de xadrez.
[2] Este testamento só foi conhecido em 1855, segundo diz Arana, que
d'elle teve conhecimento por uma copla de Ferdinand Diniz, que a
houve de um herdeiro de Magalhăes.
V
Mediaram cerca de tres annos entre os successos que levaram Fernăo de
Magalhăes a renegar a nacionalidade portugueza, e a sua entrada em
Sevilha a 20 de outubro de 1517.
Este tempo consumiu-o em estudos de cosmographia e nautica, escrevendo
tambem a sua obra em castelhano sobre as terras que tinha visitado, á
qual deu o titulo: _Descripcion de los reinos, costas, puertos e islas
que hai en el mar de la India oriental i costumbres de sus naturales: su
gobierno, religion, comercio i navegacion, i de los frutos i efectos que
producen aquellas vastas regiones, con otras noticias mui curiosas;
compuesto por Fernando Magallanes, piloto portuguez que lo vio i anduvo
todo._
Esta obra nunca foi publicada, apesar d'isso extrahiram-se d'ella
algumas copias, que alteraram muitos pontos essenciaes das viagens de
Magalhăes, o que bastante deprecia o seu conhecimento, e Diego de Barros
Arana, diz que viu em Madrid uma d'essas copias, de letra do seculo XVI
que possuia o erudito bibliophilo D. Paschoal de Gayangos.
Aos estudos que Fernăo de Magalhăes fazia, ora em Lisboa ora no Porto,
onde tinha mais persistencia, reuniu o conhecimento de Ruy ou Rodrigo
Faleiro da Covilhă, que segundo diz Oviedo, na sua _Historia jeneral de
las Indias_, era homem de grandes conhecimentos de cosmographia,
astrologia e outras sciencias. Faleiro foi de grande auxilio para
Magalhăes porque comprenetrando-se do seu pensamento e dos seus planos
associou-se calorosamente á empreza, juntando-se-lhe Francisco Faleiro,
irmăo de Rodrigo e que tambem era homem sabido em coisas de nautica.
Magalhăes já năo se encontrava sosinho com a sua idéa, e isto mais o
animou a proseguir, nos meios de levar á pratica o audacioso plano.
Sem navios nem meios para os adquirir e aprestar, sem nada poder esperar
do rei que o despresara, tinha fatalmente que recorrer a Castella, tanto
mais, que para realisar a sua viagem, năo querendo abeirar-se de terras
portuguezas, precisava tocar em terras sujeitas á Hespanha e onde năo
era permittido estabelecer trafico sem auctorisaçăo do rei de Castella.
A Carlos V ia offerecer os seus serviços e descobrir os seus planos,
pedindo que lhe fornecesse os meios de os realisar. Mais tarde havia de
Camőes cantar, nos seus immortaes Luziadas, os feitos de Magalhăes:
Eis-aqui as novas partes do Oriente,
Que vós outros agora ao mundo daes,
Abrindo a porta ao vasto mar patente,
Que com tăo forte peito navegaes.
Mas é tambem razăo, que no Ponente
D'um Lusitano um feito ainda vejaes,
Que de seu Rei mostrando-se aggravado,
Caminho ha de fazer nunca cuidado.
Vedes a grande terra, que contina
Vae de Callisto ao seu contrario polo,
Que soberba a fará a luzente mina
Do metal, que a côr tem do louro Apollo;
Castella, vossa amiga, será digna
De lançar-lhe o collar ao rudo collo:
Varias provincias tem de varias gentes,
Em ritos e costumes differentes.
Mas cá onde mais se alarga, ali tereis
Parte tambem c'o pao vermelho nota:
De Sancta Cruz o nome lhe poreis;
Descobril-a-ha a primeira vossa frota.
Ao longo d'esta costa, que tereis,
Irá buscando a parte mais remota
O Magalhăes, no feito com verdade
Portuguez, porém năo na lealdade.
VI
Abandonando a patria e o rei, que tăo mal apreciara os seus serviços,
Fernăo de Magalhăes se foi a Sevilha, onde, ainda antes, talvez, de
tratar dos negocios da sua empreza, se lhe prendeu o coraçăo a uns olhos
negros e pestanudos de uma gentil sevilhana, D. Beatriz, filha de Diogo
Barboza.
O bravo soldado que combatera na India e na Africa; o arrojado navegador
que dominara a porcella e queria devassar ignotos mares que a espada de
Balboa havia desafiado, como diz Alexandre de Humboldt--«com a espada na
măo mettia-se á agua até aos joelhos, e pensava apossar-se do mar do sul
em nome de Castella»--o heroe de Azamor, o homem forte que só parecia
viver para a audaz empreza da circumnavegaçăo do globo, rendeu-se aos
encantos de uma mulher, que soube conquistar-lhe o coraçăo e a quem
elle, pouco tempo depois de ter chegado a Sevilha, dava a măo de esposo.
Tambem d'este enlace lhe veio auxilio para os seus planos, porque Diogo
Barbosa, sogro de Fernăo de Magalhăes, era, como diz Gaspar Correia:
«... homem principal, que sabia navegar no mar, porque era muito
entendido na arte de piloto e era _esperico_--o que quer dizer
_spherico_ ou cosmographo, que sabe da _sphera_.
Effectivamente, segundo Faria e Sousa, na _Asia Portugueza_ e Lafitau na
_Histoire des découvertes et conquetes des portugais_, Diogo Barboza
fizera parte de uma grande expediçăo que el rei D. Manuel mandou aos
mares da India, em 1501, indo capitaniando um dos navios da frota de
Joăo da Nova, a qual derrotou uma esquadra de mouros que traficavam em
Calcuta e descobriu as ilhas da Conceiçăo e de Santa Helena. Este Diogo
Barboza deixou o serviço de Portugal e se foi a Castella, onde encontrou
protecçăo em D. Alvaro de Portugal, que havia passado aquelle paiz,
quando seu irmăo, o duque de Bragança foi decapitado em Evora por ordem
de El-rei D. Joăo II (1483). D. Alvaro foi recebido pelos reis
catholicos como parente, e lhe deram todas as honras inherentes a tăo
alto personagem, confiando-lhe os cargos de presidente do conselho dos
reis e de alcaide do alcaçar de Sevilha, segundo diz Lopez de Haro, no
_Nobiliario de Espańa_ e Ortiz de Zuniga, nos _Anales de Sevilla_.
Tăo alta protecçăo teve a sua influencia em Barboza, que foi elevado a
commendador da ordem de S. Thiago e logar tenente do alcaide do alcaçar
de Sevilha, e assim collocado, casou com a filha de uma das principaes
familias de Sevilha, D. Maria Caldeira.
Viveu Fernăo de Magalhăes com esta familia durante o tempo que esteve
n'aquella terra e d'ahi lhe veio proveito, porque alem da protecçăo do
sogro travou relaçőes com Duarte Barboza sobrinho de Diogo, que tambem
viajara para a India e explorara aquelles mares, como prova a relaçăo
das suas viagens, publicada, em parte, na, _Navigazione e viaggi_, do
colleccionador italiano J. B. Ramusio, publicado em 1554, e completa, na
_Collecçăo de noticias para a historia e geographia das naçőes
ultramarinas_, publicado em Lisboa, em 1813.
Como se vę, Fernăo de Magalhăes ia juntando elementos de estudo que lhe
aproveitavam, ao mesmo tempo que alcançava boas protecçőes para levar a
cabo a sua empreza.
Assim se dirigiu em Sevilha, a uma casa chamada da contrataçăo em que se
tratavam os negocios maritimos e a que Gaspar Correia se refere nas suas
_Lendas da India_: «Em Sevilha tinha o imperador a casa da contrataçăo,
com regedores da fazenda que tinham grandes poderes e trafego de
navegaçăo e armadas. Fernăo de Magalhăes forte de seu saber e com muita
vontade de anojar el-rei de Portugal, tratou com os regedores da casa da
contrataçăo e disse-lhes: que Malaca e Moluco, ilhas que creavam o
cravo, eram do imperador pelas demarcaçőes que entre ambos havia e por
isso el-rei de Portugal năo tinha direito de possuir estas terras: e que
isto elle sustentava em presença de quantos doutores que o contestassem,
pelo que obrigaria a sua cabeça. Os regedores lhe responderam que sabiam
bem que elle fallava verdade; mas que o imperador năo mandava lá seus
navios, porque năo podia navegar em mares da demarcaçăo de el-rei de
Portugal. Ao que, lhes disse Fernăo de Magalhăes: Se me derdes navios e
gente eu navegarei para lá sem tocar em mar ou terra de el-rei de
Portugal. E se assim o năo fizesse lhe cortassem a cabeça. Os regedores
muito satisfeitos assim escreveram ao imperador o qual lhes respondeu
que sentia prazer com o dito e muito mais sentiria com o feito: que tudo
fizessem os regedores, guardando o seu serviço e as coisas de el-rei de
Portugal, em que năo tocassem e antes tudo se perdesse. Com esta
resposta do imperador fallaram a Magalhăes o qual continuou a affirmar o
que dizia, de que navegaria e ensinaria o caminho por fóra dos mares de
el-rei de Portugal; que lhe déssem os navios que elle pedisse, gente e
artilheria e o necessario, que elle cumpriria o que dizia e descobriria
novas terras na demarcaçăo do imperador e traria oiro e cravo e canella
e outras riquezas; o que ouviram os regedores desejando muito fazer tăo
grande serviço ao imperador, qual o de descobrir esta navegaçăo, e para
terem maior certeza, reuniram pilotos e _espericos_ para sobre isto
discutirem com Magalhăes, que a todos deu suas razőes e todos
concordaram no que elle dizia e confirmaram que era homem mui sabido.»
Os mares e terras da demarcaçăo do imperador, a que se referia Fernăo de
Magalhăes, eram os comprehendidos na linha divisoria que o Papa
Alexandre VI marcára a pedido dos reis catholicos afim de evitar
conflictos entre os reis de Castella e de Portugal, pela diligencia em
que estas duas naçőes andavam de descobrir terras desconhecidas.
A linha traçada pelo Papa, ia de um polo ao outro, 100 leguas ao
occidente dos Açores, dando aos hespanhoes a posse das terras que
descobrissem para esta parte e aos portuguezes as que descobrissem e
conquistassem para o oriente.
A bulla de Alexandre VI que isto concedia começa assim: _De nostra mera
liberalitate, et ex certa sciencia ac de Apostolicć potestates
plenitudine_ etc.
De nossa mera liberalidade, sciencia certa e plenitude do nosso poder
Apostolico etc.
Depois d'esta demarcaçăo os reis de Portugal e os de Castella acordaram
em fixar a linha divisoria mais 270 leguas ao occidente, pelo que diz
Muńoz na _Historia del Nuevo Mundo_.
VII
As declaraçőes feitas por Fernăo de Magalhăes na Casa da Contrataçăo de
Sevilha, năo foram sufficientes para esta appoiar abertamente os
projectos do ousado navegador, e se năo fôra a influencia de Joăo de
Aranda, que se empenhou para que tivesse bom seguimento a proposta de
Magalhăes, talvez este năo lograsse ainda o seu intento.
Joăo de Aranda, era feitor da Casa da Contrataçăo, de animo propenso a
emprezas arriscadas e por isso comprehendeu bem todo o alcance da
empreza de Magalhăes e tanto que prometteu protejel-a mediante alguma
parte dos lucros que d'ella resultassem.
Foi n'esta occasiăo que chegaram a Sevilha os dois irmăos Faleiros os
quaes năo concordaram com o que Fernăo de Magalhăes havia tratado com
Joăo de Aranda, muito principalmente Rodrigo Faleiro que era homem de
caracter mais desconfiado e irritavel, e que se considerava a alma da
empreza de que Magalhăes seria o elemento pratico.
Importantes deviam ser os estudos de Rodrigo Faleiro, para que Magalhăes
se sujeita-se ás suas exigencias, transegindo com elle tanto quanto
possivel, no que bem mostrava a generosidade de animo a par de melhor
conhecimento pratico do mundo, para debelar as difficuldades que se
levantavam no seu caminho.
De tal arte soube conciliar tudo para chegar ao seu fim, fazendo boas as
negociaçőes que havia entabolado com Aranda, firmando, emfim, um
contracto em Valladolide a 23 de fevereiro de 1518, perante o escrivăo
de suas altezas, Diogo Gonçalves de Sant'Iago, em que elle, Magalhăes e
Rodrigo Faleiro dariam a oitava parte do proveito que resultasse _em
dinheiro, ou renda, ou officio ou em outra qualquer coisa que seja, de
qualquer quantidade ou qualidade_ dos descobrimentos que se propunham
levar a cabo.
Năo estava ainda bem firme no throno das Hespanhas o principe Carlos
d'Austria, o que naturalmente preoccupava o jovem monarcha, năo sendo
por isso muito favoravel a occasiăo para se occupar das pretençőes de
Magalhăes.
Entretanto o navegador portuguez escudado com as protecçőes que
grangeára, sempre conseguiu chegar á presença do monarcha e fazer
exposiçăo dos seus planos, tendo primeiro apresentado aos ministros do
rei esses mesmos planos, apresentaçăo para a qual muito influiu o bispo
de Burgos D. Joăo Rodrigues da Fonseca.
É para notar que este bispo de Burgos, que combatera tenazmente os
planos de Colombo, de Balbôa e de Cortez, se apresentasse na côrte
protegendo Magalhăes com decidido empenho! Năo nos diz a historia se
n'esta protecçăo iria interesse pessoal, ou a convicçăo da utilidade
pratica dos projectos de Magalhăes, sendo, todavia, certo que o caracter
do bispo năo era dos de melhor quilate.
Em todo o caso percebe-se que Fernăo de Magalhăes soubera pôr o bispo de
seu lado, como já soubera conciliar as divergencias levantadas por
Faleiro.
Mas ha ainda mais.
Carlos V năo accedeu tăo de prompto, como a muitos parecerá, depois da
resposta que dera aos regedores da Casa de Contrataçăo, ás propostas de
Fernăo de Magalhăes, e antes levantou duvidas, desconfianças sobre a
auctoridade em que o ousado portuguez firmava os seus planos.
Era de esperar.
Mas Fernăo de Magalhăes năo se desconcertou. Soccorreu-se das
observaçőes feitas em suas viagens, do que havia estudado e de quanto
adquirira de Faleiro; por fim citou uma carta geographica, existente em
Portugal, levantada por Martinho de Bohemia em que marcava a
communicaçăo entre o mar do norte e o do sul, e com tanta proficiencia
discutiu os seus planos que conseguiu desvanecer todas as duvidas no
espirito de Carlos V, acabando este por lhe conceder quanto pedia,
mandando lavrar o contracto, o qual se celebrou a 22 de março de 1518.
