The Project Gutenberg EBook of Como atravessei Ąfrica (Volume I), by
Alexandre Alberto da Rocha de Serpa Pinto
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Title: Como atravessei Ąfrica (Volume I)
Author: Alexandre Alberto da Rocha de Serpa Pinto
Release Date: February 2, 2007 [EBook #20508]
Language: Portuguese
Character set encoding: ISO-8859-1
*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK COMO ATRAVESSEI ĄFRICA (VOLUME I) ***
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[Mappa 2.--De Benguella ao Bihé]
COMO EU ATRAVESSEI ĄFRICA DO ATLANTICO AO MAR INDICO, VIAGEM DE
BENGUELLA Į CONTRA-COSTA.
A-TRAVČS REGIÕES DESCONHECIDAS;
DETERMINAĒÕES GEOGRAPHICAS E ESTUDOS ETHNOGRAPHICOS.
Por SERPA PINTO.
Dois Volumes.
Contendo 15 mappas e facsimiles, e 133 gravuras feitas dos desenhos do
autor.
VOLUME PRIMEIRO.
Primeira Parte--A CARABINA D'EL-REI.
LONDRES:
SAMPSON LOW, MARSTON, SEARLE, e RIVINGTON,
EDITORES,
CROWN BUILDINGS, 188 FLEET STREET.
1881.
[_Tōdos os direitos sam reservados_.]
LONDRES:
NA TYPOGRAPHIA DE GUILHERME CLOWES E FILHOS (COMPANHIA LIMITADA),
STAMFORD STREET E CHARING CROSS.
A SUA MAGESTADE EL-REI D. LUIZ 1^o,
COM PRČVIA LICENĒA
OFFERECE ESTE LIVRO
O AUTŌR.
SENHOR,
Nćo foi um sentimento de adulaēćo servil que me levou a pedir licenēa a
Vossa Magestade para lhe dedicar este livro, foi o reconhecimento de uma
dupla dģvida de justiēa e de gratidćo: de justiēa ao Monarcha
intelligente e illustrado que firmou o decreto creando recursos para a
primeira expediēćo scientģfica Portugueza d'este sčculo į Ąfrica
Central; de gratidćo, ao prģncipe cujos dotes de coraēćo e de espģrito
disputam primazias įs suas elevadas qualidades de um dos primeiros reis
constitucionaes da Europa contemporąnea.
Deu-me Vossa Magestade ensejo de prender indissoluvelmente o meu obscuro
nome de soldado Portuguez, a uma das mais felizes e auspiciosas
tentativas modernamente feitas por Portugal; por isso esse livro
pertence a Vossa Magestade como legģtimo tģtulo da minha immensa
gratidćo. Ouso rogar respeitosamente a Vossa Magestade queira aceitar a
minha humilde offerta com a mesma benevolencia com que se dignou dar-me
incitamentos para uma empresa, da qual, depois de realisada, fōram ainda
os favōres de Vossa Magestade a mais sincera e nćo regateada recompensa.
O Vosso ajudante de campo
E o mais dedicado dos
Vossos słbditos,
Alexandre de Serpa Pinto.
Londres, 61 Gower Street,
_5 de Dezembro de 1880_.
A SUA EXCELLENCIA, O CONSELHEIRO JOĆO D'ANDRADE CORVO.
Ill^{mo.} e Ex^{mo.} S^{nr.},
Com propor o meu nome, em 1877, na Commissćo Central Permanente de
Geographia, para fazer parte da expediēćo Portugueza ao interior
d'Ąfrica, assumio Vossa Excellencia a responsabilidade da minha
nomeaēćo.
Foi para mim pensamento constante, dar a Vossa Excellencia satisfaēćo
plena do encargo que tomou indigitando-me para tćo ąrdua tarefa.
Este livro contem, de envolta com a narrativa das minhas aventuras, os
resultados dos meus trabalhos e estudos.
Nćo sei se corresponderį ao que Vossa Excellencia esperava de mim; como
nćo sei se cumpri os deveres que Vossa Excellencia, em nome do paiz, me
impoz.
Tenho a consciencia de que trabalhei quanto pude, e que segui, tanto
quanto em fōrēas humanas cabia, o pensamento e as instrucēões de Vossa
Excellencia.
A leitura da minha narrativa mostrarį a Vossa Excellencia, com quantas
difficuldades lutei, e de qućo minguados recursos dispuz.
Se, porem, os meus trabalhos corresponderem į confianēa com que Vossa
Excellencia me quiz honrar, serį isso o maior prčmio a que pode aspirar,
o mais respeitoso admirador do talento, vasto saber e elevadas
qualidades de Vossa Excellencia,
Alexandre de Serpa Pinto.
Londres, 61 Gower Street,
_28 de Novembro de 1880_.
TRIBUTO DE GRATIDĆO.
Vou citar nomes. É difficil e perigosa tarefa. Ha sempre o receio de
ferir modestias, ou levantar susceptibilidades. Nćo importa; sigo
avante.
Serį grande a lista, por serem multiplicados os favōres; e posso bem
peccar por omissćo, filha de memoria preguiēosa.
Que me perdōem os que desejariam esconder źsses favōres na mais velada
modestia, como aquelles a quem um lapso de reminiscencia deixasse no
olvido.
Seguindo a ordem chronolņgica dos factos, procurarei no profundo
sentimento de gratidćo a lembranēa dos serviēos e favōres recebidos.
Cabe į Commissćo Central de Geographia o primeiro logar no meu
reconhecimento; por me ter distinguido com a sua escōlha para
instrumento da exploraēćo que decidio fazer em Ąfrica.
Proposto pelo S^{nr.} Conselheiro Andrade Corvo, fui unąnimemente
aceito, e attendido nas propostas que apresentei para a organizaēćo da
emprźsa. Falando da Commissćo Central de Geographia, nćo posso omittir
de citar nomes; porque, recebendo obsčquios de tōdos, fui
particularmente auxiliado por muitos.
O D^{or.} Bernardino Antonio Gomes, Marquez de Souza-Hollstein, Antonio
Augusto Teixeira de Vasconcellos, sam nomes que as lousas tumulares dos
seus jazigos, nćo podem occultar į minha gratidćo.
O D^{or.} Julio Rodriguez, Luciano Cordeiro, o D^{or.} Bocage, Conde de
Ficalho, Carlos Testa, Pereira da Silva, Jorge Figaniere, e Francisco da
Costa e Silva, fōram os cavalheiros que, no seio da Commissćo, mais se
esforēįram por me encher de favōres.
Outro, que só annos depois conheci pessoalmente (ausente em quanto se
organizou a expediēćo), nćo deixou de concorrer com o sem consźlho
abalizado para a parte scientģfica d'ella. Refiro-me ao S^{nr.} Brito
Limpo.
Fora da Commissćo, prestįram-me valiōso auxilio, os meus particulares
amigos Marrecas Ferreira e Joćo Botto.
Vem depois da Commissćo Central, a Sociedade de Geographia de Lisboa; e
com ella mais em evidencia, os seus Presidentes, D^{or.} Bocage e
Vizconde de S. Januario, e os seus Secretarios Luciano Cordeiro e
Rodrigo Pequito.
Segue-se o jornalismo Portuguez, a quem cordialmente agradźēo tōdos os
favōres que me dispensou, e a maneira por que acolheu a minha nomeaēćo.
Fora do paiz prestįram-me valiōso auxilio, o S^{nr.} Mendes Leal,
Antonio d'Abbadie, e Ferdinand de Lesseps, em Paris; o Vizconde de
Duprat e o Tenente Pinto da Fonseca Vaz, em Londres; sendo que į
cooperaēćo d'estes cavalheiros, e só a ella, podémos eu e Capello ter
dado conta do encargo que tomįmos de organizar em um mez o material da
expediēćo.
Antes de ter deixado Portugal, ha que citar ainda dois cavalheiros, que
concorrźram poderosamente para a realizaēćo da nossa emprźsa.
Sam o Conselheiro José de Mello e Gouvea, que entćo governava nos
negocios do Ultramar, e Francisco Costa, o Director Geral do Ministerio
das Colonias.
Pedro d'Almeida Tito, e Avelino Fernandes, dispensįram-me taes favōres
em viagem, que nćo posso deixar de escrever aqui os seus nomes.
Vem, em seguida, o do Governador de Cabo Vźrde, Vasco Guedes, e o do
Governador d'Angola, Caetano d'Albuquerque; que ambos me dispensįram
innłmeras finezas.
Em Loanda, José Maria do Prado, Urbano de Castro, o Consul Newton, a
Associaēćo Commercial, e sōbre tudo os officiaes e Commandante da
Canhoneira _Tāmega_, sam crčdores do meu mais profundo reconhecimento.
Apparece agora um nome que n'esse tempo echoava por todas as partes do
mundo, e assombrava com as suas faēanhas o orbe inteiro:
Henrique Moreland Stanley.
O grande explorador, o ousado viajante, que acabava de fazer a mais
prodigiosa viagem dos tempos modernos, foi meu amigo, e meu conselheiro,
e d'elle recebi proveitosas liēões. Melhor mestre nćo poderia ter. Que
elle recźba n'estas curtas linhas o mais sincero tributo da grande
admiraēćo que nutro por elle, e a mais franca expressćo da minha estima,
e da gratidćo que lhe consagro.
Em Benguella, Pereira de Mello e Silva Porto occupam o primeiro logar; e
nem me detenho a falar d'elles, que mais alto falam por mim os seus
actos narrados n'este livro. Antonio Ferreira Marquez, o Tenente
Seraphim, o pharmacčutico Monteiro, e Vieira da Silva, sam outros tantos
cavalheiros que nćo posso esqučcer.
Santos Reis, o meu hospedeiro do Dombe Grande, e o Tenente Roza de
Quillengues, sam mais dois crčdores į minha gratidćo.
Vou dar um salto enorme, e sem me deter a falar do D^{or.} Bradshaw e da
familia Coillard, transpņrto-me ao Bamanguato, a _Shoshong_ (Xoxon),
onde os favōres do rei Kama, e sobre tudo os de M^{r.} e Madame Taylor,
me obrigam a nćo olvidar os seus nomes.
Vai comeēar para mim um embaraēo enorme. Estou em Pretoria; estou na
primeira terra do mundo civilisado que encontro depois de Benguella; e
ali sam tantos os favōres que se me prodigalizam, que nćo sei como sahir
do embaraēo que elles me causam para os agradecer.
M^{r.} Swart, o thesoureiro do Govźrno, foi o primeiro a obsequiar-me, e
serį o primeiro citado.
Vem em seguida os nomes de Fred. Jeppe, Secretario Osborne, D^{or.}
Bissik, M^{r.} Kisch, Major Tylor e Capitćo Saunders, e tōdos os
officiaes do Regimento 80.
A Baronźza Van-Levetzow, Madame Imink e Madame Kisch, e emfim o Coronel
Lanyan.
Sir Bartle-Frere veio logo em meu auxilio, e nćo se demorou o nosso
Consul Portuguez no Cabo, o S^{nr.} Carvalho.
Se dźvo muita gratidćo ao Governador Inglez, nćo dźvo menos ao Consul
Portuguez, que, por telegrammas immediatos, veio prestar-me a maior
assistencia.
Monseigneur Jolivet, o sabio Bispo de Natal, entćo residindo em
Pretoria, nćo foi dos łltimos a encher-me de favōres.
Em caminho para Durban, recebi um obsequio grande de M^{r.} Goodliffe, e
em Maritzburgo multiplicįram-se os obsequios do Coronel Baker, Capitćo
Whalley e Madame Saunders, e M^{r.} Furs.
Em Durban, M^{r.} Snell, o Consul Portuguez, e M^{r.} e Madame B. H. de
Waal, chefe da Handels Company em Ąfrica Oriental, muito se distinguķram
em favōres prestados.
Agora é que se torna verdadeiramente embaraēosa a minha missćo. Vou
regressar į Europa, tendo terminado a minha viagem, e accumłlam-se os
obsčquios que recźbo a cada momento.
Em Lourenēo Marquez, sam Castilho, Machado, Maia e Fonseca. Em
Moēambique, o Governador Cunha, Torrezćo e tōdos.
Em Zanzibar, o D^{or.} e Madame Kirk, Widmar, e sōbre tōdos o Capitćo
Draper do 'Danubio' da _Union Steamship Company_, que de Durban me
transportou ali.
No Cairo, ainda Widmar me presta grandes favōres. Em Alexandria,
sobressįe a tōdos o Conde e a Condźssa de Caprara.
Ainda antes de chegar a Lisbōa, recźbo um serviēo importante do Barćo de
Mendonēa, em Bordeos.
Em Lisbōa, o Govźrno, primeiro, e amigos velhos e conhecidos novos,
porfiam em obsequiar-me.
Estou ali apenas dez dias, em que mal tive tempo para receber favōres, e
em que me nćo sobejou um minuto para os agradecer.
Quizéram que eu fizesse uma conferencia, mal repousado ainda das fadigas
da viagem; e sem o poderōso concurso que me prestįram Pequito, Sarrea
Prado, Batalha Reis e D^{or.} Bocage, impossivel me seria fazel-a.
Nćo querendo, nćo podendo mesmo, citar nomes, tantos seriam elles, nćo
deixo de agradecer, com o mais sincero reconhecimento, į Sociedade de
Geographia de Lisboa tudo o que por mim fez.
Į Associaēćo Commercial e ao seu digno Presidente, o S^{nr.} Chamisso,
que sempre tomou o maior interesse pela exploraēćo de que eu fiz parte.
Sube em Lisbōa um facto que nćo posso deixar de consignar aqui com um
nome.
Agradźēo ao S^{nr.} Thomas Ribeiro as ordens que deu como Ministro da
Marinha, para que me fōssem enviados soccorros de Moēambique para o
interior d'Ąfrica.
Ao Cōrpo Diplomątico residente em Lisbōa expresso os meus sentimentos de
gratidćo, e sobre todos aos S^{nrs.} Morier, Barćo de P. Hegeurt,
Laboulay, Marquez d'Oldoini, e Ruata.
Į Associaēćo Commercial do Porto, aos bombeiros voluntarios d'aquella
cidade, į Sociedade Euterpe e į Sociedade de Instrucēćo, aos municipios
e mais instituiēões do paiz que me obsequiįram, consigno aqui um
testemunho de agradecimento.
Įs Associaēões Portuguezas no Brazil, aos meus conterraneos que longe da
patria me saudįram, a elles que nada poupįram para mim em honras e
distincēões, envio um fraternal protesto de immensa gratidćo.
Sobre todos įquelles que formįram uma sociedade com o meu nome, e que de
Pernambuco me offerecźram um mimoso presente, de tal distincēćo, que
nunca os poderei esqučcer.
Cabe agora, pela ordem dos factos, agradecer aos Soberanos estrangeiros
as altas honras com que me distinguķram, sōbre tōdos ao Monarcha Belga,
ao Illustrado e sabio Rei Leopoldo, ao grande impulsor do movimento
geogrąphico Africano moderno, que, a par da mais alta honra com que me
podia enobrecer, me dispensou a mais cordial estima, e me mostrou o mais
affectuoso interesse.
Įs Sociedades de Geographia da Franēa, principalmente įs de Paris, onde
o Almirante La Roncičre le Noury, Ferdinand de Lesseps, MM. Daubré,
Maunoir, d'Abbadie, de Quatrefages e Duveyrier, me enchźram de favōres;
de Marselha, que me conferio uma subida distincēćo, e cujo Presidente,
M^{r.} Babaut, muito me obsequiou; e į Commercial de Paris, onde
distingo o seu digno Secretario Geral, M^{r.} Gauthiot.
Ainda em Paris, tenho a nomear a Colonia Portugueza, e nella os S^{nrs.}
Mendes Leal, Conde de S. Miguel, Camillo de Moraes, Pereira Leite,
Garrido, e D^{or.} Aguiar, de quem nunca poderei olvidar os favōres
recebidos.
Įs Sociedades de Geographia Belga, e į de Anvers, nomeadamente aos seus
Presidentes, o General Liagne e Coronel Wauvermans; e ąlém d'estes
cavalheiros, nćo posso deixar de falar, em um paiz onde tōdos me
obsequiįram, nos nomes dos S^{nrs.} du Fief, Bamps, e Coronel Strauch, e
ainda mais alto no Conde de Thomar, cujos favōres repetidos e
cordialidade de trato convertźram em verdadeira amizade a sincera estima
das primeiras relaēões.
Cabe, pela ordem dos factos, o łltimo lugar į Inglaterra, que seria
talvez a primeira pźlo nłmero de favōres dispensados.
Principiou nas colonias Inglezas da Ąfrica do Sul a ter juz į minha
gratidćo este paiz, onde depois se me tinham de multiplicar os
obsequios.
Į Sociedade de Geographia de Londres, ao seu Presidente o Conde de
Northbrook, aos seus Secretarios Clements Markham e Bates, aos seus
Membros Sir Rutherford Alcock, Lord Arthur Russell, Visconde de Duprat,
e muitos outros que impossivel seria nomear, deixo aqui escritos os meus
sentimentos de reconhecimento.
Ao S^{nr.} Frederico Youle, ao D^{or.} Peacock, aos S^{nrs.} M. d'Antas,
Sampaio, Fonseca Vaz, Quillinan, Duprat, e Ribeiro Saraiva, a estes que
alem de subidos favōres me dispensįram grandes serviēos durante a minha
grave doenēa, nćo posso deixar de lavrar um bem płblico testimunho de
gratidćo.
Ainda me falta citar o nome de M^{r.} David Ward, o Mayor de Sheffield,
e do meu particular amigo, o grande e eminente explorador Verney Lovett
Cameron, para fechar a lista, que seria interminavel a nćo tomar a
resoluēćo de a fechar aqui.
Įs Sociedades Scientģficas dos outros paizes, e a tōdos aquelles que nćo
posso citar, e que me cobrķram de favōres, agradźēo tudo quanto por mim
fizéram, e agradźēo tanto mais sinceramente, quanto me custa nćo os
poder personalizar.
Major Alexandre de Serpa Pinto.
Londres, _5 de Dezembro de 1880_.
O LIVRO.
Nćo tem pretenēões a obra de literatura este livro.
Escrito sem preoccupaēćo da forma, é a fiel reproducēćo do meu diario de
viagem.
Cortei n'elle muitos episņdios de caēadas, e outros, que um dia no
descanso, produzirįm um volume de caracter especial. Busquei sōbre tudo
fazer realēar o que mais interessante se tornava para os estudos
geogrąphicos e ethnogrąphicos, e se nćo me pude eximir a narrar um ou
outro dos muitos episņdios dramąticos que abundįram na minha fadigosa
empresa, foi quando a źsses episņdios se ligavam factos consequentes, de
importancia, ja para alterar o itinerario projectado, jį determinando
demoras, ou marchas precipitadas, que seriam incomprehensiveis sem a
exposiēćo das causas determinantes.
Į Europa, e em geral ao homem que nunca viajou nos sertões do interior
d'Ąfrica, nćo é dado comprehender o que se soffre ali, quaes as
difficuldades a vencer a cada instante, qual o trabalho de ferro nćo
interrompido para o explorador.
As narraēões de Livingstone, Cameron, Stanley, Burton, Grant, Savorgnan
de Brazza, d'Abbadie, Ed. Mohr e muitos outros, estam longe de pintar os
soffrimentos do viajante Africano. Difficil é comprehendel-o a quem o
nćo o experimentou; įquelle que o experimentou difficil é descrevel-o.
Nćo tento mesmo pintar o que soffri, nćo procuro mostrar o quanto
trabalhei, que me faēam ou nćo a justiēa de que me julgo merecedor
aquelles que examinarem os meus trabalhos, hōje é isso para mim
indifferente; porque me convenci, de que só posso ser bem comprehendido
pźlos que como eu pisįram os longģnquos sertões do continente nźgro, e
passįram os maos tratos que eu por lį passei.
Assim como só o homem que, sendo pai, pode comprehender a dōr pungente
da pźrda de um filho, assim tambem só o homem que foi explorador pode
comprehender as atribulaēões de um explorador. Ha sentimentos que se nćo
podem avaliar sem se haverem experimentado.
Os factos narrados n'este livro sam a expressćo da verdade.
Verdade triste muitas vźzes, mas que seria um crime occultar.
Procurei apresentar nźlle os resultados de um trabalho aturado de muitos
mźzes, e garanto o que digo sōbre geographia Africana, porque só eu sou
autoridade para falar n'ella na parte respectiva į minha viagem, em
quanto outro nćo houvér seguido os meus passos atravéz d'Ąfrica, e nćo
me convencer do contrario.
As minhas opiniões genčricas sōbre um ou outro problema podem ser
errņneas, sam sujeitas į crģtica, podem cahir por terra com uma
demonstraēćo prątica das futuras viagens, como tem acontecido a
asserēões de muitos dos meus antecessores os mais illustres; mas o que
nćo tem nem pode ter contestaēćo, sam os factos que eu vi, sam aquelles
que se referem aos paizes que percorri, e que descrźvo n'este livro com
a consciencia que deve sempre dictar as acēões do explorador.
Nćo fui į Ąfrica ganhar dinheiro. Tive a mesquinha paga de official do
exčrcito e nćo quiz outra.
Abandonei uma familia extremosamente querida; deixei a pątria e tudo
para trabalhar, e só para trabalhar, em cooperaēćo com os outros paizes,
na grande obra do estudo do continente desconhecido, e tenho a
consciencia de que fiz tanto quanto podia fazer.
Deixo aos homens de sciencia e įquelles que sam autoridades em tal
materia o avalial-o.
Ponho ponto n'este assumpto que parecerį filho de um orgulho que nćo
tenho, mas factos insņlitos apparecidos no decurso dos primeiros mźzes
da minha residencia na Europa, depois de ter completado a fadigosa
jornada d'Ąfrica, dictįram as palavras que escrevi.
Ha um anno que principiei a coordenar em livro os resultados dos meus
trabalhos Africanos, mas uma pertinaz doenēa por vźzes interrompeu a
vontade que nutria de dar į estampa esses trabalhos.
Principiado em Londres em Setembro de 1879, o meu livro foi quasi tōdo
escrito nos mźzes de Setembro e Outubro, de 1880, na Figueira da Foz, em
Portugal.
A pressa com que foi terminado contribuirį de certo muito para a
incorrecēćo da forma.
A publicaēćo d'elle é feita em Londres, onde encontrei na grande casa
editora Sampson Low, Marston, Searle and Rivington, todas as facilidades
que nćo pude obter fora d'ella.
Estes cavalheiros nćo recuįram ante a enorme despesa a fazer com uma tćo
difficil e custosa publicaēćo, e levįram a sua condescendencia a fazer
imprimir em Inglaterra a ediēćo Portugueza; trabalho difficilimo, porque
a differenēa das lģnguas dos dois paizes obrigou até į fundiēćo de typo,
por causa dos signaes e accentos privativos do nossa idioma.
Devo-lhes a maior gratidćo pźlo interesse que t[~e]m dedicado a esta
publicaēćo, para o mčrito da qual, se é que ella tivér algum mčrito,
elles de certo concorrźram muito.
O S^{nr.} Antonio Ribeiro Saraiva, que, a pesar dos seus trabalhos e da
sua avanēada idade, me quiz fazer o favor especial de rever as provas do
livro; o S^{nr.} E. Weller, o cartņgrapho, que se encarregou da gravura
das minhas cartas geogrąphicas; o S^{nr.} Cooper, que interpretou
magnģficamente os meus esbocźtos de viagem nas gravuras que illustram a
obra, concorrźram tambem de certo muito para o valor d'ella.
Ahi vai, pois, o livro, e só desejo que elle corresponda e sirva į
curiosidade de uns e ao estudo de outros; e venha dar novos incitamentos
į grande e sublime cruzada do sčculo XIX., a cruzada da civilisaēćo do
Continente Nźgro.
Londres, 61 Gower Street,
_5 de Dezembro de 1880_.
O TĢTULO DO LIVRO.
Hōje, depois de jantar, sahi a dar um passeio, e de volta a casa,
encontrei sōbre a minha mźsa de trabalho, pregado com um alfinete, um
pedacinho de papel, recortado nćo sei de que jornal, que dizia assim:
"O _Athenaeum_ diz, que o Major Serpa Pinto, restabelecido da sua
prolongada doenēa, chegou a Londres, para terminar a publicaēćo do livro
descriptivo da sua jornada atravez d'Ąfrica. Dį-nos grande satisfaēćo o
saber, que o tģtulo d'elle foi alterado, de 'Carabina d'El-Rei,' para o
de 'Como eu Atravessei Ąfrica.' 'A Carabina d'El-Rei' pode ser um
magnģfico tģtulo para um livro de aventuras de rapazes, por Mayne Reid
ou Gustave Aimard; mas parece um pouco deslocado na pągina tģtulo de um
livro sčrio de explorador Africano."
É meia noute, e eu sinto necessidade de me deitar; mas antes d'isso nćo
posso deixar de escrever duas palavras sōbre o assumpto.
A consideraēćo tinha e nćo tinha razćo de ser.
As viagens n'Ąfrica produzem sempre um romance, e algumas vźzes tambem
um livro de sciencia.
A minha, se, como todas, é um verdadeiro romance, nćo deixa por isso de
conter trabalhos geogrąphicos de alguma importancia.
Formei logo o projecto, que hōje executo, de misturar em a narrativa
esses trabalhos com as minhas aventuras, como elles tinham sido
misturados nos sertões Africanos.
A respeito do tģtulo para o livro, nada me preoccupei d'isso.
Sendo salva a expediēćo, e por isso tōdos os trabalhos que a ella se
ligavam, pźla Carabina d'El-Rei, pensei em dar aquelle tģtulo į obra
tōda. Nćo me davam cuidado juizos dos crģticos severos. A minha
justificaēćo estaria no correr da narrativa.
Veio porem uma consideraēćo modificar o meu projecto.
Um homem, um łnico homem no mundo, incapaz de me increpar em płblico
pźlo exclusivismo do tģtulo, de certo pensaria um momento em que eu
tinha sido injusto para com elle em fazer sobressahir no meu livro o
facto de ter sido salva a expediēćo pźla Carabina d'El-Rei, quando elle
teria igual juz į minha gratidćo, tendo-me salvo por seu turno.
Pesou-me aquelle primeiro tģtulo escolhido, como uma injustiēa que fazia
a Francisco Coillard, quando esse tģtulo me tinha sido dictado sņmente
por um sentimento de justiēa, porque sou pouco propenso a expressões de
adulaēćo.
Resolvi immediatamente conservar o tģtulo de Carabina d'El-Rei į
primeira parte da minha narrativa, e dar į segunda o nome de Francisco
Coillard, o homem que, salvando-me, salvou os trabalhos da expediēćo que
eu dirigia. Cumpria um devźr.
Mas desde esse momento, era preciso dar um tģtulo geral į obra, e esse
nćo é nunca difficil de se encontrar quando se tem atravessado um
continente de mar a mar.
Eis porque o meu livro se chama hoje:--"Como eu atravessei Ąfrica."
Sei que pouco deve importar ao płblico o tģtulo, qualquér, de uma obra
d'estas. É preciso chamar-se-lhe alguma cousa, e eu chamei-lhe assim.
Pesar-me-ha se elle desagradar a alguns, mas ainda assim nćo me
preoccupo com isso a ponto de nćo me ir deitar jį, esperando ter um sono
profundo durante a noite.
Londres, 61 Gower Street,
_12 de Dezembro de 1880, į meia noite_.
CONTEÜDO.
PRŅLOGO.
I.--Como eu Fui Exploradōr
II.--Como foi Preparada a Expediēćo
CAPĢTULO I.
EM BUSCA DE CARREGADŌRES.
Chegada a Loanda--O Governador Albuquerque--Nćo ha
carregadōres--Vou ao Zaire--O Ambriz--Chźgo ao Porto da Lenha--Os
resgatados--Sei da chegada de Stanley--Vou a Cabinda--Tomo Stanley
a bōrdo da _Tāmega_--Os officiaes da canhoneira--Stanley meu
hņspede--O nosso itinerario--Chegada do Ivens
CAPĢTULO II.
AINDA EM BUSCA DE CARREGADŌRES.
O Governadōr, Alfredo Pereira de Mello--A casa do
Governadōr--Cousas de que nćo tem culpa o Governo da Metrņpoli--O
que é Benguella--O commercio--Sou roubado--Outro roubo--A
Catumbela--Obtenho carregadōres--Chegada de Capello e Ivens--Nova
alteraēćo de itinerario--Outra difficuldade--Silva Porto, o velho
sertanejo--Apparecem novos obstąculos--O Capello vai ao
Dombe--Partida--O que é o Dombe--Novas difficuldades--Partimos
emfim
CAPĢTULO III.
HISTORIA DE UM CARNEIRO.
Nove dias no deserto--Falta de ągua--O ex-chefe de Quillengues--Eu
perco-me nas brenhas--Dois tiros a tempo--Perde-se um muleque eu e
uma prźta--Perde-se um burro--Quillengues emfim--Morte do carneiro
CAPĢTULO IV.
POR TERRAS AVASSALLADAS.
Jornada a Ngola--O sova Chimbarandongo--Belleza do caminho--Chegada
a Caconda--José d'Anchieta--Nada de correspondencia--Chegada do
Chefe--Vamos aos carregadōres--Ivens vai ao Cunene e eu vou ao
Cunene--Volta de casa do Bandeira--Falham os carregadōres--O meu
juizo
CAPĢTULO V.
VINTE DIAS DE AGONIA.
Parto de Caconda--O sova Quissembe--Quingola e o sova Cįimbo--40
carregadōres--Febre--O Huambo, o sova Bilombo e seu filho
Capōco--80 carregadōres--Cartas e noticias--Quasi perdido!--Sigo
avante--Grave questćo no Chaca Quimbamba--Os rios Calįe, Cahungamua
e Cunene--Nova e séria questćo no Sambo--O Cubango--Chuvas e
temporaes--Grave doenēa--Uma aventura horrivel--O Bihé finalmente!
CAPĢTULO VI.
PEREIRA DE MELLO, E SILVA PORTO.
No Bihé--Doenēa--Melhoras--A casa de Belmonte--Decido ir ao alto
Zambeze--Cartas ao Governo--Como se organiza uma expediēćo no
Bihé--Difficuldades, e como se vencem--Noticia sōbre o Bihé--Os
meus trabalhos--Novas difficuldades--Deixo Belmonte--Até ao
Cuanza--Escravatura
Rapido Golpe-de-Vista Retrospectivo
CAPĢTULO VII.
ENTRE OS GANGUELAS.
Passagem do Cuanza--Os Quimbandes--O sova Mavanda--Os rios Varea e
Onda--Fetus arbņreos--Atribulaēões--Escravos--O rio Cuito--Os
Luchazes--Emigraēćo de Quibocos--Cambuta--O Cuando--Leopardos--Os
Ambuelas--O sova Moem-Cahenda--Descida do rio Cubangui--Os
Quichobos--Peripecias--Parto para o Cuchibi
CAPĢTULO VIII.
AS FILHAS DO REI DOS AMBUELAS.
O Cuchibi--O sova Caś-eu-hue--Os Mucassequeres--Opudo e
Capeu--Abundancia--Bondade dos indģgenas--Povoaēões e costumes--Um
vao no Cuchibi--O rio Chicului--Caēada--Feras--O Rio Chalongo--Uma
jornada atroz--As Nascentes do Ninda--O tłmulo de Luiz Albino--A
planicie do Nhengo--Trabalhos e fome--O Zambeze a final
LISTA DAS ILLUSTRAĒÕES.
FIG.