Por este contracto foi dado a Fernăo de Magalhăes e a Faleiro o
privilegio de, por espaço de dez annos, a nenhum outro navegador ser
concedido ir a descobertas pelo mesmo caminho que elles. Seriam postos á
sua disposiçăo cinco navios, armados de artilheria, e guarnecidos com
234 homens, com mantimentos para 2 annos e mais dava o commando dos
ditos navios a Fernăo de Magalhăes e a Faleiro e a vigesima parte dos
lucros que houvesse d'estes descobrimentos, conferindo-lhe o de
adiantados e governadores das terras que descobrissem a elles e seus
descendentes. Alem d'isto ainda Carlos V deu o titulo de capităes d'esta
esquadrilha a Magalhăes e a Faleiro, com 50:000 maravedis de soldo pagos
pela Casa da Contrataçăo, com toda a auctoridade em terra e no mar, etc.
Năo contente ainda com o que tinha concedido, Carlos V, pouco depois de
celebrado aquelle contracto, ordenou que fosse augmentado o soldo dos
dois capităes com mais 8:000 maravedis e 30:000 para ajuda de custo;
mandando tambem que se abreviasse quanto possivel o armamento dos cinco
navios.
Fernăo de Magalhăes ia triumphando com a sua idéa, mas năo tardou que
novas difficuldades se levantassem, e d'esta vez era de Portugal que
vinham.
Soube-se na côrte de D. Manuel do que se estava passando em Hespanha com
os dois portuguezes, e calculando-se quanto poderiam perigar as
possessőes portuguezas na India, se Fernăo de Magalhăes levasse por
diante seu intento, necessario era combatel-o.
Era embaixador portuguez em Hespanha D. Alvaro da Costa, que ali fôra
pedir a măo da infanta D. Leonor para el-rei D. Manuel. Sob este
pretexto e quantos mais se podem imaginar, representou contra as
concessőes feitas por Carlos V a Fernăo de Magalhăes, e com tal arte se
houve que o monarcha das hespanhas se abalou, chegando a ponto de quasi
revogar o que estava contractado.
Foi ainda o citado bispo de Burgos que demoveu todas as duvidas.
Fernăo de Magalhăes iria finalmente á descoberta.
VIII
Decorreram seis mezes entre a assignatura do contracto e a partida de
Magalhăes. Foram seis mezes de luctas para o ousado portuguez, em que se
lhe levantaram difficuldades por todos os lados, desde aquellas que
Rodrigo Faleiro lhe criou com o seu genio irascivel, até ás que o povo
de Sevilha, instigado pelos agentes portuguezes para impedirem a
empreza, oppôz, tentando destruir os navios que estavam a construir para
a viagem, e contra a vida de Magalhăes, desconfiando da lealdade do seu
procedimento.
Năo foi menos importante a falta de dinheiro para occorrer ás despezas
da expediçăo, falta que suppriu Christovăo de Haro e Affonso Gutierres a
que tambem acudiram alguns negociantes de Sevilha a instancias do bispo
de Burgos, devotado protector da empreza.
Faleiro, investido de poderes eguaes aos de Magalhăes e de genio mui
differente d'este, foi impossivel dirigir os trabalhos de commum accordo
e a tal ponto chegou a desintelligencia entre os dois, que Carlos V sem
querer melindrar nem um nem outro, mas vendo a impossibilidade de se
consertarem, determinou por uma real cedula datada de 26 de julho de
1519, que Faleiro ficasse em Sevilha tratando de aprestar uma outra
expediçăo, que seguiria a Magalhăes, e que o capităo portuguez partisse
com o exclussivo de unico commandante superior da esquadrilha.
Tudo se aprestou alfim: a esquadrilha que ia a descoberta compunha-se de
cinco navios, de que Fernăo de Magalhăes era o almirante. O primeiro
d'aquelles navios era o _Trindade_, em que ia Magalhăes; o segundo
_Santo Antonio_ commandado por Joăo de Cartagena, que era ao mesmo tempo
vedor da armada e tinha o titulo de adjunto de Fernăo de Magalhăes; o
terceiro, _Conceiçăo_ do commando de Gaspar de Quesada; o quarto,
_Victoria_ tendo por commandante Luiz de Mendonça, que era tambem o
thesoureiro da armada; o quinto, _Santiago_, que era o mais pequeno,
commandado pelo piloto Joăo Serrano.
Foi a 10 de agosto de 1519 que a esquadrilha levantou ferro, e descendo
o Guadalquivir, veiu fundear no porto de S. Lucar de Barrameda, para
quarenta dias depois, a 20 de setembro, soltar as velas ao vento, em
monçăo favoravel e aventurar-se por esses mares fóra, sem temor dos
perigos, á procura da passagem para o mar do sul.
Ia na expediçăo um interprete indio malayo, christăo, que Magalhăes
levava para melhor se entender com os povos que esperava encontrar;
tambem ia Duarte Barbosa cunhado de Magalhăes, que já conhecia a Asia, e
o italiano Antonio Pigaffetta, que foi o chronista da viagem. Além
d'este iam outros extrangeiros, como francezes, flamengos e um inglez,
todos fazendo parte da companha, soldados, marinheiros, artifices
etc.[3]
As caravellas, com suas proas alterosas, lá iam cortando o mar,
impellidas pelo vento rijo que lhe empavesava as latinas. Era um dia de
sol, como só os ha na peninsula Iberica, e os seus raios de ouro
reflectindo-se nas aguas centuplicavam a luz que illuminava aquelle
quadro, ao mesmo tempo que alentavam a alma dos valorosos navegantes,
năo deixando esfriar o enthusiasmo que animava todos: os que partiam e
os que em terra lhe dirigiam as ultimas saudaçőes.
A epocha era d'aquellas aventuras que melhor iam a estes povos,
hespanhoes e portuguezes que por egual andavam empenhados nas
descobertas.
[3] _Vida e Viagens de Fernăo de Magalhăes_ por Diego de Barros
Arana.
IX
Que trabalhosa viagem antes de chegar ao porto desejado! Cortada de
temporaes e de discordias, que de uns e outras năo faltaram para
experimentar o animo do ousado navegador.
Logo nos principios da rota Fernăo de Magalhăes teve que pôr a ferros a
Joăo de Cartagena, que se sublevara contra elle por motivo de Magalhăes
mudar de rumo sem o consultar, sendo Cartagena seu adjunto.
A 13 de dezembro dava fundo, na bahia do Guanabára ou Rio de Janeiro, a
esquadrilha.
É curioso o que conta Pigaffetta do negocio que fizeram com os indigenas
durante o tempo que ali permaneceram os navios.
Diz elle:
«Aqui fizemos provisăo de gallinhas e de _patatas_, um fructo semelhante
ás pinhas, mas muito doce e exquisito, canna doce, carne de anta
semelhante á de vacca. Fizemos excellentes negocios. Por um anzol ou por
uma faca davam-nos cinco ou seis gallinhas; dois ganços por um pente;
por um espelhinho ou um par de tesouras obtinhamos uma porçăo de peixe
suffeciente para alimentar dez pessoas; por um guiso ou uma fita
traziam-nos os indigenas uma canastra de _patatas_. Por preços tăo
subidos como estes trocámos as figuras dos naipes de cartas: por um rei
deram-me seis gallinhas e os indios cuidavam fazer um excellente
negocio.»
Depois de um descanço de quatorze dias no Guanabára de novo se pôz a
esquadrilha ao mar seguindo rumo parallelo á costa até o Cabo de Santa
Maria, na embocadura do Rio da Prata, onde entrou a 10 de janeiro de
1520, para reconhecer as margens, distinguindo nas extensas planicies
uma elevaçăo a que os navegantes chamaram Monte-Vidi e que mais tarde se
denominou Montevideo.
A 14 de fevereiro deixou Fernăo de Magalhăes o Rio da Prata e seguindo a
linha da costa foi navegando atravez os temporaes até o porto de S.
Juliăo, onde arribou a 31 de Março, para ali invernar, pois era chegada
a estaçăo das chuvas.
Eram os primeiros navegadores europeus que chegavam aquelle porto, que
de resto encontravam despovoado, e sem viveres de que se podessem
fornecer!
Havia decorrido seis mezes que tinham largado de S. Lucar de Barrameda.
A confiança que Fernăo de Magalhăes conseguiu inspirar ao rei de
Castella, a todos que concorreram para a realisaçăo da sua viagem e até
aos proprios que o acompanharam, năo permaneceu firme, depois d'aquelles
seis mezes decorridos sem resultado obtido.
Parece fóra de duvida, que o unico verdadeiro crente na empreza era
Magalhăes, o que năo admira porque era elle quem melhor conhecia o plano
tantos annos acariciado na mente.
Os que o acompanhavam năo tinham decerto a mesma força de espirito que
elle, o bastante para lhe esfriar o enthusiasmo, para lhe quebrar o
animo. Foi assim que, chegados áquelle ponto, sem terem alcançado o
termo desejado, entenderam por melhor desestir, reclamando de Magalhăes
que, ou alargasse as raçőes que tinham sido cerseadas, ou voltasse para
Castella.
Fernăo de Magalhăes, porém, năo era homem que se acobardasse com aquella
imposiçăo, e protestou que iria até ao fim embora sacrificasse a sua
vida no cumprimento do dever.
Entretanto os capităes das caravellas năo se conformaram com aquella
resoluçăo, e muito particularmente Gaspar de Quesada, commandante da
_Conceiçăo_, o qual concebeu um plano de revolta contra o chefe da
esquadrilha.
Pela noite, quando a escuridăo mal deixava distinguir as embarcaçőes
dispersas no porto de S. Juliăo, uma lancha largou de bordo da
_Conceiçăo_; ia n'ella Quesada com trinta homens armados dispostos a dar
assalto á caravella _Santo Antonio_. Os marinheiros remavam mansamente
fazendo o menor ruido possivel, para năo despertarem a attençăo de
alguem que os podesse ouvir dos outros navios.
Gaspar de Quesada soltara Joăo de Cartagena[4] que levava preso a bordo,
o qual ficou á testa da caravella. O seu plano era apoderar-se da
caravella _Santo Antonio_, prender o commandante Alvaro de Mesquita e
com a força d'estes dois navios reduzir os outros á sua obediencia até á
_Trindade_, impondo-se assim a Fernăo de Magalhăes, a quem queria
obrigar a tratar com mais consideraçăo os capităes e pilotos da
esquadrilha.
Năo foi difficil o assalto: as poucas sentinellas da _Conceiçăo_ foram
tomadas de surpreza emquanto Quesada com meia duzia dos seus homens, se
dirigiu ao alojamento de Alvaro de Mesquita para o prender. Entretanto o
mestre Joăo Elorriaga déra pelos assaltantes e correndo em soccorro do
seu commandante, travou uma sangrenta lucta em que ficou ferido. Quesada
vibrou-lhe quatro valentes punhaladas num braço que o prostraram,
conseguindo por fim pôr a ferros Alvaro de Mesquita e arvorar-se elle
cammandante da _Santo Antonio_.
Luiz de Mendonça ia feito com Quesada, pelo que os revoltosos tinham
tres navios, achando-se em maioria para imporem a lei a Magalhăes, que
áquella hora dormia, ainda que talvez pouco tranquillamente, na sua
caravella _Trindade_.
De manhă é que Magalhăes soube da sublevaçăo dos tres capităes porque
logo da _Victoria_ sahiu uma lancha com um emissario, que veio notificar
ao chefe da esquadrilha a resoluçăo em que estavam, de năo continuarem a
ser tratados como até ali, de obedecerem cegamente ás ordens d'elle, mas
sim resolverem tudo de commum accordo.
Isto que á primeira vista póde parecer justo, năo o seria nas
circumstancias que se davam, porque importava o malogro da empreza de
Magalhăes. Os revoltosos năo queriam continuar a viagem que tinham por
temeraria, descrendo de encontrar a passagem para o mar do sul, emquanto
que Fernăo de Magalhăes pensava exactamente o contrario, e d'este modo
era-lhe impossivel transijir, tornando-se imperioso apellar para toda a
sua auctoridade, empregando a força para submetter os que assim lhe
faltavam á obediencia.
A força, porém, do chefe achava-se reduzida e em minoria, mas a
inferioridade numerica nunca acobardou espiritos fortes e da estatura
moral de Fernăo de Magalhăes, que nascera, sem duvida, para dominar e
năo para ser dominado.
Era arriscada a empreza; tanto mais razăo para năo recuar. Se os seus
capităes vallessem tanto como elle năo recuariam como elle năo recuava
perante os perigos. Logo a superioridade de Magalhăes era manifesta e de
molde a năo se intimidar com a attitude dos revoltosos.
Magalhăes respondeu á notificaçăo que lhe fizeram, ordenando que viessem
a bordo da _Trindade_ conferenciar com elle os tres chefes da revolta.
Esta ordem, porém, năo foi obedecida, tendo em resposta, que viesse
Magalhăes a bordo da _Santo Antonio_, onde todos se reuniriam para
resolver.
Năo havia que hezitar. Estava lançada a luva, e Fernăo de Magalhăes nem
sequer pastanejou para a levantar. Fez tambem o seu plano para dar o
golpe decisivo.
O alguasil Gonçalo Gomes de Espinoza era homem valente e decidido; pois
iria elle e mais seis homens de confiança a bordo da _Victoria_, levar a
ordem para Luiz de Mendonça se apresentar immediatamente no navio do
chefe.
Levava instrucçőes particulares que haviam de permittir bom exito d'esta
vez.
Espinoza acercou-se com a sua chalupa da _Victoria_ e saltando no navio
logo veio o commandante a quem elle entregou a ordem que levava. Luiz de
Mendonça leu essa ordem, năo sem occultar a desconfiança que lhe
inspirava, mas emquanto a lia meditando sobre a resposta a dar, Espinoza
tirou de um punhal que levava escondido e com elle lhe atravessou o
pescoço. Luiz de Mendonça baqueou e um outro golpe descarregado na
cabeça por um dos companheiros de Espinoza, deixou-o completamente morto
sobre a tolda.
Ao mesmo tempo que se dava esta scena tragica, atracava á _Victoria_
outra chalupa em que vinha Duarte Barboza com mais quinze homens
armados, que Magalhăes mandava, como prevençăo para assegurar o triumpho
dos que se tinham ido expor a uma lucta desegual com a gente d'aquelle
navio.
Năo foi, felizmente, preciso derramar mais sangue, pelo que diz Lopez de
Recalde, na carta escripta á vista do processo que se instruiu em
Sevilha em 1521, e que Herrera refere. Morto o commandante, a tripulaçăo
submetteu-se sem resistencia, e no mastro da _Victoria_ foi içada a
bandeira do triumpho.
Restava submetter Cartagena e Quesada, mas a sorte de Luiz de Mendonça
influiu tanto no espirito dos dois capităes, que lhes quebrou o animo
para tentarem desforra, em presença da firmeza do chefe.
Limitaram-se a tentar a retirada para Castella; mas nem isso
conseguiram, porque as tres caravellas que estavam fieis a Magalhăes,
foram, por ordem d'este, fundear na entrada do porto, tirando aos
revoltosos a esperança de poderem sahir com os seus navios sem
experimentarem a artilheria dos contrarios.
Concertaram entăo outro plano.
Quesada tinha, como ficou dito, preso a bordo Alvaro de Mesquita, que
era primo co-irmăo de Magalhăes, e pensou de o soltar para servir de
medianeiro entre elle e o chefe da esquadrilha, afim de obter uma
capitulaçăo favoravel.
Alvaro de Mesquita, porém, logo desenganou Quesada, de que seu primo năo
transigiria; conhecia-o bem para esperar o contrario e toda a tentativa
de conciliaçăo seria completamente inutil.
Assim descoraçoados os dois capităes revoltosos, apellaram novamente
para a retirada, projectando sahir do porto n'aquella noite, pondo na
prôa de um dos navios o Mesquita, para d'ali parlamentar com Magalhăes,
segundo diz Herrera.
Pela noite a _Santo Antonio_ levantou ferro e aproou para sahida,
aproveitando a hora da maré, desferrando pano pouco a pouco, debaixo de
grande silencio, com as maiores precauçőes. O vento, no porto soprava
brando e só mais para o largo é que o mar, encrespado, indicava vento
mais rijo.
Vencer a sahida era tudo, porque depois com boa refrega e pano largo,
ganharia distancia năo sendo facil colhel-a nenhum dos navios da
esquadrilha.
Á cautela, Alvaro de Mesquita fôra mandado para a proa por Quesada, para
d'ali parlamentar com Magalhăes, se da _Trindade_ dessem pela sahida da
_Santo Antonio_, como era de prever. De facto assim aconteceu, mas o
modo como da _Trindade_ vieram á fala năo deu tempo a parlamentar.
Esta caravella, assim que a _Santo Antonio_ chegou ao alcance, rompeu
fogo das peças e de mosqueteria, investindo para a abordagem.
Estava lá Magalhăes que era tăo ousado navegador como soldado. Mandando
a manobra com precisăo e incitando os seus homens ao combate, năo tardou
a abordagem e que estes saltassem no navio sublevado, ouvindo-se entăo,
por entre o alarme da desordem e o estrondear dos tiros, vozes que
perguntavam em alta grita:
--Por quem sois?
Da resposta a esta pergunta dependia a vida ou o exterminio dos
sublevados, porque Magalhăes e a sua gente năo contemporisavam.
Quesada, por sua parte tambem incitava os seus homens á resistencia e ao
combate, mas năo inspirava á sua gente a mesma confiança que Magalhăes,
nem tinha o prestigio superior do chefe da esquadrilha.
Foi por isto que năo teve meio de resistir á abordagem, e a resposta á
pergunta que a gente da _Trindade_ ia repetindo insistentemente:--Por
quem sois? echoou na alma de Quesada como uma sentença de morte, ao
ouvir gritar:
--Pelo rei nosso senhor e por vossa mercę!
Fernăo de Magalhăes triumphava mais uma vez dos revoltosos e affirmava o
seu prestigio entre a gente que o acompanhava, fazendo perder a
esperança de novas sublevaçőes.
Quesada e todos os cabeças de motim foram presos, e o mesmo succedeu a
Cartagena, capităo da _Conceiçăo_, que humilhado se entregou.
Restava castigar os sublevados e esse castigo devia ser exemplar para
que năo viessem novas tentativas de revolta pôr em perigo a segurança e
bom exito da expediçăo.
Consoante os tempos e a grandeza dos delictos, assim seria a severidade
da puniçăo.
Magalhăes năo hesitou na sentença.
No dia 4 de abril, o seguinte áquella noite de desordem, mandou
Magalhăes que o cadaver de Luiz de Mendonça, fosse posto em terra e ali
esquartejado ás vistas de todos e apregoada a alta traiçăo, que assim
fôra punida.
Seguidamente foi instaurado a bordo da _Trindade_ um processo, em que
Alvaro de Mesquita formulou a accusaçăo, sendo os alguazis e escrivăes,
que iam na esquadrilha, encarregados de fazerem o summario e inquerirem
as testemunhas, o que tudo escripto deveria depois ser apresentado a
El-rei, quando Magalhăes regressasse a Castella, como prova
justificativa do seu procedimento.[5]
D'esse processo resultou a sentença que condemnou á morte Gaspar de
Quesada e Luiz Molino, creado d'este.
Passados tres dias, a 7 de abril, teve logar a execuçăo.
Para esse fim foi armado na praia o patibulo e na presença de
contingentes de todos os navios, decapitado o criminoso, servindo de
carrasco o Luiz de Molino que por este preço adquiriu o perdăo.
O corpo de Quesada tambem foi esquartejado e a sua traiçăo apregoada.
Mas ainda năo era tudo. Joăo de Cartagena tambem devia ser punido assim
como o capellăo Pedro Sanches de La Reina, que tambem se averiguou ter
conspirado contra o chefe da esquadrilha.
O castigo, porém, d'estes revoltosos, parecendo mais equitativo, nem por
isso foi menos duro, pois que Magalhăes os condemnou a ficarem
abandonados em terra, onde năo havia viveres apropriados nem gente.
É facil calcular as inclemencias que aquelles desgraçados soffreriam e
quăo duramente expiaram o seu delicto.
Se Fernăo de Magalhăes affirmou a sua auctoridade de forma tăo cruel,
deve-lhe ser levado em conta a rudeza dos tempos e a imperiosa
necessidade que a isto o obrigou, para năo vęr completamente perdida a
sua gloriosa empreza.
[4] _Vida e Viagens de Fernăo de Magalhăes_ por Diego de Barros
Arana.
[5] Navarrete publicou este processo a pag. 10 do tomo IV da sua
_Coleccion_.
X
Fernăo de Magalhăes conseguira, emfim, restabelecer a ordem na sua
esquadrilha; mas, se năo receava novas sublevaçőes que contrariassem o
seu proposito, contrariava-o a invernia com todos os rigores de suas
tormentas, que năo o deixava avançar na viagem de exploraçăo.
A impaciencia principiava a apoderar-se do seu espirito, porque o tempo
ia correndo sem resultado pratico que o animasse, tanto a elle como á
sua gente.
Chegou o fim de abril e os rigores do inverno pareciam ceder ás
instancias da primavera risonha e boa.
Tanto bastou para que Magalhăes ordenasse um reconhecimento ao Sul da
bahia de S. Juliăo, por onde julgava encontrar o almejado estreito ou
passagem para os mares da India.
Encarregou Joăo Serrăo de ir, na caravella _Santiago_, a mais pequena da
esquadrilha, fazer esse reconhecimento, para o que deu ao ousado piloto
as instrucçőes necessarias, recommendando-lhe que seguisse sempre para
Sul e parallelo á costa, porque assim encontraria o estreito.
Seguio Joăo Serrăo as instrucçőes de Magalhăes, costeando cerca de vinte
legoas, com tempo favoravel, e a 3 de maio encontrou-se na foz de um rio
com mais de uma legoa de largura.
Seria a entrada do procurado estreito?!
É o que vamos vęr.
Era e é o dia 3 de maio commemorado pela egreja, que celebra a festa da
exaltaçăo da Santa Cruz, e Serrăo commemorando aquelle dia deu ao novo
rio o nome de Santa Cruz, que ainda hoje tem.
Abundava ali a pesca e os lobos marinhos e de tăo grande tamanho como
ainda năo tinham sido vistos; dis Herrera que um d'aquelles animalejos
despido da pelle, da cabeça e das gorduras, pesava desanove arrobas ou
dosentos e oitenta e cinco kilos dos pesos actuaes.
Fez Serrăo um reconhecimento á costa, mas năo encontrou signaes do
estreito, pelo que proseguio a viagem para Sul, continuando a seguir a
costa. Um forte temporal, porem, surprehendeu os navegantes, a 22 de
maio, transtornando-lhe o proseguimento da derrota.
Os escriptores que se referem a este successo divergem emquanto a datas
e a victimas do naufragio, Diego Arana, porém, segue a ordem
chronologica dos factos e estabelece aquella data, assim como descreve o
naufragio e as victimas.
A tempestade foi tăo violenta que rasgou todo o panno da caravella; a
força do mar levou o leme e arrastou o navio á praia onde se fez em
pedaços, mal dando tempo á tripulaçăo se salvar, perecendo ainda assim
afogado um preto escravo de Serrăo.
Depois das luctas com os homens principiavam as luctas com os elementos,
para o que era impotente toda a energia de Magalhăes.
Dos homens triumphara elle até alli; da furia dos elementos era mais
difficil e só uma vontade de ferro, disposta a vencer ou morrer, poderia
alimentar a esperança de triumphar.
Da caravella _Santiago_ apenas restavam despojos que o mar ia trazendo á
praia, onde os naufragos se encontravam á conta de Deus, sem guarida nem
conforto algum que lhes alentasse a vida! E comtudo grande distancia os
separava dos companheiros, que esperavam o seu regresso, no porto de S.
Juliăo.
Os naufragos depois de terem caminhado umas seis legoas, para alcançarem
as margens do rio Santa Cruz, seis legoas que levaram quatro dias a
percorrer, tal era o cansaço e fraqueza em que estavam, e para mais
carregados de madeira, destroços do navio naufragado, com que haviam de
construir uma jangada para atravessar o rio, chegaram emfim ás margens
do Santa Cruz, quasi mortos de fadiga e de fome, pois que para se
alimentarem apenas tinham as ervas que encontravam pelo caminho e alguns
mariscos.
No rio Santa Cruz havia abundancia de peixe para se alimentarem, e
construiram uma jangada com a madeira que traziam e assim, debaixo de
grandes perigos atravessaram o rio dois marinheiros para irem participar
o occorrido ao chefe da esquadrilha, que estava no porto de S. Juliăo.
Segundo diz Diego Arana, onze dias gastaram os dois marinheiros para
chegarem a S. Juliăo e tăo penosa foi esta jornada, sem terem quasi que
comer, que ao apresentarem-se a Magalhăes, nem este nem os mais
companheiros os reconheceram, tăo desfigurados vinham.
O tempo continuava tormentoso; as tempestades succediam-se năo
permittindo qualquer tentativa de navegaçăo. Entretanto Magalhăes năo
lhe consentia o animo deixar sem prompto auxilio os pobres naufragos da
_Santiago_, e assim ordenou que logo partissem por terra 24 homens
carregados de comestiveis, em soccorro d'aquelles desgraçados,
proporcionando-lhes os meios de virem reunir-se a seus companheiros.
Năo foi menos penosa a jornada d'estes 24 homens, sob os rigores do
tempo e a selvageria dos caminhos. Para saciar a sęde tiveram que
derreter gelo, pois năo encontraram agua de beber, e apesar das
difficuldades do caminho apressaram quanto poderam a marcha para mais
breve soccorrerem os seus companheiros.
Dois dias levaram a atravessar o rio na jangada que haviam armado, e
mais refeitos pela alimentaçăo que tomaram lá se pozeram todos em marcha
a reunirem-se á esquadrilha, sem perda de um só.
Este contratempo foi de bom aviso para Magalhăes que reconheceu quanto
era temerario o tentar proseguir em reconhecimentos da costa ou passar
avante, emquanto năo se acalmassem os rigores da estaçăo.
A fidelidade e energia de Serrăo tornou-se notavel, e Magalhăes năo o
desconheceu pois que nomeou o ousado piloto, capităo da caravella
_Conceiçăo_, justo premio de quem tanto se tinha exposto e soffrido para
bem cumprir as ordens do chefe.
Emquanto, porém, a esquadrilha invernava no porto de S. Juliăo,
Magalhăes foi aproveitando o tempo em reparar as caravellas e para isso
mandou fazer em terra uma casa para forjas onde os ferreiros exercessem
o seu officio. O frio, porém, era tăo intenso que os operarios mal
podiam fazer uso das măos, chegando alguns d'elles a perderem os dedos
gangrenados pelo frio!
Năo podendo fazer reconhecimentos por mar, tentou Magalhăes fazel-os por
terra, e entăo mandou quatro homens armados para o interior a vęr se
descobriam algumas povoaçőes, onde se podesse fornecer de mantimentos;
mas trabalho baldado porque a poucas legoas de caminho tiveram que
retroceder por lhes faltar agua e comestiveis sem encontrarem viv'alma,
o que lhes deu a convicçăo de que o paiz năo era habitado.
XI
Tinha decorrido mais de seis mezes que a esquadrilha estava no porto de
S. Juliăo quando um dia appareceu na praia um homem de grande estatura,
mal coberto com uma pelle de animal, cantando em desconcertada voz,
pulando e lançando punhados de areia na cabeça, o que pareceu significar
as suas intençőes pacificas, porque, segundo diz o capităo Cook na sua
_Voyage dans l'hémisphčre austral_, os indios da ilha de Malicolo
lançavam agua na cabeça em signal de paz.
Extranha appariçăo esta que surprehendeu os navegantes já descoraçoados
de encontrarem alma viva n'aquellas paragens.
Os hespanhoes repetiram o mesmo signal que o selvagem fizera, de deitar
areia na cabeça, para assim elle entender que estavam na mesma intençăo.
De facto o selvagem acercou-se de um marinheiro que Magalhăes mandou a
terra e com elle veio á presença do chefe da esquadrilha.
Pigafetta descrevendo este selvagem diz: «Era este homem tăo alto que a
sua cintura dava pela nossa cabeça. Bella estatura; rosto amplo e
arroxeado, olheiras amarellas e como que marcando-lhe as faces duas
manchas em fórma de coraçăo. Os cabellos, muito curtos, pareciam
embranquecidos com pós. Cobria o corpo, ainda que mal, com as pelles de
um animal que abundava n'aquelle paiz. Este animal tem cabeça e orelhas
de mula, corpo de camello, pernas de veado, cauda de cavallo e relincha
como este.»
Deve ser o guanaco.
Parece que a surpreza fez augmentar aos olhos dos hespanhoes as
proporçőes d'aquelle selvagem, pois que D'Orbigny na sua obra _L'homme
americain_ referindo-se aos habitantes d'aquellas regiőes diz: «Năo
podemos occultar que nos illudiu a apparencia d'estes homens. A largura
das suas espaduas, cobertas desde a cabeça até os pés com capas de
pelles de animaes selvagens, cosidas numa só peça, produziram em nós tal
illusăo, que primeiro de os medirmos nos pareceram de extraordinaria
altura, emquanto que depois de bem observados e medidos directamente,
ficaram reduzidos ás dimensőes vulgares.»
Diz ainda Pigafetta: «Magalhăes recebeu com muito agrado este selvagem.
Ordenou que lhe dessem de comer e o levassem diante de um grande
espelho, o que o surprehendeu extraordinariamente e encheu de admiraçăo.
O selvagem que năo tinha a menor noçăo do que fosse um espelho, e que
pela primeira vez via a sua propria figura, recuou cheio de espanto,
deitando ao chăo quatro homens que estavam atraz d'elle.»
Aquelle primeiro selvagem foi mandado pôr em terra depois de Magalhăes
lhe ter dado alguns presentes, e elle tăo contente se foi, que năo
tardou que outros se apresentassem com a mira nas mesmas dadivas.