1.--Mulheres Mundombes, vendedeiras de carvćo
2.--Mulheres e Donzellas, Mundombes
3.--Homens Mundombes (_De uma photo. de Monteiro_)
4.--Homem e Mulhér do Huambo
5.--Mulhér do Sambo
6.--O meu Acampamento entre o Sambo e o Bihé
7.--Ponte de Cassanha sōbre o rio Cubango
8.--O Secślo que me deu um Pōrco
9.--Mulheres Ganguelas das margens do Cubango
10.--Termites na margem do rio Cutato dos Ganguelas
11.--Monte termģtico, de 4 metros de altura, nas margens do Rio Cutato
dos Ganguelas, coberto de vegetaēćo
12.--Sepultura de Secślo
13.--Ferreiros Caquingues
14.--1. Folles; 2. Bocal de Barro; 3. Bigorna; 4. Martello
15.--Objectos fabricados pelo gentio entre a Costa e o Bihé
16.--Casa de Belmonte
17.--Vista exterior da povoaēćo de Belmonte, no Bihé
18.--Planta da povoaēćo de Belmonte, no Bihé
19.--Mulhér do Bihé cavando
20.--Carregador Biheno em marcha
21.--Palissada sōlta; Palissada amarrada com Casca de ąrvore; Palissada
travada com Forquilhas
22.--Planta de uma Libata de gentio no Bihé
23.--Fora da Porta das Libatas ha isto
24.--Objectos fabricados por Bihenos
25.--Quinda, cźsta de palha que nćo deixa passar a ągua; Peneiro para
secar a farinha (fuba); Peneiro de peneirar; Cabaēa para
tirar ągua į capata
26.--Uma Casquilha do Bihé
27.--Mulheres do Bihé pisando Milho
28.--Mulheres Ganguelas Luimbas e Loenas. Modo por que cortam
os Dentes incisivos
29.--Montes termģticos, dos terrenos entre a Costa e o Bihé
29A.--Viagem ao Cunene
30.--Passagem do Cuanza
31.--Homem e Mulhér Quimbandes
32.--Raparigas Quimbandes
33.--Os Bihenos construindo as Barracas nos Acampamentos
34.--Esqueleto da Barraca
35.--Barraca concluida em uma hora
35A.--Ganguelas e Quimbandes
36.--O Sova Mavanda vem danēar mascarado ao meu Campo
37.--Mulhér Quimbande carregada
38.--1. Cachimbo; 2. Facas; 3. Cacźtes de guerra
39.--Ditassoa, peixe do rio Onda
40.--Fetus arbņreos das margens do rio Onda
41.--Mulhér de Cabango com o ferro de coēar a cabeēa
42.--Homem de Cabango
43.--Homem de Cabango
44.--O Lago Liguri
45.--Luchaze das margens do rio Cuito
46.--Mulhér Luchaze carregada
47.--Isqueiro dos Luchazes, Caixa da isca e Fuzil
48.--Atundo, Planta e Fruto
49.--Povoaēćo de Cambuta, Luchaze
50.--Mulhér Luchaze de Cambuta
51.--Homem Luchaze de Cambuta
52.--Objectos fabricados pelos Luchazes
53.--Mulhér Luchaze do Cutangjo
54.--Cachimbo Luchaze
55.--Capoeira dos Luchazes
56.--Urivi, Armadilha para caēa
57.--Luchaze do Cutangjo
58.--Objectos Luchazes
59.--O Cuchibi
60.--Fōlha e Fruto do Cuchibi
61.--O Mapole, Ąrvore e Fōlha
62.--Mapole, Fruto e disposiēćo dos Ramos
63.--Moene-Cahenda, Sova de Cangamba
64.--Chimbenzengue. Machado dos Ambuelas do Cangamba
65.--Cachimbo Ambuela
66.--O Quichōbo
67.--Ośco
68.--Opumbulume
69.--O Rato mencionado
70.--Songue;
70A.--Rasto do Songue
71.--Muene-Caś-eu-hue, Chefe dos Ambuelas
72.--Mulhér Ambuela
73.--Opudo
74.--Capźu
75.--Barco e Remo do Cuchibi
76.--Tambor das festas Ambuelas
77.--Caś-eu-hue
78.--O Irmćo do Sova
79.--Caēador Ambuela
80.--Chinguene
81.--Lincumba
82.--Chipulo ou Nhele
83.--O Vao do Cuchibi
84.--Azagaias dos Ambuelas
85.--Ferros de frechas dos Ambuelas
86.--Malanca
87.--1. Cornos vistos de frente; 2. Rasto da Malanca
88.--O Błfalo Africano
89.--Escudo dos Luinas
90.--O Chefe Cicota
91.--Termites do Nhengo
92.--1 e 2. Casas Luinas de 1^{m.} 5 de altura; 3. Celeiro; 4. Enxada do Lui
93.--Corte vertical de uma Casa Luina da aldea da Tapa
* * * * *
MAPPAS NO VOLUME PRIMEIRO.
Mappa No. 1.--Africa Tropical e Austral
" " 2.--De Benguella ao Bihé
" " 3.--Entre Cubango e Cuanza
" " 4.--O Paiz dos Quimbandes
" " 5.--Disposiēćo da ągua em Cangala
" " 6.--De Cambuta ao Cubangué
" " 7.--Paśl da nascente do Cuando
" " 8.--De Cangamba ao Cuchibi
COMO EU ATRAVESSEI A ĄFRICA.
Primeira Parte.--A CARABINA D'EL-REI.
PRŅLOGO.
I.--Como eu fui Explorador.
No correr do anno de 1869, fiz parte da columna de operaēões que no
baixo Zambeze sustentou cruenta guerra contra os indģgenas de
Massangano. O S^{nr.} José Maria Latino Coelho, entćo Ministro da
Marinha e Ultramar, dera ordem ao Governador de Moēambique, para que,
finda a guerra, me proporcionasse os meios de subir o Zambeze, a fazer
um detalhado reconhecimento do paiz, tćo longe quanto me fōsse possivel.
A ordem foi dada, mas nćo foi cumprida; e depois de vćs instancias, e de
um ligeiro passeio pelas terras Portuguezas d'Ąfrica Oriental, voltei į
Europa, com mais desejo que antes, de estudar o interior d'aquelle
continente, que mal tinha entrevisto.
Razões particulares de familia fizéram adiar, se nćo aniquilįram, os
meus projectos.
Official do exčrcito, sempre de guarniēćo em pequenas terras de
provincia, fazia das minhas horas de ņcio horas de trabalho; e ainda que
mal antevia a possibilidade de ir į Ąfrica, era o estudo das questões
Africanas o meu łnico e exclusivo passatempo.
As sublimes questões de astronomia nćo eram por mim desprezadas, e o
muito tempo que me deixava a vida da caserna era repartido entre o
estudo da Ąfrica e do ceo.
Servia em Caēadores 12 no correr de 1875, e ali tive por camarada um dos
mais intelligentes homens que tenho conhecido, o Capitćo Daniel Simões
Soares.
Pouco depois de havermos feito conhecimento, čramos ligados por estreita
amizade.
O quarto mesquinho do illustrado official, na caserna da Ilha da
Madeira, reunia-nos durante as horas em que o regulamento nos obrigava a
viver ali; e quantas vezes, estando um de nós de serviēo, tźve a
companhia do outro! Ąfrica, e sempre Ąfrica, era o nosso assumpto de
conversaēćo. Apraz-me recordar esse tempo, essas horas que fazģamos
correr velozes, debatendo questões, que eu mal pensava seria chamado a
resolver um dia.
Em fins de 1875, redigi uma memoria, que submetti į crģtica de Simões
Soares, e de outro meu camarada, o Capitćo Camacho; memoria filha das
nossas interminaveis palestras Africanas.
Propunha eu um meio de estudar parcialmente o interior das nossas
colonias de Ąfrica Oriental, e isso com a maior economķa para o Estado.
Depois de muito debatida a questćo por nós tres, foi a memoria enviada
ao Governo de Sua Magestade; mas sube depois que nunca chegara įs mćos
do Ministro da Marinha.
A esse tempo, eu pensava outra vez em voltar į Ąfrica, apesar de ser
chefe de familia, e de me prenderem a Portugal interesses de subida
importancia.
Por fins de 1876 voltei a Lisboa, e conheci que as questões Africanas
tinham ali tomado grande interesse com a creaēćo da Commissćo Central
Permanente de Geographia, e com a fundaēćo da Sociedade de Geographia de
Lisboa.
Falava-se muito n'uma grande expediēćo geogrąphica ao interior d'Ąfrica
Austral.
Fui procurar immediatamente o Ministro das Colonias. Era o S^{nr.} Joćo
d'Andrade Corvo. Se nćo é facil explorar a Ąfrica, nćo é menos difficil
falar ao Ministro, e sōbre tudo se esse Ministro é o S^{nr.} Joćo
d'Andrade Corvo. Sua Excellencia tinha a seu cargo duas pastas, Marinha
e Estrangeiros, e o tempo nćo lhe sobejava para falar aos importunos.
Persegui-o uns oito dias, e na včspera da minha partida de Lisboa,
obtive uma audiencia do Ministro dos Negocios Estrangeiros.
Sua Excellencia recebeu-me com secura, dizendo-me, que podia dispōr de
pouco tempo, e perguntando-me, æo que eu queria?
Travou-se entre nós o seguinte diąlogo:--
"Ouvi dizer, que V. Ex^{a.} pensa em enviar į Ąfrica uma expediēćo
geogrąphica; e sōbre isto venho falar."
O Ministro mudou logo de tom para comigo, e mandou-me sentar com toda
afabilidade.
"æJį estźve em Ąfrica?" me perguntou elle.
"Jį estive em Ąfrica, conheēo um pouco o modo de viajar ali, e tenho-me
occupado muito em estudar questões Africanas."
"æQuer ir fazer uma longa viagem na Ąfrica Austral?"
Declaro que hesitei um momento em responder. "Estou prompto a ir," disse
por fim.
"Bem;" me disse elle, "penso em enviar uma grande expediēćo į Ąfrica,
bem provida de recursos; e quando tratar de organizar o pessoal, nćo
esqučcerei o seu nome."
"É verdade"; me disse, quando eu jį ia a sahir, "æque condiēões e que
vantagens pede por esse serviēo?"--"Nenhumas," lhe respondi eu, e sahi.
Fui do Ministerio dos Negocios Estrangeiros į Calēada da Gloria, N^{o.}
3, e procurei o D^{or.} Bernardino Antonio Gomes, Vice-presidente da
Commissćo Central Permanente de Geographia. Tivémos larga conferencia, e
o distincto sabio, entćo todo entregue a questões geogrąphicas,
disse-me, que jį tinha pensado em um distincto Official da nossa Marinha
de Guerra, Hermenigildo Capello, para fazer parte da expediēćo.
No dia seguinte parti para o Norte. A viagem e os ares do campo fizéram
arrefčcer um pouco o febril enthusiasmo que se apossara de mim em
Lisboa, e pensando maduramente, resolvi nćo ir explorar em Ąfrica.
Minha mulhér e minha filha eram laēos difficeis de romper, e cada vez
que a idéa de me privar das caricias da meiga crianēa me passava pela
mente, arrefčcia completamente em mim o ardor das exploraēões.
De um lado, a familia, e do outro a Ąfrica, eram dois poderosos
atractivos que me tinham perplexo. Encontrei um meio de resolver a
questćo. Se eu fosse nomeado Governador de um districto, podia ir
estudar uma parte d'Ąfrica, sem me separar da familia. Fui collocado no
4 de Caēadores, e na minha viagem para o Algarve, passei alguns dias em
Lisboa. Nćo se falava mais em expediēćo exploratoria, e apenas um
enthusiasta, Luciano Cordeiro, nćo tinha descrido de que ella se faria;
e na sociedade de geographia, de que era Secretario, tinha levantado um
alto brado a favor d'ella. O D^{or.} Bernardino Antonio Gomes, jį de
idade provecta, tinha cedido ao peso do seu incessante labutar, e sentia
jį os primeiros symptomas do mal que, pouco depois, arrancando-lhe a
vida, devia arrancar a Portugal e ao mundo uma das maiores illustraēões
Portuguezas do sčculo 19.
Eu nćo conhecia a esse tempo o homem ardente e illustrado a quem hoje me
prende verdadeira amizade--Luciano Cordeiro.
Todos aquelles a quem falava de exploraēćo, me diziam ser cousa adiada.
Ao passo que o estado em que encontrei as cousas em Lisboa me compungia,
pois que via perder-se a luz que um momento brilhara, para dar um
impulso harmņnico įs exploraēões Portuguezas em Ąfrica; por outro lado,
sentia um certo prazer em ver-me, por esse meio, libertado do meu
compromisso; compromisso que me separaria dos entes que me sam caros.
Nutri entćo a idéa de ir governar, e de me estabelecer em Ąfrica, n'essa
Ąfrica em que eu queria trabalhar, sem por isso me separar dos meus.
Fui falar ao Ministro.
D'essa vez fui logo cordialmente recebido. Estranhei o caso, nćo se
falando jį de exploraēões.
"æO que o traz por aqui?"--"Venho pedir a V. Ex^{a.} o governo de
Quillimane, que estį vago." O S^{nr.} Corvo rio-se. "Tenho missćo de
maior monta a confiar-lhe;" me disse; "preciso de si para cousa
differente de governar um districto em Ąfrica; e por isso nćo lhe dou o
governo de Quillimane."--
"æEntćo V. Ex^{a.} ainda pensa em fazer explorar a Ąfrica? Eu com
franqueza digo, que hoje nćo creio que a idéa se realize."--
"Dou-lhe a minha palavra de honra," me disse o Ministro, "que ou hei de
deixar de ser Joćo de Andrade Corvo, ou na prņxima primavera, uma
expediēćo organizada como ainda se nćo organizou expediēćo alguma na
Europa, ha de partir de Lisboa para a Ąfrica Austral."--
"æE conta comigo?"--
"Conto comsigo," me disse, "e em breve terį noticias minhas."
Sahi aterrado do Gabinete do Ministro.
Cheguei ao Hotel Central, e escrevi o seguinte: "Nćo tenho a honra de o
conhecer, mas preciso falar-lhe, e peēo-lhe uma entrevista."
Sōbreescritei, a "Hermenigildo Carlos de Brito Capello--Official de
guarniēćo a bordo do couraēado _Vasco de Gama_."
No dia immediato, recebi a seguinte resposta:--"Estou hoje no Café
Martinho, įs 3 horas.--Capello."
Įs tres horas entrava no Café Martinho, e vi que as mesas estavam
completamente desertas. Só a uma dellas estava sentado um primeiro
tenente de marinha, que eu nćo conhecia mesmo de vista. Devia ser o meu
homem. Bebia pausadamente um grog, e tinha a cabeēa descoberta.
Era de mediana estatura, tanto quanto eu pude avaliar estando elle
sentado. Moreno, de olhar plącido; o cabello raro, e grisalho, o pequeno
bigode jį esbranquiēado, davam-lhe um ar de velhice, que era desmentido
pela tez desenrugada, e apresentando o lustre da juventude.
"æÉ o S^{nr.} Capello?"--
"Sou; æé o S^{nr.} Serpa Pinto? jį o esperava, e sei que, provavelmente,
vem falar-me d'Ąfrica."--
"É verdade. æEntćo estį decidido a fazer parte da expediēćo?"--
"Estou; e jį n'isso falei ao D^{or.} Bernardino Antonio Gomes."--
"Foi elle que me falou no S^{nr.}; æque compromissos tem?"--
"Nenhuns. Nćo sei bem o que o Governo quer; falei duas vezes com o
D^{or.} Gomes; ainda nćo vi o Ministro, e apenas lhe posso dizer, que,
se for į Ąfrica, escolherei para companheiro um meu amigo, e camarada na
armada, Roberto Ivens. æConhece-o?"--
"Nćo o conheēo. Falei ao Ministro e elle disse-me, que contava comigo
para a expediēćo."--
"N'esse caso, uma vez que jį tem compromissos com o Ministro, eu desisto
de ir."--
"”Ora essa!... entćo desisto eu."--
"Mesmo, eu nćo creio que a cousa vį a effeito."--
"Nem eu creio muito; mas emfim, se for a effeito, æporque nćo havemos de
ir ambos? Nćo nos conhecemos, é verdade; mas em breve travaremos ģntimas
relaēões, e creio bem chegaremos a ser amigos."--
"æE porque nćo? Entćo, se a expediēćo for įvante, iremos juntos, e
escolheremos para nosso companheiro ao meu amigo Roberto Ivens."--
"Esta dito. æPensa sčriamente que o Governo votarį uma tćo grande verba
como a que é precisa para uma empresa d'estas?"--
"Nćo sei, duvido; e agora łltimamente fala-se menos na expediēćo."
Conversįmos largamente, e separįmo-nos; tendo a ģntima convicēćo de que
a expediēćo nunca se realizarķa.
Ainda me encontrei com Capello nos dias seguintes, e depois
separįmo-nos. Elle seguio viagem no couraēado _Vasco da Gama_ para
Inglaterra; e eu fui tomar o commando da minha companhia em Caēadores 4,
no Algarve.
Com o descanēo da vida de guarniēćo, voltei ao estudo, e tive a
felicidade de encontrar um amigo no Algarve, Marrecas Ferreira,
distincto official de Engenheiros, que, meu companheiro nas mesas do
trabalho, tinha sempre um bom conselho a dar-me, nas questões
mathemąticas, que elle maneja com intelligencia superior. Foi por seu
intermedio que travei relaēões epistolares com Luciano Cordeiro, a quem
depois me devia ligar estreita amizade.
Por esse tempo, redigi duas pequenas memorias, que por intermedio de
Luciano Cordeiro chegįram įs mćos do Ministro da Marinha, em que tratava
do modo de organizar uma expediēćo de exploraēćo na Ąfrica Austral.
Passįram-se mezes, e nćo mais me falįram de expediēćo.
Recebi duas cartas do Capello, em que me mostrava a sua completa
descrenēa em que a cousa fosse a effeito. Eu mesmo nutria igual
descrenēa. Na Commissćo Permanente de Geographia discutiam-se varios
projectos de expediēões; mas tudo ficava em discussões.
Um dia, vi nos jornaes, que o Ministro, o S^{nr.} Joćo d'Andrade Corvo,
apresentara no parlamento um projecto, pedindo um crčdito de 30 contos
para uma expediēćo em Ąfrica; mas, pouco depois, cahio o Ministerio, e
foi o S^{nr.} José de Mello Gouvea encarregado da Pasta das Colonias;
quando o projecto ainda nćo tinha sido votado no parlamento.
Tornava-se a falar da projectada exploraēćo; mas os jornaes davam por
escolhidos exploradores que eu nćo conhecia, e įs vezes apenas falavam
em Capello.
Eu entćo estava em Faro, e se me nćo descurava dos meus estudos
astronņmicos e Africanos, ouvindo os conselhos de Joćo Botto, distincto
professor da escola de Pilotos de Faro, nćo nutria jį idéas de viajar. O
meu tempo era passado entre as caricias da familia e os meus livros de
estudo, e sentia-me muito feliz, nos conchźgos do lar domčstico, para
pensar em trocar a minha vida plącida pelo bulicio e azares das viagens.
Seguia com interesse nos jornaes as noticias de Lisboa, e vi que o nōvo
ministro, José de Mello Gouvea, havia no parlamento apoiado a proposta
de Joćo d'Andrade Corvo, e que fōra votada a somma de 30 contos para uma
exploraēćo. A morte de Bernardino Antonio Gomes, vģctima, talves, do
muito interesse que dedicou ao estudo das questões Africanas, n'uma
idade em que as fadigas passadas lhe aconselhavam completo repouso de
espģrito, a morte d'esse eminente sabio, veio produzir um grande vącuo
na Commissćo Central de Geographia. Outros, é verdade, tomando grande
interesse nas questões palpitantes, levantavam a voz no seio da
commissćo; mas discussões repetidas iam adiando a prąctica urgente.
Eu, apesar de se ter votado a verba no parlamento, jį nćo via
possibilidade de se levar a effeito a expediēćo em 1877; e em vista do
que sabia pela imprensa, nćo pensava que se lembrassem de mim, se
aquella fosse a affeito; e devo dizel-o, dava-me isso um certo prazer.
O Algarve é um paiz delicioso; reina ali uma atmosphera oriental, e as
copas elegantes das palmeiras que se inclinam sōbre as casas em
terraēos, faz-nos, įs vezes, esqučcer de que vivemos no prosaļsmo da
Europa. Eu era ali o commandante militar, quer dizer, que afazeres
poucos tinha.
O convivio de uma sociedade escolhida; os carinhos da familia; os meus
livros de estudo, e os meus instrumentos de observaēões, faziam-me
passar horas bem felizes, d'essa plącida felicidade que a muitos nćo é
dado conhecer. O lar caseiro, o xambre e os pantufos chegįram a ser para
mim o ideal do bem-estar.
Findara o mez d'Abril, e com o de Maio viera o calor, que se faz
fortemente sentir em Faro; e eu fazia projectos para o verćo; quando, um
dia, recebo um telegrama em que me ordenavam de me apresentar
immediatamente ao General commandante da Divisćo; e ali achei uma ordem
para me apresentar sem perda de tempo ao Ministro das Colonias.
Adeos casa, adeos xambre, adeos pantufos, adeos vida tranquilla e
plącida junto dos meus; ahi vōlvo a correr mundo.
Quatro dias depois, em torno de uma grande mesa, n'uma grande sala do
Ministerio da Marinha, uma duzia de graves personagens, uns d'ņculos,
outros sem ņculos, uns velhos outros nōvos, todos conhecidos, ou pelas
sciencias, ou pelas letras, ou pelos seus serviēos płblicos, tratavam de
questões Africanas. Presidķa a esta solemne sessćo o Ministro José de
Mello Gouvźa.
Eram Secretarios D^{or.} José Julio Rodrigues e Luciano Cordeiro. Conde
de Ficalho, Marquez de Souza, D^{or.} Bocage, Carlos Testa, Jorge
Figaniere, Francisco Costa, o Conselheiro Silva, e Antonio Teixeira de
Vasconcellos, lembra-me que estavam ali.
Lį no fundo da mesa a um canto, encaixado na poltrona, estava um homem
de basto cabello e basto bigode grisalho, a olhar para mim por entre os
vidros da luneta de tartaruga. Era Joćo de Andrade Corvo, que me dizia
com o olhar: "Eu bem lhe afiancei que a cousa se havia de fazer."
Junto de mim estava Capello, e ao cabo de duas horas sahģamos d'ali, com
as instrucēões precisas para a nossa viagem. Tģnhamos escolhido um
terceiro socio, e esse era o tenente Roberto Ivens, o amigo de Capello,
que eu nćo conhecia, e que a esse tempo estava em Loanda a bordo do seu
navio de guerra. Estąvamos a 25 de Maio, e tomįmos o compromisso de
partir a 5 de Julho. Era muito, porque tģnhamos que vir preparar a
expediēćo a Franēa e Inglaterra, e só dispłnhamos de um mez para isso.
Entćo Francisco Costa, Director Geral do Ministerio, tomou a peito
desfazer todos os obstąculos que os indispensaveis caminhos burocrąticos
nos podiam trazer; e andou de modo, que a 28 de Maio eu e Capello
partģamos para Paris e Londres, a comprar o que se nos tornava
necessario. Levąvamos um crčdito de oito contos de réis.
II.--Como foi Preparada a Expediēćo.
Em Paris fomos logo procurar a M. d'Abbadie, o grande explorador da
Abissinia, e M. Ferdinand de Lesseps.
D'elles ouvķmos conselhos e recebémos os maiores obsequios.
Infelizmente, nćo encontrįmos no mercado, nem instrumentos, nem armas,
nem artigos de viagem, taes como os desejįvamos.
Foi preciso encommendar tudo.
Com uma recommendaēćo especial de M. d'Abbadie, fomos procurar os
constructores de instrumentos, e durante 10 ou 12 dias, Lorieux, Baudin
e Radiguet trabalhąram para nós.
Walker tinha-se encarregado dos artigos de viagem, Lepage (Fauré) das
armas, Tissier do calēado, e Ducet jeune da roupa.
Feitas as encommendas em Paris, seguimos para Londres, e ali comprįmos
os chronņmetros, em casa de Dent, e alguns instrumentos em casa de
Casella; uma boa provisćo de sulfato de quinino, e muitos objectos de
cautchouc na casa Macintosh, entre elles dous barcos e algumas
banheiras.
Procurįmos de balde em Londres, como tģnhamos de balde procurado em
Paris, um theodolito que tivesse as condiēões necessarias para uma
viagem de tal ordem qual ģamos emprehender. Uns, ņptimos para
observaēões terrestres, nćo tinham as condiēões precisas para as
observaēões astronņmicas; outros, que reuniam as condiēões requeridas,
eram intransportąveis, jį pelo peso, jį pelo volume.
Nćo havia tempo para fazer construir um de propņsito, e de volta a
Paris, tivémos de aceitar aquelle que jį antes nos tinha sido offerecido
por M. d'Abbadie.
Recolhémos, em Paris, tudo o que tģnhamos encommendado, e que tinha sido
fabricado em nossa curta ausencia; e no dia 1 de Julho, desembarcąvamos
eu e Capello em Lisboa, completamente preparados para a nossa viagem;
podendo assim cumprir o nosso compromisso, de partir para Loanda no
paquete de 5. Tģnhamos feito os preparativos em 19 dias.
Quando eu estudava o modo de me preparar para uma longa viagem em
Ąfrica, tinha procurado sem resultado em livros de viagens, o modo
porque se haviam preparado outros viajantes.
Em todas as narrativas havia escassez de informaēões a esse respeito, e
lembra-me ainda o quanto isso me enfadou.
Resolvi logo, se um dia chegasse a fazer uma viagem em Ąfrica, e se
d'ella escrevesse a narrativa, nćo ser omisso n'essa parte, e dizendo
quaes os objectos de que me provi, dizer quaes os que me prestįram
serviēos reaes, e quaes os que me fōram carga inutil.
A historia das exploraēões d'Ąfrica estį no seu comźēo.
Muitos exploradores me succederįm em Ąfrica, como eu succedi a muitos, e
creio fazer um bom serviēo įquelles que depois de mim se aventurarem no
inhņspito continente, apresentando-lhes agora uma relaēćo dos objectos
de que me provi; e logo, no correr da minha narrativa, as vantagens ou
os inconvenientes que n'elles encontrei.
Segundo as instrucēões que do Governo tinha recebido, podia demorar-me
tres annos em viagem, e para isso me preparei.
A experiencia tinha-me mostrado, o grave inconveniente de me
sōbrecarregar de bagagens; e francamente declaro, que fiquei aterrado
quando, em Lisboa, vi o enorme trem comprado em Paris e Londres.
Só malas tģnhamos 17! todas das mesmas dimensões, 0^m,3 x 0^m,3 x 0^m,6.
Uma era toucador perfeito, contendo um grande espelho, uma bacia, caixas
para escovas e mais objectos competentes; outra continha um serviēo de
meza e chį para tres pessōas; e uma terceira o trem de cozinha.
Tres outras malas de forte sola deviam conter cada uma o seguinte:--4
frascos de quinino, uma pequena pharmacia, um sextante, um horizonte
artificial, um chronņmetro, umas tąbuas logarģthmicas, umas ephemčrides,
um aneroide, um hypsņmetro, um thermņmetro, uma błssola prismątica, uma
błssola simples, um livro em branco, lapis, papél e tinta; 50 cartuxos
para cada arma; um vestuario completo, e tres mudas de roupa branca;
isca, fusil, pederneiras, e alguns pequenos objectos de uso pessōal.
Cada uma d'estas malas tinha na parte superior um estojo de costura,
escrivaninha e logar para papél. Eram pessōaes, e pertencia cada uma a
um de nós.
As outras 10 malas continham indistinctamente roupas, calēado,
instrumentos, e outros objectos de reserva. Todas tinham fechaduras
iguaes e abriam com a mesma chave.
A nossa barraca era uma _tente marquise_ de 3 metros de lado por 2^m, 3
de alto. As camas eram de ferro, fortes e cņmmodas. As mesas de tezoura,
os bancos e cadeiras de lona.
Todos estes artigos fōram da fąbrica de Walker.
Cada um de nós tinha uma carabina magnģfica de calibre 16, cujos canos,
forjados por Leopoldo Bernard, tinham sido cuidadosamente montados por
Fauré Lepage.
Uma espingarda do mesmo calibre da fąbrica de Devisme, uma Winchester de
8 tiros, um revólver e uma faca de mato completavam o nosso armamento.
Em Lisboa tinha eu encommendado na Confeitaria Ultramarina 24 caixas,
das mesmas dimensões das malas, contendo, em latas cuidadosamente
soldadas, chį, café, assucar, hortaliēas secas, e farinhas substanciaes.
Hoje devo aqui lavrar um alto agradecimento ao S^{nr.} Oliveira,
proprietario da mesma fąbrica, pelo escrłpulo que tźve na escōlha dos
gčneros que nos forneceu, e que muito nos servģram no comźēo da viagem.
Os instrumentos que levįmos fōram os seguintes: 3 sextantes, sendo um de
Casella, de Londres; um de Secretan, e um de Lorieux, verdadeiro primor.
Dois cģrculos de Pistor, fabricados por Lorieux, com dois horizontes de
espelho, e os competentes nivéis. Um horizonte de mercurio de Secretan.
Tres lunetas astronņmicas de grande fōrēa, duas de Bardou e uma de
Casella. Tres pequenos aneroides, dois de Secretan e um de Casella; 4
pedņmetros, dois de Secretan e dois de Casella. 6 błssolas de algibeira;
1 błssola Bournier de Secretan; 3 outras azimutaes, duas de Berlin e uma
de Casella; 2 agulhas circulares Duchemin; 6 hypsņmetros Baudin, 1 de
Casella, 3 de Celsius de Berlin, dois mais muito sensiveis de Baudin; 12
thermņmetros de Baudin, Celsius e Casella; 1 barņmetro Marioti-Casella;
1 anemņmetro Casella; 2 binņculos Bardou; 1 błssola de inclinaēćo, e um
apparelho de fōrēa magnčtica, que nos fōram obsequiosamente emprestados
pelo Capitćo Evans, por entremedio de M^{r.} d'Abbadie. E finalmente, o
theodolito universal d'Abbadie, que tem o nome de _Aba_, e que tćo
cavalheirosamente nos foi cedido pelo seu inventor.
Armas, instrumentos, bagagens, todos os artigos, enfim, tinham gravado o
seguinte letreiro--_Expediēćo Portugueza ao interior d'Ąfrica Austral,
em 1877_.
Duas caixas, contendo o necessario para conservar exemplares zoolņgicos
e botąnicos nos fōram enviadas pelos S^{nrs.} D^{or.} Bocage e Conde de
Ficalho.
Ferramentas dos diversos officios augmentavam este enorme trem, com que
ģamos deixar Lisboa, para nos internarmos nos sertões desconhecidos da
Ąfrica Austral.
CAPĢTULO I.
EM BUSCA DE CARREGADORES.
Chegada a Loanda--O Governador Albuquerque--Nćo ha
carregadores--Vou ao Zaire--O Ambriz--Chego ao Porto da Lenha--Os
resgatados--Sei da chegada de Stanley--Vou a Cabinda--Tomo Stanley
a bordo da _Tāmega_--Os officiaes da canhoneira--Stanley meu
hņspede--O nosso itinerario--Chegada do Ivens.
No dia 6 de Agosto de 1877, chegąvamos a Loanda, no vapor _Zaire_, do
commando de Pedro d'Almeida Tito, a quem aqui lavro um testemunho
affectuoso de muita gratidćo, pelos favores que me dispensou durante a
viagem.
Desde a minha saļda de Lisboa, uma preoccupaēćo constante me perseguia.
A nossa bagagem era enorme, e tinha de ser ainda muito aumentada, com
fazendas, missangas e outros gčneros, que seriam a nossa moeda no
sertćo.
Em todos os livros de viagens, n'esta parte do continente Africano, li
eu as difficuldades em que se encontrįram muitos exploradores, por nćo
poderem obter o nłmero sufficiente de carregadores para as cargas
indispensaveis. æComo os obteria eu? Em Cabo-Verde sube, que uma carta
que eu e Capello tģnhamos dirigido ao Ivens nćo fōra por elle recebida;
pois que sube ali, por um telegrama, que Ivens estava em Lisboa, e por
isso nćo podia ter satisfeito ao pedido que n'aquella carta lhe
fazģamos, de estudar a questćo, e ver se nos obtinha em Loanda os
auxiliares precisos. Uma tentativa feita em Cabo-de-Palmas ficou sem
resultado, e apesar do apoio que nos prestou o Capitćo Tito, nem um só
_keruboy_ podémos ajustar ali.