Eram todos da mesma corpolencia que o primeiro, e como aquelle tinham
pés enormes, pelo que os navegantes os denominaram Patagőes, nome porque
ainda actualmente săo designados os homens d'esta raça.
A todos Magalhăes mandou dar comida e presenteou com espelhinhos,
missangas e outras bugiarias, com o que ficaram muito contentes. Um
d'elles mais domestico demorou-se alguns dias a bordo da _Trindade_,
sociando com os marinheiros, que lhe ensinaram algumas palavras
castelhanas e o baptisaram com o nome de Joăo.
Este Joăo comia os ratos que os marinheiros caçavam, e o fazia com muito
gosto, até que mostrando vontade de ir para terra o desembarcaram, sem
que por muitos dias voltassem ás vistas dos navegantes outros selvagens.
Eram tăo extraordinarios os habitantes d'aquellas paragens, que
Magalhăes entendeu trazer dois d'elles ao rei de Castella, quando
regressasse á Europa.
Foi assim que a 28 de julho, voltando á praia quatro selvagens dos que
já tinham estado a bordo, Magalhăes os mandou buscar, retendo no navio
dois d'elles e mandando para terra os outros.
É curioso o que Pigafetta descreve a respeito da prisăo d'estes dois
patagőes: «Foi preciso pôr-lhe grilhőes aos pés, enganando-os,
fazendo-lhes acreditar que os ferros eram presentes e lh'os punham nos
pés para que os podessem levar para terra.»
Năo foi de bom aviso a detençăo dos patagőes a bordo, porque isto levou
desconfiança aos que estavam em terra e que, mais numerosos, vieram
juntar-se de noite, na praia onde accenderam fogueiras, coisa que até
ali năo fôra visto pelos navegantes.
Este facto chamou a attençăo de Magalhăes, que na manhă seguinte mandou
sete homens á descoberta para saber o que seria.
Os exploradores, porém, encontraram a praia deserta e apenas vestigios
das fogueiras, assim como das pégadas dos indigenas impressas sobre a
areia e na neve que cobria as extensas planicies. Os exploradores,
apesar do seu limitado numero, năo duvidaram de se enternarem em busca
dos selvagens, mas passaram o dia n'esta diligencia sem encontrarem
nenhum, resolvendo por fim retirarem-se ao approximar-se a noite.
Foi n'essa occasiăo que os exploradores se viram acommettidos por um
bando de patagőes, completamente nús e armados de flechas e que, segundo
parece, os andava seguindo a distancia, sem que até ali tivesse sido
notado.
Travou-se lucta desproporcionada, porque alem da desegualdade numerica,
os exploradores apenas levavam um arcabuz, unica arma de fogo com que se
encontravam, para fazer frente ao inimigo que os atacava.
Diogo Barroza, soldado da guarniçăo da _Trindade_, caiu morto por uma
flechada, e a lucta recresceu de intensidade e bravura. Os exploradores
carregando sobre os selvagens com redobrado valor e luctando corpo a
corpo, taes estragos lhes fizeram, que o inimigo recuou, fugiu e
desappareceu para o interior deixando os exploradores senhores do campo.
Só na manhă seguinte voltaram para bordo, depois de terem passado a
noite á roda de uma fogueira para se aquecerem e na qual assaram uma
porçăo de carne, que os selvagens abandonaram na fuga, e que serviu aos
exploradores de lauta ceia.
Quando Fernăo de Magalhăes soube do occorrido, quiz vingar a morte do
soldado da _Trindade_ e mandou para terra vinte homens armados para
bater os patagőes; mas trabalho inutil foi este, porque os selvagens năo
appareceram por mais que os procurassem e os exploradores apenas poderam
dar sepultura ao cadaver de Diogo Barroza, seu companheiro d'armas.
XII
A 24 de agosto largou a esquadrilha do porto de S. Juliăo, depois de
quasi cinco mezes ali passados, com bem pouco resultado para os
progressos da expediçăo.
Durante esse tempo repararam-se os navios, năo sem grandes
difficuldades, como se sabe, e realisaram-se notaveis modificaçőes nos
commandos, em resultado da insurreiçăo de Quezada e de Luiz de Mendonça.
Alvaro de Mesquita commandava agora a caravella _Santo Antonio_ e Joăo
Serrăo a _Conceiçăo_. Magalhăes confiara o commando da _Victoria_ a seu
cunhado Duarte Barbosa.
Antes da partida todos da esquadrilha se prepararam espiritualmente com
os soccorros da religiăo, confessando-se e commungando, como quem se
dispunha para grande empreza, consoante o costume do tempo.
Entretanto deu-se a bordo uma scena tocante, que impressionou
tristemente toda a companha e foi a despedida de Joăo de Cartagena e do
padre Pedro Sanches que tinham de ser abandonados em terra, conforme a
sentença que a isso os condemnara.
Era lastimoso o seu estado, com tudo o respeito que Magalhăes soubera
incutir á sua gente, fez com que ninguem se oppuzesse a semelhante
barbaridade, e os condemnados lá ficaram á mercę, na praia, apenas com
provisăo de bolachas e vinho para alguns dias.
Com que magua e, quem sabe arrependimento, viram os miseros levantar
ferro os navios e largar as vellas ao vento até desaparecerem na
distancia do extenso mar, indo-se-lhe n'elles a esperança de voltarem á
patria, abandonados n'aquellas paragens até ali ignoradas para a
navegaçăo!
E a frota de Magalhăes foi singrando no mesmo rumo que Serrăo já levara
quando fôra explorar a costa d'aquelle mar.
O tempo ia bonançoso, sem chuvas, nem vento rijo; mas já proximos do rio
Santa Cruz principiou a desenvolver-se temporal e tăo violento, que as
caravellas estiveram a ponto de perder-se.
Diz Barros que Deus e os Corpos dos Santos é que os salvaram,
referindo-se á appariçăo dos fogos de Santelmo nos topes dos mastros.
Era crença dos marinheiros n'aquelles tempos, e por muitos annos o foi
ainda, que quando appareciam aquelles fogos nos topes dos mastros--hoje
conhecidos como resultantes da electricidade--era signal de estar
passado o perigo.
Aquelles temporaes detiveram a frota dois mezes no rio Santa Cruz, sem
Magalhăes poder proseguir na sua almejada descoberta.
A 18 de outubro, porém, o tempo parecia ter abrandado mais
duradouramente, e Magalhăes resolveu ir ávante, mandando fazer rumo para
S. O. sem se afastar da costa.
Principiavam os navios, a entrar em mares até entăo desconhecidos, e o
receio dos navegantes era cada vez maior. Vinha a memoria as historias
phantasticas e horriveis que se contavam d'aquelles mares tenebrosos. A
superstiçăo invadia todos os espiritos e apavorava os mais ousados. Só
havia ali um espirito forte que tinha que repartir-se por todos,
incutindo-lhe animo e confiança: era o de Fernăo de Magalhăes, firme no
seu proposito, crente na sua idéa. Com elle tinha que se impôr a todos
os seus subordinados, fazendo-lhes saber, que haviam de ir até o fim,
até encontrar a procurada passagem para o mar do Sul, ainda que tivessem
de chegar a 75.° graus de latitude, ou os seus navios se afundassem no
meio da porcella.
Năo tardou que, de novo, a tempestade assaltasse as frageis caravellas,
obrigando-as a estar á capa dois dias, mas abonançando ao terceiro,
permittiu aos navegantes avançarem até 50.° de latitude, avistando a 21
de outubro, uma lingua de terra para S. O.
Esta vista alegrou Magalhăes, que mais se fortaleceu na sua idéa,
prevendo que aquella lingua de terra devia de ser a embocadura do
estreito ou passagem para o mar das Indias.
Immediatamente tratou de mandar fazer um reconhecimento por Serrăo e por
Mesquita, que iam respectivamente nas caravellas _Conceiçăo_ e
_Santiago_.
Mal, porém, estes navios se tinham apartado da frota, quando pela noite
sobreveio um forte temporal, que se estendeu por toda a costa, pondo em
imminente perigo tanto as caravellas que tinham ido ao reconhecimento,
como as que ficaram á espera de noticias.
Parece que a Providencia se comprazia em contrariar tanta audacia e dar
razăo aos medrosos, que quasi tinham por louco o chefe da temeraria
empreza.
Foi uma noite e um dia de infinda tormenta. As caravellas que haviam
ancorado, largaram as amarras e abandonaram-se á porcella; a _Conceiçăo_
e a _Santiago_ correram ao vento sem governo, em perigo de a cada
momento vararem na costa. Diz Barros que os ventos dominantes, n'aquella
quadra, eram do Sul, contrarios ao rumo dos navegantes. Tanto bastava
para difficultar a viagem e augmentar os perigos em mares desconhecidos.
Mas a mesma Providencia que assim experimentava os navegantes, tambem
lhes accendeu a esperança no meio da tormenta, pois que as duas
caravellas corridas do tempo, quando os navegantes se julgavam perdidos,
devisaram estes uma aberturasinha ao longo da costa que lhes pareceu ser
como que a entrada de alguma bahia.
Manobrando com grande difficuldade, fizeram prôa para lá, e seguindo
sempre avante transpozeram aquella entrada e encontraram-se n'uma bahia,
e, como o tempo os năo deixasse deter, foram correndo as caravellas até
que entraram n'outra garganta de terra para além da qual se acharam em
espaçosa bahia, como ainda năo tinham encontrado,
Ali serenou a tempestade, e os navegantes poderam reconhecer onde
estavam, resolvendo Serrăo e Mesquita voltarem a juntar-se a Magalhăes a
participar-lhe a boa nova.
A abertura na costa, para que os navegantes aproaram as suas caravellas,
foi, sem duvida, um raio de esperança que lhes sorriu entre a porcella,
e por isso a denominaram estreito de Nossa Senhora da Esperança. Á
primeira bahia denominaram-n'a depois, de S. Gregorio, e ao segundo
estreito, de S. Simăo.
XIII
Emquanto Serrăo e Mesquita, luctando com a furia dos elementos,
conseguiam fazer o reconhecimento ordenado por Magalhăes, o audacioso
capităo mal se tinha podido haver com o resto da frota, que ficára á
espera á entrada do cabo, a que Magalhăes deu o nome de Cabo das Onze
Mil Virgens, em memoria do dia em que o avistou ser dedicado pela egreja
áquella festa.
Pelo espirito de Magalhăes mais de uma vez, n'aquellas longas horas,
passou a funebre idéa de que Serrăo e Mesquita teriam perecido e mais a
sua gente, no meio de tăo grande tormenta.
O temporal continuava desabrido, e a gente de Magalhăes mostrava-se cada
vez mais apprehensiva, o que augmentava os receios do chefe pelo exito
da empreza que elle, com bem fundadas razőes, via proximo a realisar.
Para maior alarme, viram os navegantes elevarem-se rolos de fumo do lado
da terra, o que fez suppor que eram fogueiras que os naufragos tivessem
accendido para dar signal de onde estavam. Isto pareceu certo a
Magalhăes, que logo resolveu ir em soccorro dos naufragos, fosse qual
fosse o perigo a que se ia expor e o resto da sua gente.
«Quando estavamos, porém, n'esta anciedade, diz Pigaffeta, eis que
apparecem duas embarcaçőes, de panno largo e bandeiras desfraldadas ao
vento, saltando por sobre as ondas e se dirigiam para nós. Ao
approximarem-se dispararam tiros de bombarda, e a sua gente dava gritos
de alegria, a que correspondemos do mesmo modo, e quando soubemos, por
elles, que tinham visto a grande extensăo da bahia ou do estreito,
dispozemo-nos para continuar o nosso caminho.»
Pelo que Serrăo e Mesquita contou a Fernăo de Magalhăes, năo restava
duvida que se encontrára, emfim, a passagem procurada. Os exploradores
haviam reconhecido golfos de mar entre alcantiladas rochas, diziam uns;
outros julgavam ter achado o estreito, por onde haviam navegado tres
dias sem lhe encontrar o fim, notando grandes correntes com pequenos
minguantes, signal evidente de que o estreito levava as suas aguas para
o poente, ao oceano.
Tudo isto dava acerto ao juizo de Magalhăes, o qual mandou dez homens em
uma chalupa reconhecer a terra.
Esses homens năo encontraram gente, mas vestigios. Mais de duzentas
sepulturas indicavam ter ali havido povoado; devia ser, porém, na
estaçăo do calor, em que os indios vem estabelecer-se á beira do mar,
voltando para o interior na estaçăo das chuvas, e era aquella em que os
exploradores ali se encontravam. Mais viram muitos esqueletos e ossos
soltos de baleias, espalhados pela praia, signal de grandes temporaes
que ali arrojavam aquelles cetaceos.
Herrera diz, que por ordem de Magalhăes foi a caravella _Santo Antonio_
fazer novo reconhecimento no canal, mas sem resultado, porque tendo
Mesquita avançado umas cincoenta leguas, năo lhe achou o fim, pelo que
resolveu voltar á frota a dar parte da sua viagem a Magalhăes.
Vinha talvez mais convencido de que o canal ou estreito só teria mais
perigos para quem o quizesse devassar, do que levaria a bom termo de
viagem. Magalhăes, porém, năo se desconcertou com o resultado do
reconhecimento de Mesquita, e antes resolveu terminantemente seguir
avante, convencido de que passaria o estreito e encontraria, emfim, o
mar da India ou do Sul.
Năo quiz, porém, levantar ferro, sem reunir na _Trindade_--navio
almirante--o conselho dos capităes, para lhes communicar a sua resoluçăo
e saber ao certo dos mantimentos que havia, para que tempo chegariam.
Reunido o conselho, os capităes declararam que havia comestiveis para
tres mezes. Quanto á resoluçăo que Magalhăes lhes communicou todos se
mostraram concordes, talvez mais por obediencia ao chefe, do que por
convicçăo do bom exito do commettimento. Apenas o piloto Estevăo Gomes,
parente ainda de Magalhăes, descordou dos seus companheiros, ponderando
que corriam grande perigo em proseguirem, pois que os temporaes ou as
calmarias que atrazassem a travessia, poderiam inutilisar tudo, perdendo
os navios ou reduzindo todos á fome, de que morreriam. Magalhăes
combateu moderamente a opiniăo de Estevăo Gomes, affirmando que o canal
que encontraram era a passagem para o mar do Sul, e tinha a certeza do
que dizia, porque, na thesouraria de Portugal vira uma carta de marear
desenhada por Martim Behaim, em que estava traçada aquella passagem, de
que năo podia duvidar agora. O enthusiasmo de Magalhăes chegou a tal
ponto que disse ao conselho: Ainda que para chegar ao fim tivesse que
comer as pelles de vacca que forravam as antenas dos navios, năo
retrocederia sem cumprir o que havia tratado com Carlos V.
Todos se submetteram á vontade do chefe, e no dia seguinte a frota
soltou vellas e navegou pelo estreito fóra até á grande bahia de S.
Bartholomeu, onde os navegantes depararam com um grupo de ilhas.
A frota lançou ferro, e Magalhăes mandou fazer um reconhecimento n'um
canal ao sul, pelas caravellas _Conceiçăo_ e _Santo Antonio_.
Ao sul ficava terra, a que Magalhăes pôz o nome de Terra do Fogo, por
ter observado, de noite, grandes fogueiras que lá ardiam. Aquellas
terras ainda hoje conservam esse nome.
Nada adiantou o reconhecimento que Magalhăes mandou fazer, porque a
caravella _Conceiçăo_ voltou breve sem nada trazer de novo, e a _Santo
Antonio_, debalde a esperaram, năo a tornando mais a ver.
Esta falta inquietou sobre modo a Magalhăes, pelo receio de que se teria
perdido o navio, e ainda empregou esforços para o procurar, mas tudo foi
inutil, dando acerto ao parecer do piloto André de S. Martim, que disse
a Magalhăes que a caravella voltára para Hespanha, como effectivamente
voltou, tendo a companha sublevado-se contra Mesquita, ao qual
prenderam, dando o commando do navio a Jeronymo Guerra, que ia a bordo
como escrivăo.
XIV
Perdida a esperança de reunir á frota a caravella _Santo Antonio_,
continuou Magalhăes a viagem pelo estreito descobrindo a sudueste o
cabo, hoje denominado pelos inglezes cabo Froward, mas a que os
hespanhoes chamaram de Santa Agueda. A latitude austral d'este cabo foi
marcada pelos navegantes em 50° 40'. O capităo King marcou depois a
latitude do mesmo cabo em 53° 43', pelo, que, como nota Diego Arana, é
para admirar que, com os instrumentos bastante imperfeitos de que entăo
dispunham os navegantes, podessem fixar com tăo pequenas differenças a
latitude dos logares em que se encontravam, em relaçăo ao equinoxio.
O estreito apresentava, principalmente para o sul, grande quantidade de
canaes e recifes, quasi impossivel de reconhecer, nas precarias
condiçőes em que os navegantes se encontravam, extenuados da longa
viagem que traziam, abatidos pelas doenças e pelos trabalhos,
desanimados, vivendo mais da esperança que animava o seu chefe que da
propria convicçăo de chegarem a bom fim.
Fernăo de Magalhăes conhecia perfeitamente este estado, e quanto tinha a
recear de uma sublevaçăo da sua gente se abertamente se negasse a
acompanhal-o. O que acontecera com a caravella _Santo Antonio_ podia
estender-se ás outras e elle ser impotente para manter a disciplina. De
quanta prudencia e tacto precisava para, quasi ao vęr coroados tantos
trabalhos, năo se frustrar a empreza!
Quiz ainda mais uma vez consultar os capităes e pilotos da frota sobre o
que se devia fazer, para, sabendo o que pensavam, lhe apresentar as
razőes que tinha para seguir ávante. Assim os poderia convencer melhor e
desfazer os receios levantados no espirito da sua gente.
Só é conhecida a resposta que o piloto da _Victoria_, André de S.
Martin, deu a esta consulta, e essa năo foi favoravel ao proseguimento
da viagem. Este piloto, que era muito entendido em cosmographia, parece
que tinha seus aggravos de Magalhăes, e, ou por este motivo, ou porque
ia doente, e tanto que morreu depois na viagem, opinava pelo immediato
regresso a Hespanha, visto que estava achado o estreito, e o
proseguimento da viagem até encontrar o mar do Sul era muito arriscado,
no estado em que os navios se achavam--e ainda peior a gente que os
tripulava,--para resistir aos temporaes que podessem sobrevir, que
decerto, atrazariam a viagem, correndo o risco de faltarem os
mantimentos e todos morrerem á fome se escapassem das tormentas.
Năo obstante esta opiniăo, porventura muito sensata, Magalhăes deu suas
razőes para continuar a viagem, e a frota seguiu avante, mau grado da
maior parte da tripulaçăo.
A certa altura Magalhăes mandou uma chalupa com gente explorar o
estreito para o occidente. Năo tinham ainda navegado muito, quando,
approximando-se da Terra do Fogo, observaram que era cortada por grande
numero de canaes, que separavam a terra formando pequenas ilhas.
Seguindo por um d'esses canaes chegaram ao extremo de uma ponta de terra
para além da qual se descobriu entăo aos olhos d'aquella gente um mar
vastissimo, que devia ser, sem duvida, o mar do sul que procuravam.
É facil calcular o alvoroto que aquella descoberta produziu nos
tripulantes da chalupa; voltaram presurosos a dar a nova a Magalhăes,
tendo gasto tres dias no reconhecimento.
Pigafetta conta que todos choraram de alegria, e em verdade năo era para
menos tăo feliz descoberta.
Todos cobraram animo e a frota proseguindo na sua viagem chegou á tal
ponta de terra, que os navegantes denominaram acertadamente Cabo
Desejado.
A caravella _Victoria_ ia na frente e, sahido o estreito, que Magalhăes
denominou de Todos os Santos, em razăo do dia em que o tinha descoberto,
destinguiu uma outra ponta de terra onde a costa se quebrava para norte
e que donominaram Cabo Victoria, em honra do navio que primeiro o
dobrava. Para além d'este cabo é que se estendia o grande mar do sul.
XV
Transposto o estreito a que Magalhăes chamou de Todos os Santos, como
ficou dito, mas que um seculo depois era já conhecido por estreito de
Magalhăes[6] e entrada a frota no mar do Sul, estava ainda assim bem
longe o termo da penosa viagem, pois que năo lhe faltaram perigos e
trabalhos que passar.
Năo foram as tempestades que difficultaram a marcha, porque essas
felizmente năo assaltaram os navegantes n'aquelle mar, e tanto que estes
lhe chamaram mar Pacifico, que ainda hoje conserva; mas a propria
miseria em que se viam, faltos de saude e de alimentos, sem encontrarem
comestiveis nem poderem fazer aguadas nas ilhas a que iam aportando,
despovoadas e desprovidas das coisas necessarias á vida.
D'esta miseria nos dá boa idéa Pigafetta quando descreve, como
testemunha presencial, as necessidades e apuros em que se viram os
navegantes:
«Comiamos bolacha, diz Pigafetta, que estava feita em pó, cheio de
gorgulhos, que lhe tinham absorvido a substancia alimentar, com um sabor
acre detestavel da urina de ratos de que estava empregnado. A agua para
beber era, por egual pôdre e amarga. Para năo morrer de fome vimo-nos
obrigados a roer o coiro que forrava a verga grande e que impedia que a
madeira desgastasse os cabos; era, porém tăo duro o coiro, exposto a
agua, ao sol e aos ventos, que precisava estar de molho no mar quatro e
cinco dias, para ficar um pouco mais macio, pondo-o depois ao lume, e
assim o comiamos. Muitas vezes vimo-nos na necessidade de comermos
serradura de madeira; e os ratos, tăo repugnantes ao homem, chegavam a
ser o alimento mais apetitoso, pagando-se até por meio ducado cada um.»
«Mas ainda năo era tudo. Maior desgraça nos veio atacar, a de uma
enfermidade que consistia em nos inchar as gengivas cobrindo
completamente os dentes de ambas as mandibulas, a ponto de que os
atacados d'aquella doença năo podiam tomar nenhum alimento[7]. Além dos
mortos, cahiram doentes vinte e cinco a trinta marinheiros, com dores
nos braços, nas pernas e por outras partes do corpo, mas que emfim se
curaram.
«Pela minha parte năo sei dar bastantes graças a Deus, por durante este
tempo e entre tantos doentes năo ter tido a menor doença.»
Năo bastavam, porém, tantas provaçőes aos ousados navegadores, porque,
quando pensavam encontrar os viveres e refrescos de que tanto careciam,
vendo aproximarem-se de umas ilhas, em volta das quaes navegava grande
quantidade de barquinhos tripulados, depararam com bandos de selvagens,
que assaltando os navios, pretendiam roubar quanto podessem. Foi
necessario repellil-os á viva força e disparar sobre os barcos tiros de
artilheria. Só depois d'esta recepçăo é que os navegantes poderam entrar
com elles em commercio, trocando bagatellas que levavam por alguns
poucos viveres.
Depressa largou a frota d'aquellas ilhas e Magalhăes as denominou ilhas
dos Ladrőes, com que ainda săo conhecidas, chamando-se-lhe tambem ilhas
Mariannas em razăo das missőes que n'ellas estabeleceu a rainha D. Maria
Anna de Austria, măe de Carlos II.
D'estas missőes trata largamente o padre Gobien na sua _Histoire des
Mariannes_, impressa em Paris em 1701.
[6] Alguns escriptores tem dito que este nome foi posto pelo proprio
Magalhăes e ainda Buzeta e Bravo assim o dizem no _Diccionario
Geographico Historico de las Islas Filipinas_, é, porém, fóra de
duvida, que o estreito foi primeiro denominado de Todos os Santos,
como vem na relaçăo de Pigafetta e no Diario de Albo.
Nas cartas geographicas e livros de geographia da segunda metade do
seculo XVI já o estreito vem indicado com o nome do seu descobridor,
e apenas consta de um aucto lavrado por Pedro Sarmento de Gamboa,
quando atravessou o estreito em perseguiçăo do Corsario inglez
Drack, elle denominou o estreito Măe de Deus em razăo dos grandes
perigos que passou para o atravessar, e de que felizmente sahiu a
salvo, pedindo a Filippe II de Castella que lhe conservasse aquelle
nome em homenagem á Virgem que tăo milagrosamente lhe acudira.
Apesar d'isto Filippe II conservou ao estreito o nome do teu
descobridor.
[7] Esta doença é o escorbuto.
XVI
Havia mais de tres mezes que Magalhăes tinha atravessado o estreito com
a sua frota e năo podera até ali reconhecer as ilhas que encontrara.
Chegou o dia 16 de março de 1521, que era domingo de Lazaro, e com elle
o descobrimento de um novo archipelago, que Magalhăes denominou S.
Lazaro, em razăo do dia em que o descobrira.
A primeira ilha d'este archipelago era a ilha Zamal, assim denominada
pelos naturaes e que tambem se encontra nos mappas com o nome de Samar,
e ainda no _Diario de Albo_ com o nome de Suluan e Yunagan, como as
primeiras ilhas reconhecidas pelos castelhanos.
Foi n'este archipelago que Magalhăes desembarcou com parte da sua gente,
armando duas tendas para os doentes, e descansando alguns dias em terra,
da penosa e longa viagem que todos traziam.
A ilha escolhida foi a Humunu a que os navegadores chamaram Aguada dos
Bons Indios, por terem ali feito aguada e por seus habitantes serem
doceis, quasi timoratos, pelo menos em presença dos visitantes. Com
elles trocaram das bagatellas que levavam por viveres de que careciam.
Boa gente eram os indigenas d'esta ilha onde os navegantes poderam
descansar alguns dias; depois do que proseguiram viagem, avistando a 27
de março outras ilhas para O. e S. O. as quaes verificaram serem tambem
habitadas.
As novas ilhas denominavam-se Masavá ou Masaguá, Butuan e Calagan,
comprehendidas no archipelago que Magalhăes denominou de S. Lazaro e a
que depois se chamaram Filippinas em homenagem ao filho de Carlos V[8].
Năo foi difficil aos navegantes entrarem em boas relaçőes com os
habitantes d'estas ilhas, os quaes vieram em barcos ao encontro da frota
e falaram com Magalhăes por meio de um interprete, que os hespanhoes
levavam e que falava o malayo.
Tăo bem se entenderam, que o rei da ilha de Masavá veio a bordo fazer os
seus comprimentos a Magalhăes, trazendo-lhe presentes, que este năo quiz
acceitar, na primeira entrevista, para mostrar que năo o movia a cobiça,
e antes presenteou o rei com mercadorias que levava.
O rei de Masavá mostrou-se muito reconhecido a Magalhăes e tanto que,
pedindo este para com elle trocar viveres por fazendas, o rei lhe mandou
arroz e do mais que tinha recebendo tecidos de côres, que muito lhe
agradaram.
Na visita que o rei fez a bordo, Magalhăes mostrou-lhe as armaduras
d'aço dos seus soldados, que os tornava invulneraveis aos golpes ou aos
tiros das armas de fogo; fez exposiçăo das armas que levava, mandou
disparar a artilheria, o que tudo causou espanto ao rei indigena.
Isto deu motivo ao rei de Masavá para se considerar honrado com a
amizade d'aquelles extrangeiros subditos de um rei christăo poderoso, e
por isso dispensou-lhe toda a boa hospitalidade de que dispunha, n'uma
terra semi-selvagem.
A convite do rei, foi a terra Pigaffeta e outro companheiro para
conhecerem do paiz em que estavam.
Conta Pigaffeta que, quando desembarcou, o rei levantou as măos ao ceu,
e se virou para os visitantes que fizeram outro tanto.
Era isto signal de boa paz e de que tinham os extrangeiros como enviados
de Deus. Depois dirigiram-se para um alpendre feito de cannas, debaixo
do qual estava um _balangai_, embarcaçăo de uns cincoenta pés de
comprido, e se sentaram á poupa com o rei. Ali foi servida carne de
porco e vinho e só Pigaffeta é que se atrevia a tocar na escodella do
rei quando bebia. Os da comitiva do rei estavam de pé e armados de
lanças e escudos.
Apezar da falta de um interprete da lingua, intenderam-se por signaes e
assim foi Pigaffeta tomando nota da significaçăo de muitas palavras
escrevendo-as no seu caderno, admirando-se todos muito de o verem
escrever!
Ao fim do dia tornaram a comer carne de porco guisada e arroz, servido
em grandes pratos de porcellana, beberam mais vinho por escudellas e
quando acabou esta refeiçăo, foram para o palacio do rei, que era em
forma de uma grande meda de feno, coberto de folhas de platano, e
subiram para os aposentos reaes por uma escada de măo.
Meia hora depois de ali estarem foi servida nova refeiçăo de peixe
assado, gengibre e vinho. N'essa occasiăo viu Pigaffeta o filho mais
velho do rei que veiu sentar-se ao seu lado.
Esta refeiçăo durou mais algum tempo, sendo servido mais peixe e arroz,
e o companheiro de Pigaffeta bebeu tanto vinho que se embriagou.
Foi um verdadeiro dia de festa depois de tantos mezes de privaçőes.
N'aquella noite Pigaffeta e o seu companheiro dormiram no palacio do rei
ao lado do principe herdeiro, todos deitados em esteiras de cannas tendo
por cabeceira almofadas de folhas d'arvores.
Era o mais a que chegavam as commodidades da vida d'aquelle povo, apesar
de no paiz abundar o ouro, que facilmente se encontrava misturado com a
terra, em pedaços do tamanho de nozes e de ovos.
No palacio do rei havia jarros e muitos outros objectos fabricados
d'aquelle metal. O rei trazia brincos de ouro nas orelhas e os copos da
sua espada tambem eram do precioso metal.