Chegįmos finalmente a Loanda, e fomos hospedar-nos em casa do S^{nr.}
José Maria do Prado, um dos primeiros proprietąrios e capitalistas da
Provincia de Angola, que immediatamente poz į nossa disposiēćo, uma das
muitas casas que possue na cidade; casa com accommodaēões bastantes para
receber o enorme trem da expediēćo.
Do S^{nr.} Prado recebemos innłmeros favores. Na noite do dia 6, fomos
procurados por um dos ajudantes-de-campo de Sua Excellčncia o
Governador-Geral, que vinha, em nome do S^{nr.} Albuquerque, fazer-nos
os mais cordiaes offerecimentos.
No dia 7, procurįmos o Ex^{mo.} Governador, que nos recebeu
affectuosamente, mostrando a maior benevolencia em desculpar os meus
trajos, que, ņptimos para a vida do mato, eram, a nćo poder ser mais,
ridģculos para uma visita ceremoniosa.
O S^{nr.} Albuquerque, depois de nos assegurar, que nos daria a maior
assistencia nas terras do seu governo, concluio por nos mostrar a
impossibilidade de obtermos carregadores.
Creio que nada mais desagradavel pode haver para quem quer viajar em
Ąfrica, e tem 400 cargas, do-que dizer-se-lhe: _Nćo ha carregadores_.
Decidķ immediatamente ir ao Norte da provincia ver se por ali os poderia
contratar; e n'esse sentido pedi ao S^{nr.} Albuquerque, me mandasse
transportar ao Zaire.
O só navio de guerra que podia ser posto į minha disposiēćo andava
cruzando na foz do Zaire; resolvi d'ir procural-o, e no dia 8, parti
n'um escalér, tripulado por 8 prźtos cabindas, que me foi fornecido pela
capitanķa do Porto. Levava ordens do Governo para o commandante da
canhoneira. Nćo ha nada mais desagradavel do-que fazer uma viagem de 120
milhas em um escalér. De Loanda ao Ambriz comi apenas umas sardinhas e
bolachas. Tendo resolvido fazer a viagem no escalér no mesmo dia da
partida, nćo tive tempo de fazer preparativos.
No dia 9, ao anoitecer, chegava ao Ambriz, bonita villa assente no
planalto de um cņmoro, cujas escarpas, de 25 metros, sam cortadas a
prumo sōbre o mar.
Fazia as vźzes de chefe, um empregado de fazenda, o S^{nr.} Tavares, que
caprichou em obsequiar-me, assim como tōdos os habitantes da villa,
mormente o S^{nr.} Cordeiro, em casa de quem estive hospedado.
Esperava-me no Ambriz Avelino Fernandes. Tive a felicidade de conhźcer
Avelino Fernandes a bordo do vapor _Zaire_, e relaēões ģntimas se
estabelecźram entre nós.
É filho das margens do Zaire, e tem grande paixćo por esse rico solo,
onde as ąrvores gigantescas da floresta virgem lhe assombrįram o berēo.
Tem 24 annos. A cōr morena e o cabello crespo indicam que nas suas
veias, de envolta com o sangue Europźu, gira o sangue Africano. Rico,
dotado de uma esmerada educaēćo, adquirida nos principaes centros da
Europa, e que uma intelligencia superior soube desenvolver, é o
verdadeiro typo do cavalheiro palaciano, que nćo se pōde conhźcer sem
que a elle nos prenda logo verdadeira sympathģa. As muitas relaēões que
elle tinha no Zaire podiam facilitar-me os meios de arranjar ali
carregadores.
Sube no Ambriz que a canhoneira _Tāmega_ devia chegar įquelle ponto
dentro de dois dias; e por isso resolvi esperal-a.
A viagem de Loanda no escalér nćo me tinha deixado recordaēões tćo
fągueiras, para que eu persistisse em continuar para o norte da mesma
forma.
No dia 10, fui visitar a villa e seus suburbios, e em dois traēos vou
narrar o que vi.
Do planalto em que assenta a povoaēćo Europźa, desce-se para a praia por
um caminho em zigzag, que estava sendo reconstruido por alguns
grilhetas. Na praia, entre dois soberbos edificios, que sam armazens das
casas commerciaes Franceza e Hollandeza, ostenta-se um albergue,
meio-derrocado pźla velhice, meio-em-construcēćo recente nćo-continuada,
que é a Alfąndega; Alfąndega sem depņsitos, onde as fazendas, arrumadas
į porta sōbre o areal, pagam um irrisņrio tributo de armazenagem. A
N.N.E. da villa, muitos hectares de terreno sam occupados por um
pąntano, inferior de 3 metros e 12 centģmetros ao maior preamįr; e na
encosta da escarpa que do planalto da villa desce ao pąntano, assentam
as cubatas da povoaēćo indģgena, nas peiores condiēões de salubridade.
Ao sul da villa, entre umas moitas de mato virgem, é o cemiterio--onde
os cadąveres enterrados de dia, sam pasto das hyenas į noite.
A ponte de desembarque, construida de ferro e madeira, estį prestes a
ser inutilizada; porque a oxidaēćo do ferro em contacto com o ar e a
ągua, produz-se cźdo; e a ponte nćo foi pintada, nćo ha verba para sua
conservaēćo, nem alguem que por ella vigie.
A casa do chefe é um pardieiro derrocado, onde ha verdadeiro perigo em
habitar.
O paio ameaēava ruina; e isso fźz-me impressćo, porque elle contém a
pņlvora do commercio, que nćo rende menos de duzentos mil réis mensaes
para o Estado.
É bem de esperar, que nos dois annos decorridos depois da minha visita
ao Ambriz, se tenham dado mais cuidados įquella bonita villa, cuja
importancia é patente, sendo um grande centro de commercio.
Um kilņmetro ao N. da ponte de desembarque, lanēa no Atląntico as suas
ąguas o rio Loge, cuja foz é obstruida por um banco de areia, que lhe dį
difficil accesso, mas que depois é navegavel por uns trinta kilņmetros.
No dia 11, fui visitar a importante propriedade agrģcula, fundada pźlo
cčlebre Jacintho do Ambriz, e hōje pertenēa de seu filho Nicolao. Esta
propriedade representa um dos maiores esfōrēos feitos na provincia de
Angola, para o desenvolvimento da agricultura.
Jacintho do Ambriz foi levado į Ąfrica por uma desgraēa ģntima. Filho do
povo, sem a menor instrucēćo, nćo sabendo mesmo ler ou escrever (mas
dotado de uma razćo clara, de um espģrito fino, e de muita felicidade),
chźgou a fazer uma grande fortuna. Jacintho casou no Ambriz com uma
mulhér da sua igualha. Era a tia Leonarda, mais conhźcida por _tia
Lina_, natural da Beira-Alta; e em 1877, a conhźci eu vestida sempre į
moda das camponezas da Beira, falando a linguagem vulgar que fala o pōvo
d'aquella provincia, como se de lį tivźsse chźgado. Na sua casa comi um
jantar beirense, e por um momento julguei-me transportado a uma das
hospitaleiras casas dos nossos lavradores do Norte. A tia Lina entrou
muito na felicidade que levou Jacintho į riqueza.
Jacintho fazia o commercio, e esse commercio, na Ąfrica, obriga a dois
distinctos ramos:
Adquirir dos brancos fazendas, e vender-lhes os productos do paiz; e
adquirir dos prźtos esses productos, vendendo-lhes as fazendas.
Era Jacintho que fazia o commercio com os brancos, e a tia Lina com os
prźtos.
Jacintho, dotado de uma alma generosa, era muitas vźzes vģctima da sua
boa fé, e das extorēões de alguns chefes; o que provocava uma phrase į
tia Lina, que eu muitas vźzes ouvi repetir: "Ah! Jacintho, os brancos
esmagam-te; mas eu esmago os prźtos!"
O verbo empregado pźla tia Lina nćo era precisamente o verbo _esmagar_,
mas, por muito enčrgico, substituo-lhe outro algo semelhante.
Um dia, Jacintho deu em ser lavrador. Era a costumeira de crianēa que
puxava por elle. Comprou terreno, e lanēou os fundamentos d'essa
vastissima propriedade que é digna de ser visitada; e į qual dedicou o
seu trabalho e a sua bōlēa, até ao łltimo momento de vida que tźve.
Era Jacintho conhecido por estropiar as palavras, e citam-se d'elle
tolices engraēadissimas, pźlo mao emprego de um ou de outro vocąbulo que
decorara, mas cuja significaēćo nćo conhecia bem; com tudo, tinha muito
espģrito, e ha d'elle anecdotas engraēadas. Esta por exemplo:
Jį elle se achava estabelecido na sua propriedade do Loge; mas, logo que
ao porto chźgava navio de guerra Portuguez, ia a bordo fazer
offerecimentos aos officiaes; que de genio era franco.
Um dia que elle fōra a bordo, o commandante pediu-lhe um macaco.
"æQuantos quizér?" lhe respondeu Jacintho; "mande įmanhć um escalér,
pelo Loge até minha casa, buscal-os."
No dia seguinte, um escalér, tripulado por seis homens, encostava ao
muro do jardim de Jacintho. Fźz elle subir o escalér até dois kilņmetros
mais, e chźgando į vertente de um monte coberto de gigantes baobabs, em
cujos ramos horizontaes pulavam centos de macacos, disse aos
marinheiros: "Tōdos estes macacos sam meus, vivem cį dentro da minha
propriedade; tendes licenēa de apanhar quantos quizerdes e leval-os ao
commandante."
Os marinheiros encarįram com os cimos elevadissimos das enormes ąrvores,
cujos troncos, de espantoso diąmetro, nćo lhes permitiam a subida; e
depois de alguns vćos esfōrēos, retirįram desanimados, perseguidos pźla
grita e pźlas caretas da macacaria.
"Eu dei-lhos; se os nćo levam, nćo é culpa minha," dizia o Jacintho,
rindo įs gargalhadas.
Visitei a propriedade, e uma cousa que me impressionou foi ver, que,
mąchinas, apparelhos, instrumentos, etc., tudo era de fąbrica
Portugueza.
Nada Jacintho admitia que nćo fōsse Portuguez, e, custassem-lhe o dōbro,
fazia elle fabricar em Lisboa tōdos os seus artigos, jį para a
agricultura, jį para a industria.
A memoria d'esse homem obscuro--mais conhźcido pźlos disparates que
dizia, do-que pźlas muitas cousas acertadas que fźz--dźve ser respeitada
por tōdos os que se interessam pźlo desenvolvimento Africano; porque
elle foi o homem que, nos modernos tempos, maior serviēo fźz, para
desenvolver a agricultura em colonia Portugueza, empregando n'isso a sua
immensa fortuna, e trabalhando até ao seu łltimo dia.
Na margem esquźrda do Loge, assenta outra propriedade agrģcula, tambem
importante, pertencente ao S^{nr.} Augusto Garrido. Nćo tive tempo de a
visitar, porque, no dia que ali passei, nćo pude esquivar-me aos muitos
favores de Nicolao e tia Lina, e tudo o tempo foi pouco para admirar o
que ali, no brejo agreste, a vontade do homem tinha feito.
No dia seguinte, chźgou a canhoneira _Tāmega_, e sube, indo a bordo, que
se achava sem mantimentos, e com grande nłmero de praēas doentes; motivo
por que combinei com o commandante, o S^{nr.} Marques da Silva,
esperal-o no Ambriz, em quanto ia a Loanda refrescar.
Trźs dias depois chźgou a _Tāmega_ de volta de Loanda; indo eu logo para
bordo, com Avelino Fernandes, seguķmos viagem no mesmo dia para o Zaire.
Eu tinha adoecido com uma bronchites aguda, de que felizmente melhorei
logo que comźēou a viagem.
Subķmos o Zaire até ao Porto da Lenha, onde desembarquei com Avelino
Fernandes, que me apresentou aos seus amigos d'ali. Falei logo em
carregadores. Disséram-me, que seria, talvźz, possivel obtel-os, se os
chefes indģgenas me quizźssem auxiliar; mas que, o melhor meio para mim,
era resgatar escravos, e em seguida contratal-os para o serviēo que eu
exigia.
Repugnou-me a idéa de comprar homens, embora fōsse para os libertar em
seguida. E depois, æquem sabe se elles me quereriam acompanhar sendo
livres?
Resolvi immediatamente nćo proceder d'este modo, embora nćo obtivźsse um
só carregador ali.
Na casa em que estava sube que tinha chźgado a Boma, no dia 9, o grande
explorador Stanley, que descera tudo o curso do Zaire. Stanley tinha
seguido para Cabinda.
Voltei a bordo e combinei com o Commandante irmos a Cabinda offerecer os
nossos serviēos ao arrojado viajeiro. Partķmos, e logo que ancorįmos no
porto, fui a terra, com Avelino Fernandes e alguns officiaes da
canhoneira.
Foi commovido que apertei a mćo de Stanley, homem de pequena estatura,
que a meus olhos assumia proporēões de vulto colossal.
Offereci-lhe os meus serviēos, em nome do Governo Portuguez, e
disse-lhe, que se quizźsse ir a Loanda, d'onde mais facilmente poderia
obter transporte para a Europa, o Commandante Marques lhe offerecia
transporte a elle e aos seus a bordo da canhoneira. Em nome do Governo
Portuguez puz į sua disposiēćo o dinheiro de que carecźsse.
Stanley respondeu-me com um vigoroso aperto-de-mćo.
Os officiaes da _Tāmega_ confirmįram os meus offerecimentos em nome do
seu Commandante.
Stanley aceitou, e desde esse momento, ficou a canhoneira į sua
disposiēćo.
Como bem se pōde calcular, eu e Avelino Fernandes nćo deixąvamos
Stanley, e ąvidos de ouvir a narraēćo da sua viagem, o tempo que elle
tinha preso, era por nós passado a questionar os seus homens.
No dia 19, os officiaes da _Tāmega_ déram um soberbo banquźte ao
intrčpido explorador, para o qual convidįram o Commandante Marques,
Fernandes e a mim.
No dia 20, partķmos para Loanda, levando a bordo tōda a comitiva de
Stanley, que se compunha de 114 pessōas, entre ellas 12 mulhéres e
algumas crianēas.
Stanley, em Loanda, foi hospedar-se em minha casa; distincēćo a que eu
fui muito sensivel, porque recusou, para isso, os muitos convites que
tźve, e com elles commodidades que eu nćo podia offerecer-lhe, n'uma
casa onde tinha por mobilia os meus utensilios de viajeiro.
O Governador mandou logo comprimentar o ilustre Americano, e
offereceu-lhe um banquźte, a que assisti. De volta a casa, perguntei a
Stanley, æqual a impressćo que trazia do S^{nr.} Albuquerque? E elle
disse-me apenas: "_He is a very cold gentleman_." ("É um cavalheiro mui
frio.")
O Consul Americano, o S^{nr.} Newton, deu-nos um almōēo, e muitos
favores nos dispensou.
Haviam festas e banquźtes; mas, a 23 de Agōsto, ainda nćo tģnhamos um só
carregador; e na noite do jantar offerecido a Stanley pźlo Governador,
me repetira sua Excellencia, que nćo me seria possivel obtel-os, sōbre
tudo em Loanda; mostrando-me a difficuldade em que se encontrara o Major
Gorjćo, que apenas tinha podido obter metade do nłmero de homens de que
precisava, para estudar a linha ferrovial do Cuanza.
É tempo de falar dos nossos projectos, segundo a lei, e as instrucēões
do Governo.
O Parlamento votara uma somma de 30 contos de réis para se estudarem as
relaēões hydrogrąphicas entre as bacias do Congo e Zambeze, e os paizes
comprehendidos entre as Colņnias Portuguezas de uma e outra costa
d'Ąfrica Austral.
Umas instrucēões subsequentes indicavam mais particularmente o
estudar-se o rio Cuango, nas suas relaēões com o Zaire; o estudo dos
paizes comprehendidos entre as nascentes do Cuanza, Cunene, Cubango, até
ao Zambeze superior; indicando, que, se possivel fōsse, deveria
estudar-se o curso do Cunene.
O que fōra designado na lei do Parlamento, elaborada pźlo S^{nr.} Corvo,
parece ao principio problema vasto de mais para uma só expediēćo, e uma
verba de trinta contos de réis; mas a lei foi bem redigida. O S^{nr.}
Corvo sabķa, que o viajante em Ąfrica, nćo só nem sempre é senhor dos
seus passos, mas tambem, que no seu caminho pōde encontrar um
nćo-previsto problema, que julgue de importancia superior į do que lhe
foi designado; e por isso deixou a maior latitude aos exploradores.
Quanto įs instrucēões, fōram ellas mais restrictas, mas ainda assim,
deixavam bastante largos os movimentos da expediēćo.
O ponto de entrada, como dependia essencialmente do logar onde
obtivčssemos carregadores, ficou indeterminado.
Tģnhamos eu e Capello pensado em entrar por Loanda, seguir a leste, até
encontrar o Cuango; descer este rio por dois graos; passarmos ao
Cassibi, que intentąvamos descer até ao Zaire; e finalmente, reconhźcer
o Zaire até į sua foz.
Com a chźgada de Stanley, tendo elle feito uma parte do trabalho que nós
propunhamos fazer, e sōbre tudo a impossibilidade de obter carregadores
em Loanda, tivémos de modificar completamente o nosso plano.
Decidķmos, que fōsse eu ao Sul procurar carregadores em Benguella; e
que, se ali os obtivźsse, entrąssemos pźla foz do rio Cunene, subindo-o
até įs suas nascentes; e depois seguģssemos com os nossos estudos para
S.E., até ao Zambeze.
Como nćo podģamos ter grande confianēa na gente que ajustąssemos,
lembrįmo-nos de pedir ao Governador um certo nłmero de soldados, que
fōssem, por assim dizer, a escolta de vigia. Sua Excellencia accedeu e
mandou saber aos regimentos, se alguns soldados nos quereriam
acompanhar; porque, nćo sendo aquelle serviēo regular, nćo podia
compellir os soldados a irem.
Ficou, pois, decidido, que eu partisse para Benguella no vapor que no
principio de Setembro devia chźgar de Lisboa.
N'esse vapor veio o Ivens, que pźla primeira vźz eu via. Sympąthico,
ardente, dotado de grande verbosidade, e muito enthusiasmado pźlas
viagens difficeis, depressa me ligou a elle a amizade. Narrįmos-lhe tudo
o que resolvźramos fazer, e as difficuldades que tģnhamos encontrado até
entćo. Ivens concordou com-nosco, e ficou definitivamente resolvida a
minha partida para Benguella, no dia 6.
Preparei-me logo para partir, e fui dar parte d'isso ao Governador.
Durante a minha ausencia os meus companheiros deviam preparar as
bagagens, que estavam em grande desarranjo, com a nossa precipitada
partida da Europa.
Cabe aqui contar um episodio que me aborreceu bastante; porque poderia
ter feito, que Stanley julgasse do caracter meu e dos meus companheiros,
differentemente do que o devia fazer.
No dia 5, ao almōēo, conversąvamos eu, Capello, Ivens, Stanley e Avelino
Fernandes, a respeito da escravatura, e mostrąvamos a Stanley o espģrito
das leis Portuguezas sōbre o infame trįfico; notando-lhe a falsidade de
asserēões de estrangeiros a nosso respeito; e a impossibilidade de fazer
entćo escravos onde o Governo tinha forēa. Discorrģamos įcerca do
assumpto, quando Capello tźve de ir a Palacio falar ao Governador.
Voltou uma hora depois, e logo em seguida recebia Stanley uma carta
official do S^{nr.} Albuquerque, a pedir que lhe certificasse, æse nas
terras do seu governo se fazia escravatura? Stanley veio sorprendido
mostrar-me a carta, e nćo menos sorprendidos ficįmos eu, os meus
companheiros, e Avelino Fernandes. Effectivamente, a nossa conversaēćo
ao almōēo, e aquella carta depois de um de nós ir a Palacio, pareceria
ao illustre viajante uma comedia habilmente preparada.
Stanley podia certificar a sua Excellencia, que a bordo da _Tāmega_, em
minha casa, em casa de sua Excellencia, e na do Consul Newton, nćo tinha
visto fazer escravatura. Fora d'isto, Stanley, como sua Excellencia
muito bem sabķa, só por informaēões nossas poderia falar, convivendo
quasi exclusivamente com-nosco, e nćo tendo visitado ponto algum do paiz
governado pźlo S^{nr.} Albuquerque. Era querer o S^{nr.} Governador
viesse Stanley a pagar caro um jantar e os seus favores, pedir-lhe um
certificado que elle Stanley nunca deveria ter passado.
Stanley, creio eu, fźz-nos a justiēa de pensar que čramos estranhos
įquella carta.
No dia 6, parti para Benguella, levando cartas do S^{nr.} José Maria do
Prado para alguns particulares, e nem uma recommendaēćo para o
Governador do Districto, que eu nćo conhecia.
Ia outra vźz į busca de carregadores, que eu, Portuguez, nćo tinha
podido obter em Loanda, e que, 4 mezes depois, tinha ali obtido um
estrangeiro, o explorador Schutt, que nćo encontrou as menores
difficuldades, para seguir o primeiro caminho que nós tģnhamos
tencionado seguir.
Em viagem conheci um passageiro que me disse ser possivel obter alguns
carregadores em Nōvo Redondo, e que se comprometteu a contratar ali uns
20 ou 30.
Foi jį um pouco animado com esta promessa, que chźguei a Benguella, no
dia 7 į noite; e ainda que levava cartas de recommendaēćo para alguns
negociantes, fui procurar o Governador, e pedir-lhe hospedagem.
CAPĢTULO II.
AINDA EM BUSCA DE CARREGADORES.
O Governador, Alfredo Pereira de Mello--A casa do
Governador--Cousas de que nćo tem culpa o Governo da Metrņpoli--O
que é Benguella--O commercio--Sou roubado--Outro roubo--A
Catumbela--Obtenho carregadores--Chźgada de Capello e Ivens--Nōva
alteraēćo de itinerario--Outra difficuldade--Silva Porto, o velho
sertanejo--Apparecem nōvos obstąculos--O Capello vai ao
Dombe--Partida--O que é o Dombe--Nōvas difficuldades--Partimos
emfim.
Alfredo Pereira de Mello,[1] Governador de Benguella, ao ouvir o meu
pedido de hospedagem, mostrou um embaraēo que percebi, e disse-me, que
nćo tinha meio de me receber em sua casa. Sorprendeu-me o caso, sabendo
eu que o Governador era bizarro de genio e de natureza franco. Tive
convites, logo į minha chegada, jį de Antonio Ferreira Marques, jį de
Cauchoix; mas persisti no intento de hospedar-me em casa do Governador.
Elle disse-me, que nćo tinha cama a offerecer-me, e eu mostrei-lhe a
minha cama de viagem; porque fui logo pondo em casa d'elle a minha
bagagem. Disse-me, que nćo tinha quarto; apontei-lhe para um canto da
sala em que estąvamos, onde ficaria ņptimamente.
Nćo havia mais que dizer, e fiquei. Aguēava-me a curiosidade a
resistencia do Governador em negar-me a hospitalidade que pedia; mas
cźdo desvendei o misterio.
Alfredo Pereira de Mello era homem nōvo, ainda que tinha jį uma patente
superior na armada. Sympąthico e intelligente, é estimado por tōdos
aquelles que o conhźcem de perto; porque a uma finissima educaēćo, reune
grande rectidćo de caracter, e a energķa peculiįr a tudo bom marinheiro.
Serviu na marinha Ingleza, e tem de viagens larga prątica.
Vio as Amčricas, e antes de ir para Ąfrica como Ajudante-de-Campo do
Governador Andrade, tinha visitado a India, a China e o Japćo.
O Governador, que jį me conhźcia de nome, ao ouvir o meu pedido,
esqučceu que tinha diante de si o explorador, para só se lembrar do
homem habituado a viver no meio do luxo e das commodidades. Pereira de
Mello tźve vergonha de hospedar-me.
Um Governador de Benguella, se é recto e probo, vive mesquinhamente com
a paga que recebe.
A casa do governo é arrendada. A mobilia, um pouco menos de modesta,
guarnece a sala e um quarto.
Na sala, destoa da mobilia, ricamente amoldurado, um retrato d'El-Rei, o
melhor que tenho visto.
E com-tudo a este porto, v[~e]m repetidas vźzes navios de guerra
estrangeiros, cujos officiaes visitam o Governador, regalam-n-o a bordo;
e elle nem um copo d'ągua lhes pōde offerecer em sua casa, porque a
prźta ou o muleque tem de trazer o cōpo n'um prato velho. O serviēo de
mesa era, creio eu, a espada de Damocles suspensa sōbre a cabźēa de
Pereira de Mello, ao ouvir a minha teimozķa em ficar. Nćo tinha razćo. O
asseio que presidķa a tudo, supprķa o vidrado da louēa gasto com o
tempo, e os manjares simples, mas bem cozinhados, avivavam o appetite jį
derrancado pźlos ares Africanos; e nćo se offenda o cozinheiro do Hotel
Central em Lisboa, se eu lhe dizer, que comi melhór em casa do
Governador de Benguella do que comia dos seus opģparos manjares, ainda
que a prźta Conceiēćo, cozinheira do Governador, nunca ouvio falar do
heroe das caēarolas, o cčlebre Brillat-Savarin.
Pereira de Mello, logo ao primeiro dia de convivencia, abrio-me o seu
coraēćo, mostrando-me a menos que singeleza da sua vida interior. Trźs
officios dirigidos ao Governo da Provincia, em que pedia autorizaēćo
para fazer algumas reformas caseiras, tinham ficado sem resposta.
Isto nćo é de estranhar, porque foi sempre assim.
Em um copiador de correspondencia, que existe nos archivos do Governo de
Benguella, li eu uns officios datados de 1790, em que o Governador de
entćo jį se queixava a El-Rei das mesmas faltas; por a ellas lhe nćo dar
remedio o Governador Geral da Provincia, e entre outras cousas que pede
com urgencia, figuram os reparos para duas peēas de bronze que designa,
e que ainda hōje os carecem.
Sam as mesmas de que fala Cameron; o que elle vai saber agora é, que os
reparos jį fōram encommendados e nćo podem tardar em chegar; porque,
sendo a encommenda d'elles feita em 1790, dźve estar quasi concluida a
sua construcēćo.
Benguella é uma bonita cidade, que se estende desde a praia do Atląntico
até ao sopé das montanhas que formam o primeiro degrao do planalto da
Ąfrica tropical. É cercada de uma espessa floresta, a Mata do Cavaco,
ainda hoje povoada de feras; e isso nćo admira, que os Portuguezes, em
geral, de caēadores nćo t[~e]m manhas. As habitaēões dos Europźos
occupam uma grande ąrea, porque todas as casas t[~e]m grandes quintaes e
dependencias.
Os quintaes sam cuidados; produzem todas as hortaliēas da Europa, e
muitos frutos tropicaes.
Vastos pąteos cercados de alpendres servem para dar guarida įs grandes
caravanas que do sertćo descem į costa em viagem de trąfico, e que
repousam trźs dias na casa onde effeituam as permutaēões.
Um rio, que na estaēćo estķa apenas é larga fita de ąrea branca, que se
desenrola das montanhas ao mar, a travez da floresta do Cavaco, é ainda
assim a grande fonte de Benguella, que os poēos ali cavados dam ągua boa
philtrada pźlas ąreas calcąreas.
Nas ruas da cidade, largas e direitas, crecem dois renques de ąrvores,
pela maior parte figueiras sycņmoros, de pouco arraigadas, e por isso
ainda pequenas. As praēas sam vastas, e em uma ajardinada, crescem
bonitas plantas de vistoso aspecto.
As casas, todas terreas, sam construidas de adōbes, e os pavimentos sam,
em umas de tijolos, e de madeira em outras.
A alfąndega é bom edificio, recentemente construido, e tem vastos
armazens para as mercadorias do trąfico. Esta alfąndega, e o largo
ajardinado, como outros melhoramentos de Benguella, fōram de um
Governador, Leite Mendes, que de si deixou rasto.
Uma ponte magnģfica de architraves de ferro, creio que encommendada pźlo
mesmo Leite Mendes, mas muito posteriormente montada pźlo Governador
Teixeira da Silva, é guarnecida por dois guindastes e carrķs, por onde,
em vagonetes, se transportam as mercadorias das lanchas į alfąndega. Eu
aqui commetti um erro de grammątica, escrevendo o verbo transportar no
presente do indicativo, quando no condicional é que era.
_Transportariam_, se houvesse pessōal para isso; mas nćo _transportam_,
porque o nćo ha.
Tem a cidade um templo decente, e um cemiterio bem collocado e murado.
A povoaēćo Europźa é cercada, por todos os lados, de _senzalas_, ou
povoaēões de prźtos, e mesmo entre a povoaēćo branca ha pequenas
_senzalas_, em quintaes abandonados. O seu aspecto geral é agradavel e
aceiado.
Tem Benguella mį fama entre as terras Portuguezas de Ąfrica; e supõem
muitos, ser aquillo um paiz infecto, que exhala de miasmąticos pąntanos
a peste, e com a peste a morte.
Nćo é assim. Eu nćo conhźci Benguella como ella fōra em tempos passados;
mas hōje, nćo é nem melhor nem peior do que outros muitos pontos
d'Ąfrica.
O aceio e as plantaēões de arvoredo, de certo t[~e]m. modificado muito
as suas anteriores condiēões hygičnicas, e com uma pouca de boa vontade,
nćo seria difficil o seu saneamento; o que estou certo se farį, porque
nćo pōde deixar de merecer verdadeira attenēćo um ponto de tćo subida
importancia commercial, e em facil contacto com tćo ricas terras nos
sertões.
Os principaes productos que alimentam o commercio de Benguella sam cźra,
marfim, borracha e urzella, que chźgam į cidade trazidos pźlas caravanas
dos sertões. Estas caravanas sam de duas espčcies. Umas, dirigidas por
agentes das casas commerciaes, trazem įs mesmas casas que os despacham
os productos do seu trąfico no interior; outras, exclusivamente
compostas de gentio, descem a negociar por canta propria, onde melhor
ganho encontram.
O trąfico com o gentķo faz-se por permutaēćo directa do gčnero por
fazenda de algodćo, branco, riscado ou pintado. Os outros productos
Europźos sam objecto de uma segunda permutaēćo pźla fazenda recebida; e
assim, depois da primeira troca do marfim ou cźra pelo algodćo, é este
trocado por armas, pņlvora, ągua-ardente, missanga, etc., į vontade do
comprador; porque a fazenda de algodćo é, por assim dizer, a moeda
corrente n'este trąfico.
O commercio estį entre mćos de Europźos e crioulos, e felizmente jį ali
encontrįmos muitos d'esses rapazes que, aventurosos, deixam patria e
familia, para ir em terras longinquas buscar fortuna.
Alguns deportados de menor importancia tambem negociam, jį por conta
propria, jį como empregados de casa alheia.
Os maiores criminosos do Reino, os condenados por tōda a vida, sam
deportados para Benguella, do que resulta, encontrar-se ali quantidade
de patifes, de que é bom resguardar-se; nćo os confundindo com a gente
digna e capaz, que a ha.
A policia é confiada į fōrēa militar, que um dos regimentos destaca para
Benguella; sendo que de Benguella ainda sam espalhadas differentes
fōrēas nos concźlhos do interior; desfalcando a guarniēćo da cidade, jį
de si pequena.
Nós temos dois exčrcitos, um na Metrņpoli, outro nas colonias, que
nenhuma relaēćo t[~e]m entre si.
O nosso exčrcito da Metrņpoli é bom, porque o Portuguez é bom soldado; o
nosso exčrcito das colonias é mao, porque o prźto é mao soldado; e os
brancos que ali servem de mistura com prźtos, sam peiores ainda do que
estes. Deportados por crimes que os excluķram da sociedade, fazendo-lhes
perder na Europa o fōro de cidadćos, vam desempenhar em Ąfrica o posto
nobre do soldado; sendo a nossa autonomķa Africana, e a seguranēa
płblica e particular, confiada į defeza de homens, que dam por garantķa
um detestavel passado.
Dahi as contģnuas scenas de caracter vergonhoso que se presenceiam ali.
Durante a minha permanencia em Benguella, houve um grande roubo com
arrombamento, no cofre militar. O Governador houve-se com a maior
energķa na maneira porque procedeu para descobrimento dos culpados,
sendo muito coadjuvado pźlo seu Secretario, o Capitćo Barata, que
conseguio descobrir os ladrões, e haver o dinheiro roubado. Fōra o roubo
planeado pźlo proprio sargento do destacamento, e levado a effeito por
elle e alguns soldados!!!
Se o nosso exčrcito Metropolitano nćo se presta į censura do homem mais
pichoso, as nossas fōrēas coloniaes sam vģctimas das merecidas chufas de
tōdos os estrangeiros, que as observam.
Por mais que tenha cogitado, nunca pōde attingir ao prčstimo de tal
exčrcito em nossas colonias, que para policia nćo serve; servindo menos
para a guerra, que da minha lembranēa tenho visto ser feita por cōrpos
voluntarios, levantados no reino, e que ąlém vam servir por certo praso.
Hōje mesmo, em Lisboa, trźs batalhões estam sempre prontos a marchar
para as colonias, e jį lį t[~e]m ido; o que prova sabermos nós, que o
ter exčrcito no ultramar, tal como elle é, nćo passa de velha
costumeira.
Na noite da minha chegada a Benguella, fiz o conhźcimento do Juiz de
Direito Caldeira, que se associou ao Governador para me certificar, que,
como elle, empregaria tōda a sua influencia para que eu nćo tivźsse
vindo de balde a Benguella, e assim o fźz.
O Governador convocou os moradores importantes a uma reunićo em sua
casa, e expondo-lhes os motivos da minha viagem, e o meu projectado
itinerario, pediu-lhes que o coadjuvāssem na empresa de arranjar
carregadores; para que eu podźsse levar a cabo a expediēćo. Todos assim
o prometźram.
O Governador Pereira de Mello, e o Juiz Caldeira, fōram incansaveis, e
no dia 17, dia em que este łltimo se retirou para Lisboa, tinha eu o
nłmero de carregadores que pedira, cincoenta, que, com trinta esperados
de Nōvo Redondo, prefaziam um total de oitenta; tantos quantos eu havia
julgado precisos para subir da foz do Cunene ao Bihé.
O velho sertanejo, Silva Porto, encarregara-se de fazer transportar ao
Bihé o grōsso das bagagens, que nós encontrarģamos n'aquelle ponto; onde
deverģamos contratar mais carregadores para seguir įvante.
N'esse dia mudei eu para a casa que antes occupava o juiz, continuando a
ir jantar com o Governador, ou com Antonio Ferreira Marques, da Casa
Ferreira e Gonēalves, que porfiavam em obsequiar-me.
No dia seguinte, um prźto meu serviēal furtou-me uns 75 mil réis, e
desappareceu, sem que d'elle mais se soubesse.
A 19 chegįram os meus companheiros na canhoneira _Tāmega_, e n'esse
mesmo dia resolveu-se, que nćo irģamos į foz do Cunene, mas sim
entrarķamos directamente ao Bihé.
Esta nōva resoluēćo que tomįmos, alterava o que havia contratado com os
carregadores, e ąlém d'isso, a gente de Benguella, que, transportada a
paiz distante, nćo pensarķa em desertar, nćo me inspirava garantķa,
viajando logo no comźēo em paiz de que conhźcia a lķngua e os costumes.
Comźēou nōva campanha. Eu tinha presentes as narraēões de Cameron e
Stanley a respeito dos embaraēos causados por deserēões, e até as do
proprio Livingstone, que foi abandonado por trinta homens na viagem de
Tete com o D^{or.} Kirk.
Logo depois da chźgada dos meus companheiros, combinįmos em ser o Ivens
encarregado dos trabalhos geogrįphicos, o Capello de Meteorologia e
Sciencias Naturaes, e eu do pessōal auxiliar da expediēćo,
coadjuvando-nos mutuamente. Assim, pois, tive de me pōr logo em campo, e
o primeiro passo que dei, foi ir tomar consźlho de Silva Porto.
Narrei-lhe a nōva decisćo que havģamos tomado, de seguir directamente ao
Bihé, e expuz-lhe o meu embaraēo. Silva Porto veio a Benguella comigo,
pois que a sua casa da Bemposta dista 6 kilņmetros da cidade, e
precorrémos as casas onde haviam caravanas de Bailundos, sem que elles
quizźssem annuir a levar as cargas ao Bihé. Į casa Cauchoix tinha
chźgado uma grande caravana, e este cavalheiro chźgou a offerecer uma
avultada gratificaēćo ao chefe, e paga dupla aos carregadores, se
quizźssem conduzir as nossas bagagens, mas nada conseguķo.
Cabe aqui narrar um facto muito curioso. Os Bihenos sam os primeiros
viajantes d'Ąfrica, e nenhum outro pōvo estende mais longe as suas
correrias, nem se lhe iguala em arrojo e robustez de caminheiros; mas os
Bihenos viajam só do Bihé para o interior como assalariados; e se de
maravilha v[~e]m į costa, é por conta propria. Os Bailundos alugam os
seus serviēos entre a costa e o Bihé, e nćo vam ao interior para leste;
mas ao norte estendem suas viagens até ao Dondo e Loanda.
Assim, pois, os negociantes sertanejos fazem transportar as mercadorias
de Benguella ao Bihé por Bailundos, e d'ali aos pontos remotos do
interior por Bihenos, que voltam, com os productos permutados, ao Bihé.
D'este ponto į costa tornam a servir-se dos Bailundos.
Depois de informado d'isto, só me restava mandar assalariar Bailundos,
para me virem buscar as cargas; e d'isso se encarregou Silva Porto,
despachando logo cinco prźtos ao Bailundo, a ir buscar a gente. O velho
sertanejo disse-me logo, que elles teriam muita demora, porque os
enviados levavam 15 dias a chźgar ao paiz, e outro tanto tempo, pźlo
menos, gastariam a reunir os carregadores, e estes, 15 dias para vir;
fazendo uma somma de 45 dias; afianēando-me elle, que antes nćo os
teria. Nós estąvamos em fins de Setembro, e por isso só poderģamos
partir por meado de Novembro.[2]
Vim participar isto aos meus companheiros, e depois de conferenciar com
elles, resolvémos nćo perder tanto tempo em Benguella; e entregando as
cargas a Silva Porto, para que nol-as enviasse pelos Bailundos,
partirmos immediatamente com as cargas indispensaveis, indo esperar no
Bihé; tempo que aproveitarģamos no arranjar de carregadores ali para
seguir įvante.
Dos carregadores contratados em Benguella apenas uns 30 mereciam alguma
confianēa para seguir tal caminho; e estes, com 36 de Nōvo Redondo,
faziam um total de 66 homens. Tģnhamos, ąlém d'isso, 14 soldados; os
meus muleques pequenos de serviēo; uns Cabindas de serviēo de Capello, e
Ivens; e 2 chefes prźtos, um contratado por mim na Catumbella, o prźto
Barros, e outro por Capello, em Nōvo Redondo, o Catćo.
Em tōda esta gente nćo tģnhamos um só homem de confianēa.
Tratįmos de separar as cargas julgadas indispensaveis, e conhźcémos que
eram 87; isto é, tģnhamos 21 cargas mais do que carregadores. Foi de
balde que trabalhei para os haver, nćo me foi possivel obter um só.
Os prźtos, nćo comprehendendo o que ģamos fazer, ao sertćo, estavam
receiosos, e com a sua desconfianēa natural, imaginavam loucuras e
recusavam-se.
Chźgou o fim de Outubro sem nada termos adiantado.
Resolvi, por consźlho de Silva Porto, ir ao Dombe, experimentar se os
Mundombes farķam menos difficuldades, do que a gente de Benguella; mas,
sentindo-me incommodado, pedi ao Capello ali fōsse por mim.
No dia 29, partio o Capello, e voltou no dia 3 de Novembro. Nada fźz. Os
Mundombes prestam-se com facilidade a ir a Quilengues por caminho
conhźcido d'elles; mas, fora d'isso, nćo fazem outras viagens; e
recusįram as pagas avultadas que lhes offerecģamos para irem ao Bihé.
Tornava-se necessario tomar uma resoluēćo, e essa foi logo tomada;
seguirģamos sempre para o Bihé, mas tomarģamos por Quillenges e Caconda.
O Governador Pereira de Mello deu logo ordem ao chefe do Dombe, que
tivesse prontos 50 carregadores, para seguirem com-nosco para
Quillengues.
Silva Porto encarregou-se das cargas que deviam ser mandadas ao Bihé, e
eram umas 400.
Poz o Governador į nossa disposiēćo uma lancha, para transportar por mar
ao Cuio (Dombe Grande) as cargas que d'ali deviam ser carregadas até
Quillenges, e alguns carregadores de Benguella que estavam doentes.
No dia 11 de Novembro, estąvamos prontos a deixar a costa, e fixįmos a
partida para o dia 12. Nesse dia fugķram 4 carregadores de Nōvo Redondo,
e no seguinte 5 de Benguella.
Emfim, no dia 12 deixąvamos a Cidade, depois das mais cordiaes
despedidas dos amigos, que se reunķram para nos dizer adeos.
Pouco antes tinha eu ido į praia, e por muito tempo tive os olhos fixos
na vastidćo do Atląntico, d'esse mar enorme que ia perder de vista; e
mal cogitava entćo, que só o volveria a ver dois annos depois, na
Franēa, em Bordeos.
Nćo sei se a outros tem acontecido o mesmo; eu, no momento da partida,
senti uma pungente mįgoa, uma indefinivel saudade, uma dōr profunda, que
me produzķram como que uma embriaguez, e confesso que nćo tenho muito a
consciencia de ter deixado Benguella.
A bandeira das Quinas estava desenrolada, e afastavase da cidade ao
passo cadenciado da caravana; seguķ-a.
No dia 13, chegąvamos ao Dombe, tendo feito uma jornada de 64
kilņmetros. Tģnhamos com-nosco 69 pessōas, e seis jumentos, que fōram,
homens e burros, alojados na fortaleza. Nós trźs, com os nossos muleques
de serviēo, fomos obsequiosamente hospedados em casa de Manuel Antonio
de Santos Reis, distincto cavalheiro que porfiou em obsequiar-nos.
Dois dias depois, chegįram as cargas que tinham vindo por mar, e
inventariando tudo, conhźci, que para seu transporte precisava de 100
homens, ąlém dos effectivos que comigo tinha.
Isto proveio de termos abusado da facilidade que nos offereceu a lancha,
mettendo a bordo mais cargas do que tģnhamos julgado absolutamente
necessarias.
Decidķmos partir a 18, depois de recebermos cartas da Europa, porque o
paquete, de costume, estį em Benguella a 14; mas a 18 nem o vapor tinha
ainda chegado, nem o chefe tinha tambem assalariado um só homem.
A 21 chźgou a mala, mas de gente só tģnhamos a trazida de Benguella. O
chefe declarou-nos, que no dia 26 poderģamos partir; mas, precisando nós
de 100 homens, apenas nos mandou n'esse dia 19. No seguinte dia
aparecźram mais 27; e eu, receioso que elles viessem a debandar se os
fizesse esperar, despachei-os logo para Quillengues, acompanhados por
dois soldados dos que comigo tinha.
O chefe declara-me que lhe é impossivel conseguir mais gente. Faēo
reunir na fortaleza os trźs Sobas do Dombe, no dia 28, e fui eu mesmo
tratar com elles. Sam trźs typos magnģficos.
Um chama-se Brito, nome que tomou de um dos Governadores de Benguella,
que o restaurou no poder; outro, Bahita; o terceiro é Batara. Os meus
companheiros perdem o assistir a esta scena joco-seria, porque desde o
dia 24 estam com febre.
O Soba Brito apresenta-se com trźs saias de chita, pintada de ramageus,
muito enxovalhadas; veste uma farda de capitćo de infanteria,
desabotoada, deixando ver o peito nś, porque camisa nćo usa; e na
cabźēa, sōbre um barrete de lć vermelha, põe nobremente um chapéo armado
de estado-maiór.
O Bahita traja saias de lć de vistosas cōres, uma rica farda de Par do
Reino, quasi nōva, e na cabźēa, sōbre o indispensavel barrete, uma
barretina de caēadores 5.
O Batara estį literalmente coberto de andrajos, e traz į cinta um
espadćo enorme.
Estes illustres e graves personagens estam rodeados dos séculos e altos
dignitarios das suas negras cōrtes, que tomam assento no chćo em torno
da cadeira do soberano. O Bahita era acompanhado de um menestrel, que
tirava de uma marimba, monņtona toada.
Esta marimba é formada de dois paos de 1 metro de comprido, ligeiramente
curvos, em que assentam em cordas de tripa taboinhas pequenas de
madeira, cada uma das quaes é uma nota da escala. O som é reforēado por
uma fila de cabaēas collocadas inferiormente, sendo a que corresponde į
nota mais baixa da capacidade de 3 a 4 litros, e į mais alta 3 a 4
decilitros.
Os Sobas portįram-se com grande seriedade, e eu fingi tambem que os
tamava a sério.
Depois de me prometterem carregadores, viéram acompanhar-me a casa, que
distava uns dois kilņmetros da fortaleza; e como eu desse uma garrafa de
ągua-ardente a cada um, mandįram elles danēar a sua fidalgaria, e o
Bahita mandou entrar na danēa umas raparigas que haviam ficado de parte.
Eu pedi-lhes que danēassem elles; mas respondéram-me, que a sua
dignidade lh'o nćo permittia; sendo isso contra as pragmąticas
estabelecidas. Eu ardia em desejo de ver o Bahita danēando, de saias e
farda de Par; e conhźcedor do imperio da ągua-ardente nos prźtos, mandei
dar outra garrafa aos sobas.
Foi o bastante. Atropelįram as suas leis, e eil-os saltando em brutesēa
danēa no meio do seu pōvo, que enthusiasmado por tal honra, redobra de
contorsões e momices, que chegam a atingir o delirio. O Bahita é
magnģfico, e com certeza o typo do rei Bobeche foi creado sobre este
molde. Fala continuamente em mandar cortar cabźēas, sentenēas estas que
os seus escutam com a maior submissćo, mas de que interiormente se riem,
porque bem sabem o Governo Portuguez lh'o nćo consente.
O Dombe Grande é um fertilissimo valle, que se estende primeiro do Sul
ao N., e depois a Oeste, quasi em ąngulo recto, até ao mar. É enquadrado
por dois systemas de montanhas, um por oeste, que borda a costa, e outro
por leste, em cujo sopé corre o rio _Dombe_, _Coporolo_, ou _Quiporolo_,
e até rio _de S. Francisco_--que todos estes nomes tem.
[Figura 1.--Mulhéres Mundombes, vendedeiras de carvćo. (De uma
photographia do pharmaceutico Monteiro.)]
É rio que de inverno traz muita ągua, mas de verćo é sźco; sendo que,
mesmo nas maiores estiagens, ągua se encontra cavando poēos; o que
acontece em tudo o valle do Dombe, onde nćo é preciso profundar mais de
3 metros para a obter. Junto das montanhas de Oeste na parte em que o
valle se estende N. S., ha uma lagōa, de 50 metros de largo por 1
kilņmetro de extenēćo, e da forma de S. Esta lagōa é curiosa, porque nćo
é formada por depņsitos pluviaes, mas sim alimentada por uma forte
nascente subterranea, por nunca alterar o seu nivel, e produzir
infiltraēões, que, um kilņmetro abaixo, vam formar nascentes, que sam
aproveitadas na rega de uma propriedade. Dizem que tem peixe bagre,
tainha e muitos crocodilos.
Tenho-a visitado muitas vźzes, e nunca vi ali crocodilos ou peixe; mas é
certo que os ha, porque m'o afianēou o meu hospedeiro, dizendo-me mesmo,
que sam muito vorazes; e que, tendo sido, em 1876, a sua propriedade
atacada por um bando de salteadores de Quilengues, estes, rechaēados
pźlos seus prźtos, tentįram na fuga atravessar a nado a lagōa, nćo
logrando um só atingir į outra margem, porque tōdos fōram prźsa dos
vorazes amphibios.
Nas montanhas de oeste junto į lagōa, montanhas formadas de carbonato
calcąreo e algum sulfato de cal, existem algumas grutas, uma das quaes
nos afianēou o nosso hospedeiro, nunca ter sido visitada, ser enorme, e
parecer, tanto quanto por fóra se podia observar, que contém extensas
galerias.
Fomos visital-a, eu, Capello, e o nosso hospedeiro Reis, e verificįmos
nćo ter ella merecimento.
É um salćo prņximamente circular, de 14 metros de diąmetro, architectado
pźla natureza na immensa mole de calcąreo, que forma a montanha. Parece
ser guarida habitual de feras, que o dį a entender o ar saturado do
fedōr almiscarado de certos animaes, bem como as traēas de lećo
impressas no pó impalpavel que cobre o chćo, onde encontrįmos alguns
espinhos do Hystrix Africano.
No valle do Dombe ha algumas feitorias agrģcolas importantes, sendo as
principaes a do Loache, a de Paula Barboza, e a do nosso hospedeiro
Santos Reis. Esta łltima conta apenas trźs annos de existencia, e produz
cana de aēucar de que extrahe para cima de 40 mil litros de
ągua-ardente; e note-se, que o terreno era antes mato, e foi desbravado
ha só trźs annos. É uma feitoria que comeēa, tudo ali estį ainda em
construcēćo; mas pźlo resultado jį obtido se pōde aquilatar a riqueza do
solo ali.
Tudo o valle é cultivado de mandioca, pźlos indģgenas, e tćo fertil é,
que depois de trźs annos de falta de chuva, nćo tem deixado de ter
producēćo regular, exportando cerca de 70 mil decalitros de farinha por
anno. É o celeiro de Benguella. Os indģgenas ali nćo permutam as
fazendas, mas sim vendem a dinheiro, cujo valor jį conhźcem.
[Figura 2.--Mulhéres e Donzellas, Mundombes. (De uma photo. de
Monteiro.)]
A demora que ali tivémos foi prejudicialissima į ordem, e disciplina da
minha gente.
Tōdos os dias apresentavam nōvas exigencias, tōdos os dias levantavam
querellas entre si; e eu nćo podia ser demasiado severo, de receio que
me desertassem tōdos.
Vendéram os pannos para comprar ągua-ardente, e chegįram a vender as
raēões de comida para se embriagarem.
Os soldados eram os peiores. Os sobas nćo mandįram gente, e eu
principiei a ver a repetiēćo das scenas de Benguella. Nćo podģamos
seguir.
[Figura 3.--Homens Mundombes. (De uma photo. de Monteiro.)]
No dia 1 de Dezembro, chegįram ao Dombe 30 homens mandados de
Quillengues pźlo chefe militar, a buscar bagagem sua; mas eu lancei mćo
d'elles, e decidi com os meus companheiros partirmos no dia 4.
Tinha havido mais trźs deserēões, dois homens de Nōvo Redondo e um de
Benguella.
Os nossos burros eram muito manhosos, e nćo havia ensinal-os; todavia
resolvźmos conserval-os.
CAPĢTULO III.
HISTORIA DE UM CARNEIRO.
Nove dias no deserto--Falta de ągua--O ex-chefe de Quillengues--Eu
perco-me nas brenhas--Dois tiros a tempo--Perde-se um muleque e uma
prźta--Perde-se um burro--Quillengues em fim--Morte do carneiro.
A 4 de Dezembro deixei o Dombe, pźlas 8 horas da manhć, e segui para
Quillengues. O Capello e o Ivens ficįram ainda, para enviar algumas
cargas; deviam ir encontrar-me į noite. Foi consźlho dos guias, que nćo
tomąssemos o caminho das caravanas, mas sim um atalho conhźcido d'elles,
para evitarmos as passagens do Rio Coporolo, que jį entćo levava muita
ągua; dando difficeis vaos, e que aquelle caminho corta em diversos
pontos.
Depois de duas horas de jornada na planicie, chegįmos ao sopé da serra
da Cangemba, que borda por leste o valle do Dombe. Descanēįmos um pouco,
e įs 11 horas, emprehendémos o subir da serra pźlo leito de uma
torrente, entćo sźco. Foi difficil trabalho. Os homens iam muito
carregados; porque, ąlém das cargas da expediēćo, do peso de 30
kilogrammas, levavam para si raēões para nove dias, em farinha de
mandioca e peixe sźco. A differenēa de nivel era de 500 metros apenas;
mas o leito da torrente, formado de rochas calcąreas, offerecia
obstąculos enormes ao caminhar por elle. Em muitos pontos, era preciso
com as mćos ajudar o cōrpo na subida, e o passar ali os seis jumentos,
deu grande canceira. Tģnhamos comprado no Dombe dois carneiros, para
matar em caminho; um dos quaes facilmente seguiu a comitiva, mas o outro
deu trabalho, porque se recusava a andar, e a sua teimosķa em volver ao
Dombe era constante. Fōram trźs horas de fadigosa marcha; que tanto
gastįmos para transpor um espaēo que nćo passava de mil metros, e isto
por um sol abrasador, deixou-nos extenuados de fadiga. Acampįmos logo
junto a um poēo cavado no leito arenoso de um ribeiro que ia sźco;
ribeiro a que os Mundombes chamam Cabindondo. O logar era ąrido, e
apenas vegetavam aqui e ąlém alguns espinheiros brancos, rachģticos e
ressequidos pźlo sol, que n'esta čpoca do anno queima. O nosso horizonte
era formado pźlas cumiadas das montanhas que correm norte-sul.
Pźla tarde chegįram Capello e Ivens, e fomos logo comer; que eu estava
ainda em jejum. No dia 5 de manhć, seguķmos a S.E., e depois de 4 horas
de marcha, em que vencémos um espaēo de 20 kilņmetros, assentįmos campo
em um logar que os guias chamįram Taramanjamba; valle extenso, cercado
de cźrros pouco altos. A altitude é de 600 metros; mostrando que apenas
estąvamos elevados 100 metros acima do nosso campo de hontem.
A vegetaēćo continśa pobre, e a falta de ągua é grande.
Para beber e cozinhar, apenas obtivémos pouca, de depņsitos fluviaes nas
cavidades das rochas; depņsitos que fōram logo esgotados pźla nossa
sedenta caravana, sendo que į noite jį se fazia sentir a sźde.
Durante a marcha, se os jumentos continuįram a ser incņmmodos, nćo o foi
menos o carneiro, que era bravissimo, e mais teimoso que os burros.
Decidi matal-o, e tendo combinado isso com os meus companheiros, dei as
ordens n'esse sentido aos muleques, e fui dar um passeio aos arredores.
De volta ao campo, vi que os muleques nćo tinham comprehendido a minha
ordem, e em logar de matarem o carneiro bravo, haviam morto o manso.
No dia seguinte partķmos de madrugada, e depois de cinco horas de
marcha, acampįmos no logar chamado Tine, onde nos afianēįram os guias
haver ągua.
Contra o que eu esperava, o carneiro, nćo só deixou de ser teimoso, mas
poz-se a seguir-me, fazendo-me constante companhia, jį em marcha jį no
campo.
A marcha n'esse dia foi difficil; porque, nćo só a sźde abrasava a
gente, mas ainda por uma hora andįmos no leito sźco do rio Canga,
pedregoso e desnivelado, o que nos fatigou muito.
O terreno é jį granģtico, e a vegetaēćo arborescente luxuriante.
Ągua, como na včspera, foi da chuva, recolhida nas cavidades das rochas;
mas era melhor ao paladar e mais lģmpida į vista.
Tģnhamos alguns homens com feridas nos pés, que só chegavam tarde ao
campo, porque se lhes difficultava o andar; e ainda outros que, por
fracos, se atrazavam, e por preguiēa muitos.
N'esse dia, entre os retardatarios figuravam os carregadores do rancho;
fazendo isso que só tarde comźssemos. O Capello, de si pouco
communicativo, nćo se queixava dos incņmmodos que soffria; mas Ivens,
loquaz e de gčnio alegre, nćo se calava e nos fazia rir a cada passo,
com os seus ditos engraēados. O appetite era jį grande, quando chegįram
os carregadores, e elle nćo desfitava os olhos de uma perna de carneiro
que um muleque volteava junto da fogueira em espeto de pao, e de repente
disse: "Se meu pai podesse ver como eu olho para aquella carne até
chorava."
Desde o Dombe apenas tģnhamos comido uma vźz no dia, e assim, a nossa
gente; com a differenēa, porem, que elles comiam sem interrupēćo desde o
acampar até dormir: o que me fazia receiar, que as raēões distribuidas
para nove dias, depressa fossem gastas, e em seguida viesse a fome, em
paiz onde era impossivel obter vģveres.
Avanēįmos 25 kilņmetros no dia seguinte, a E.S.E., e fomos acampar em
uma floresta chamada a Chalussinga; sendo o piso d'esse dia
relativamente melhor, sempre por terrenos granģticos, e por entre
vegetaēćo mais vigorosa que até ali.
N'essa floresta encontrįmos os primeiros baobabs que desde a costa temos
visto. Ągua continuava a ser escassa, e sempre de depņsitos pluviaes.
Pźlas trźs horas d'esse dia, fomos avisados de que uma caravana se
dirigia ao nosso campo, vindo do interior; e saindo logo ao seu
encontro, soubémos ser o ex-chefe de Quillengues, Capitćo Roza, que ia
doente para Benguella.
Convidįmol-o į nossa barraca, onde jantou; partindo em seguida, depois
de se prover de medicamentos, que gostosamente lhe offerecźmos. Logo que
elle partiu, fui avisado pźlos muleques, de que em torno do campo se
viam traēas frescas de caēa; e sahi a ver se a encontrava. Segui um
rasto de grandes antģlopes, e tćo longe me levou elle, que veio a noite,
e com ella as trevas, sem que podesse atinar com caminho para o campo.
Uma montanha elevada projectava o seu vulto sombrio contra um ceo
nebuloso, onde nem uma estrella brilhava. Tive idéa de subir a ella,
para do cume, vendo o clarćo dos fōgos do meu campo, dirigir ali meus
passos; idéa que executei com bom resultado, porque effectivamente
enxerguei ao longe um clarćo que tratei de alcanēar, tendo marcado pźla
błssola a sua direcēćo. Nćo se imagina o que seja caminhar em noite
escura por entre as sįrēas de uma floresta virgem, e quanto tempo se
leva a transpor um curto espaēo; deixando aqui e ąlém farrapos da roupa,
senćo tiras da pelle.
Chźguei por fim, jį guiado pelo vozear do gentio; mas ”qual nćo foi a
minha decepēćo, vendo, que pźlo meu tinha tomado o campo do Capitćo
Roza, que devia estar a 6 kilņmetros longe d'elle! Porem, como um
caminho ligava os dois campos, porque uma caravana que passa deixa
trilho, endireitei n'elle, e depois de uma hora de jornada, jį ouvia o
som das businas que os meus tocavam, e dos tiros que disparavam, para
guiar meus passos.
Foi extenuado de fadiga e molestado dos espinhos, que chźguei į minha
tenda, onde Capello e Ivens nćo estavam livres de cuidados.
Ali tive uma noticia inquietadora, mas que nćo foi sorpresa.
Jį se sentia falta de vģveres, e sōbre tudo os soldados jį tinham em 5
dias comido a raēćo de 9.
No seguinte dia forēįmos a marcha um pouco mais, e percorrémos em 6
horas 30 kilņmetros a E.S.E.
O caminho era bom, marchando no trilho da caravana do Capitćo Roza. Nas
florestas que atravessįmos continuįram apparecendo baobabs gigantescos.
Depois de passarmos o rio Calucśla, acampįmos na sua margem direita.
O rio leva pouca ągua, mas esta é lģmpida e bōa.
Continuąvamos a comer só uma vźz ao dia, e a hora da refeiēćo variava
entre a 1 e 3, conforme įs marchas. Era preciso poupar os vģveres.
Ressentido da fadiga da včspera nćo sahi a caēar n'esse dia, e fiquei na
barraca.
O Ivens foi desenhar, como costumava; e o Capello apanhar insectos e
réptiz.
Os soldados terminįram as raēões, e comeēįram a queixar-se de fome,
falando em matar o carneiro. Eu tinha-me afeiēoado ao animal, que de
bravo que era se tinha tornado manso e meigo, acompanhando-me nas
marchas e nćo me abandonando um momento. Opuz-me a que fōsse morto, e o
Ivens deu aos soldados um pouco de arroz do nosso.
A 9, levantįmos campo, įs 5 horas, e sustentįmos a marcha até į uma;
hora a que acampįmos nas faldas da serra da Tama. Das 8 įs 9 horas
seguķmos ao sul, na margem esquźrda do rio Chicśli Diengui, que vai ao
N., provavelmente ao Coporolo. A vegetaēćo é cada vźz mais luxuriante, e
n'esse dia o nosso caminhar foi por entre floresta espźssa.
Logo que se estabeleceu o campo, renovįram-se as representaēões dos
soldados famintos, e com ellas a idéa de matar o carneiro. O Ivens deu
nōva raēćo de arroz aos soldados, e isto, ainda que contemporizava, nćo
era uma positiva salvaēćo para o pobre animal.
Ainda que extremamente fatigado, resolvi ir caēar, para salvar a vida do
meu carneiro.
Durante uma hora percorri a floresta sem resultado, e jį voltava ao
campo, quando avistei, n'uma pequena clareira, duas gazellas que
pastavam.
Aproximei-me, mas a mais de cem metros fui presentido. O macho saltou
para sōbre uma rocha, e d'ali comźēou a espiar a floresta com a sua
vista experimentada; em quanto a fźmea, de orelha į escuta, investigava
os arredores.
Era grande a distancia, mas nćo hesitei, e atirei ao macho, que vi cair
fulminado para ąlém do rochźdo. A fźmea, ouvindo o estampido do tiro,
saltou ligeira sōbre o penhasco e su disparei-lhe o meu segundo tiro,
vendo-a em seguida pular, em salto elegante, e desapparecer no mato.
O meu muleque correu logo a buscar o antģlope mōrto, mas eu vi que, em
logar de parar junto do rochźdo, seguiu sempre; eu dirigi-me para ali
com o coraēćo palpitante, porque suppuz que me tinha enganado julgando
ver cair o primeiro antģlope. Torneei a rocha, e tive um grande
alvorōēo. O lindo animal (_Cervicapra bohor_) estava estendido sem vida.
Mal tinha tido tempo de o contemplar, quando do mato sahio o muleque
curvado ao peso de grande carga.
Era o segundo antģlope, que elle tinha levantado mōrto, a poucos passos
na floresta. Ambos tinham sido feridos no peito, mas ao passo que o
macho cahiu sem vida, a fźmea pōde effeituar uma pequena carreira.
Estava salvo o carneiro, e como em dois dias devģamos chegar a
Quillengues, e ali terģamos recursos, estava salvo para sempre.
No seguinte dia, depois de marcha de 35 kilņmetros, e de termos passado
a vao os rios Umpuro, Cumbambi e Comooluena, fomos acampar na margem
direita do Vambo--que tōdos correm ao N., a unir as suas ąguas (quando
as t[~e]m), ao Coporolo, que aqui jį se chama Calunga, nome que conserva
até į sua nascente.
Na jornada d'esse dia comeēįmos a encontrar gramģneas enormes, nas
clareiras do mato. Tćo grandes, que era impossivel ver nada com ellas, e
difficil o caminhar. Durante a marcha desappareceu um meu muleque
pequeno, e uma prźta, mulhér do muleque Catraio do Capello; e ainda que
despachei gente a buscal-os, nćo fōram encontrados.
A escaēez dos mantimentos era grande, e nćo eram jį só os soldados a
queixarem-se de fome, tōdos faziam representaēões, e nćo attendiam
razćo. Tivémos de seguir.