No dia seguinte o rei convidou Pigaffeta e o seu companheiro para
almoçarem, mas os dois retiraram para bordo, agradecendo a boa
hospitalidade, beijando n'essa occasiăo o rei as măos dos visitantes ao
que estes corresponderam beijando as măos do rei.
Assim entabolaram os navegantes relaçőes com a gente da ilha de Masavá
que tăo bem os recebeu, que a frota ali se demorou até 4 de abril, em
que de novo se fez ao mar no proseguimento da sua derrota.
Durante o tempo, porem, que ali permaneceu passou o domingo de Paschoa e
n'esse dia desembarcaram uns cincoenta homens meios armados com o
respectivo commandante, e um padre para dizer missa em terra, n'um altar
que se armou.
Foi grande a admiraçăo d'aquellas gentes quando isto viram e perguntados
se năo professavam nenhuma religiăo, responderam erguendo as măos para o
ceu, como que dando a entender que reconheciam um ente supremo a que
chamavam _Abba_.
Assistiram os reis á missa e, ao offertorio beijaram a cruz e adoraram a
hostia consagrada, imitando tudo que viam fazer aos christăos.
Quando terminou a ceremonia Magalhăes apresentou uma cruz grande, diante
da qual todos se ajoelharam incluindo os indios, e fez entender ao
regulo que aquella cruz era o estandarte que o rei christăo lhe havia
confiado para implantar em toda a parte que chegasse; que n'aquella
terra a ia collocar no sitio mais elevado para que todo o mundo a visse
e a todos desse signal de ali terem sido bem recebidos pelos naturaes, o
que faria que outros que aportassem aquella ilha os tratassem bem. Que
os seus habitantes deviam, todas as manhăs fazer adoraçăo aquella cruz,
por que ella era o symbolo da redempçăo.
O rei prometteu a Magalhăes fazer o que este lhe dizia e ordenar aos
indios que assim o observassem.
A docilidade d'aquella boa gente deixou captivados os navegantes e
fortaleceu-lhes o animo para seguirem na sua empreza civilisadora, năo
concorrendo menos para augmentar a auctoridade moral de Magalhăes sobre
a sua gente.
[8] Alguns escriptores, mesmo os hespanhoes tem confundido estas
ilhas do archipelago de S. Lazaro com as ilhas dos Ladrőes, que já
citámos.
A obra de Mallot _Les Philippines_, publicada em Paris em 1846 năo
deixa duvidas a este respeito.
XVII
É d'aqui em diante que se vai passar a tragedia mais horrivel, que
enlutou a temeraria empreza de Magalhăes.
A 4 de abril de 1521 largou a frota do archipelago de S. Lazaro, depois
denominado das Filippinas, como já ficou dito, e dirigiu o rumo para a
ilha de Zebú, que o regulo de Masavá lhe indicara como um dos portos
mais importantes e mais proximos, para entrar em commercio.
Effectivamente, decorridos tres dias de viagem, avistaram uma ilha, e
aproximando-se d'ella viram que era muito povoada de casas construidas
sobre arvores collossaes.
Era a ilha de Zebú.
Magalhăes entrou em commercio com o rei d'aquella ilha, năo sem alguma
difficuldade, pois que o regulo queria que os hespanhoes lhe pagassem
egual tributo ao que era imposto ás embarcaçőes das ilhas visinhas que
vinham áquelle porto.
Custou a convencer o rei de que os hespanhoes năo lhe pagariam tal
tributo e, antes pelo contrario o exigiriam para si e lhe fariam guerra,
se o rei presestisse n'essa imposiçăo.
Trocadas explicaçőes de parte a parte, o rei de Zebú reconheceu a
inconveniencia e entrou em boa amizade com Magalhăes, annuindo a dar
privilegio aos hespanhoes para estabelecerem commercio na ilha, unica
exigencia que faziam e direito que se reservavam.
Foram, porem, mais longe as boas relaçőes que entabolaram com aquella
gente. O rei de Zebú manifestou desejo de ser christăo, depois de ouvir
as façanhas praticadas por portuguezes e hespanhoes, animados da grande
força moral que a religiăo do crucificado dava aos que observavam a sua
lei.
O baptismo do rei de Zebú celebrou-se com grande aparato, e năo só este
rei mas muitos outros regulos ou senhores d'aquella ilha, rainhas e boa
parte da populaçăo receberam a agua do baptismo.
Năo se poderá affirmar que a convicçăo ou a fé os movesse a tăo
facilmente abraçarem a religiăo de Jesus Christo, porque de certo o
espirito d'aquella gente năo poderia estar preparado para comprehender
toda a sublimidade do christianismo; mas sim os attrahiu a curiosidade e
ainda mais a idéa de que o baptismo lhes daria mais coragem e valor para
vencerem seus inimigos nas guerras que traziam com os povos vizinhos.
Sim, isto sobretudo é que os devia ter attrahido.
Viam alli gente christă que os deslumbrava com o seu poder, que elles
consideravam como sobrenatural, quando a artilharia disparava tiros
retumbantes, e a mosquetaria fuzilava lume pelo ar; e sem poderem ainda
apreciar a grande vantagem das armaduras, contra as quaes se embotariam
as suas agudas settas, pois năo haviam entrado em lucta, o fogo das
armas lhes bastava para os maravilhar, apesar dos christăos só terem
dado descargas de polvora secca.
Dominados aquelles indigenas pelo prestigio dos christăos, foi
relativamente facil a Magalhăes obter d'elles quanto queria; e assim o
rei de Zebú jurou solemnemente fidelidade a Carlos V, e com elle todos
os senhores da ilha submissăo ao imperador das Hespanhas.
Năo, obstante o reconhecimento da auctoridade de Carlos V e da submissăo
dos habitantes da ilha de Zebú, o senhor ou rei de outra ilha proxima
năo approvou o procedimento dos seus vizinhos, e por isso, quando alli
foram os hespanhoes, para entabolar relaçőes, o rei negou-lhes
obediencia.
Isto deu logar a uma demonstraçăo de força dos hespanhoes, que
incendiaram uma aldeia da ilha, retirando-se depois nas chalupas.
O regulo que năo quizera reconhecer a auctoridade dos extrangeiros,
chamava-se Silapulapú; mas outro regulo da mesma ilha, chamado Lula,
mostrou-se mais docil, e tanto, que prometteu a Magalhăes o mandar-lhe
presentes em troca dos que d'elle recebera.
Este Lula, consciente ou inconscientemente, foi a causa da desgraça do
grande navegador. Elle incitou, por assim dizer, Magalhăes a fazer a
guerra a Silapulapú, e se o fez de boa fé, ou de plano concertado, para
dar ruina aos christăos, é o que a historia năo diz, mas se poderá
inferir pelo modo como Lula procedeu.
Na manhă de 26 de abril de 1521, enviou Lula um seu filho a Magalhăes
com duas cabras, dizendo-lhe que, se năo mandava mais presentes, năo era
por sua culpa, mas porque Silapulapú a isso se havia opposto,
persistindo em năo reconhecer a auctoridade dos hespanhoes. Dizia mais o
Lula que, se Magalhăes lhe mandasse alguns dos seus homens de guerra,
elle promettia, com a sua gente, reduzir á obediencia o Silapulapú.
Esta simples mensagem de Lula foi para Magalhăes como que um repto á sua
coragem e valentia.
Năo se diria nunca que Fernăo de Magalhăes hesitava um momento quando
lhe reclamavam o esforço do seu braço, a bravura do seu animo. Elle,
soldado ousado, que havia ferido guerras em Africa, e que ha tanto tempo
conservava a espada na bainha, sem ter ensejo de retemperar o aço da sua
lamina, rechassando o inimigo; elle, a quem a aventura attrahia e
povoava a sua imaginaçăo das mais seductoras façanhas, encontrava alfim
novo ensejo para experimentar se o seu braço ainda era o mesmo e se a
boa estrella, que tinha guiado sempre as suas armas, mais uma vez o
conduziria á victoria.
As circunstancias, porém, năo se apresentavam muito favoraveis, e d'isso
o quiz convencer Joăo Serrăo, homem experiente, que năo se deixava
fascinar pela gloria, mais que duvidosa, da temeridade d'aquelle feito.
Era preciso attender a que a gente de Magalhăes estava consideravelmente
reduzida: uns, tinha-os a morte levado; outros, as doenças e trabalhos
da viagem os haviam impossibilitado. Os válidos eram poucos, e esses
mesmos meio depauperados.
Tudo isto ponderou Serrăo a Magalhăes. O rei de Zebú tambem se mostrou
contrario á resoluçăo do grande capităo, apesar de năo poder calcular
toda a força e valentia de que os christăos poderiam dispôr, na conta em
que os tinha de homens extraordinarios, por assim dizer, sobrenaturaes.
Entretanto sabia que o inimigo era assaz numeroso, e pelo sentimento
nato de que, contra a força năo ha resistencia, elle pensava, a despeito
de todas as maravilhas creadas no seu espirito, quanto era arriscada e
talvez fatal para os hespanhoes a lucta que ia travar-se.
Magalhăes năo attendeu as razőes nem os conselhos dos seus e do rei de
Zebú. Costumado a mandar e a ser obedecido, tanto mais depois de ter
subjugado os proprios elementos para chegar ao termo da sua empresa,
nenhumas forças seriam capazes de o demover da resoluçăo que tomára, de
submetter pelas armas os habitantes da ilha de Mactan que se negavam a
prestar obediencia.
O numero dos seus soldados pouco lhe importava, como pouco lhe importava
se o inimigo era assás numeroso. Estava elle com o seu braço e com a sua
espada costumada á guerra contra infieis. Vencera em Africa muitas vezes
contra milhares de indigenas, e de que façanhas se poderia orgulhar se
assim năo fôra!
A sua espada e a sua fé valiam por um exercito; sob o seu commando e ao
seu lado cada soldado valia por mil. Eram assim as guerras d'aquelle
tempo contra os povos d'alem mar, como o tinham sido na peninsula contra
os mouros; a cruz levava de vencida o crescente por toda a parte; porque
năo havia de triumphar tambem alli?!
Para quem com tanta firmeza e sacrificio tinha desvendado os mares
procellosos, para dar a volta ao mundo, luctando tenazmente pela sua
idéa, tantas vezes contrariada pelos elementos e pelos homens, que valia
agora a resistencia de uns selvagens?
Muito maiores obstaculos tinha elle destruido no seu caminho,
sobrando-lhe sempre animo para proseguir avante, e năo podia
comprehender que homens como aquelles que o acompanhavam na temeraria
empresa que se propôs, que com elle tinham compartilhado dos perigos
para alli chegarem, se arreceassem agora de entrar em guerra com um
bando de selvagens, e medissem primeiro cautelosamente as forças para se
lançarem na lucta, quando nem sabiam ao certo o numero dos inimigos nem
as armas de que elles dispunham.
O rei de Zebú era suspeito para informar da quantidade e qualidade do
inimigo. Quem podia affirmar o contrario?
O triumpho das armas christăs importaria a submissăo completa e
incondicional de todos aquelles povos, e o grande capităo năo só teria
coroado a sua empresa de encontrar o mar do sul, mas traria á Hespanha
tributarios os povos d'aquellas regiőes, fascinados e submettidos pelo
prestigio das suas armas.
Era de tentar a cartada! Quem lhe poderia resistir?!
XVII
Passou-se o dia 26 e a noite em aprestos para o ataque.
O grande capităo reuniu todos os homens de guerra, que năo excediam a
sessenta, pelo que diz Diego Arana, armados de couraças e de cascos; o
resto eram enfermos, incapazes de entrarem em combate. Mandou arrear
algumas peças de artilharia para as chalupas, escudos sobrecellentes e
mosquetes, muniçőes e alguns comestiveis, năo muitos, pois năo os havia
para larguezas; mas o que faltava ao corpo, abundava no espirito, porque
a gente de guerra estava desejosa de bater-se, tanto tempo havia
decorrido que năo experimentava armas.
Era natural.
Pela meia noite principiou o embarque nas chalupas.
Havia passado um anno e sete mezes que esses valentes tinham embarcado
tambem, em S. Lucar de Barrameda, para a famosa expediçăo, cheios de
enthusiasmo, a correr aventuras como agora.
Em S. Lucar o sol de agosto aquentava-lhes mais o espirito e inundava de
luz o mar a que se faziam suas caravelas, levadas como que entre nuvens
de fumo dos tiros de artilharia, que diziam o ultimo adeus ás terras de
Hespanha.
Em Zebú, porem, a partida era differente; o véo da noite envolvia a
terra e os mares; o sol năo saudava aquelles valentes, que entăo como
agora iam jogar a vida. Tinham de abafar o seu enthusiasmo no meio do
silencio de uma noite triste e funebre, em que no céo apenas uma ou
outra estrella vagueava sua luz tremente, como olhos marejados de
lagrimas. Năo havia coraçőes amigos a saudal-os na despedida, mas gente
barbara e extranha que os olhava temerosa e desconfiada.
Que differença!
E em silencio se fez o embarque, a que assistiu Fernăo de Magalhăes,
embarcando elle na ultima chalupa.
O rei de Zebú, com um dos principes e outros senhores da ilha, seguiram
os christăos em balangais, com indios armados de piques.
Vento fresco encrespava o mar por onde os barcos iam correndo, ora
orçando da vaga ora arribando para o vento.
Magalhăes, de pé, á pôppa da sua chalupa, vigiava todo o governo e
ordenava a manobra.
Ia satisfeito; pelo seu espirito năo passava sombra de receio da
aventura em que ia lançar-se. As horas pareciam-lhe mais longas que de
costume; a noite năo tinha fim!
Proximo da madrugada chegavam as chalupas á ilha de Mactan, e o primeiro
impulso de Magalhăes foi o desembarcar immediatamente com os seus homens
de guerra, mas năo era possivel. A maré estava baixa e as ondas
quebravam-se com violencia contra os cachopos da praia, elevando-se
espumantes para o ar.
Qualquer barco que tentasse abordar á terra correria o risco de se
despedaçar entre os recifes.
Comtudo a impaciencia de Magalhăes năo lhe soffria delongas e, sem
attender ao perigo, ordenou a um mouro, que ia nas chalupas, para que da
sua parte fosse intimar o regulo de Mactan a reconhecer a soberania do
rei de Hespanha e prestar obediencia ao rei christăo de Zebú, pagando os
tributos exigidos; de contrario os castigaria pelas armas[9].
Foi-se o mouro com a intimaçăo, e se escapou de mergulhar entre os
recifes, quasi ia ficando preso na ilha, pois os rebeldes năo se
intimidaram com as suas palavras e antes responderam que: saberiam
defender-se e resistir aos christăos, pedindo sómente que os năo
atacassem de noite.[10]
Assim voltou, a custo, o mouro a participar ao chefe o resultado da sua
missăo.