No dia 11, depois de passarmos dois riachos que as chuvas tornam
caudalosos, o Quitaqui e o Massonge, fomos acampar na margem direita do
rio Tui, muito prņximo de Quillengues. Dos muleques perdidos nćo havia
noticia, e faltava desde a včspera um jumento, que nćo appareceu. Em
quanto se estabelecia o campo, eu segui para a fortaleza de Quillengues
į busca de vģveres, com que voltei įs 8 da noite. Estava decididamente
salvo o meu carneiro.
N'essa noite apparecźram o muleque e a prźta perdidos, e isso deu-me um
verdadeiro prazer; porque, fōrēados a marchar, pela fome, nćo tģnhamos
podido demorar-nos a procural-os.
O logar onde acampįmos era baixo e pantanoso, fōra de recursos, é
isolado; e por isso resolvémos ir acampar na libata do chefe de
Quillengues, onde entrįmos no dia 12, pelas 11 horas.
Paguei e despedi os carregadores do Dombe e Quillengues contratados até
ali; e pedi-ao chefe, o Tenente Roza, para me obter outros até Caconda;
o que elle me certificou ser facil, dizendo-me logo, que sabia como os
rios entre aquelle ponto e Caconda iam cheios, e por isso nćo davam
passagem; o que nos impedia de partir immediatamente.
N'esse dia jį comémos bem, e tivémos duas comidas, almōēo e jantar.
Alguns dias depois, appareceu o jumento que se tinha perdido no mato,
trazido por um indģgena, que o tinha encontrado. Gratifiquei bem o
prźto, para o encorajar a ser honesto; pois que nunca julguei ver mais o
pobre animal, que, se escapasse das feras, nćo escaparia į ladroagem dos
naturaes, pensava eu.
Quillengues é um valle regado pźlo Calunga (rio que eu supponho ser o
curso superior do Coporolo), valle fertilissimo, e coberto de povoaēões
indģgenas.
O estabelecimento Portuguez occupa uma ąrea de 45,500 metros quadrados;
por ser um rectąngulo de 250 metros por 182. Este rectąngulo, cercado de
palissada, tem quatro baluartes de alvenaria, a um meio de cada face; e
dentro uns abarracamentos, que sam morada do chefe militar, e quartéis
dos soldados.
Algums baobabs e figueiras sycņmoros crescem ali, assombrando com seus
ramos gigantescos um terreno coberto de gramģneas indģgenas, onde pastam
os rebanhos do chefe.
Se a importąncia de Quillengues é grande como ponto productivo, e
facilmente colonisavel, nćo o é menos como posiēćo estratčgica; pois que
pōde ser considerado uma das chaves do sertćo interior, com respeito a
Benguella.
Os sobetas do paiz reconhźcem a autoridade Portugueza; mas, de natureza
salteadores, atacam sem cessar outros pōvos indģgenas, para lhes
furtarem o gado.
Sam mais pastores do que lavradores, mas, ainda assim, cultivam a terra,
que de ubčrrima suppre o pouco trato; produzindo milho, massambala, e
mandioca, em quantidade grande.
As suas habitaēões sam cubatas circulares, de 3 a 4 metros de diąmetro,
construidas de grossos troncos de madeira, revestidas de barro. A porta
é bastante alta, para dar entrada a um homem sem curvar-se.
Os Quillengues sam de estatura elevada, e robustos, atrevidos e
guerreiros. Sam pouco industriosos, e apenas fabricam o ferro, fazendo
azagaias, ferros de frechas, e machados, jį de guerra, jį de cortar
madeira.
As enxadas nćo as forjam, e sam por elles compradas no Dombe, ou em
Benguella.
Os seus curraes sam, como as povoaēões, cercados de forte palissada;
sendo esta revestida exteriormente de abatises espinhosos, para evitar o
assalto nocturno de feras.
Os campos de mandioca sam igualmente cercados de espinheiros; porque ali
abundam corēas pequenas (_Cephalophus mergens_), que das folhas sam
ąvidas, e causam damno grande įs plantaēões.
A ągua-ardente é gčnero muito estimado pźlos Quillengues, e sam elles
tćo dados į embriaguez, que, durante trźs mezes no anno, tanto quanto
dura o fruto do gongo, fazem d'elle uma bebida fermentada, com que estam
continuamente embriagados; nćo sendo possivel obter d'elles o menor
serviēo.
Quando um homem quer casar-se, envia ao pai da escolhida um presente,
que dźve ser pźlo menos de 4 metros de panno da costa, e duas garrafas
de ągua-ardente; e logo com o portador vem a noiva e seus parentes
comer, em grande brņdio, um boi, que dźve offerecer-lhes o noivo. O
adulterio é coisa de grande estimaēćo para os maridos; sendo que por lei
fazem pagar ao amante multa, que se traduz em gado e ągua-ardente.
A mulhér que nćo tem commettido algum adulterio é mal vista do marido,
que nćo augmenta o seu haver por esse meio.
Logo que alguma commette a falta, vai ao marido queixar-se de que foi
seduzida, e entre elles faz prova a accusaēćo da mulhér.
Entre o pōvo, os cadąveres sam enterrados em logar escolhido, e
conduzidos į cova n'uma pelle de boi, cobertos de panno de algodćo
branco. Os dias de nōjo, sam dias de grande festa em casa do finado. Os
sobetas t[~e]m sepultura reservada, e sam ali conduzidos dentro de uma
pelle de boi preparada em ōdre, depois de lhe vestirem as melhores
roupas.
Nas festas d'ņbito ha mortandade enorme de gado, porque o herdeiro tem
obrigaēćo de matar todo o rebanho, para regalar o seu pōvo, e contentar
a alma do finado.
No dia 22, houve um desastroso acontecimento no nosso campo.
Um dos meus muleques furtou-me uma bala explosiva do systema Pertuisset;
e de companhia com dois outros, decidķram repartil-a de modo que a cada
um tocasse seu pedaēo de chumbo. Armįram-se de uma faca, e pōsta a bala
sōbre uma pedra, deu-lhe elle um golpe, estando os outros dois
acocorados para melhor ver a partilha; quando słbito a bala faz
explosćo, ficando os trźs feridos, e sōbre tudo o muleque de Silva Porto
Calomo, que recebeu treze estilhaēos, produzindo alguns feridas
profundas.
Mandįmos uns prźtos reconhźcer, se jį dariam vao os rios; e por elles
soubémos, que se conservavam altos; o que bem soppłnhamos, porque,
durante a nossa estada ali, nćo cessou de chover. Resolvémos entćo
seguir outro caminho, o qual, ainda que mais longo, era mais euxuto de
ąguas; e por isso, pedķmos ao chefe nos tivesse prontos os carregadores;
o que elle fez, distribuindo eu as cargas no dia 23; mas n'esse dia
senti-me muito mal, e ainda que fiz seguir as cargas, fiquei eu, e os
meus companheiros por meu respeito. Lutei com violenta febre por trźs
dias, e nćo tenho consciencia de ter passado o dia 25; dia duplamente
festivo para mim, porque, sendo o de Natal, é o anniversario de minha
filha.
Tivéram cuidado de mim Capello e Ivens, o Chefe Roza e sua esposa; e no
dia 28, pude levantar-me e sair, decidindo logo partir no 1^{o.} de
Janeiro de 1878, isto é, trźs dias depois.
A esposa do Tenente Roza fźz-me dois presentes, que eu mal sabia entćo
estavam destinados a representar um papél, ao diante, na minha viagem.
Fōram elles um serviēo de chį de porcelana de Sčvres, e uma cabrinha
muito meiga, de raēa pequena, a que puz o nome de Córa.
A esse tempo succedeu um desastre, que de véras me contristou. O meu
carneiro, por causa de quem eu tive de sustentar tantas lutas com os
carregadores famintos, foi mōrto por uma cadella perdigueira, que eu
levara de Portugal, e dera ao Capello. Perseguido pźla cadella, na fuga
quebrou uma perna ao passar por entre a paliēada do campo, e em breve se
finou. Foi o meu primeiro grande desgosto n'esta viagem, tćo abundante
d'elles.
CAPĢTULO IV.
POR TERRAS AVASSALLADAS.
Jornada a Ngola.--O Sova Chimbarandongo.--Belleza do
caminho.--Chegada a Caconda--José d'Anchieta.--Nada de
correspondencia.--Chegada do Chefe.--Vamos aos carregadores.--Ivens
vai ao Cunene e eu vou ao Cunene.--Volta de casa do
Bandeira.--Falham os carregadores.--O meu juizo.
No dia 1^{o.} de Janeiro de 1878, deixįmos Quillengues, tendo ali feito
provisćo de vģveres, e comprado bastante gado para matar, bois e
carneiros. O chefe, Tenente Roza, acompanhou-nos uns 7 kilņmetros, e
voltou į sua residencia, seguindo nós sempre a S.E., até įs faldas da
serra de Quillengues, onde acampįmos junto į povoaēćo do Secślo Unguri.
Tģnhamos um companheiro de viagem, que em Quillengues nos tinha pedido,
o deixąssemos ir até ao Bihé em nossa companhia. Era elle Verģssimo
Gonēalves, filho de um conhźcido sertanejo do Bihé, mōrto havia pouco,
que em Quillengues era empregado de um ex-criado de seu pai. Este rapaz,
mulato e de mesquinha educaēćo, como era de cōrpo acanhado, cheio de
vicios, dos proprios a tal gente, tinha alguma cousa de bom, e era
intelligente.
Tem de figurar no correr d'esta narrativa, e por isso o menciono mais
particularmente.
Era acanhado e tģmido, mas nćo covarde, e debaixo de uma apparencia
fraca, possuia uma forte organizaēćo e młsculos de ferro. Sabķa apenas
ler e escrever, mas era um soffrivel atirador de segunda ordem, e
manhoso caēador.
Durante a demora em Quillengues, consegui domesticar dois dos jumentos,
que n'esta nōva jornada jį me servķram de cavalgaduras.
No seguinte dia, logo į saķda, comeēįmos a ascensćo da serra de
Quillengues, que n'esse ponto se chama Serra Quissčcua.
A subida foi difficģlima, e durante trźs horas lutįmos com as agruras da
montanha, elevando-nos a 1740 metros do nivel do mar, ou 836 acima do
planalto que termina em Quillengues.
Em um desfiladeiro da serra passįmos um pequeno ribeiro, que os
indģgenas chamam _Obaba-tenda_, o que quer dizer ągua fria, fomos
acampar na margem de outro chamado _Cuverai_, affluente do Cśe. Estes
dois ribeiros sam permanentes, e sam ąguas que correm ao Cunene.
O terreno continśa granģtico, mas a vegetaēćo muda completamente de
aspecto--de certo devido isto į altitude. O baobab desappareceu, e jį se
encontram fetos į sombra das innłmeras e variadas acacias que povōam as
matas. A flōra apresenta riqueza maior em plantas herbąceas, e nas
gramģneas sōbre tudo nota-se uma fōrēa de vegetaēćo vigorosissima.
Notei que atravessįmos regiões onde se nćo encontra uma só ave, e de
repente entra-se em zonas onde milhares de passarinhos fazem uma chiada
enorme. Caēa vi ali pouca, mas os rastos anunciam havel-a.
Na noite do seguinte dia aconteceu-nos uma aventura curiosa. Estąvamos
acampados junto do ribeiro Quicśe, que corre a S.E., em leito granģtico,
e vai, provavelmente, engrossar o Cśe; quando sentķmos a cadella do
Capello ladrando e arremettendo furiosa, contra alguma cousa que se
aproximava da barraca. Ao mesmo tempo sentģamos um forte ruminar perto
de nós; o que nos fez suppor, que os jumentos se tinham soltado e
pastavam dentro do campo, que era cercado de abatises espinhosas.
Falįmos į cadella e adormecémos. Ao alvorescer ouvķmos grande rumor no
campo, e saindo logo, soubémos, que os prźtos, que ao principio tinham
julgado, como nós, que os burros andavam į sōlta, percebźram depois que
se enganavam, e que um animal estranho se tinha introduzido no campo.
Fōra effectiva menta um błfalo enorme que nos dera a honra da sua
companhia durante a noite.
O caso era notavel e de explicaēćo difficil, a nćo serem os repetidos
rugidos dos leões que se tinham ouvido; fazendo com que o błfalo viesse
buscar guarida entre nós.
No seguinte dia fomos acampar prņximo da povoaēćo de Ngóla, e eu fiz
logo annunciar a minha visita ao Sova.
Depois do almōēo, fui į libata procural-o.
Fiz-me acompanhar dos meus muleques, levando uma cadeira para mim, e
dois guardasóes.
O Sova appareceu-me logo, armado de dois cacetes e uma azagaia.
Trajava tanga comprida de panno da costa, e sōbre ella uma pelle de
leopardo. Tinha o peito nś pendendo-lhe do pescōēo um sem-nłmero de
amuletos. Recebeu-me fōra da sua barraca, por um sol abrasador; e eu
offereci-lhe um guardasol, que levava para isso, de panninho encarnado;
favor a que elle se mostrou muito grato.
Disse-lhe o que andava por ali a fazer, cousa que elle nćo percebeu
muito bem; comprehendendo com-tudo perfeitamente, que lhe offerecia um
pequeno barril de pņlvora, 50 pederneiras e uma duzia de guizos de
latćo, sem nada lhe pedir em troca--o que sōbre modo o espantou.
Convidei-o a vir ao nosso campo ver os meus companheiros; e elle accedeu
a isso acompanhando-me; coisa muito de notar, que os chefes indģgenas
sam desconfiados.
Dizendo-lhe, que mandasse uma vasilha em que eu lhe podesse dar
ągua-ardente, foi elle buscar uma botija de litro. Mostrei-me admirado
de que um chefe quizesse tćo pouco, e convidei-o a procurar vasilha
maior. Mandou entćo buscar uma cabaēa que levaria o duplo da botija, e
eu pedi-lhe que juntasse outra igual.
O Rčgulo nćo podia dissimular a sua admiraēćo pźla minha generosidade.
Partķmos a pé, acompanhados por trźs das mulhéres, as filhas, e muito
pōvo, tōdos sem armas, para me mostrarem a confianēa que eu lhes havia
inspirado.
Chegįmos ao campo quando Capello fazia observaēões meteorolņgicas, e o
Sova ficou admirado diante dos thermņmetros e dos barņmetros.
O Ivens veio logo para junto de nós, e depois de grandes comprimentos,
mostrįmos ao Rčgulo as armas de Snider e de Winchester, que lhe causįram
verdadeiro assombro.
Este _Chimbarandongo_, que tal é o nome do sova de Ngóla, é
intelligente, e sabe viver com o seu pōvo.
Offereceu-nos um boi, e tendo eu pedido licenēa para o matar, por haver
necessidade de provisões, consentio n'isso, pedindo-me para lhe atirar
eu.
O boi estava estranho, e fugio para o mato, a uns oitenta metros de nós.
Indiquei ao Sova o sitio em que o ia ferir, e disparei. O boi cahio.
Chimbarandongo foi ver o animal, e attentando na ferida, da qual corria
o sangue, aberta entre os olhos, no sitio que eu indicava, ficou tćo
maravilhado, que me deu repetidos abraēos no meio do seu enthusiasmo.
Pźlas 4 horas, formou-se sōbre nós tempestade violenta, que se desfez em
raios e copiosa chuva, durando até įs 6 horas.
O Sova e as mulhéres recolhéram-se į nossa barraca, assim como alguns
dos macotas.
Chimbarandongo fez um discurso aos seus macotas, tendente a provar-lhes,
que nós tģnhamos trazido a chuva, e com ella um grande beneficio ao
paiz, ressequido pźlos calores do estķo.
Tentįmos explicar-lhe, que nćo tģnhamos tćo grandes poderes, e que só
Deus governava nos grandes phenņmenos da natureza; levando o Ivens a
questćo a ponto de lhe explicar como e porque chovķa. Ouvindo isto, fez
o Sova sair os seus macotas e mais pōvo que escutava a liēćo
meteorolņgica.
Depois d'isso, tendo-se de novo reunido o pōvo, elle disse, que se
deixasse de chover, indagaria qual dos seus słbditos tirara a chuva, e o
castigaria de morte. Nōvo discurso da nossa parte contra a pena capital;
e nōva ordem de despejo da parte d'elle, que, a pesar do meio
embriagado, tinha tino bastante para nćo comprehender que as nossas
theorķas nćo quadravam ao seu systema governativo.
Ao anoitecer retirou-se do modo o mais cņmico, indo acavallo em um dos
seus conselheiros, que levava as mćos nos hombros de outro; e como
estivessem tōdos embriagados, a cada passo perdiam o equilibrio,
ameaēando com a queda partir a cabźēa ao seu soberano.
Este rčgulo é sensato e homem de bom juizo. Nćo acredita em feitiēos;
nem acreditava que nós lhe tivessemos trazido a chuva; mas convem-lhe
apparentar que o crź, para nćo perder o prestigio entre os seus, que só
assim querem ser governados.
No seguinte dia, vindo elle despedir-se de nós, me disse, que a sua
polģtica era ser amigo dos brancos; pois que das bōas relaēões com elles
provinha a roupa com que se cobria, e as armas e a pņlvora com que
continha em respeito os seus inimigos.
"Sem os brancos," me disse elle, "nós somos mais pobres que os animaes;
porque a elles temos de tirar as pelles para nos cobrirmos; e sam bem
loucos os prźtos que nćo cultivam a amizade dos filhos do Puto."
A libata ou povoaēćo de Ngóla é fortemente defendida por uma dupla
palissada feita com arte, que tem até uma das faces dentada para
cruzamento de fogos. É tćo vasta que pōde conter tōda a povoaēćo do
paiz, que ali se recolhe, em caso de guerra, com seus rebanhos. O
ribeiro Cutóta corre dentro d'ella, fazendo que possa resistir a longo
assedio sem receiar a sźde.
Deixando Ngóla, caminhįmos por duas horas a N.E., e encontrįmos o Cśe, o
maior dos rios, que corre entre Quillengues e Caconda. No sitio em que
tentįmos a passagem tinha elle 15 metros de largo por 3 a 4 de fundo,
nćo dando por isso vao. A chuva torrencial da včspera, augmentando-lhe o
volume d'ągua, tinha tornado impetuosa a corrente.
Uma ponte de finos troncos de arbustos, offerecia uma perigosa difficil
passagem aos homens carregados; mas os bōis e os jumentos só a nado
podiam passar. Depois de grande trabalho, os bōis nadįram para a outra
margem; os burros porem recusįram seguil-os.
Só a grande custo conseguio o prźto Barros, ajudado de mais dois,
fazel-os nadar, nadando ao seu lado, e obrigando-os a tomar pé na outra
margem; o que era perigoso, que ali abundam crocodilos.
Depois de uma hora de trabalho, avanēįmos para E.N.E., encontrando o
ribeiro Usserem, d'ali marquei, a N.N.O., o monte Uba, onde assentam as
povoaēões de Caluqueime. Passįmos depois o rio Cacurocįe, que corre a
S.S.E. ao Cśe; e meia hora depois o rio Quissengo, que corre a S.E., e
vai affluir ao Cśe; acampando na margem d'este łltimo, pźlas 4 horas da
tarde, junto da povoaēćo de Catonga, onde tem a sua libata um tal Roque
Teixeira.
A marcha foi de 30 kilņmetros, o que muito nos fatigou.
O caminho foi sempre por planicie, onde a altitude varķa apenas entre
1450 e 1500 metros.
A vegetaēćo arbņrea apresenta um certo rachitismo; mas a herbącea
continśa a ser variada e rica.
No dia 6, seguķmos sempre a N.E., passando logo o Cśe, em ponte feita
pźlo gentķo. Este ribeiro tem 5 metros de largo, por 1 de fundo, e corre
a S.E. ao Catįpi. Alcanēįmos o Cośngi ou Catįpi, įs 11 e meia, e
acampįmos na sua margem esquźrda. O Cośnge, que a montante toma o nome
de Catįpi, tinha ali 10 metros de largo por um de fundo, com violenta
corrente, e dirigindo-se a S.E. vai lanēar-se no Cunene prņximo do
Lucéque.
N'esse dia matei uma grande gazella (_Cervicapra bohor_), a maior do
gčnero que vi em tōda a minha viagem, tćo grande que fōram precisos 4
homens para a transportar ao campo.
Ao fechar da noite, a cadella ladrou muito, arremettendo com o mato;
verificando nós ser contra as hyenas que nos rondavam as barracas, e por
noite fōra tivémos młsica, em um duźto de baixo e contra-baixo, pela voz
clara de um lećo, na mata, e pźla ronquenha de um hippopņtamo, no rio.
O aspecto do paiz continśa o mesmo. Nas lombadas matas rachģticas, de
uma vegetaēćo que mais se pōde chamar arborescente do que arbņrea, pźla
maior parte. Leguminosas, nas depressões; vastas clareiras, verdadeiros
prados de gramģneas diversas, por entre as quaes serpea um ribeiro ou um
rio. O terreno continśa granģtico, apresentando as rochas aspectos
variados; mas sendo pouco abundantes em mica.
Continuįmos caminho ao N.E., passando junto da libata de Cuassequera,
fortificada entre enormes rochźdos granģticos, e rodeada de gigantescos
sycņmoros, produzindo um aspecto muito pintoresco. Depois de passar o
ribeiro Lossóla, que corre ao S. para o Catapi, fomos acampar na margem
do Nondumba, riacho que, como o antecedente, afflue ao Catįpi, mas
correndo ao N.
O planalto jį é mais elevado, e caminhąvamos entćo n'uma altitude de
1600 metros.
D'esse ponto seguķmos a Caconda, tendo atravessado trźs ribeiros, que
correm a N.N.O. ao Catapi, e sam, por sua ordem, o Chitequi, o Jamba, e
o Upanga; encontrando em seguida o Catapi, que corre a O.S.O., e que jį
no dia 6 tģnhamos atravessado com o nome de Cośnge.
No ponto em que o passįmos tem 10 metros de largo por 1 de fundo, e
pequena corrente.
Algumas das clareiras que n'esse dia atravessįmos eram cobertas de
junco, pantanosas e de difficil accesso.
A passagem do rio levou tempo, e os meus companheiros precedźram-me na
chegada a Caconda.
Alcancei depois d'elles a fortaleza, e fui recebido į porta pźlo chefe
interino, mulato e rico proprietario do consźlho, sargento da guerra
prźta; o qual me disse, que o chefe tinha ido para Benguella,
deixando-lhe a _espiga_ de nos receber (textuaes palavras).
Depois de me ter dito esta amabilidade, o S^{nr.} Matheus convidou-me a
entrar na fortaleza. Logo que passei o recinto das fortificaēões, vi
entre os meus companheiros um homem de estatura mais que mediana,
aspecto macilento, testa ampla e elevada, olhar pouco fixo, trajando
casaca e gravata branca, que o Capello me apresentou, dizendo-me, "Aqui
tem José d'Anchieta." Estava diante de mim o primeiro explorador
zoologista d'Ąfrica, esse homem que tinha passado 11 annos nos sertões
d'Angola, Benguella, e Mossąmedes, enchendo as vitrinas do museu de
Lisboa com valiosissimos exemplares. Tive depois occasićo de presenciar
o seu viver, que é digno de ser descrito.
Anchieta estava estabelecido nas ruinas de uma igreja, a 200 metros da
fortaleza.
A casa no interior era em forma de T, e tōda cercada de estantes, onde
haviam, de mistura, livros, instrumentos mathemąticos, mąchinas
photogrąphicas, telescopios, microscopios, retortas, pąssaros de mil
cōres, vidros variados, louēa, pćo, frascos cheios de lģquidos
multicolores, estojos de cirurgia, montes de plantas, medicamentos,
cartuxeiras, roupa, etc. A um canto, um feixe de espingardas e carabinas
de differentes systemas. Junto į casa, um cercado, aprisionando umas
vacas e uns porcos. Į porta algumas prźtas e prźtos esfolando pąssaros e
preparando mamģferos; e d'entro, a uma grande mesa, Anchieta, sentado em
velha poltrona, que attesta longos serviēos.
Sōbre a mesa é impossivel dizer o que ha.
Pinēas, escalpellos e microscopios ha muitos.
De um lado, um monte de bocados de pąssaros mostra que elle acabou de se
entregar ao estudo da anatomia comparada. Em frente d'elle, uma flōr
cuidadosamente dissecada, attesta que elle acaba de ler na disposiēćo
das suas pčtalas, no nłmero de seus estames, na forma do seu
receptąculo, no arranjo das sementes, no pistilo, os nomes da familia,
do gčnero e da especie em que a dźve collocar.
De escalpello na mćo e microscopio no ōlho, passa elle as horas que pōde
tirar ao trabalho de colleccionador, e é jį a planta, jį a ave, o ponto
de mira do seu estudo.
A momentos, é interrompido por um doente que chega, a quem elle dispensa
os cuidados de mčdico, e ao mesmo tempo os remedios da cura, quando lhe
nćo dį tambem a gallinha da dieta.
Anchieta professa um respeito sem limites ao Doutor Bocage, director do
Museu Zoolņgico de Lisboa, e fala d'elle com essa respeitosa amizade que
é difficil encontrar onde nćo existem estreitos laēos do mesmo sangue.
Isso comprehende-se. Anchieta, que tem a consciencia dos serviēos que
tem prestado įs sciencias zoolņgicas, conhźce que tem no D^{or.} Bocage
o homem que lhe faz justiēa, e sabe aquilatar esses serviēos; o homem
que completa na Europa o trabalho que elle comeēa em Ąfrica; o homem,
emfim, que sabe quantas fadigas, quantas febres, quantos incņmmodos
custįram cada um d'esses exemplares, que descreve, descrevendo com elles
nōvas especies.
José d'Anchieta é um d'esses nomes que merece o respeito dos homens de
sciencia, e o respeito dos Portuguezes seus compatriotas; porque,
trabalhador infatigavel, tem sabido honrar o seu paiz, conservando-se
elle mesmo honrado e pobre, no meio do vicio e da desmoralizaēćo que
lavra nas terras em que vive, e de que poderia tirar proveito se fōsse
menos escrupuloso.
Basta de falar d'elle, que nćo ha elogios que lhe nćo caibam; falando
mais alto do que eu as suas obras, e o seu nome, ligado para sempre aos
seus trabalhos, que nćo morrem.
Soubémos que o Chefe Castro tinha sido exonerado do commando, e fōra
nomeado outro official do exčrcito de Ąfrica para o substituir.
Dois dias depois da nossa chegada, chegįram tambem a Caconda o nōvo
chefe e o Alferes Castro, e por elles a nossa correspondencia da Europa,
que lemos com avidez.
Falei logo em carregadores, e o Alferes Castro promptificou-se a
acompanhar-me a casa de José Duarte Bandeira, o primeiro potentado de
Caconda, onde me disse que se arranjariam, pźla grande influencia de que
dispunha o tal Bandeira.
Partķmos para Vicéte no dia 13 de manhć, e n'esse mesmo dia o Ivens
seguio para casa de Matheus, a fazer um reconhecimento ao Cunene, no
logar da sua confluencia com o Quando. Eu tambem devia ir fazer uma
visita ao mesmo rio para o sul.
O Capello ficou em Caconda atacado por uma ligeira febre, e entregue aos
cuidados de Anchieta. Seguķ a S.S.E., passando logo os rios
Secula-Binza, Catapi, e Ussongue, que afflue a leste, correndo a O.N.O.,
com 3 metros de largo por 1 de fundo, dando-lhe por isso grande
contribuiēćo d'ągua.
Depois de caminhar a S.E. umas 26 milhas, chźguei pźla noite a Vicéte,
libata fortificada entre rochas, no cume de um outeiro que domina vasta
planicie.
Fui recebido por José Duarte Bandeira, que, depois de bōa ceia, me
proporcionou ņptima cama, de que bem precisava.
Logo na manhć seguinte, o Alferes Castro falou nos carregadores, e
Bandeira prontamente se offereceu para obter 120, que tantos nos eram
precisos para seguirmos ao Bihé.
Mostrei o desejo de ir ao Cunene, e ficou decidido que partģssemos no
seguinte dia.
Caminhįmos nove milhas a Leste, e encontrįmos o rio no Porto do Fende.
Logo į chegada, matei um grande hippopņtamo, que tźve a imprudencia de
vir resfolgar a meio rio ao alcance da minha carabina. Passei ali dois
dias. O rio tem ahi 100 metros de largo por 6 a 7 de fundo, com uma
corrente de 1 milha por hora. O seu eixo no Fende é N.O. a S.E. por
espaēo de 2 milhas, sendo a montante de N.E. a S.O., e ainda acima E.O.
a jusante inclina-se para S.S.O. por 26 milhas, até ao Luceque. Por
vźzes toma uma largura de 200 metros e mais.
Abundam n'elle hippopņtamos e crocodilos.
1 milha a jusante do Porto do Fende, ha uns rąpidos a que chamam Da
Libata Grande; meia milha abaixo, outros, as Mupas de Canhacuto; e 10
milhas mais a jusante, as cataractas de Quiverequete, łltimas que tem no
seu curso superior; sendo depois navegavel até ao Humbe.
A margem direita é, nos pontos em que a visitei, montanhosa e coberta de
mato virgem; į esquźrda, vasta planicie, de 4 a 5 kilņmetros de largo,
que encosta ao sopé dos montes, que formam um pouco elevado systema,
correndo N.S.; em cujas vertentes oeste assentam as povoaēões do Fende.
Pźlas 11 horas da noite do dia 15, formou-se sobre nós uma tormenta, que
despedio innłmeras faļscas e copiosa chuva, deixando-nos completamente
molhados.
A 17 voltįmos para Caconda, com a promessa de termos os carregadores
dentro de 8 dias; tendo de mandar, logo no dia seguinte, um barril de
ągua-ardente para a _convocaēćo_. Nesta parte de Ąfrica, a ągua-ardente
desempenha para com os homens o mesmo papél, que na Europa o azeite para
com as mąchinas. Sem ella nćo se movem.
O nosso hospedeiro, que bem nos regalou em sua casa, esqučceu-se de que
tģnhamos a gastar o dia em jornada; e saindo nós ao alvorecer, só į
noite alcanēarģamos Caconda. Partķmos com o alforje vazio, e pźlo
meio-dia jį o appetite degenerava em fome.
Parįmos n'uma clareira, e eu disse ao Alferes Castro, que ia ver se
matava caēa para comer; mas apenas avistei uma codorniz, que nos servio
a ambos de almōēo e jantar, cozinhada n'uma marmita de soldado. Confesso
que jį tenho almoēado e jantado melhor do que n'esse dia.
Os meus prźtos, vendo a minha avidez em roer os ossos da codorniz, que a
cadella de balde devorou com os ōlhos, fazendo-me mil negaēas com a
cauda, déram-me uma raiz de mandioca, que partilhei com o Alferes.
Chźguei, į noite, a Caconda, e depois de uma bōa ceia, dei fé que Ivens
ainda nćo tinha chegado, e que Capello jį estava bom.
O Ivens chegou a 19, e n'esse dia mandįmos o tal barril de ągua-ardente
ao Bandeira, pedindo-lhe a maior urgencia na convocaēćo dos
carregadores.
No dia 23, chegįram de Benguella uns artigos que tinham sido
requisitados; e para mim um presente de 6 latas de biscoito, que me
offerecia Antonio Ferreira Marques.
N'esse dia despachei outro portador a Vicéte, pedindo ao Bandeira os
carregadores, que jį se demoravam.
Nćo appareciam os homens promettidos, e eu pedi ao chefe para que fōsse
a Vicéte, e usando da sua influencia como autoridade, visse se dava
pressa ao Bandeira em nos mandar a gente precisa.
O chefe partio, e escreveu-me logo, dizendo jį estarem promptos 61
homens, e em breve haver os mais. Levara elle logo fazenda para os
pagamentos, que ali só querem algodćo branco, mas disse serem precisas
mais 50 peēas, que nós nćo tģnhamos, mas que o Bandeira ficou de
emprestar.
No dia seguinte, nōva carta do chefe, dizendo, que os carregadores iam
ser pagos e viriam logo; dois dias depois, terceira carta, dizendo, jį
lį ter 94 homens; e finalmente, no dia 5 de Fevereiro, outra carta,
dizendo, que nćo havia nem um carregador, e que nenhum se arranjaria.
Imagine-se o nosso desapontamento.
Eu a esse tempo ainda nćo tinha formulado e arraigado no meu espģrito um
principio, que mais tarde me sugerio a experiencia, e que entrou depois,
de parelhas com a carabina d'El-Rei, no feliz resultado da minha viagem.
O principio formulado e depois profundamente arraigado no meu espģrito,
traduzio-se n'esta sentenēa:--
"Desconfiar, no sertćo d'Ąfrica, de tudo e de tōdos, até que provas
repetidas e irrefutaveis nos permittam confiar um pouco em alguma cousa
ou alguem."
Ora, para mim, essas provas sam tćo difficeis de se apreciarem, como o
sam as de um amor eterno, ou as da sņlida fortuna do commerciante,
embrulhado em transacēões de vulto.
Creio que, ao tomarmos conhecimento da carta do chefe, cada um de nós
propoz alvitre qual d'elles mais disparatado.
O desapontamento era grande. Socegados os espģritos, decidķmos ir eu
procurar os carregadores fōsse onde fōsse, e se longe ou perto os nćo
podesse encontrar, seguirmos para o Bihé, e mandarmos d'ali buscar as
cargas. Julgąvamos isso possivel.
O chefe voltou de Vicéte, e nćo me deu explicaēćo plausivel do facto.
Acordįmos em ir eu ao Huambo, a ver se do Soba d'ali obtinha
carregadores; porque, nćo só o Alferes Castro, como o chefe, e Anchieta
mesmo, nos mostravam a impossibilidade de os ajustar mais perto.
Pouco antes, Anchieta tinha encontrado grandes embaraēos para fazer uma
remessa de productos zoolņgicos para Benguella, o que era relativamente
mais facil.
O que nos estava acontecendo é digno de notar-se.
Nćo só Bandeira, mas um tal Mathias, o sargento Matheus e outros, enviam
grandes caravanas a sertões longģnquos; ”e todos elles nćo podéram obter
um só carregador para nós!
Eu comeēava de antever um propņsito firme de nos embaraēarem o passo, e
mal cuidava entćo que esse propņsito fōsse tćo longe como infelizmente
tive occasićo de experimentar depois.
O correr d'esta narrativa mostrarį, quam habilmente me fōram levantados
obstąculos, que só uma decidida protecēćo de Deos me fez vencer.
Deixemos este assumpto por enquanto, e antes que continśe com a narraēćo
das minhas aventuras, que comeēam aqui a tomar um caracter mais
extraordinario, cabe-me dizer duas palavras a respeito de Caconda.
A fortaleza de Caconda, o ponto mais interior onde hōje no districto de
Benguella tremula a bandeira Portugueza, é um quadrado de 100 metros,
cercado de um profundo fosso e de um parapeito, onde aqui e ąlém se
pōdem ver as linhas distinctas de uma fortificaēćo passageira,
construida outrora com arte. Uma palissada forma segunda fortificaēćo no
interior, resguardando umas casas arruinadas, que fōram habitaēćo do
chefe, quartčis e paiol.
Algumas bōas peēas de bronze, montadas a barbete, deixam ver por sōbre o
plano de tiro, deformado pźlo tempo, as suas bōcas verde-negras e
oxidadas.
A 200 metros ao Sul da fortaleza, as ruinas de uma igreja.
Ao norte, uma reunićo de pequenas cubatas, morada dos soldados.
O paiz é agradavel, e sem ser, como se pertende, isento de febres, é
certo que ellas ali sam mais benignas do que em outros pontos. A
povoaēćo é pouquissima, e tem-se retirado muito da fortaleza.
O solo é ubčrrimo, e muitas plantas Europźas facilmente se aclimam ali,
produzindo espantosamente. No trigo, feijćo e batata vi eu isso, em
pequenissimas plantaēões.
O ribeiro Secula-Binza é uma fonte de ągua cristallina correndo em leito
de granito.
Junto da fortaleza ha poucas ąrvores; que as necessidades dos habitantes
t[~e]m despovoado as matas que dźvem ter existido outrora, como ainda
hōje existem mais longe.
O commercio é pouco, e esse mesmo é feito muito longe no interior.
A mesma pégada de decadencia que se nos revela em Quillengues, é ainda
mais patente aqui.
A importancia de Caconda é igual, senćo superior, į de Quillengues; mas
tem menos seguranēa ainda para o commercio; que o caminho de Benguella é
infestado de salteadores.
CAPĢTULO V.
VINTE DIAS DE AGONIA.
Parto de Caconda--O sova Quipembe--Quingolo e o sova Cįimbo--40
carregadores--Febre--O Huambo, o sova Bilombo e seu filho
Capōco--80 carregadores--Cartas e noticias--Quasi perdido!--Sigo
avante--Grave questćo no Chaca Quimbamba--Os rios Calįe,
Canhungamua e Cunene--Nōva e séria questćo no Sambo--O
Cubango--Chuvas e temporaes--Grave doenēa--Uma aventura horrivel--O
Bihé finalmente!
Parti de Caconda a 8 de Fevereiro de 1878, levando em minha companhia 10
homens de Benguella, o meu muleque Pepeca, Verissimo Gonēalves, de quem
jį falei, e o chefe de Caconda, o Tenente Aguiar, que quiz por fōrēa
acompanhar-me n'esta expediēćo, que tinha por łnico fim o arranjar
carregadores; querendo mostrar assim a sua bōa vontade em nos auxiliar,
e que era estranho aos acontecimentos de Caconda.
Cumpre-me dizer, que eu nunca duvidei da sinceridade do Tenente Aguiar;
porque a esse tempo nćo tinha ainda arreigado no meu espģrito o
principio que formulei no capģtulo anterior, e hōje mesmo creio que elle
foi enganado como eu, apesar da sua muita experiencia dos sertões
avassallados.
Depois de uma jornada de 17 kilņmetros a N.E., alcanēei a libata de
Quipembe, onde fui recebido pelo sova Quimbundo, que me deu
hospitalidade. Passei um pequeno ribeiro o Carungolo, junto a Caconda; e
depois o Catapi, que ali corre a S.O.
O sova mandou-me logo um porco pequeno, e nćo tendo eu podido comprar
gallinhas, mandou-me uma. Ą tarde veio į minha barraca, e depois de
larga conversa, disse-me, que, ainda que os seus antepassados fōram
sempre avassallados a El-Rei de Portugal, elle nćo o era; porque as
muitas arbitrariedades commettidas pźlos chefes contra elle e os seus,
tinham quebrado os compromissos antigos; que o _Mueneputo_ ja lhe nćo
fazia justiēa, e narrou-me muitos dos acontecimentos em que baseava as
suas accusaēões aos chefes, falando com modo muito atilado.
O chefe estava presente į entrevista, e nćo podia responder įs
accusaēões dirigidas aos seus antecessores, tćo claramente eram ellas
formuladas.
Este velho era homem de tino, e falou-me na polģtica dos Portuguezes em
Caconda com um juizo difficil de encontrar em prźto boēal.
Procurei desfazer a mį impressćo que o soba tinha dos chefes de Caconda,
mas creio que nada alcancei n'esse sentido. Mais uma vźz tive occasićo
de apreciar o mao resultado dos minguados estipendios que se conferem
aos chefes dos consźlhos do interior; causa primordial da decadencia do
nosso poderio e influencia ali.
O sova de Quipembe é muito idoso, e soffre de gota, que lhe embaraēa o
caminhar.
A sua libata é vasta, bem fortificada e muito bem situada. Desde a minha
chegada muitas dezenas de prźtos e prźtas pequenos olhavam pasmados para
mim, fugindo em debandada ao menor movimento que eu fazia. Tentei
fazer-lhes perder o mźdo que manifestavam, dando-lhes alguns guisos e
bagos de coral; mas só mui receosos se chegavam a mim, fugindo logo que
recebiam o presente.
Fōram objecto de grande admiraēćo, os meus ņculos e o meu cobertor, em
que se desenhava um enorme lećo em fundo vermelho.
No dia 9 deixei a libata, seguindo a N.E.; passei logo o ribeiro
Utapaira, e uma hora depois alcanēava o Cuce, affluente do Quando. Este
rio tem ali 3 metros de largo por 2 de fundo, dando difficil passagem,
por serem as suas margens escarpadas e lodoso o fundo.
A margem direita é montanha suave e pouco elevada, e a esquźrda campina
de 1 kilņmetro de largo. Passei ao sul da libata de Banja,
magnificamente situada no tōpo de um outeiro, e depois de atravessar
trźs ribeiros, o Canata e Chitando, que vam ao Cuce, e o Atuco ao
Quando, alcancei este łltimo rio, um dos grandes affluentes do Cunene.
O Quando corre ao Sul, com uma largura de 20 metros por dois a trźs de
fundo.
No sitio de Pessange, em que acampei, desapparece o rio por baixo de
massas enormes de granito, para reapparecer um kilņmetro a jusante.
Este ponto offerece uma das mais bellas paisagens que tenho visto. As
margens do rio, um poco elevadas, sam cobertas de luxuriante vegetaēćo,
onde as palmeiras elegantes se destacam do verde-negro dos gigantescos
espinheiros. Os rochźdos denegridos sobressaem aqui e ąlém por entre os
tufos de mato, mostrando os cabźēos puļdos do bater das tempestades.
Nuvens de passarinhos chilram nas įrvores e innłmeras rōlas esvoaēam
sōbre os espinheiros. De quando em quando ouve-se o resfolgar dos
hippopņtamos nos pegos do rio.
É a belleza selvagem em tōda a sua forēa, mas a par d'ella ha ali alguma
cousa de horrivel, que sam venenosissimas serpentes que a cada passo se
arrastam junto de nós.
Matei algumas, que me certificįram os prźtos serem de mortal peēonha.
Apparecéram alguns Hyrax, e eu, internando-me no mato virgem da margem
esquźrda, em sua busca, deparei com as ruinas de uma muralha de pedra,
que pźla extensćo parecem ter sido muro de povoaēćo antiga. Foi este o
primeiro dia na minha viagem em que de noite tive por tecto o ceo
estrellado, mas por isso nćo foi menos profundo o meu sono. Ao alvorecer
matįmos, entre a minha cama e a do tenente Aguiar, uma cobra venenosa.
Seguķmos a N.E., e para ąlém da povoaēćo de Pessange, encontrįmos a de
Canjongo, governada por um secślo, que nos offereceu capata e vendeu
algumas gallinhas a trōco de panno de algodćo ordinario, e depois de
passarmos o rio Droma, affluente do Calae, que corre a S.E., descanēįmos
algumas horas na margem esquźrda, e caminhando depois a N.N.E.,
chegįmos, įs 5 horas da tarde, į libata grande de Quingolo.
O sova deu-me hospitalidade, e mandou logo comida para a minha gente.
Sabendo o motivo da minha viagem, disse-me, que se a elle tivessemos
recorrido com tempo, nos teria arranjado os carregadores, mas que os
chefes de Caconda nćo faziam caso d'elle, e faziam mal n'isso; que ainda
assim, me ia dar 40 carregadores que enviaria a Caconda, e fōsse eu ver
se obtinha os outros ao Huambo.
Fui atacado de uma ligeira febre. No dia 11, logo de manhć, o sova veio
visitar-me e confirmou o seu offerecimento de 40 homens, que me disse
partiriam no seguinte dia para Caconda.
Quiz fazer algumas compras de vģveres, mas nada me quiséram vender;
sabendo isto o sova Caimbo, enviou-me um grande porco. Eu fiz-lhe um
presente de 3 peēas de riscado e duas garrafas de ągua-ardente.
O chefe Aguiar decidio voltar a Caconda, no que me deu um verdadeiro
prazer.
Ao meio dia apparecéram os chefes dos carregadores que partiam, para
receberem os pagamentos.
Esta libata grande de Quingolo é situada sōbre um outeiro granģtico que
domina uma enorme planicie.
Por entre as rochas crecéram sycņmoros enormes, que lhe dam uma frescura
constante. Estas rochas combinadas com as palissadas formam uma temivel
fortificaēćo, rodeada de um fosso meio obstruido. No tōpo do outeiro
dois rochźdos enormes de elevadas proporēões formam uma especie de
mirante, d'onde se goza um dos mais sorprendentes panoramas que tenho
visto.
Semelhante ao golpe de vista da cruz alta do Bussaco, se a mata, em vez
de limitada na estreita cinta de muralhas, se estendesse dos cabos
Carvoeiro ao Mondego até į beira-mar, apenas interrompida aqui e ąlém
por verdejantes clareiras, o paiz que se avista do alto de Quingolo é
talvez, mais vasto e grandioso, sendo limitado em tōrno por um perfil
azulado de longķnquas montanhas que de distantes mal se avistam.
No dia 12, ainda que me recresceu a febre, decidi partir, e tendo feito
as mais cordiaes despedidas ao sova e ao chefe Aguiar, segui įs 8h.
30m., acompanhado de 3 guias que me deu o sova Caimbo, com quem fiquei
nos melhores termos de amizade. Logo į saida passei o ribeiro Luvubo,
que corre ao Calae, e pźlas 10 horas alcancei a libata do secślo
Palanca, onde pedi agasalho, por me ser impossivel caminhar com febre
que recrescia a cada momento.
Apesar do meu estado de saude, fiz observaēões astronņmicas, para
determinar a minha posiēćo; e falo n'isso, por ser este o primeiro
d'essa sčrie de pontos que eu devia determinar através d'Ąfrica.
Foi a povoaēćo de Palanca o primeiro ponto determinado por mim, n'essa
linha que marca o meu caminho do mar Atląntico ao Indico.
Tres gramas de quinino que tomei durante a apyrexia produzķram-me
rąpidas melhoras que me permitķram seguir no dia immediato.
Eu viajava acavallo em um possante bōi, e tinha um outro de reserva,
bōis muito bem domesticados e que offereciam bōa commodidade ao andar,
podendo obter d'elles um aturado trote e mesmo um galope curto.
Segui perto das 8 horas e passei logo o rio Dōro, a que chamam das
mulhéres, onde foi muito difficil a passagem dos bōis, por ser de fundo
lodoso.
O calor era intenso, e eu comecei a sentir-me mais doente, pźlo que
resolvi deitar-me a descanēar um pouco.
Nćo haviam arvores no sitio, e ao sol ardente sōbre uma terra ardente
adormeci. Foi curto o meu sono, e ao despertar, senti que estava fresco
e tinha sombra. Eram os meus prźtos que, de motu proprio estavam em
tōrno de mim segurando um panno para desviar do meu cōrpo as ardencias
de um sol a prumo. Tocou-me tal prova de cuidado. Segui įvante e passei
um riacho--o Dōro, a que chamam dos homens, que se une ao primeiro e
corre depois ao Calae, nćo sei se com o mesmo nome. Duas horas depois
encontrava o rio Guandoassiva, que tem 5 metros de largo por 1 metro de
fundo, em cuja margem descancei. É affluente do Calae e abunda em peixe
miudo, que muito ali pescįmos. Eu sentia-me bastante doente. Į febre que
tinha reapparecido unia-se uma extrema fraqueza, pois que, havia dois
dias, apenas tinha tomado alguns caldos de gallinha.
Aproveitei o descanēo para mandar fazer um caldo de frango, que nćo
levou sal, por se me ter acabado a pequena provisćo trazida de Caconda.
Depois de duas horas de repouso, seguķmos sempre a N.E., e meia hora
depois passąvamos o rio Cuena, que tem ali 6 metros de largo por 1,5 de
fundo, e corre ao Calae.
Este rio corre entre as vertentes suaves de montanhas mui pouco
elevadas, mas cavou um leito fundo, cujas escarpas verticaes de 2
metros, tornįram difficil a passagem dos bois.
Trabalhįmos ali duas horas. Duas horas depois, jį ao cahir da noite,
alcancei a libata do Capōco, o poderoso filho do sova do Huambo.
O Capōco recebeu-me muito bem, deu-me a sua propria casa para habitar,
offereceu-me logo um grande porco, e sabendo-me doente mandou-me duas
gallinhas.
Falei-lhe em carregadores, que elle me prometeu arranjar.
Fiz-lhe um presente de duas peēas de riscado e duas garrafas de
ągua-ardente. Pouco depois, um grande rancho de virgens, que se conhźcem
pelas muitas manilhas de verga de pao, que lhe sobem dos artelhos,
trouxeram em cestas abundante comida aos meus prźtos. Depois de tomar
alturas da lua, deitei-me, feliz, apesar de doente, por ver coroada de
čxito a minha excursćo.
No dia seguinte deveriam chegar ali os meus companheiros, e com elles,
nćo só a amizade e a companhia dos meus conterraneos, mas ainda os
recursos que jį me faltavam completamente.
Adormeci sorrindo. ”Quam longe estava eu de pensar que adormecia na
včspera de uma agonia, immensa agonia que devia durar por 20 dias!
No dia 14 fui a casa do pai do Capōco, o sova das terras do Huambo. A
libata d'este sova, que se chama Bilombo, dista 3 kilņmetros da do
filho, e estį assente na margem esquźrda do rio Calae.
Bilombo esperava-me. Rodeado do seu pōvo, trajava soberbamente uma
casaca escarlate, cobrindo-lhe a cabźēa uma barretina de caēadores.
Entreguei-lhe o meu presente, que consistia em 3 peēas de riscado
ordinario e duas garrafas de ągua-ardente, a que se mostrou muito grato.
Ficou muito sorprendido vendo a minha carabina Winchester, e pedio-me
para eu atirar com ella, ficando admiradissimo de me ver metter algumas
balas n'um pequeno alvo a 200 metros, e muito mais quando lhe quebrei um
ōvo a 50 metros.
Este sova governava em tudo o paiz do Huambo: mas estį hōje reduzido a
dominar apenas em parte d'elle. A sua historia é curta, mas vulgar. Elle
era casado com a filha do sova do Bihé, que entretinha relaēões amorosas
com um dos seus secślos.
Tremiam os criminosos da cņlera do rei se viesse a saber a sua falta.
Houve rompimento entre Bilombo e um rčgulo vizinho, e a guerra foi
declarada. Bilombo tomou o commando do seu exčrcito e partio, ficando a
governar na sua ausencia o amante da sua mulhér. Conspirįram ambos e
Capussocśsso fźz-se acclamar sova. Retirou-se Bilombo para esta parte do
paiz banhada pźlo Calae, onde o pōvo se lhe conservou fiel, e į epocha
da minha passagem, me disse, estar preparando uma terrivel vinganēa į
adłltera e ao seu amante o traidor Capussocśsso.
De volta a casa do Capōco, despedi os trźs guias, que me acompanhįram
desde Quingōlo, e por elles escrevi a Capello e Ivens, dizendo-lhes, que
os esperava, e que nćo abandonassem as cargas, por ser o paiz pouco
seguro.
Fui de tarde dar um passeio įs margens do Calae, e sorprendeu-me a
quantidade de caēa que encontrei, que nunca tanta tinha visto, mas nada
matei por nćo ir prevenido para isso.
O sova Bilombo mandou-me um presente de farinha de milho e um grande
bōi, presente mui valioso, por ser escaēo o gado bovino n'aquelle paiz.
Os carregadores estavam preparando os mantimentos para seguirem no dia
immediato para Caconda, e eu escrevia aos meus companheiros, quando
chegįram trźs portadores do sova de Quingōlo, com cartas d'elles, e uma
cesta contendo sal e um pequeno saco de arroz.
Abri pressuroso as cartas; eram ellas duas officiaes e uma particular,
assignadas por Capello e Ivens. Diziam-me, que tinham resolvido seguir
sós, e que pźlos 40 carregadores enviados por mim de Quingōlo, me
mandavam 40 cargas, acompanhadas pźlo guia Barros, para eu as conduzir
ao Bihé.
Só o pouco ou nenhum conhecimento do sertćo Africano, que entćo tinham
os meus companheiros, podia desculpar um tal proceder. Eu achava-me n'um
paiz hostil, e se até ali tinha sido respeitado, fōra só porque o gentio
me julgava a vanguarda de uma grande comitiva capitaneada por elles, e o
receio das represalias tinha até entćo sostido a rapacidade dos
indģgenas. Eu estava no paiz onde Silva Porto, o velho sertanejo, que
percorrera impunemente os mais longinquos sertões Africanos, tivera de
sustentar cruento combate com um gentio ąvido de rapina.
æQue seria de mim logo que se soubesse que tōda a minha forēa consistia
em 10 homens? Encarei a minha posiēćo e achei-a um pouco séria. Capello
e Ivens tinham sido enganados por alguem, que a sua lealdade nćo lhes
consentiria de certo o deixarem-me em tal posiēćo, se elles conhźcessem
bem essa posiēćo.
æQue fazer? Em trźs dias podia alcanēar Caconda, e voltar d'ali a
Benguella. Tinha, por outro lado, diante de mim uma jornada de vinte
dias ao Bihé, jornada em que teria de arriscar cada dia e a cada hora a
vida e as bagagens. æQue fazer?
A noite de 17 de Fevereiro foi passada em uma agitaēćo febril
indescriptivel.
æDevia seguir įvante? æTinha o direito de arriscar as vidas dos dez
homens que me cercavam, e que dormiam tranquillos junto de mim? æTeria o
direito de arriscar a minha propria vida em imprudente passo? æDeveria
voltar a Benguella?
æQuem comprehenderia na Europa o obstąculo quasi insuperavel que me
fazia recuar? Ninguem, a nćo ser um ou outro explorador infeliz como eu.
”Que noite horrivel! e a febre a desvairar-me a mente, e o cuidado a
augmentar-me a febre. A aurora do dia 18 encontrou-me de pé, e havia
momentos que uma phrase estava gravada no meu pensamento e eu repetia
machinalmente aquella phrase.
_Audaces fortuna juvat_. Era a velha sentenēa dos fortes Romanos, era a
lei que dicta as acēões dos aventureiros.
Decidi seguir įvante, eu que nćo tinha ido a Ąfrica para só visitar o
paiz do Nano, que, digamos a verdade, nćo deixa de ser muito
interessante, sōbre tudo para nós os Portuguezes.
Descrevi aos meus 10 homens a nossa posiēćo precaria e a resoluēćo
tomada de caminhar para o Bihé; elles protestįram-me a sua dedicaēćo e a
intenēćo de sempre me acompanharem.
D'esses dez homens 3, Verissimo Gonēalves, Augusto e Camutombo estivéram
em Lisboa depois de terem atravessado comigo a Ąfrica; 4 seguķram do
Bihé Capello e Ivens, por minha ordem; 1, o prźto Cossusso, enlouqueceu,
junto ao Quanza, e foi por mim entregue ao aviado de Silva Porto,
Domingos Chacahanga, para d'elle ter cuidado; e os dois restantes,
Manuel e Catraio grande, cahiram aos meus pes varados pźlas azagaias
Luinas, e cumprindo a sua promessa formulada rudemente n'este dia,
morréram defendendo-me, quando eu mesmo defendia a bandeira das Quinas.
Ao tempo em que vai a minha narrativa, eu mal os conhźcia, e nćo tivera
até entćo logar de experimentar o seu valor.
Eu estava em casa do Capōco, que até entćo me tinha dispensado os
maiores favores; mas Capōco era o cčlebre salteador do Nano, que chegara
a ir atacar Quillengues, um anno antes. æO que faria elle, logo que
conhźcesse a minha fraqueza?
D'elle dependia o čxito da minha empresa. Capōco é homem de vinte e
quatro annos, sympąthico e de maneiras agradaveis. Muitas vźzes me dizia
Verissimo Gonēalves, que lhe parecia impossivel ser elle o homem cujo
nome era tćo temido, e que tćo longe dirigia as suas correrias de
devastaēćo e morte. Entre as suas escravas conhźceu Verissimo algumas
raparigas roubadas em Quillengues, no ataque do anno anterior. Uma
mesmo, com quem falei, era filha de um dos sovas de Quillengues, e
Capōco pedia por ella grande resgate.
Capōco é intelligente, parco no comer e beber, e ainda que possue grande
nłmero de escravas, as que formam o seu harem sam mui poucas.
Ha no seu fundo alguma cousa de justo por entre a barbaria do seu viver
e dos seus principios. Por exemplo: eu vi que a escrava, a que acima me
referi, filha do sova de Quillengues, trazia nos artelhos as manilhas de
pao, signal infallivel de virgindade, a pesar de ser muito bonita e
elegante. Admirou-me isso, e perguntei ao Capōco æporque nćo havia feito
d'ella sua amante? "Porque nćo dźvo," me respondeu elle, "é minha
escrava pźlo direito da guerra, mas em quanto seu pai manifestar o
intento de a resgatar, dźvo respeital-a e serį respeitada, porque a dźvo
entregar como a tomei."
Um dia Capōco disse-me, que, estando Benguella d'aquelle lado (apontava
para o oeste), o sol passava primeiro pźlo Huambo antes de ir a
Benguella. Disse-lhe eu ser isso verdade, e elle quiz saber quanto tempo
depois de nascer ali, nascia elle em Lisboa. Procurei fazer-lhe
comprehender, que hora e meia; dizendo-lhe o tempo que um homem leva a
percorrer tal caminho, elle mostrou-se admirado; porque julgava, me
disse, ser o nosso paiz muito mais longe.
Os costumes entre os pōvos do Nano e do Huambo sam os mesmos que entre
os Quillengues, assim como falam a mesma lingua. Trabalham o ferro, de
que fazem setas, azagaias e machadinhas; mas nćo enxadas, que v[~e]m do
norte.
Como jį incidentalmente notei, as raparigas, em quanto virgens, usam nos
artelhos de ambas as pernas ou só na esquźrda, umas manilhas de verga de
pao, e é grande crime para a familia, conservar as manilhas įquellas que
jį nćo t[~e]m direito de as usar.
Uma cousa curiosa nos costumes d'estes pōvos, é haver em tōdas as
povoaēões uma especie de kiosques para conversaēćo.
[Figura 4.--Homem e Mulhér do Huambo.]
Sam como uma cubata, mas os prumos que sustentam o tecto de cōlmo, sam
bastante separados. No meio arde a fogueira, socia constante do gentio
Africano, e em tōrno tomam assento os habitantes da povoaēćo em toros de
pao. É o sitio da palestra, sōbre tudo quando chove; ali narram-se
episodios de guerra ou de caēa, fala-se tambem de amor, e muito menos de
vidas alheias do que na Europa.
No paiz do Huambo comźēa na costa de oeste o grande luxo nos penteados,
tanto em homens como em mulhéres, e tenho visto alguns que difficilmente
seriam executados pelos melhores cabelleireiros da Europa.
Ha penteados que levam dois e trźs dias a fazer, e que se conservam por
muitos mezes.
Os penteados das mulhéres sam profusamente enfeitados com umas contas de
vidro que no commercio em Benguella tem o nome de coral branco ou
encarnado, e é este gčnero muito procurado no paiz. Eu infelizmente nćo
levava nenhum.
A pņlvora, armas e o sal de cozinha sam ali gčneros de grande valia.
Nada d'isso eu tinha, em quantidade de que podesse dispensar, o que
tornava mais embaraēosa a minha posiēćo.
Fui falar ao Capōco e expuz-lhe que os meus companheiros tinham seguido
por Gallangue, e que só viriam 50 cargas, nćo precisando eu por isso
mais de 40 homens e esses só para irem d'ali ao Bihé.
Despedķmos por isso os 80 carregadores que a essa hora jį estavam
reunidos, e que se retirįram muito descontentes. Capōco prometeu-me que
teria os 40 de que precisava até ao Bihé. N'esse dia chegou o prźto
Barros com as 40 cargas, e trouxe-me nōva carta dos meus companheiros,
confirmando o que diziam as primeiras.
Por elle sube que elles tinham saļdo de Caconda para o Bihé;
acompanhados pźlo ex-chefe, Alferes Castro, e pźlo degradado Domingos,
que me tinham mostrado a impossibilidade de obter gente em Caconda, e
que a obtivéram no dia em que eu sahi d'aquelle ponto.
A elles, talvez, devia eu a crģtica posiēćo em que me achava, porque os
meus companheiros, pouco conhźcedores d'Ąfrica, e nada d'aquelle paiz,
nćo podiam julgar das difficuldades que me creavam, ao passo que
aquelles dois senhores, de sobra as conheciam. Nćo os accuso de um
crime, mas culpo-os de uma leviandade.
Nćo lhes quero mal, porque a ningem quero mal, e um mez depois de se
passarem os successos que estou narrando; espantado ainda dos perigos a
que tinha conseguido escapar; prostrado no leito, onde me tinha prendido
com garras de ferro a doenēa, proveniente de 20 dias de cruel agonia, a
que elles déram causa; vi-os entrar, famintos e sem recursos, na casa de
Silva Porto, que eu occupava no Bihé; e esqučcendo tudo o mal que me
haviam feito; e nćo me lembrando de que um estava privado dos direitos
de cidadćo por uma sentenēa infamante; reparti com elles o pouco de
vģveres que eu tinha, dando-lhes os meios de voltarem com relativa
commodidade a Caconda. É que eu vi n'elles, nćo só dois brancos, dois
Portuguezes, perdidos no jį longinquo sertćo do Bihé, mas vi mais os
homens que me fizéram ter de mim uma opinićo de que me sentia orgulhoso,
os homens que em 20 dias de agonia que me déram, em mil perigos a que me
lanēįram, com que me fizéram lutar e que eu venci, me retemperįram a
alma para commettimentos maiores. A elles devia a confianēa que tinha em
Deos e em mim mesmo; e repartindo com elles o pouco que tinha, julgava
pagar uma dģvida de gratidćo, onde outros, succumbindo ao soffrimento,
só veriam, talvez, um motivo de vinganēa.
Nćo antecipemos factos.
Capōco veio dizer-me, que no dia seguinte teria os 40 homens que queria,
mas só até ao Sambo, porque elles se recusavam a ir mais ąlém; por
estarem despeitados pźla despedida dos 80 que se haviam reunido para ir
a Caconda e ao Bihé, e que eu tinha dispensado. Ąlém d'isso, elles
exigiam um pagamento muito superior; porque eu os havia contratado por
10 pannos de Caconda ao Bihé, e estes exigiam só do Huambo ao Sambo 8
pannos. Acertei tudo, para poder partir.
No dia seguinte de manhć, reunķram-se os 40 homens; mas de repente
surgio uma nōva difficuldade. Quando em Caconda fomos enganados pźlo
Bandeira, o Ivens tinha tirado a tōdos os fardos sortidos o algodćo
branco; porque os prźtos que esperąvamos do Bandeira nćo queriam
pagamento em outro gčnero. Esqučceu esta circunstancia, e eu, levando
dois fardos sortidos, nćo levava nem uma só peēa de algodćo branco. A
gente do Capōco declarou-me logo, que nćo queriam receber senćo algodćo
branco, e nćo pegariam nas cargas se eu lho nćo désse.
Recusįram-se a receber o riscado, e jį se iam, quando appareceu o
Capōco, e nćo sem custo os decidio a receberem metade em riscado, metade
em zuarte.
Havia grande descontentamento entre elles quando įs 10 horas os fiz
seguir acompanhados pźlo guia Barros. Eu devia partir dentro de uma
hora; mas fui atacado de tćo violento accesso de febre, que tive de
deitar-me.
Desde a včspera chovia torrencialmente, e sōbre tudo a noite foi
tempestuosa.
A febre comźēou a declinar įs 4 horas da tarde, e a chuva cessou. Pźlas
5 horas, precisei sahir da libata e fui a um mato prņximo, os meus
passos eram vacilantes e apoiava-me pesadamente no meu bordćo.
Precavido sempre, disse ao meu prźto pequeno Pépéca, que me acompanhasse
e trouxesse uma das minhas carabinas.
Ia a entrar no mato, quando a vinte passos de mim surge um enorme błfalo
a olhar desvairado, resfolgando estrondosamente.