Como se poderá descrever o desespero e impaciencia de Magalhăes ao saber
a resposta d'aquelles barbaros, que mais incitava os seus brios de
guerreiro? Queria desembarcar logo com a sua gente e atacar os rebeldes,
ainda que de noite, e teria cedido ao primeiro impulso se năo fôra o rei
de Zebú dissuadil-o de tal temeridade, fazendo-lhe conhecer a tactica
d'aquella gente, que, para se defender, se fosse atacada de noite,
abriria fojos em volta da ilha, cheios de estacas aguçadas como lanças,
onde os hespanhoes cahiriam cegamente como em armadilha bem disposta
para os caçar.
Por isto se conhece a dissimulada astucia d'aquelles barbaros, pedindo
para os năo atacarem de noite, como se para tal năo estivessem
prevenidos, o que certamente incitaria os castelhanos a realizar o
ataque, mais seguros do resultado.
Magalhăes, acreditando ou năo no que lhe observou o rei de Zebú,
precaveu-se do logro e achou por mais seguro realizar o desembarque de
dia para melhor medir o campo em que tinha de operar.
Mal a aurora despontou, as chalupas approximaram-se da praia tanto
quanto permittia a maré, que ainda estava baixa, e Magalhăes desembarcou
com parte da sua gente, dando a agua pela cintura a todos, de modo que
năo puderam transportar a artilharia.
Isto obrigou a que nas chalupas ficassem homens a guardar as peças, além
d'aquelles que tinham de tomar conta nos barcos, o que reduziu o numero
dos combatentes que acompanhavam o chefe.
Para mais, Magalhăes năo acceitou o auxilio de gente que lhe offereceu o
rei de Zebú, talvez por năo lhe merecer grande confiança; e, julgando-se
mais seguro com os seus cincoenta homens, que tantos desembarcariam,
avançou para terra resoluto a bater os barbaros.
Ainda bem năo tinha disposto a sua gente em acçăo, quando, por um dos
flancos, lhe surde d'entre o matto uma manga de indios armados de
flechas e escudos. Trava-se logo a lucta, rompendo os hespanhoes fogo de
mosquetaria, que pouco alcançava o inimigo. Este despedia-lhe suas
flechas, que se embotavam contra os cascos e couraças dos christăos; mas
bem năo tinha começado o ataque, quando outra manga apparece pelo flanco
opposto a atacal-os, o que obrigou Magalhăes a dividir a sua gente em
duas columnas, para fazer frente ao inimigo.
Cresce a lucta, redobra o esforço.
As flechas săo impotentes contra as couraças, mas a mosquetaria vai
derribando os indios, ganhando os christăos terreno.
Năo se acobardam os barbaros com as perdas soffridas, e disputam a
posiçăo com inesperado valor. Em alguma cousa se fiam para arrostarem
com os christăos. Contam com a sua superioridade numerica, que năo tarda
a ser reforçada, e agora apparece pela frente outra manga, tanto ou mais
numerosa que as primeiras, arrogante e bem armada de varas de madeira
endurecidas ao fogo, que ferem como laminas de aço.
Magalhăes e a sua gente vęem-se cercados por todos os lados. Elle, só á
sua conta, tem rechassado um bom numero de indios; braço vigoroso, animo
decidido, năo cansa.
Tenta dividir o inimigo; e manda lançar fogo á povoaçăo, para que elle
corra a dominar o incendio.
Mas esta estrategia năo dá resultado, porque os indios mais se
exasperam, e alguns, correndo sobre os incendiarios, ainda colhem dois a
quem logo dăo a morte.
As numerosas mangas văo crescendo cada vez mais sobre os hespanhoes,
arremessando-lhe um sem numero de flechas, varas e pedras, que lhes
atiram os cascos fóra da cabeça.
Alguns, considerando-se perdidos, já fogem para a praia e entram na
agua, que lhes chega quasi aos hombros, em procura das chalupas, onde se
refugiam.
Magalhăes resiste sempre, acompanhado pelos mais fieis e corajosos, que
todos se batem com denodo.
Os indios, vendo que as suas flechas resvalam das couraças e caem na
areia sem causar damno ao inimigo, apontam-n'as mais baixas, procurando
ferir as pernas dos adversarios. Este expediente dá-lhes resultado,
porque os homens de Magalhăes debandam em maior numero, sentindo-se
feridos. Entretanto é ao chefe que os indios mais assestam as suas
pontarias até que uma flecha lhe acerta n'uma perna.
Magalhăes năo perde um momento a sua coragem, sustenta a lucta e anima
os seus a que o egualem.
--Por Santiago matemos estes miseraveis!
E batia-se para a frente e para os lados, levando com a sua lança a
morte aos inimigos, que năo o poupavam.
Por duas vezes lhe fazem saltar fóra da cabeça o casco com pedradas que
lhe atiram.
Mas elle năo se estonteia nem recua; pőe-n'o de novo e continua na
tremenda lucta.
Agora é uma flecha que se lhe crava na face, mas elle cresce sobre o
audacioso, embebendo-lhe a lança no corpo! Outra flecha trespassa-lhe o
braço direito quando elle vai a desembainhar a espada, que fica na
bainha. Solta entăo um rugido de dôr e de desespero, porque se vę
desarmado.
Grita pelos seus, mas inutilmente, porque uns jazem por terra e outros
teem-se precipitado para as chalupas.
Sente-se abandonado no meio do inimigo. Um esforço supremo para se
desaffrontar. Sobra-lhe na alma coragem para bater-se até a morte, mas
fallece-lhe no corpo força para reagir.
Os indios percebem que o valente capităo já os năo póde ferir, e
lançam-se sobre elle como chacaes.
Deitam-n'o por terra, e elle ainda se ergue uma e mais vezes com esforço
heroico, a clamar pela sua gente; mas ninguem o ouve nem lhe póde
acudir.
Nem um d'entre elles, diz Pigafetta, havia que năo estivesse ferido e
pudesse soccorrer ou vingar o seu chefe. Precipitaram-se para as
chalupas, que estavam prestes a partir, e deveram a sua salvaçăo á morte
de Magalhăes, porque, quando elle succumbiu, os indios correram todos
para o logar onde elle tinha cahido.
Fernăo de Magalhăes poderia entăo, como o infante D. Pedro, em
Alfarrobeira, soltar aquella phrase memoravel:
--Vingar ahi villanagem!
Năo havia já resistencia possivel.
Os indios cahiram em massa sobre o desventurado capităo; crivaram-n'o de
flechas, lançaram sobre elle pedras para o acabarem de matar, e só
quando estavam bem seguros de que elle já năo tinha alento de vida, é
que deixaram a presa!
[9] Diego Arana, _Vida e Viagens de Fernăo de Magalhăes_.
[10] _Idem._
XVIII
Morreu o grande capităo ás măos dos selvagens de Mactan, n'uma lucta tăo
heroica quanto ingloria, para quem se tinha proposto a tăo grande
empresa e a levara a cabo através de todas as difficuldades e perigos.
Fernăo de Magalhăes, costumado a vencer até os proprios elementos,
levou-se de enthusiasmo e năo mediu o perigo de assim se expôr á morte
que lhe traria ruina para elle e para a sua gente, que sem o chefe e
desprestigiada, bem poderia ser victima d'aquelles selvagens, e perder o
fructo de tantos sacrificios, ficando ignorado do velho mundo o
resultado da aventurosa viagem, se nenhum dos ousados mareantes lograsse
voltar á Europa, como quasi ia succedendo.
A morte do heroe teve effeitos desastrosos para toda a expediçăo, que
desde aquelle momento perdeu o prestigio que a fazia respeitar e temer
no espirito dos habitantes das ilhas.
O rei de Zebú, que tăo docil se mostrara, chegando a fazer-se christăo e
a alliar-se com estes contra os selvagens de Mactan, depressa mudou de
idéas e concertou com os seus para dar morte aos castelhanos
traiçoeiramente.
Cinco dias depois do triste acontecimento que acabamos de narrar, a 1 de
maio de 1521, nova desgraça viera ferir os castelhanos. Moveu-a a
intriga e o despeito de um escravo de Magalhăes, que era o lingua da
expediçăo, pelo que refere Pigafetta e conforme o que Sebastiăo de
Elcano declarou no inquerito que, em 1522, se levantou sobre a viagem de
Magalhăes e tragico fim do valoroso capităo.
Aquelle escravo tinha seus aggravos de Duarte Barbosa que, com Serrăo,
tomara o commando da frota, e para vingar-se persuadiu o rei de Zebú de
que os christăos o queriam trazer captivo para a Europa. Esta falsa
denuncia foi como que o fogo lançado ao rastilho, pois de mais estava já
o rei de Zebú incitado pelos regulos de Mactan, que o ameaçavam de morte
e destruir-lhe os seus dominios se elle năo desse cabo dos castelhanos.
Faltando-lhe, porém, a coragem para se defrontar com os europeus em
lucta leal, o rei de Zebú recorreu á traiçăo. Continuou a mostrar-se
muito amigo dos castelhanos e fiel subdito do rei de Castella, ao qual
queria mandar um valioso presente. Para fazer entrega d'esse presente
convidou os commandantes Barbosa e Serrăo a jantarem com elle em terra e
que trouxessem os immediatos e mais pessoas da frota que entendessem,
com o que lhe dariam grande honra.
Duarte Barbosa, Joăo Serrăo e mais vinte e sete homens, entre os quaes
se encontravam Luiz Affonso de Goes, portuguez arvorado commandante da
caravella _Victoria_, depois da morte de Magalhăes, o piloto André de
San Martin, Sancho de Heredia e Leăo da Espeleta, escrivăes da frota, e
o capellăo Pedro da Valderrama.[11]
Foi isto na manhă do citado dia 1.ş de maio. O rei de Zebú com alguma
gente de seu sequito aguardava na praia a chegada dos convidados e, logo
que estes desembarcaram, encaminharam-se todos para um palmar, á sombra
do qual estava preparada a refeiçăo.
O logar năo podia ser mais ameno para resguardar dos raios ardentes do
sol, que a custo penetravam aqui e acolá por entre as fisgas das largas
folhas das palmeiras que formavam abobada sobre o recinto do festim,
vindo reflectir nos vasos de ouro e nas porcellanas dispostas sobre a
esteira que fazia de mesa, como era uso.
O rei apparentava toda a docilidade e gentileza de que podia dispôr, e
com elle a sua côrte se mostrava em extremo submissa aos christăos, de
modo que nada fazia suspeitar da traiçăo que tinham armado; só Joăo
Serrăo desconfiava de alguma cilada, mas pouco valeu a sua desconfiança,
porque Duarte Barbosa, nada receando, instou com elle para que o
acompanhasse, e Serrăo accedeu para năo ser tido por timorato ou
cobarde.
Em volta da esteira todos se sentaram e principiaram a servir-se do que
havia, comendo e bebendo em boa convivencia; mas cedo reconheceram o
engano, porque um bando de indigenas armados, que surdiu de emboscada,
lançou-se traiçoeiramente sobre os castelhanos e logo se armou alli uma
lucta braço a braço, cada vez mais terrivel, sendo os indigenas em tăo
grande numero que impossivel era submettel-os.
Os castelhanos foram todos assassinados e só Joăo Serrăo escapou
n'aquelle momento á furia dos selvagens por um certo prestigio que tinha
sobre elles.
De pouco isso lhe valeu! Dois tripulantes, mais felizes que seus
companheiros, que em terra pereceram na lucta desegual, haviam-se
afastado ao desembarque, suspeitando de alguma cilada, e assim que
conheceram a traiçăo, foram-se para bordo a dar parte ao piloto
portuguez Joăo Carvalho do que occorrera em terra. Carvalho
immediatamente mandou approximar os navios da terra e rompeu fogo de
artilharia contra a ilha.
Os indigenas, sentindo os tiros, apoderam-se de Joăo Serrăo depois de
encarniçada lucta, em que este ficou mal ferido, e atando-o de pés e
măos, conduziram-n'o á praia ás vistas dos seus companheiros que dos
navios continuavam a fazer fogo sobre a ilha.
Serrăo vę-se perdido e grita e clama para os seus que cessem fogo e
tragam presentes áquella gente para o resgatar. A confusăo, porém, é
enorme; Joăo Carvalho năo póde dar ouvidos a taes clamores, e receia
nova traiçăo dos indigenas, para se apoderarem do resto da sua gente e
dos mal defendidos navios.
Para que se năo perca tudo ingloriamente, só resta abandonar aquellas
ilhas e fazer-se ao mar, para voltar a Hespanha como pudesse, e,
emquanto Joăo Serrăo ficava na praia gritando para que o salvassem,
porque o matariam assim que os navios largassem suas velas, Joăo
Carvalho foi ordenando as manobras e aproando ao mar as caravellas.
Serrăo, a quem os indigenas, no primeiro impeto, haviam poupado a vida,
soffreu as torturas de morrer inanime ás măos d'aquelles selvagens,
vendo fugir-lhe a unica esperança de salvaçăo, que por momentos o
animara, com a partida da frota.[12]
Triste e vergonhosa retirada aquella para gente que a tanto se afoitara;
mas é evidente que já faltava alli o espirito do grande capităo
portuguez que a animara e conduzira, por vontade ou por força, a dar a
volta dos mares, realizando a primeira viagem de circumnavegaçăo.
Em Mactan deixaram Magalhăes morto, que nem seu cadaver puderam arrancar
do poder dos indigenas, e assim perderam a alma d'aquella empresa que
assombrou o mundo; em Zebú ficavam Duarte Barbosa e Joăo Serrăo com seus
companheiros victimas de uma traiçăo.
De melhor sorte eram dignos aquelles bravos, que nem tiveram quem alli
os vingasse.
[11] Diego Arana, _Vida e viagens de Fernăo de Magalhăes_.
[12] Pigafetta, liv. II--Herrera, dec. III, liv. I, cap. X.
Sobre este ponto encontro uma discordancia em Gaspar Correia quando
este se refere á morte de Fernăo de Magalhăes, no tomo II das
_Lendas da India_.
Segundo o phantasioso chronista, Fernăo de Magalhăes năo morreu ás
măos dos indigenas da ilha de Mactan, mas sim no banquete do rei de
Zebú, tendo ficado vencedor em Mactan, o que discorda completamente
de todos os chronistas que referem esta viagem e das declaraçőes
feitas por Sebastiăo de Elcano e seus companheiros, no processo
instaurado em Sevilha no anno de 1522.
Gaspar Correia, na sua linguagem barbaresca, que modificaremos para
melhor ser entendida hoje, diz, referindo-se ao combate com os
indigenas de Mactan: «O rei corrido, vendo-se assim destroçado,
concertou traiçăo com o rei christăo e fez com elle ajuste de casar
com sua filha e com juras que, morrendo elle, que era velho, tudo
lhe deixava e viveriam sempre amigos, porque os castelhanos se iriam
embora, e se năo acceitasse isto e lhe năo desse modo de matar os
castelhanos, lhe faria guerra. O que o rei christăo, como homem
brutal, consentiu na traiçăo e preparou grande festa e banquete pelo
vencimento, e convidou Magalhăes, que foi ao banquete com trinta
homens os mais honrados e bem vestidos, onde estando todos no
banquete folgando, entraram os inimigos armados e mataram a
Magalhăes e os castelhanos, năo escapando nenhum e o Serrăo o
despiram e arrastaram á praia onde o justiçaram e mataram
arrastado.»