Tomei das mćos do pequeno a espingarda, e qual nćo é o meu desespźro,
vendo que, em logar de carabina, elle tinha trazido uma simples arma de
caēa, carregada de chumbo! Senti-me perdido e vi a morte inevitavel,
terrivel caminhando para mim n'aquella fera, que mugia surdamente.
Lembrei-me de Deos, de minha mulhér e de minha filha. A fera avanēava
aos saltos, n'esse irregular galope que elles tomam para o ataque. A 8
passos de mim, disparei-lhe o primeiro tiro de chumbo, elle parou meio
segundo, para seguir logo. Ao dispararar-lhe o outro tiro nćo havia mais
distancia entre a bōca da espingarda e a cabźēa do błfalo do que alguns
decģmetros. Atirei e fiz um enorme salto para o lado. O błfalo seguio
sempre, passando a tomar uma carreira vertiginosa, e desappareceu no
mato. O meu Pépéca ria a bandeiras despregadas, e inconsciente do
perigo, batia as palmas gritando, "O bōi fugio, o bōi fugio, tźve mźdo
de nós."
Voltei a casa do Capōco; e passei a noite mais socegado. Quiz escrever,
e para isso improvisei uma luz de manteiga de porco em uma velha caixa
de sardinhas de Nantes.
Era a 21 de Fevereiro de manhć. Despedi-me do Capōco, e febril ainda,
segui caminho do Sambo. Antes de chegar ao Calae, recebi un bilhete. Era
elle do guia Barros, dizendo-me, que na včspera į noite, os carregadores
tinham fugido tōdos, deixando as cargas na libata do secślo Quimbungo,
irmćo do sova Bilombo.
Parei, e mandei chamar o Capōco. Contei-lhe o occorrido, e elle
disse-me, que seguisse para a libata do tio, que tudo ia remediar. Segui
įvante, e pouco depois passei o Calae, que corre N.S. para o Cunene,
tendo ali 30 metros de largo por l,5 de fundo, com violenta corrente.
As margens sam vastas planicies levemente accidentadas e cobertas de
gramģneas, por entre as quaes surge aqui e ąlém um solitario dragoeiro.
O solo é de formaēćo animal, que tudo o terreno é coberto por um mundo
infinito de termites, ou antes o cobre.
Uma ponte, construida toscamente de troncos de ąrvore, une as duas
margens do rio. 100 metros a montante da ponte, recebe o Calae um
affluente importante, o Cuēuce, que traz volume d'ągua igual ao seu.
Caminhei a E.N.E., e pźlas 10 horas passei junto į libata do secślo
Chacaquimbamba, em cuja frente havia grande ajuntamento de gentio.
Passei sem nada me dizerem; mas tinha andado uns 50 metros, quando senti
um grande barulho do lado da libata. N'esse momento Verissimo correu a
mim e disse-me, que havia questćo com um carregador nosso.
Voltei a traz e vi o prźto Jamba, carregador da minha mala, a quem
tinham tirado a espingarda, o que conseguķram facilmente, porque elle a
largou com receio de deixar cair a mala, que continha os chronņmetros e
outros instrumentos delicados.
Ąlém da arma, elles tinham mettido para a libata uma cabra e um
carneiro, que me tinham sido dados pźlo Capōco. Intimei-os a que me
entregassem o roubo; mas apenas me respondéram com um murmurio
ameaēador.
Calculei rąpidamente as circunstancias, e vi-me com 10 homens, cercado
por 200 que me ameaēavam furiosos.
Esqučci por um momento tōda a prudencia e bom senso, e quiz experimentar
o que valiam esses 10 homens, que no futuro teriam de ser meus socios em
perigos maiores, e caminhando para a porta da libata, armei o revólver e
ordenei-lhes que entrassem e me trouxessem o roubo. O meu prźto de
Benguella, Manuel, um mōēo de que eu nunca fizera caso, soffreu uma
transformaēćo słbita, e armando a carabina, de um salto entrou na
libata. Foi logo seguido por Augusto, Verissimo e Catraio grande. Os
outros seguķram, e eu, estudando os meus homens, esqučci-me de mim, e
podia ter sido vģctima do furor da populaēa que me cercava; mas a nossa
audacia espantou-os, e recuįram, vendo sahir da libata Verissimo com a
cabra, o Augusto com o carneiro, e os outros de carabina prompta
cobrindo-lhes a retirada.
A arma, mais facil de esconder do que os animaes, nćo foi encontrada,
mesmo em uma segunda busca mais minuciosa do que a primeira; que o
successo desta tinha autorizado.
Os meus prźtos, animados pźla indecisćo dos gentios, só proferiam
palavras de morte, e custou-me a contel-os para que nćo fizessem fogo
sōbre os indģgenas.
Consegui acalmal-os, e prometi-lhes que em breve teriamos satisfaēćo
plena.
Eu dizia isto fiado no Capōco, em quem jį confiava um pouco.
Seguķmos, uma hora depois, e a 1.30 passava o rio Põe, affluente do
Calįe, que tem 5 metros de largo por 1 de fundo, cujo leito lodoso e
molle dį difficil passagem.
Įs 3 horas chegava į libata do secślo Quimbungo, irmćo do sova do
Huambo, onde estavam as cargas abandonadas e o prźto Barros. O Quimbungo
recebeu-me muito bem, e disse-me que me daria carregadores até ao Sambo,
e sabendo do occorrido de manhć, pedio-me que nćo fizesse mal ao secślo
Chacaquimbamba, que elle me faria entregar a arma roubada, e dar plena
satisfaēćo do insulto. Pźlas 6 horas, chegou ali o Capōco, trazendo
alguns carregadores dos que tinham fugido, e as fazendas apprehendidas
aos outros, fazendas dos pagamentos que eu havia feito adiantados.
Disse-me, que no seguinte dia me faria entregar a arma roubada, e poria
į minha disposiēćo o chefe da povoaēćo para eu o castigar.
Que nćo receasse eu mais fuga de carregadores, porque elle mesmo, ou o
tio, me acompanhariam até ao Sambo.
Fui deitar-me ardendo em febre, e passei uma noite horrivel.
No dia seguinte reunķram-se mais carregadores; mas nćo ainda os
sufficientes.
Capōco tinha partido logo de madrugada para casa do Chacaquimbamba, e ao
meio dia appareceu-me com a arma roubada e aquelle secślo, a quem
perdoei a offensa da včspera. O delinquente deu-me mil satisfaēões, e
melhor do que as satisfaēões, dois magnģficos carneiros.
Capōco, esse homem selvagem e ferōz, que é o terror do Nano, esse homem
que eu consegui dominar completamente e que tantos serviēos me prestou,
despede-se de mim e volta į sua libata, recommendando-me instantemente
ao tio.
De tarde desencadeou-se sōbre nós uma horrivel tempestade, e į chuva
torrencial misturava-se o raio e o trovćo da tormenta perpendicular.
Recresceu-me a febre.
Durante a noite nōva tormenta; mas com chuva moderada. O secślo
Quimbungo, logo de manhć cźdo, me veio dizer estarem promptos os
carregadores; mas exigirem o pagamento adiantado.
Recusei positivamente, porque, ąlém da experiencia adquirida com o mao
resultado dos pagamentos adiantados, foi consźlho do Capōco, nunca fazer
taes pagamentos.
Os homens recusįram-se a seguir e fōram-se. Quimbungo reune a gente da
sua povoaēćo, e ordena-lhe que sigam comigo; elles obedecźram, mas sam
mui poucos e reunidos aos que me trouxe o Capōco, deixam ainda 27
cargas, que eu entrego ao Barros, e que o Quimbungo promette mandar-me
įmanhć para o Sambo, para onde eu decidi seguir immediatamente.
Parti įs 10 horas a Leste, e uma hora depois, passei o rio Canhungamua,
de 30 metros de largo por 4 a 5 de fundo, que correndo ao Sul vai unir
as suas ąguas įs do Cunene.
Uma ponte de troncos de ąrvore, de construcēćo nōva, deu-me facil
passagem e į comitiva, que na margem esquźrda do rio se recusou a ir
mais longe n'aquelle dia, sendo-me preciso empregar a maior energia para
os fazer seguir até as 3 horas, hora a que acampei n'uma espźssa
floresta de acacias.
O mao tempo continuava sempre, e a febre resistia ao muito irregular
tratamento que eu lhe podia fazer.
Durante a noite uma trovoada horrivel, correndo de S.O. a N.E., passou
junto de mim, despedindo raios e chuva torrencial.
Levanto campo no dia seguinte įs 6 horas, e duas horas depois, passava o
Cunene, em ponte construida, como tōdas n'esta parte d'Ąfrica, de
troncos grosseiros. O rio tem ali 20 metros de largo por 2 de fundo, e
corre ao Sul. As margens sam levemente accidentadas, cobertas de
gramģneas, e pouco arborizadas. Duas fileiras de ąrvores, mui
semelhantes aos salgueiros da Europa, desenham duas linhas tortuosas,
por entre as quaes o rio se deslisa com veloz corrente em leito de areia
branca e fina.
Descancei um pouco, depois de ter feito as observaēões precisas para
determinar a altitude, e segui ao meio dia, alcanēando, pźlas 2 horas, a
libata do sova Dumbo, no paiz do Sambo.
Este sovźta é vassallo do sova do Sambo, é homem rico e tem muita gente
nas povoaēões que governa. Recebeu-me muito bem, e quiz que me
hospedasse na libata, o que aceitei.
Prometteu-me carregadores para o dia seguinte, ainda que me disse ter eu
chegado em mį occasićo, por ter muita gente fōra em guerra. Paguei e
despedi os carregadores do Quimbungo, e fiquei certo de seguir no dia
immediato.
Pouco antes de mim tinha chegado ao Dumbo um secślo rico, que mora na
margem do Cubango, chamado Cassoma, e vinha visitar o sovźta de quem era
amigo. Este Cassoma, com quem nćo sympathizei, veio fazer-me mil
protestos de amizade, offerecendo-se para me acompanhar ao Bihé.
De tarde mandei ao sovźta 3 garafas de ągua-ardente, e fiz lembrar-lhe
que me nćo faltassem os carregadores na manhć seguinte. Ao contrario dos
usos da hospitalidade do gentio n'estas paragens, o sovźta nada me
mandou para comer, e eu e os meus tivémos fome, porque ninguem nos
vendeu farinha.
Seriam 8 horas da noite, quando eu, de muito mao humor e estōmago vazio,
me ia deitar, senti bater į porta e logo entrarem o sovźta Dumbo, o tal
Cassoma e um secślo chamado Palanca, amigo e principal conselheiro do
sovźta, e cinco das mulhéres d'este łltimo.
Conversįmos um pouco sōbre a minha viagem; mas de repente o Cassoma,
interrompendo a conversa, disse ao sovźta, "Nós nćo viémos aqui para
conversar, queremos ągua-ardente, e diga a esse branco que nol-a dź jį."
O sovźta animado pela arrogancia do Cassoma, disse-me, que lhe desse
ągua-ardente a elles e įs mulhéres. Eu respondi-lhe que jį lhe tinha
dado trźs garrafas, que elle nada me tinha offerecido, que era esta a
primeira hospedagem que eu recebia de um chefe em que me deitava com
fome, e por isso nćo lhe daria nem mais uma gota de ągua-ardente. O
Cassoma meteu-se logo na questćo, animando o sovźta contra mim, e entre
nós comźēou uma controversia que durou mais de uma hora, em que eu fiz
prova de uma prudencia e paciencia sem limites. Por fim elles concluiram
dizendo-me, que pois eu lh'a nćo queria dar por bem, m'a iam tirar į
fōrēa.
Eu entćo, perdendo a paciencia, empurrei com o pé o barril, e armando o
revólver, perguntei-lhes qual era o primeiro que bebia.
Elles vacilįram um momento, mas o Cassoma disse ao sovźta: "Tu es rei,
vae, bebe primeiro." Dumbo, tirando o cobertor que o envolvia,
entregou-o ao Palanca, dizendo-lhe: "Guarda-o, para que o branco m'o nćo
furte," e caminhou ao barril.
Eu levantei o revólver į altura da cabźēa do sovźta e fiz fogo; mas
Verissimo Gonēalves, que estava junto a mim, empurrou-me o braēo e a
bala, desviando-se da pontaria, foi cravar-se na parźde.
Os trźs nźgros, transidos de mźdo, recuįram até į parźde, e as 5
mulhéres fizéram um berreiro horrivel.
Eu ouvi entćo junto į porta uma estrepitosa gargalhada que me chamou a
attenēćo, e devisei na sombra dois homens encostados įs carabinas, que
riam como riem prźtos. Eram os meus Augusto e Manuel, que se tinham
aproximado, ao ouvirem a discussćo, e que, acompanhados dos outros 8
homens, guardavam a porta.
O Verissimo disse entćo ao sovźta e aos seus companheiros, que se fōssem
deitar, e nćo me dissessem mais nada, porque, se eu me zangasse outra
vez, elle nćo lhes poderia salvar a vida como ha pouco.
Elles tomįram o prudente consźlho, e retirįram-se, ficando tudo em
silencio.
Sem o empurrćo que me deu o Verissimo, eu teria mōrto um homem, e na
situaēćo em que nos achąvamos, estarģamos completamente perdidos. Foi
elle que salvou tudo.
Com a excitaēćo que me produziu a cņlera, recresceu a febre, e cahi sem
fōrēas nas pelles que estendidas no chćo me serviam de leito.
Os meus prźtos deitįram-se atravez da porta, e disséram-me, que dormisse
descanēado, que elles velariam por mim.
Havia quatro dias, que por um momento estive quasi perdido em trźs
occasiões differentes: 1^o com o błfalo no Huambo, 2^o na libata do
Chacaquimbamba, e 3^o ali n'aquella noite.
Depois de um sono agitado, acordei ao som da tempestade que bramia lį
fora.
Pensei nos acontecimentos da noite e nćo fiquei tranquillo. æO que
succederia de manhć? Eu estava só com 10 homens, dentro de uma povoaēćo
fortificada, d'onde nćo era facil sahir; e ainda que se me abrissem as
portas æonde iria eu obter carregadores, agora que me tinha indisposto
com o rčgulo?
Pōde bem julgar-se da anciedade com que esperei o raiar da aurora.
Ao alvorecer a febre tinha abrandado um pouco. Apromptei-me para partir,
e mandei chamar o sovźta, que appareceu logo.
Disse-lhe que ia seguir, e ali deixava as cargas sōb sua
responsabilidade, e que depois as mandaria buscar; mas elle pedio-me que
o nćo fizesse, que me ia dar os carregadores; e dando-me mil satisfaēões
do occorrido na včspera, disse-me, que o culpado fōra o Cassoma, que
elle jį tinha posto fōra de casa; o que era falso, porque eu ali o vi
depois.
[Figura 5.--Mulhér do Sambo.]
Įs 10 horas, apresentou-me os carregadores precisos. Verdadeiramente nćo
eram só carregadores, que no grupo devisei 6 raparigas, ainda de
manilhas nos artźlhos; tal cuidado poz elle em servir-me, que, para nćo
me demorar, mandando ir homens das povoaēões distantes, me deu os que na
sua tinha disponiveis, e ainda seis das suas escravas, para completar o
nłmero pedido. Agradeci muito e mostrei-me sensivel a tal prova de
cuidado, declarando-lhe logo, que nćo tinha comigo presente digno, de
offerecer-lhe, e que querendo dar-lhe uma espingarda lhe pedia mandasse
um homem da sua confianēa recebel-a no Bihé, mostrando-lhe desejos de
que esse homem fōsse o secślo Palanca seu conselheiro ģntimo. Exultei de
alegria (que me abstive de deixar transparecer) ao ver o meu pedido
satisfeito, e o Palanca nomeado para me acompanhar. O sovźta Dumbo
entregava nas minhas mćos um preciōso refem, que me responderia jį pźla
minha seguranēa, jį pźla das cargas que deixei dois dias antes entregues
ao Barros, a quem preveni e acautelei em carta deixada ao Dumbo.
Deixei a povoaēćo įs 11 horas, į frente da estranha comitiva, formada
dos meus dez bravos de Benguella, dez salteadores do Sambo, e seis
virgens escravas do sovźta Dumbo. A chuva era torrencial; mas eu, apesar
d'isso, segui sempre, tanto me tardava de ver longe a povoaēćo onde
passei tćo horrivel noite.
Quatro horas depois, tendo andado a N.E., fui acampar junto da povoaēćo
de Burundoa, completamente molhado e tiritando de frio e febre.
Nćo aceitei a hospitalidade offerecida pźlo chefe da povoaēćo, porque,
depois do que se passou na včspera, recordei-me de um bom consźlho que
me deu Stanley, e protestei nćo mais em Ąfrica pernoitar em casa de
gentio.
[Figura 6.--O meu Acampamento entre o Sambo e o Bihé.]
Viéram ao meu campo muitas raparigas vender capata, milho, fuba e
batatas magnģficas, em nada inferiores įs da Europa.
A chuva continuava mais moderada, mas persistente, e eu sentia-me muito
doente.
Junto do meu campo corria um pequeno riacho, cujas ąguas iam a um
ribeiro affluente do Cubango, sam as ąguas que este łltimo rio recebe
mais de Oeste.
Durante a noite houve chuva moderada, mais forte das 4 įs 5 da manhć,
hora em que parou. Ha grande abundancia de ņptimo tabaco n'este paiz,
onde me vendźram muito e baratissimo. Ali poucos prźtos fumam, mas tōdos
cheiram tabaco em pó, que preparam torrando a fogo brando o tabaco de
fumo, e reduzindo-o a pó no mesmo tubo que lhe serve de caixa, com um
pao, especie de mćo-de-almofariz, que a elle anda prźso com uma correa
fina.
Parti as 7^{h.} 40^{m.} a N.E., atravessando uma regićo muito cultivada
e muito povoada.
Įs 8^{h.} 30^{m.} passei junto da grande povoaēćo de Vaneno, e įs 10
parei para descanēar junto da aldea de Moenacuchimba. Segui įs 10 e meia
sempre a N.E., įs 11 passei junto da povoaēćo de Chacapombo, muito
populosa, e meia hora depois parei perto de Quiaia, a mais importante de
tōdas. O chefe d'esta aldea veio ao caminho comprimentar-me e
offerecer-me um grande porco. Dei-lhe em algodćo riscado o valor do
porco, e elle retirou-se satisfeito, mandando em seguida muitas cabaēas
de capata para a minha gente. Segui no mesmo rumo, e duas horas depois
fui acampar no mato prņximo da povoaēćo do Gongo.
Esta łltima parte da marcha d'aquelle dia foi trabalhosa, porque choveu
muito, e o vento S.O. era rijo e frio.
Pźla tarde chegou um enviado do sova grande do Sambo, cuja povoaēćo me
ficava uns 15 kilņmetros a N.O., mandando-me pedir alguma cousa, e
dizendo-me o portador do recado, que se eu houvera passado į porta do
sova, elle me daria um bōi. Agradeci a bōa intenēćo, e resolvi dar-lhe
no dia seguinte alguma cousa, receoso que o enviado, se eu o despedisse
sem dar nada, influisse nos carregadores a abandonarem-me, o que seria
facil porque jį o tinham querido fazer, e foi preciso tōda eloquencia do
Verissimo para os convencer a seguirem įvante.
O secślo Capuēo, chefe da povoaēćo prņxima, mandou-me comprimentar por
trźs das suas mulhéres (tōdas feias), e por ellas um presente de uma
gallinha e trźs cabaēas de capata. Mandei-lhe seis cōvados de riscado e
dei algumas missangas įs mulhéres. Junto į noite viéram algumas mulhéres
vender farinha, milho e mandioca.
Usam ellas ali os mais extravagantes penteados, e a carapinha é
enfeitada com coral branco e reluz da grande profusćo de oleo de ricino,
que ellas prodigalizam na sua _toilette_. Os homens do sovźta Dumbo eram
verdadeiramente insobordinados, querelavam-se com a gente de Benguella,
e durante a noite só houve tranquillidade na barraca onde dormiam as
seis virgens nźgras, as minhas gentķs carregadoras.
A noite foi tormentosa de chuva e vento. Ao alvorecer o secślo Capuēo,
veio agradecer os 6 cōvados de riscado que lhe dei, e em logar das trźs
mulhéres feias que me enviou na včspera, trouxe-me um lindo porco e uma
gorda gallinha.
O enviado do sova veio receber o presente que lhe tinha promettido; e
que foi muito insignificante, sendo como era em trōco da intenēćo de me
dar um bōi, se eu passasse junto da libata d'elle.
Segui pźlas 8 horas, e įs 9 passei junto das povoaēões de Chacįhōnha,
primeiras da raēa (Ganguela) na Ąfrica de Oeste.
Passei o riacho Bomba, cuja margem esquźrda segui por dois kilņmetros,
quando os carregadores pousįram as cargas, recusando seguir įvante, e
pedindo os seus pagamentos para voltarem. Eu estava a dois kilņmetros do
Cubango, e querendo passar o rio, instei com elles a que andassem mais
aquelle curto espaēo, e que logo que estivesse na outra margem lhes
daria os seus pagamentos e os despediria.
Recusįram-se formalmente, dizendo, que eu tinha sido muito offendido na
sua libata, pźlo sovźta Dumbo, e por isso nćo iam para diante, sendo
certo que, logo que eu os tivesse na outra margem do rio, fōra do seu
paiz, me vingaria n'elles das offensas recebidas.
Fōram baldados os meus esfōrēos e tudo foi eloquencia perdida.
Recusei-me a pagar-lhes se elles nćo passassem o Cubango; responderćo-me
que se retiravam sem pagamento, e logo chamįram as seis raparigas e
ordenįram-lhes que os seguissem.
Eu estava no desespero; ali perto era a povoaēćo do Cassoma, e eu vi ser
aquillo plano combinado de antemćo para me entregarem a elle, que me
havia precedido no caminho.
As cargas abandonadas n'aquelle ponto eram cargas perdidas. Calcule-se
com que ōlhos eu vi partirem os carregadores, abandonando-me.
Olhei para as cargas e estremeci de prazer. Sentado em uma d'ellas
estava um homem alto e magro, de figura impassivel, com a longa carabina
atravessada sōbre os joźlhos.
Era o secślo Palanca, que eu havia esqučcido. Saltar sōbre elle e
derrubal-o foi obra de um momento. Mandei-o amarrar de pés e mćos, e dei
ordem a Augusto e Manuel que o enforcassem no ramo de uma acacia que se
estendia sōbre as nossas cabźēas. Ao ver que a ordem ia ser cumprida,
elle, transido de mźdo, gritou-me, "Nćo me mates, os carregadores vam
passar o Cubango," e logo soltou um grito agudo que fźz reunir os
carregadores jį dispersos.
Ordenou-lhes que pegassem nas cargas e seguissem, e elles obedecźram.
Mandei que lhe desamarrassem os pés, e prometti-lhe um tiro na cabźēa į
menor excitaēćo dos carregadores. Meia hora depois passava o Cubango
n'uma bem construida ponte, e acampava na margem esquźrda junto das
povoaēões de Chindonga.
[Figura 7.--Ponte de Cassanha sōbre o Rio Cubango.]
Entre o rio e o meu campo ficavam umas minas de ferro, d'onde o gentio
extrae abundante minerio.
Estava finalmente em terras de Moma, e livre dos paizes do Nano, Huambo
e Sambo, de que guardarei eterna memoria.
O Cubango corre ali a S.S.E., e tem 35 metros de largo por 2 a 4 de
fundo. Fiz observaēões para determinar a posiēćo e altitude, e logo
corri į barraca, que uma trovoada vinda de N.N.E. descarregou sōbre nós
copiosa chuva.
Paguei e despedi os carregadores do Sambo, dando-lhes dois cōvados de
riscado a cada um, que tal tinha sido o ajuste.
Chamei as 6 raparigas, e disse-lhes, que a ellas nada daria, porque as
mulhéres tinham obrigaēćo de trabalhar e nćo mereciam paga. Ellas
retirįram-se tristes; mas achando natural o meu modo de proceder, tćo
aviltada é a mulhér n'aquelles paizes.
Quando jį se mettiam a caminho para voltarem ao Sambo, mandei-as chamar
e dei 4 cōvados do mais brilhante zuarte pintado que possuia a cada uma,
e algums fios de missangas differentes.
É impossivel descrever o contentamento d'aquellas desgraēadas ao
receberem tćo valiosa paga. Os homens roiam-se de inveja, e eu
convenci-os de que, se nćo tivessem querido voltar para casa na outra
margem do Cubango lhes pagaria do mesmo modo.
Foi a minha vinganēa, e ao mesmo tempo proveitosa liēćo.
[Figura 8.--O Secślo que me deu um Porco.]
N'essa noite veio procurar-me um secślo da povoaēćo de Chindonga, que me
trouxe de presente um porco.
Este secślo prometeu-me carregadores para o dia seguinte, a um cōvado de
riscado por dia, dizendo-me, que elles só iriam até ao paiz de
Caquingue, onde eu facilmente obteria gente para o Bihé.
A minha febre tinha cedido a fortissimas doses de quinino; mas
completamente molhado havia trźs dias, eu sentia jį os primeiros
symptomas do terrivel ataque de rhčumatismo que depois ia compromettendo
a minha viagem.
A noite foi tempestuosa e o dia seguinte continuou chuvoso.
O secślo veio logo de manhć com os carregadores; mas eu tinha resolvido
descanēar ali um dia, e por isso convoquei-os para o dia seguinte.
Disse-me elle, que os meus companheiros tinham passado na včspera,
vindos do Sul.
O secślo Palanca, do Sambo, continśa bem vigiado, mas livre. Eu na
včspera tinha mandado dizer ao sovźta Dumbo, que a cabźēa do seu amigo
me respondia pźlas cargas que vinham escoltadas pźlo prźto Barros,
resoluēćo que Palanca achou muito justa e natural, por ser lei do paiz.
Talvez o meu procedimento, que eu confesso francamente, me seja
censurado, mas eu rogo aos censores, que pensem um pouco na posiēćo de
algum, acompanhado só de dez homens, n'um paiz em que tudo lhe é hostil,
desde o clima até ao homem. Se eu nćo professo o principio de que os
fins justificam os meios, nćo sou tambem bastante virtuoso para
apresentar uma face į mćo que me esbofeteou a outra. Longe das vistas do
mundo civilisado, fōra d'esses dois cģrculos de ferro que apertam a
humanidade culta, a que chamam o cņdigo penal e as conveniencias
sociaes, cģrculos que, apesar de estreitos, deixam ainda bastante
latitude ao crime e į infamia; o explorador d'Ąfrica, perdido no meio de
pōvos ignaros, cujos cņdigos differem essencialmente dos nossos; tendo
por łnica testemunha dos seus actos a Deos, por łnico censor das suas
obras a sua consciencia, precisa ter uma fōrēa sublime para se conservar
honrado e digno, quando muitas vźzes as paixões travam no seu ģntimo uma
luta infrene. Por mim o digo, que tōdas as ovaēões que me tem dispensado
o mundo civilisado, pźla felicidade que tive de vencer os obstąculos
materiaes no meu caminho, seriam talvez mais justamente applicadas, se
se soubesse quantas lutas, e que terriveis lutas sustentei para me
vencer a mim mesmo.
Vencer as suas paixões indņmitas, vencer os seus hąbitos materiaes e
moraes da vida civilisada, sam os dois grandes trabalhos do explorador.
Aquelle que o conseguiu, attingirį o seu fim, cumprirį a sua missćo.
Eu, no principio da minha viagem, receei muito de mim mesmo.
Tive lutas ingentes, lutas terriveis, por serem surdas e ignoradas, de
que sahi sempre vencedor. O meu genio indņmito tźve de ceder į vontade
inquebrantavel, e na falta de tempo para escrever um cņdigo, tomei um
que accommodei ao meu uso. Os meus principios fōram os do direito
natural; a minha lei, curta mas ņptima, resumiu-se nos dez preceitos do
Decąlogo.
Nćo se julgue que quero fazer jus į canonizaēćo, nem mesmo que pretendo
ter seguido į risca os preceitos gravados no vigčsimo capģtulo do livro
sublime do Čxodo, de certo o mais bello do Pentateuco; mas fiz o que
pude para nćo me afastar muito d'elles, e fiz bem.
Esta divagaēćo fica aqui, nćo como narrativa de ąguas passadas, mas como
consźlho a exploradores futuros, que nćo sejam missionarios, que a esses
Deos me defenda de falar em materia da sua competencia.
É verdade que eu encontrei alguns em Ąfrica que me fizéram lembrar o
velho rifćo, "Em casa de ferreiro, espeto de pao."
Passemos adiante.
Durante o dia, viéram muitas prźtas vender alimentos, e entre outras
cousas vulgares, trouxéram uma mui extraordinaria.
Era uma grande cesta cheia de lagartas, mui semelhantes įs do
_Acherontia Atropos_, e da mesma grandeza. Este gigantesco Lepidņptero
no seu primeiro estado vive nas gramģneas, e é facil ali colher grande
provisćo. Os Ganguelas sam ąvidos de tal manjar, que os meus prźtos
recusįram.
[Figura 9.--Mulhéres Ganguelas das margens do Cubango.]
No dia seguinte logo de manhć, viéram offerecer-se muitos mais
carregadores, que recusei, por me serem inuteis.
Parti depois das 10 horas, hora a que a chuva abrandou. No momento da
sahida quebrei os meus ņculos, que usava desde Lisboa. Andei a N.E., e
cinco horas depois, acampava na margem esquźrda do rio Cutato das
Ganguelas, rio que passei em umas alpondras sōbre uma pequena cataracta.
No caminho passei um pequeno ribeiro, chamado Chimbuicoque, affluente do
Cutato.
O rio corre n'aquelle ponto a Leste, voltando em seguida ao N., e depois
pźlo Leste para o Sul. Este S gigantesco é uma serie de rąpidos, em que
o rio se precipita com fragor enorme, pōr sōbre as rochas de granito que
formam o seu leito.
[Figura 10.--Termites na margem do Rio Cutato dos Ganguelas.]
No sitio das alpondras naturaes, mede 80 metros de largo, e a montante e
jusante 27 metros com 4 a 5 de fundo. Vai afluir ao Cubango, dizem os
naturaes que 15 dias de caminho ao sul d'este ponto.
[Figura 11--Monte termģtico, de 4 metros de altura, nas margens do Rio
Cutato dos Ganguelas, coberto de vegetaēćo.]
A margem direita é occupada pźlas plantaēões da povoaēćo de Moma, que
occupam um espaēo que avaleei em mais de mil hectares de terreno. Sam as
maiores que tenho visto em Ąfrica. A cultura entre estes pōvos consiste
principalmente em milho, feijćo e batata, mas o que mais se vź sam
campos de milho. Antes de chegar įs plantaēões, atravessei uma floresta
de acacias enormes, de sorprendente belleza. O aspecto das margens do
Cutato é muito original. Onde termina o granito do leito do rio comźēa
um solo de formaēćo termģtica, e o terreno coberto de milhares de
montģculos, uns cultivados, outros cobertos de vegetaēćo silvestre,
tōdos ligados, formando como que systemas de montanhas, ferem a vista,
admirada ao contemplar um tćo estranho systema orogrąphico artificial.
Marquei a grande povoaēćo de Moma, trźs kilņmetros a O.S.O., e depois de
ter determinado a altitude do rio ali, retirei-me, molhado da incessante
chuva, e atacado de nōvo accesso de febre.
Os ameaēos de rheumatismo continuavam. Durante a noite a chuva foi
torrencial, e como sempre, dormi molhado, porque, n'esta čpoca do anno,
as gramģneas de que cobria a minha barraca improvisada, nćo tinham mais
comprimento que 50 centimetros, e com herva tćo curta é difficil, senćo
impossivel, vedar a ągua em uma barraca.
A chuva só abrandou no dia seguinte ao meio dia, e eu, apesar de
abrazado em febre, segui įs 2 horas, tinha 144 pulsaēões.
Caminhei a pé, por me ser impossivel segurar-me a cavallo no bōi; mas,
depois de uma hora de marcha, as pernas recusavam-se a continuar.
Acampei. Os meus prźtos e os proprios carregadores Ganguelas
dispensavam-me os maiores cuidados.