XIX
Foram mais previdentes que humanos os mareantes, que se fizeram á vela
sem empregar alguns meios de salvar o Serrăo e vingar a morte de seus
companheiros. Mas nem por isso foram mais felizes no proseguimento de
sua viagem, que a fortuna raro corôa acçăo ruim.
Chegados á ilha de Bohol, agora uma das Filippinas, reconheceram quanto
era reduzido o pessoal para as manobras das tres embarcaçőes que
restavam da flotilha de Magalhăes. Apenas havia 115 homens, e por isso
Joăo Carvalho, que ia commandando agora a frota, determinou que se
lançasse fogo á caravella _Conceiçăo_, por ser a mais arruinada, e a
tripulaçăo d'esta fosse distribuida pela _Victoria_ e _Trindade_.
Assim aportaram a mais algumas ilhas do archipelago e em todas tractaram
e fizeram commercio com os naturaes.
Na ilha de Borneo, porém, onde aportaram a 8 de julho, iam ficando
captivos, ou mortos se, suspeitando da traiçăo que os naturaes lhe
preparavam, năo largassem immediatamente para o mar, vendo que se
dirigia para os navios grande numero de pirogas e juncos cheios de gente
armada.
Foi preciso fazer fogo de artilharia sobre aquelles barcos, com o que
destruiram a muitos chegando a aprisionar 16 homens e treze mulheres.
Entre os prisioneiros contaram o filho do rei da ilha de Luzon, o que
seguramente era boa presa, para com ella Joăo Carvalho resgatar um filho
seu e mais dois castelhanos que haviam ficado em terra, quando as
caravellas tiveram que se fazer ao largo. Mas năo o entendeu assim o
Carvalho, preferindo receber ouro pelo resgate, o que valeu o mesmo que
sacrificar o filho e os dois companheiros, porque os insulanos năo lhe
entregaram os captivos a despeito de todas as diligencias que elle fez
para esse fim.
Era, por desgraça, o justo premio do que praticára em Zebú.
D'esta torpeza cedo teve que se arrepender o Carvalho, que certamente
năo seria com acçőes d'este jaez que elle, havia de conservar e até
augmentar seu prestigio entre os demais.
D'ahi lhe resultou seguramente o ser deposto por seus companheiros que,
reunidos, resolveram dar o commando da _Trindade_ a Gonçalo Gomez de
Espinosa, e o da _Victoria_ a Joăo Sebastiăo de Elcano, fidalgo
biscainho, que até ahi se conservara na sombra.
Foram estes dois capităes que conseguiram levar seus navios até as
Molucas, năo sem grandes difficuldades, pois năo tinham a latitude certa
em que demoravam. Valeram-se para isso de pilotos que aprisionaram, em
embarcaçőes que iam encontrando por aquelles mares, e d'este modo
lograram seu intento com grande alegria e proveito, segundo refere
Pigafetta.
Foi a 8 de novembro que a _Victoria_ e a _Trindade_ fundearam no porto
da ilha de Tidore. Haviam chegado, emfim, ás terras das especiarias,
sonho dourado d'aquelles tempos e que déra causa áquella viagem
aventurosa.
Os portuguezes já por alli tinham andado e disposto os naturaes para o
tracto com os europeus, e por isso os hespanhoes encontraram melhor
acolhimento, facilitando o seu commercio, em que trocaram tecidos por
cannella, noz-moscada, pimenta e cravo.
Os capităes celebraram tractados de commercio e vassallagem com os
regulos e, apressando o regresso, para trazerem tăo boas novas a Carlos
V e á patria, dispuseram-se a partir em meio de dezembro.
Só porém a caravella _Victoria_ pôde largar da ilha de Tidore, a 21 de
dezembro, ficando a _Trindade_ de querena, pois precisava de grande
concerto nas obras vivas.
A _Victoria_ veiu tocando em mais algumas ilhas, provendo-se de sandalo
e de cannella, seguindo a rota que os portuguezes faziam nas suas
viagens para a India, segundo diz Pigafetta.
Trazia 60 homens de tripulaçăo, entre estes treze naturaes da ilha; mas
os trabalhos, as doenças e as insubordinaçőes vieram dizimando esta
gente, morrendo uns e tendo que se executarem outros por seus delictos
graves.
Quando a _Victoria_ aportou á ilha de Sant'Iago de Cabo Verde, a 9 de
junho de 1522, obrigada pela fome, que já victimara alguns homens de sua
tripulaçăo, estava cada vez mais reduzida.
Em Sant'Iago năo foram mais felizes, porque os portuguezes, ciosos de
que extranhos andassem em exploraçăo de mares e terras que a elles só
competia, quizeram apresar o navio castelhano e a gente que n'elle
vinha, logo que souberam, por denuncia de um tripulante, da viagem que
vinham fazendo.
A _Victoria_ teve, por isso, de largar precipitadamente, năo sem lhe
ficarem em terra doze homens prisioneiros dos portuguezes.
Finalmente a 6 de setembro de 1522 chegava á bahia de S. Lucar de
Barrameda a _Victoria_, commandada pelo afortunado Sebastiăo de Elcano e
com dezoito homens dos 265 que tres annos antes haviam partido na
expediçăo.
Dia de jubilo para alguns e de tristeza para muitos foi o da chegada da
_Victoria_ a S. Lucar de Barrameda. Os que se regosijavam por ver chegar
os que lhe pertenciam, mal acalmavam os lamentos das viuvas, das măes ou
das irmăs, que debalde procuravam entre os recemchegados, os maridos, os
filhos ou os irmăos.
Eram tăo poucos os que voltavam e tantos os que haviam partido!
Que de sacrificios năo custara aquella viagem; que de vidas immoladas á
civilizaçăo, desde a do chefe da frota até a do mais obscuro marinheiro!
Entretanto a noticia do regresso espalhava-se por toda a Hespanha,
levando a admiraçăo e o espanto á gente por aquelles ousados
navegadores.
Carlos V, que chegara da Allemanha, ao saber a boa nova escrevia a
Sebastiăo de Elcano, ordenando-lhe que fosse á sua presença a contar-lhe
da viagem: «E quero, dizia, que me informeis mui particularmente da
viagem que haveis feito, e do que n'ella succedeu, e vos mando que, logo
que esta vejais, tomeis duas pessoas das que comvosco vieram, das mais
cordatas e de melhor razăo, e vos partais com ellas para onde eu
estiver, que por este correio escrevo aos officiaes da Casa de
Contractaçăo das Indias, que vos vistam e vos assistam com todo o
necessario a vós e ás dictas duas pessoas».[13]
Sebastiăo de Elcano apressou-se a ir á presença de Carlos V, que estava
em Sevilha, fazendo-se acompanhar de Pigafetta, o qual apresentou ao
imperador um livro manuscripto, relatando dia a dia a viagem de
circumnavegaçăo.
Carlos V ficou maravilhado e encheu de honras e pensőes Sebastiăo de
Elcano, mais afortunado que Fernăo de Magalhăes a quem essas honras e
pensőes deviam pertencer. Ao piloto hespanhol concedeu Carlos V a pensăo
annual de 500 ducados de ouro, auctorizaçăo para se acompanhar sempre de
dois homens armados, e um brasăo de armas quartelado, representando
scenas da viagem, e tendo por timbre um globo com a inscripçăo: _Primus
circumdidiste me._
Eram o brasăo e timbre que deviam pertencer a Fernăo de Magalhăes, que
tăo infeliz foi que nem sequer o pôde legar a seus descendentes, como
era seu desejo.
O filho e esposa de Magalhăes pouco sobreviveram ao grande capităo, pois
que o primeiro morreu em 1521 e a segunda um anno depois; e o mesmo
succedeu a Diogo Barbosa, seu sogro, e mais parentes, que poucos annos
se lograram, desapparecendo assim no tumulo os poucos herdeiros do
grande navegador.
A fortuna vária năo deixou pois a Magalhăes gosar os fructos da sua
gloriosa empresa; outro colheu os louros e os brasőes de tal feito; mas
năo é o nome d'este afortunado que a historia commemora; năo é a
Sebastiăo de Elcano que a sciencia venera e agradece os beneficios que
lhe legou, e sim a Fernăo de Magalhăes, porque foi elle que lidou para
obter os navios em que devia fazer a travessia dos mares, e com que
custo o conseguiu elle! foi Magalhăes que dirigiu os mareantes e os
reduziu á obediencia tantas vezes quantas contra elle tentaram
revoltar-se; foi elle que affrontou a resistencia dos homens e a furia
dos elementos; que, zombou das tempestades e jogou a vida quando, todos
e tudo conspirava contra ella, e levou avante a sua idéa, incutindo
animo quando todos desfalleciam, e assim chegou ao fim, circumnavegando
os mares, passando de um mar ao outro, sem outro guia que os seus
proprios calculos, deixando ao mundo aberta a passagem para o mar do
sul, passagem que nenhum navegador antes d'elle lograra encontrar.
É de Fernăo de Magalhăes a gloria; foi este portuguez que deixou o nome
seu memorado nos mares do novo mundo, como nas cartas geographicas está
gravado; e năo bastando isto, o nome do grande portuguez elevou-se ao
espaço infinito e com elle marcou nos ares duas bellas nebulosas que săo
conhecidas por nuvens de Magalhăes.
Duradoura gloria esta que viverá tanto como o mundo. Nos mares e nos
céos o nome de Fernăo de Magalhăes!
Diz John Herschel, em uma carta datada do Cabo da Boa Esperança, em 13
de junho de 1836:[14] «As nuvens de Magalhăes, _nubecula major_ e
_nubecula minor_, săo muito notaveis. A maior compőe-se de acervos
estellares irregularmente dispostos, de outros acervos esphericos e de
estrellas nebulosas entremeadas de nebulosas irreductiveis. Estas
ultimas parecem formadas por uma poeira estellar. O proprio telescopio
de 20 pés năo tem bastante poder para as revelar estrellas.
«Aquellas nebulosas produzem uma claridade geral que illumina o espaço
da visăo e estabelece um fundo esplendoroso em que se distingue tudo que
n'elle está disseminado. Nenhuma outra regiăo celeste junta tantas
nebulosas e acervos estellares em egual espaço.
«A _nubecula minor_ é menos formosa; offerece numero maior de
nebulosidades irreductiveis, e os acervos estellares que se vęem săo
mais escassos e menos brilhantes.»
A. de Humboldt, falando d'estas nuvens, diz:[15] «das duas nuvens de
Magalhăes que giram em volta do polo austral, d'este polo tăo despovoado
de estrellas que podia chamar-se uma regiăo devastada, a maior,
principalmente, parece, conforme investigaçőes modernas, uma quantiosa
accumulaçăo de acervos esphericos de estrellas de maior ou menor
grandeza e de nebulosidades irreductiveis. O aspecto d'estas nuvens, a
esplendorosa constellaçăo do navio Argos, a via lactea que se vai
dilatando entre o Escorpiăo, o Centauro, e o Cruzeiro tambem, năo tenho
duvida em dizel-o, o aspecto pittoresco de todo o céo austral produziu
em minha alma uma inolvidavel impressăo.»
André Corsali fala da existencia d'estas nuvens, na sua _Viagem a
Cochim_, e Pedro Martyr de Anghiera tambem, no seu livro _De Rebus
Oceanicis et Orbe Novo_; o illustre secretario de D. Fernando de Aragăo,
attribuindo aos portuguezes o descobrimento d'estas nuvens, diz:
Assecuti sunt portucalenses alterius poli gradum quinquagesimum amplius
ubi punctum circumeuntes _quas dam nubeculas_ licet intueri veluti in
lactea via sparsos fulgores per universi coeli globum intra spatii
latitudinem.[16]
Ao nome de nuvens do cabo, por que as conheceram os pilotos portuguezes
primeiro que os hollandezes e dinamarquezes, prevaleceu o nome de
Magalhăes, com que a sciencia as designou, e n'isto vai honra á memoria
do arrojado navegador portuguez que, năo tendo a fortuna de receber em
vida o premio do extraordinario descobrimento, teve a invejavel gloria
de deixar o seu nome gravado nos mares e nos céos, como os deuses da
Mythologia.
D'estes conta a fabula, mas d'aquelle fala a historia humana.
É bom recordar estas glorias que, sendo de um homem, săo da humanidade
em geral e d'este velho e glorioso paiz em especial, porque Fernăo de
Magalhăes era portuguez.
[13] _Collecion de documentos inéditos para la historia de Espańa_,
tom. I, p. 247.
[14] _Cosmos_ T. I pag. 451.
[15] Obra citada.
[16] _Oceanica._ Dec. III lib. I, pag. 217, por Pedro Martyr de
Anghiera.
* * * * *
ERRATAS MAIS IMPORTANTES
Pag. 9 linha 1.Ş leia-se circumdidiste
» » » 2.Ş » circumdou
» 11 » 11.Ş » dramaturgo
» 12 » 5.Ş » serăo proprios
» 20 » 5.Ş » espiritos, adivinhando o
que outros năo comprehendem,
săo sempre o alvo da inveja
dos maus a espicaçar
» 34 » 10.Ş » persistencia
» 35 » 3.Ş » permittido
» 46 » 5.Ş » Martinho de Bohemia
» 51 » 25.Ş » impellidas
» 55 » 19.Ş » acariciado
» 59 » 6.Ş » pestanejou
» » » 15.Ş » permittir
» 61 » 9.Ş » descoraçoados
» 68 » 4.Ş » _Santiago_
» 69 » 3.Ş » surprehendeu
» » » 27.Ş » _Santiago_
» 71 » 5.Ş » _Santiago_
» 73 » 13.Ş » descoraçoados
» 80 » 9.Ş » oppusesse
» 81 » 19.Ş » superstiçăo invadia
» 82 » 15.Ş » _Santiago_
» » » 19.Ş » em imminente perigo
» » » 29.Ş » _Santiago_
» 89 » 16.Ş » aquelles cetaceos
» 102 nota » _Les Philippines_
» 108 linha 11.Ş » desembarcaram
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Francez-Allemăo e Allemăo-Francez.
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Francez-Inglez e Inglez-Francez.
Francez-Italiano e Italiano-Francez.
Um só volume comprehendendo 80 fasciculos de 16 pag. 8.ş port.
Em publicaçăo cada fasciculo 30 réis.
Typ. de A. E. Barata.--Rua Nova do Loureiro, 25 a 39
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navegador portuguez Fernăo de Magalhăes, by Caetano Alberto
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Book Information
- Title
- Descobrimento das Filippinas pelo navegador portuguez Fernão de Magalhães
- Author(s)
- Alberto da Silva, Caetano
- Language
- Portuguese
- Type
- Text
- Release Date
- June 26, 2009
- Word Count
- 26,430 words
- Library of Congress Classification
- G
- Bookshelves
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