O logar em que acampei foi junto de umas povoaēões a que chamam Lamupas,
por estarem perto das cachoeiras do rio, que em lingua do paiz t[~e]m o
nome de _Mupas_.
É logar muito povoado e muito cultivado, sendo estes pōvos grandes
cultivadores.
Encontrei no caminho algumas sepulturas de secślos, que sam cobertas de
barro, com uma forma semelhando algumas da Europa. Estas sepulturas sam
cobertas por um alpendre de cōlmo, e sam sempre debaixo de uma ąrvore
grande.
Sōbre ellas vi cacos de pratos e panellas, que ali sam depostos pźlos
parentes do defunto, como nós depomos nos tłmulos das pessōas queridas,
as saudades e as perpčtuas.
De noite a chuva moderou, e o dia seguinte amanheceu nublado mas estio.
A febre abrandou muito, mas as dōres rheumąticas comźēavam a fazer-se
sentir atrozmente. Segui įvante, e meia hora depois de ter deixado o meu
campo, passei junto da grande povoaēćo de Cassequera.
Logo que passei um pequeno riacho que fica para ąlém da povoaēćo,
deparei com umas clareiras enormes cobertas de gramģneas, que me
prenderam a attenēćo pźlo seu enorme e completo desenvolvimento, em uma
čpocha do anno em que as plantas d'esta familia estam em principio desse
desenvolvimento.
[Figura 12.--Sepultura de Secślo.]
O meu muleque Pépéca foi atacado de tćo violento e repentino accesso de
febre, que cahio inerte. Tive de parar e mandar contratar um homem, na
povoaēćo de Cassequera, para o levar įs costas. Ao meio dia, passei
junto da libata do Capitćo do Quingue, primeira povoaēćo do paiz de
Caquingue. Fui hospedar-me em casa de Joćo Albino, mestiēo de Benguella,
filho do antigo sertanejo Portuguez Luiz Albino, mōrto por um błfalo nos
sertões do Zambeze.
Joćo Albino mora na libata de Camenha, filho do Capitćo do Quingue.
Camenha estava ausente, por ter ido tomar o commando das fōrēas do sova
de Caquingue, que ia fazer a guerra a uns sovźtas do Cubango.
O tempo melhorou, e a minha febre cessou de tudo, mas o rheumatismo
continuava a ameaēar-me.
A noite foi sem chuva, e o dia seguinte amanheceu claro e sem nuvens.
Fui visitar o velho capitćo do Quingue, a quem levei de presente uma
peēa de lenēos. Elle deu-me um bōi, que mandei logo matar, porque hį
muito que tģnhamos só carne de porco para comer. O capitćo era muito
velho e doente. Conversou muito comigo a respeito do motivo da minha
viagem, e nćo comprehendeu o que eu andava fazendo.
Quando eu ia a retirar-me, disse-me elle, "Eu sei o que tu fazes, tu és
secślo de Moeneputo, e elle mandou-te ver estas terras e estudar os
caminhos; por aqui fazem-se muitas cousas que nćo sam bōas, e o
Moeneputo hade querer pōr termo a isso; peēo-te, que quando isso
aconteēa, te lembres de que eu te dei um bōi, e te tratei como meu
irmćo; eu pouco viverei, mas entćo lembra-te de meus filhos, e nćo lhes
faēas mal." Comovéram-me estas palavras do ancićo. Os seus secślos
viéram acompanhar-me respeitosamente até į libata do filho onde estava
hospedado, e poucos deixįram, no correr do dia, de me trazer pequenos
presentes, jį gallinhas, jį ōvos e jį canna de assucar. Na libata do
capitćo vi uma pequena plantaēćo de cana de assucar, tćo viēosa como nćo
vi no litoral, e em que esta enorme gramģnea tinha um desenvolvimento
descommunal.
Notei esta circunstancia, por ter julgado até entćo, que a uma tćo
grande altitude, cerca de 1700 metros, nćo vegetaria tal planta.
De volta į libata, encontrei ali Francisco Gonēalves (_o Carique_),
irmćo do Verissimo, que, sabendo da minha chegada, vinha visitar-me.
Este _Carique_, filho do sertanejo Guilherme, como o Verissimo, é
comtudo filho de outra mće, e a elle pertence por heranēa materna o
throno de Caquingue.
Vive junto do sova, seu tio, e é casado com uma filha do futuro sova do
Bihé.
Foi educado em Benguella, e possue alguma instrucēćo e bastante
intelligencia. Elle trazia com-sigo alguns prźtos que fōram escravos de
seu pai, e que logo se offerecéram para me acompanharem na viagem do
Bihé para Leste.
Assim, pois, jį antes de chegar ao Bihé, arranjei alguns carregadores.
Carique, Albino, o filho do Capitćo, e outros que fazem commercio
sertanejo, sahem d'aquelle ponto para o Mucusso e Sulatebelle, descendo
o Cubango até ao Ngami, sempre pźla margem direita, e vam tambem
negociar ao Cuanhama, paiz a leste do Humbe, na margem esquźrda do
Cunene.
O artigo principal do trąfico é o escravo, que em caminho trōcam por
bōis, e estes e fazendas, por cźra e marfim.
Resolvi demorar-me ali um dia, nćo só para descanēar e enxugar, mas
tambem para me informar sōbre este paiz, cujos usos jį differem muito
dos dos povos que tinha encontrado até ali. De tarde, o Carique e Joćo
Albino déram-me largas informaēões sōbre o paiz, das quaes transcrevo do
meu diario as mais curiosas.
O paiz de Caquingue limita ao N. com o Bihé, a oeste com o paiz de Moma,
a leste e ao sul com pōvos confederados de raēa Ganguela. A raēa
Ganguela occupa n'esta parte d'Ąfrica um vasto territorio, e estį
dividida em 4 grandes grupos, os quaes soffrem ainda subdivisões. A
lģngua e usos sam os mesmos; mas a sua organizaēćo polģtica differente.
No paiz de Caquingue tomam os Ganguelas o nome de Gonzellos, estam
constituidos em reino, tendo um łnico chefe.
Nas suas outras divisões formam confederaēões, muito vulgares em Ąfrica,
sendo cada povoaēćo governada por um chefe independente. Os que demoram
a S.E. de Caquingue chamam-se Nhembas, os do sul Massacas, e aquelles
que vivem a leste do Bihé, Bundas. D'estes łltimos terei de falar
detidamente no correr d'esta narrativa. Os Gonzellos, Ganguelas de
Caquingue, sam cultivadores e negociantes, e sam, de tōdos os pōvos da
Ąfrica Austral, aquelles que mais se aproximam dos Bihenos, em
commettimentos de exploraēćo commercial.
No paiz trabalham muito em ferro, e esta industria estabelece entre
elles e outros pōvos activas relaēões de commercio.
Nćo tem a menor idéia de uma religićo qualquer, e vivem com os seus
feitiēos, nćo pensando na existencia de um Ente Supremo que tudo dirija.
[Figura 13.--Ferreiros Caquingues.]
Nos mezes mais frios, Junho e Julho, os ferreiros Gonzellos deixam as
suas libatas, e vam estabelecer grandes acampamentos junto das minas de
ferro, que sam abundantes no paiz.
Para extracēćo do minerio cavam poēos circulares de trźs a quatro metros
de diąmetro, que nćo profundam mais de dois metros; de certo por lhe
escacearem os meios de elevarem com facilidade o minerio a maior altura.
[Figura. 14.--1. Folles. 2. Bocal de Barro. 3. Bigorna. 4. Martello.]
Visitei muitos d'esses poēos junto ao Cubango. Extraido que é o minerio
que elles julgam sufficiente para o trabalho d'aquelle anno, comźēa a
separaēćo do ferro, que elles fazem em cōvas pouco profundas, misturando
o minerio com carvćo vegetal, e elevando a temperatura por meio dos seus
instrumentos de insuflaēćo, que consistem em dois cylindros de pao,
cavados de 10 centģmetros, com 30 de diąmetro, e recobertos por duas
pźlles de cabra curtidas, įs quaes estam ligados dois paos, de 50
centģmetros de comprido por 1 de diąmetro. É por meio d'estes paos que
um rąpido movimento dado įs pźlles produz a corrente de ar, que é
dirigida sōbre o carvćo por dois tubos de pao ligados aos cylindros, e
terminados por um bocal de barro.
Depois comźēa um incessante trabalhar, noite e dia, até que tudo o metal
é transformado em enxadas, machados, machadinhas de guerra, ferros de
frecha, azagaias, pregos, facas e balas para as armas, e até mesmo fuzis
para ellas, de ferro temperado com unha de bōi e sal. Vi muitos d'esses
fuzis darem fogo tambem como os do melhor aēo fundido.
Durante tudo o tempo que duram os trabalhos é expressamente prohibido a
qualquer mulhér aproximar-se do campo dos ferreiros, porque dizem elles
que se estraga logo o ferro. Eu creio que isto foi estabelecido para que
os homens se nćo distraiam do trabalho, em que empregam, como jį disse,
noite e dia.
[Figura. 15.--Objectos fabricados pźlo gentio entre a Costa e o Bihé. 1.
Machado de Trabalho. 2. Ferro de Frecha para a Guerra. 3. Frechas. 4.
Ferro de Frecha para Caēar. 5. Pé das Frechas. 6. Machado de Guerra. 7.
Enxada. 8. Azagaias.]
Findo que é o metal e transformado em obra, voltam os ferreiros a suas
casas carregados com a sua manufactura, que vendem em seguida depois de
terem reservado o necessario para seu uso.
Tōdos estes pōvos nćo admittem causas naturaes de doenēa ou de morte.
Sempre que adoece ou morre alguem, ou fōram as almas do outro mundo (uma
certa é designada) que produzio o mal, ou entćo foi algum vivo que fźz
feitiēo ao doente ou ao mōrto. Logo que morre alguem, se os parentes nćo
estam na localidade, mandam-n-os prevenir, e no entanto penduram o
cadaver em um grande pao a 200 ou 300 metros da porta da povoaēćo, e
esperam que elles venham para fazer o enterro.
Logo que elles chegam ou se estam na localidade, procede-se
immediatamente į devinhaēćo para saber a causa da morte.
Para isso amarram o cadaver a uma vara comprida, e pegando dois homens
nas extremidades, levam o cōrpo ao logar destinado įs adevinhaēões, onde
o espera o adevinho e o pōvo formado em duas alas.
O adevinho tomando na mćo direita um coral branco, comźēa a adevinhaēćo.
Depois de fazer mil momices e grande grita e de ter feito mexer o mōrto,
que o pōvo acredita que mexeu sem intervenēćo estranha, o adevinho
declara que foi a alma de fulano ou de fulana que o matou, ou entćo que
foi feitiēo dado por alguem que elle designa.
No primeiro caso, o enterro faz-se em paz, abrindo uma cōva no mato, em
qualquer logar indistinctamente, e lanēando n'ella o cadaver que cobrem
de pedras, paos e terra; mas no segundo caso, a pessōa designada pźlo
adevinho como feiticeiro é agarrada, e, ou paga ao mais prņximo parente
a vida do mōrto, ou lhe cortam ali a cabźēa, indo dar parte do occorrido
ao sova, a quem tem de levar de presente uma cabra para elle escutar o
caso.
Comtudo pōde dar-se o caso de um accusado negar firmemente a sua
culpabilidade na morte, e entćo tem direito de defesa.
Para isso, vai elle buscar um cirurgićo que vem, na presenēa do pōvo
proceder įs provas da innocencia ou culpabilidade do accusado.
O cirurgićo chega į presenēa dos parentes e do pōvo, e compõe uma bebida
venenosa de que tomam quantidades iguaes o accusado e o mais prņximo
parente do mōrto.
A beberagem produz uma especie de loucura temporaria, e é n'aquelle dos
dois em que ella se manifesta com mais intensidade que recae a culpa da
morte.[3]
Se é no accusado, ou paga a vida do defunto, ou morre; se é no parente,
tem este de indemnizar o accusado pźla accusaēćo feita, dando-lhe logo
um porco para lhe pagar o trabalho de ir buscar um cirurgićo, e depois
tem de lhe dar o que o accusado exigir, sejam dois bōis, dois escravos,
um fardo de fazenda, etc. etc.
Antes de continuar, dźvo fazer sentir uma grande differenēa que existe
de trźs entidades importantes, nos pōvos da Ąfrica Austral, e que muitas
vźzes sam confundidas.
Sam ellas o cirurgićo, o adevinho e o feiticeiro. Effectivamente, estas
trźs entidades que parecem į primeira vista ter pontos de contacto,
nenhum t[~e]m na realidade.
O cirurgićo fica definido pźla palavra. É um curandeiro, tem
conhecimento de um certo nłmero de plantas e raizes, que empega sempre
empģricamente, bem como as ventosas sarjadas, de que faz grande uso;
sendo bem certo que a sciencia de curar estį muito em atrazo n'aquelles
paizes. O cirurgićo, que nunca faz diagnņstico da molestia, faz sempre o
prognņstico. A dosagem das plantas medicamentosas é sempre empģrica, e
nas suas polypharmacias entram os mais absurdos e inuteis componentes. É
verdade que entre nós ainda nćo vai longe o uso da Triaga. O cirurgićo,
que é ao mesmo tempo pharmacčutico, emprega durante a preparaēćo das
suas drogas, um certo nłmero de ceremonias e de palavras sem as quaes
ellas perderiam a virtude. Fazem grande segrźdo das plantas que
empregam, e dam-se ares de sabios pedantes quando a esse respeito sam
interrogados. O cirurgićo é pessōa muito importante, e muitos actos
solemnes requerem a sua presenēa. Elle decide altas questões, porque a
sua opinićo prevalece į do adevinho (Ditangja), sendo que o cirurgićo
nunca a emitte sem fazer antes um certo nłmero de remedios e ceremonias,
jį com plantas, jį com sangue do homem ou dos irracionaes, a que chamam,
_fazer os curativos_.
O adevinho só adevinha, e mais nada. No caso de doenēa, o adevinho é
sempre chamado para adevinhar se sam almas do outro mundo ou feitiēos, e
só depois d'elle, vem o cirurgićo.
Estes dois sujeitos entendem-se sempre.
O adevinho nćo é só consultado em caso de doenēa ou morte, é ouvido em
tudo e por tudo, e nada se faz sem que elle adevinhe primeiro.
Para a consulta, coloca-se elle no centro de um cģrculo formado pźlo
pōvo, que dźve estar sentado. Arma-se de uma cabaēa e um cesto. A cabaēa
contem missanga grossa e milho sźco, o cesto é cheio das cousas mais
disparatadas, ossos humanos, legumes sźcos, pedras, paos, caroēos de
frutas, ossos de aves, espinhas de peixes, etc.
Comźēa por sacudir frenčticamente a cabaēa, e durante a chocalhada que
faz invoca os _espģritos malignos_, ao mesmo tempo sacode o cesto, e nos
objectos que vam apparecendo na parte superior, vai lendo o que se quer
saber do passado, do presente, ou do futuro. Este uso encontrei eu desde
a costa, mas nćo tćo seguido como aqui.
Falei em _espģritos malignos_, e é preciso dizer, que ali os _espģritos
malignos_ emparelham em malignidade com as almas do outro mundo
(_Cassumbi_) e com os feiticeiros. Įs vezes entram no cōrpo de alguem, e
custa muito fazel-os sahir. Outras vźzes, fazem tropelias maiores,
tomando conta de uma povoaēćo, onde durante a noite nćo deixam socegar
ninguem, sendo preciso que o cirurgićo faēa grandes _curativos_ para os
expulsar.
Estava ali um adevinho, e eu calculei o partido que podia tirar d'elle.
Chamei-o em particular, e fiz-lhe alguns presentes, mostrando por elle
grande respeito, e fingindo acreditar na sua sciencia.
Pedi-lhe para adevinhar o meu futuro, e elle logo convocou o pōvo da
libata, e muito da povoaēćo do capitćo, para assistirem į adevinhaēćo.
A ceremonia fźz-se com grande apparato, e elle comźēou a ler nas
trapalhadas do cesto as cousas mais lisongeiras a meu respeito. Eu era o
melhor dos brancos, passados, presentes e futuros; a minha viagem seria
feita com grande felicidade, e felizes seriam aquelles que fossem
comigo.
Este vaticinio produzio o melhor effeito, e tźve grande influencia no
resultado da minha partida do Bihé.
Jį falei do cirurgićo e do adevinho, e vou dizer o que é feiticeiro.
Esta palavra tem uma significaēćo que, tendo alguns pontos de contacto
com a que lhe damos na Europa, nćo é comtudo a mesma cousa.
Ali qualquer é, ou pōde ser feiticeiro, e feiticeiro é mais o
envenenador do que homem que governa nos espģritos.
Effectivamente, o _feitiēo_ ali é veneno, e dar _feitiēo_ a alguem, é
dar veneno, que determine, ou doenēa, ou morte, ou loucura.
Esta é a rigorosa accepēćo da palavra, mas ainda assim o feiticeiro pōde
causar grandes prejuizos, e como tudo se atribue a _feitiēo_, a perda de
um combate, a epidemia nos gados, as tempestades, etc., tudo provem da
sua malevolencia.
Nćo se julgue porem que se pōde designar o feiticeiro; nćo pōde. O
feiticeiro apparece como causa do effeito, e como essa causa é logo
destruida, o feiticeiro é como um meteoro que se desvanece logo depois
de apparecer. Esta prątica dį logar a terriveis vinganēas, como bem se
pōde suppor.
Ąlém d'estas trźs entidades, duas das quaes sam definidas e uma
indefinida, ha ainda um sujeito que tem certa importancia entre estes
pōvos bąrbaros.
É elle o homem que dį e tira a chuva. Ha um certo nłmero de indivģduos
que se atribuem o poder de governar nos meteoros aquosos. Possuindo um
espģrito observador, attentįram em que com taes ventos em certa čpocha
do anno chove, e que com outros estia. E servindo-se d'esses signaes,
que sam tćo vulgarmente observados na Europa, e mesmo recommendados por
homens de sciencia, como Fitz-Roy e outros, que se observam na vida dos
animaes, sōbre tudo das aves, elles que podem com certa probabilidade
fazer um prognņstico do tempo, atribuem a si o poder, de dar e tirar
chuva, tendo previamente annunciado que a vam dar ou tirar.
Estes sujeitos sam vulgares, mas acreditam n'elles muito, porque raras
vźzes se enganam.
Estas prąticas que nos causam estranheza, eram ha dois sčculos vulgares
na Europa, e ainda hōje existem entre nós no baixo pōvo dos campos.
Nćo é preciso ir į idade media para se encontrarem os Reis consultando
os seus astrņlogos, e mesmo em Portugal existe um livro, impresso, _com
tōdas as licenēas necessarias_, em 1712, que o seu autor _Gaspar Cardozo
de Sequeira_, mathemątico da villa de Murēa, intitulou Thesouro de
Prudentes, livro acrescentado pźlo engenheiro Gonēalo Gomes Caldeira,
que ensina as cousas mais estupendas e maravilhosas, aos homens cultos
d'essas eras, porque o pōvo de entćo nćo sabia ler. Desculpemos pois os
ignaros prźtos d'Ąfrica Austral.
Uma lei engraēada d'aquelle paiz, é a respeito das mulhéres que morrem
de parto.
Logo que uma mulhér morre de parto, o marido tem obrigaēćo de a enterrar
elle só, levando o cadaver įs costas até į sepultura, e fazendo sózinho
o trabalho da inhumaēćo. Em seguida, tem de pagar a vida d'ella aos
parentes, e se nćo tem com que, constitue-se escravo d'elles.
As sepulturas dos proletarios nćo t[~e]m signal algum que as indique, e
sam feitas em qualquer logar indistinctamente entre o mato.
Quando eu falar do Bihé, serei mais minucioso em certos costumes que sam
communs a estes paizes, e que tive depois occasićo de estudar
detidamente, sōbre tudo aquelles que se referem aos sovas e aos grandes.
Um costume que é privativo de Caquingue é o que elles chamam _tratar as
mulhéres_. Logo que uma mulhér estį grąvida, um sujeito pede ao marido
em casamento a filha que ella vai ter, e desde logo é obrigado a
_tratal-a_, isto é, dar-lhe vestuario e satisfazer as suas exigencias de
_toilette_.
Este costume vigora só entre gente rica. Logo que nasce a crianēa, o
noivo redobra de presentes į mće, e tem o dever de vestir a filha até į
pubredade, isto é, į čpocha do casamento. Se acontece nascer um varćo, a
obrigaēćo de vestir mće e filho subsiste, e este, logo que chega a ser
homem, fica para Quissongo do que o _tratou_.
Mais adiante direi o que é um Quissongo.
Este costume nćo é tćo extraordinario como parece į primeira vista, e se
em Ąfrica só o encontrei no paiz de Caquingue, cį na Europa é elle
vulgar, nćo na forma, mas na essencia, e na phrase polida dos salões
chama-se a isso, creio eu, _casamentos de conveniencia_.
Amanheceu o dia 5 de Marēo, depois de uma noite tormentosa em que a
chuva foi diluvial. Eu estava melhor da febre; mas as dōres rheumąticas
eram mais persistentes e estendiam-se dos joelhos aos artelhos. O meu
Pépéca estava melhor, e por isso resolvi partir. Receiando porem do meu
rheumatismo, fui pedindo uma maca e carregadores para ella, que me fóram
obsequiosamente cedidos por Francisco Gonēalves (_o Carique_). Depois de
cordiaes despedidas, parti įs 10 e meia ao N., e uma hora depois, passei
o ribeiro Cassongue, que corre a S.E. para o Cuchi. Tem 6 metros de
largo por 2 de fundo. Ao passar o rio, o meu boi cavallo (Bonito)
embaraēou-se em umas sarēas, perdeu o ąnimo, e foi ao fundo; custou
muito salval-o, e só pude seguir ao meio dia. Į 1^{h.} e 15^{m.} passei
o riacho Govźra, de 3 metros de largo por 50 centģmetros de fundo, e į 1
e 45 acampava a S.S.O. da povoaēćo de Chindśa. Passei no caminho junto
de duas grandes povoaēões, a de Cacurura, e a de Cachota. Jį estava em
terras que prestam obediencia ao sova do Bihé. O paiz continśa ali a ser
muito povoado e cultivado.
Durante a noite, chuva torrencial e forte trovoada de leste. A minha
febre tinha desapparecido completamente, mas as dōres rheumąticas
recresciam n'uma progressćo assustadora, e jį ameaēavam estender-se a
tudo o cōrpo. Logo de madrugada, o dono da ponte sōbre o Cuchi mandou-me
avisar para passar a ponte sem demora, porque estas pontes, dando
passagem só a um homem de cada vez, leva ella muito tempo, e é lei, que
quando uma comitiva toma conta da ponte, ninguem ali pōde passar sem
terminar a passagem da gente que primeiro chegou, e constava que uma
grande comitiva de gentio se dirigia para ali em sentido inverso ao meu.
Agradeci o aviso, e parti immediatamente, tomando conta da ponte meia
hora depois.
O rio Cuchi tem ali 25 metros de largo por 5 de fundo, e corre ao sul ao
Cubango.
Da ponte avista-se, 2 kilņmetros ao N., a grande cataracta do Cuchi, de
sorprendente belleza, cujo ruido chźga até nós.
Demorei-me um pouco para determinar a altitude, e segui depois a E.N.E.,
passei o pequeno ribeiro Liapźra, que cōrre ao Cuchi, e mudando de rumo
para N.N.E., passei o ribeiro Caruci, que cōrre a N.E. para o Cuqueima;
indo acampar, pźlo meio dia, nas matas do Charo, a S.O. da povoaēćo de
Ungundo.
Estes dois pequenos riachos, o Liapźra e o Caruci, marcam a separaēćo
das ąguas para o Cubango e Cuanza.
O secślo Chaquimbaia, chefe da povoaēćo de Ungundo, veio
comprimentar-me, e trouxe-me um porco e umas gallinhas; retribui o
presente, e elle deu-me guias para me acompanharem no dia seguinte.
Durante o dia, nćo só em caminho encontrei muitos ranchos de gente
armada que vam reunir-se įs forēas do sova de Caquingue, mas ainda
depois que acampei, passįram innłmeros prźtos armados que levavam o
mesmo destino.
Das 7 įs 9 da noite houve moderada chuva, e ouvia-se a N.E. uma trovada
longinqua; mas, įs 9 horas, formįram-se trovoadas em muitos pontos do
horizonte, e pareciam tōdas convergir sobre o meu campo, que era situado
em um alto. Įs 10 horas, 5 trovoadas encontravam-se em choque immenso
sōbre o campo, e a mais horrivel tormenta que até entćo tinha
presenceado se desencadeou sōbre mim. Os raios succediam-se com
intervallos de trźs a cinco segundos, e o estalar sźco dos trovões era
incessante.
Havia perfeita calma e apenas algumas grossas gōtas de chuva cahiam aqui
e ąlém.
O barņmetro apenas desceu dois milimetros, e o thermņmetro conservava
uma temperatura de 16 graos Cent. As agulhas magnčticas desnorteavam, e
conservavam um oscillar constante.
Uma błssola circular Duchemim, chegou a voltear rąpidamente.
Durou este estado de cousas até įs 11 horas, hora a que soffreu
modificaēćo mais terrivel ainda. Um vento fortissimo, um verdadeiro
tufćo, comeēou a soprar de leste, e n'um momento correu os quadrantes
pźlo norte até S.O., onde se fixou com a mesma intensidade. Copiosa
chuva comeēou a cahir entćo. O vento, no seu passar furioso, soprou aos
ares as barracas do meu campo, e nós ficįmos expostos į chuva torrencial
que cahio até įs 4 horas, em que a tempestade comeēou a abrandar.
Quem o nćo presenceou nćo avalia o que seja uma tempestade, de noite, no
meio das florestas d'Ąfrica Austral, quando ao rebombar dos trovões se
une o grito multģsono das feras, que nos vem ferir os ouvidos com
acordes terriveis.
A chuva apagou os fōgos do campo, o vento soprou longe os frageis
abrigos, e o raio descendo em luminoso zig-zag, torna mais escuras as
trevas, depois do seu rąpido fulgor.
Muitas vźzes, ao estalido do raio succede outro estalar medonho. Foi a
ąrvore, que levou sčculos a crescer, e que n'um momento, ferida por
elle, voou em rachas e baqueou no solo.
”O espectąculo é horrivel, mas grandioso e sublime!
Amanheceu finalmente, e de tudo aquelle pelejar dos elementos, só
restavam para o lembrar, innłmeras ąrvores derrubadas e um terreno
encharcadissimo.
”A mim restava mais alguma cousa!
O ataque de rheumatismo tinha-se declarado com grande intensidade, e
estendendo-se a tōdas as articulaēões, tolhia-me os movimentos. Soffria
muito. Parti ao meio-dia na maca, e fazia esforēos enormes para calar na
garganta os gritos arrancados pźlo soffrimento que infligia o movimento
da maca.
Uma hora depois, envolvi-me em um pąntano extenso, onde a ągua dava pźla
cintura aos homens que me carregavam.
O terreno, encharcado pźla chuva da noite, estava transformado em
pąntano enorme. Alcanēįmos um outeiro, quando, įs 2 horas, nōva
tempestade, vinda de leste, cahio sobre nós. Da maca, onde gemia dōres
atrozes, animei a minha gente a seguir sempre, com intenēćo de alcanēar
as povoaēões de Bilanga, onde queria pernoitar.
Sei que, no dia seguinte, me achei, n'uma cubata, e me disse o
Verissimo, estar eu n'aquellas povoaēões, na libata do Vicente; mas nćo
tenho a menor idéia, nem do caminho andado, nem da noite velada, que me
disséram os prźtos ter sido horrivel. Ao rheumatismo viera juntar-se a
febre e o delirio.
A cabźēa estava livre, mas o ataque e as dōres recrescéram, se era
possivel isso.
Nćo podia fazer o menor movimento nem mesmo com as phalanges das mćos.
Verissimo e os meus prźtos dispensavam-me os maiores cuidados.
Sube que o rio Cuqueima levava uma cheia enorme, e nćo dava passagem no
vao; mas, sabendo que existia uma pequena canōa a jusante da cataracta,
resolvi seguir e passar o rio ali. Chegados ao rio, tratou-se de
calafetar com musgo a canōa jį muito velha, e que apenas podia soportar
o peso de dois homens. O rio, que trazia uma enorme cheia, ia
caudalosissimo. Resaltando por sōbre as rochas da cataracta, divide-se,
formando uma pequena ilha, e logo depois, une as suas ąguas em um só
canal, largo de 100 metros.
Era ali que ģamos passar. Eu fui collocado dentro da canōa com mil
cuidados, porque o menor movimento que me davam, me arrancava um grito
doloroso.
Um habil barqueiro tomou o remo e a canōa deixou a margem. Tģnhamos de
atravessar 100 metros de ągua, mas de ągua animada de violenta corrente,
e encrespada por ondas furiosas produzidas pźlos baldões da cataracta. O
barqueiro dirigio a canōa para a ilha, e até chegar į juncēćo das ąguas
tudo foi bem; mas ali o fragil barco preso nos enormes rodomoinhos nćo
quiz seguir įvante, apesar da pericia do habil nźgro. Eu via a ągua, em
ondas espumantes ainda do salto de ha pouco, referver em volta de mim, e
comecei a comprehender o grande perigo em que estava.
Tentei mover um braēo e apenas consegui soltar um grito de dōr!
Julguei-me perdido, porque, se a canōa afundasse, eu nćo poderia nadar.
Sempre presa no rodopiar das ąguas, nćo seguia įvante, e de repente
comeēou a rodopiar ella mesma. O prźto receiou que nos afundasse-mos, e
decidio saltar ao rio para alijar o barco. Prevenio-me, e saltou.
Alliviada d'aquelle peso, a canōa fluctuou melhor, mas nćo deixou o
sitio em que estava presa pźlas fōrēas desencontradas da ągua.
De repente um baldćo entrou na barca e molhou-me. Tive um momento de
verdadeira imbecilidade, e nćo sei o que se passou; só me lembra, que de
repente me achei nadando com tudo o vigor, só com um braēo, sustentando
fōra d'ągua com o outro um dos chronņmetros que trazia comigo, para que
nćo lhe chegasse a ągua.
Sentia um verdadeiro prazer em nadar, e cortava rąpido os remoinhos das
caudalosas ąguas, o que me era facil a mim, que desde crianēa aprendi a
lutar com os rąpidos do meu patrio Douro.
Os prźtos, sempre tendentes a admirar a destreza physica,
prodigalizavam-me da margem fervorosos applausos.
Tinham desapparecido as dōres, a febre cessou de repente, e eu sentia-me
bem disposto e forte. Ao submergir-se a canōa, do meio de 100 homens que
assistiam į scena, e que ficįram boquiabertos e indecisos, um arrojou-se
valorosamente į ągua para me salvar.
Menos perito nadador do que eu, nćo alcanēou a margem senćo depois de
mim, e de nenhum auxilio me foi, mas a sua dedicaēćo ficou gravada no
meu coraēćo para sempre. Era o meu prźto Garanganja, que enlouqueceu
depois, nćo tendo uma alma assįs forte para sopportar as miserias que
experimentįmos.
Quando me firmei em terra andei, sem dōres, sem febre. Despi-me
immediatamente; mas nćo tinha roupa para mudar, porque as bagagens
estavam ainda na outra margem; e tive de estar exposto a um sol
abrasador em quanto a elle enxuguei a roupa que trazia. Voltįram as
dōres e a febre, e só sei que no outro dia, estava estendido em um leito
na libata da Annunciada, morada que tinha sido do sertanejo Guilherme
Gonēalves, pai do Verissimo.
Cheio de dōres e ardendo em febre, mas um pouco melhor, decidi partir e
ir encontrar os meus companheiros.
Parti įs 11 horas, e durante uma grande parte do caminho, atravessei uma
planicie coberta de fetos herbaceos enormes, e vi muitas ąrvores feridas
do raio. Vi tambem uma planta que ali abunda, e que é, ou a nossa urze
das altas montanhas do norte de Portugal, ou a ella mui semelhante.
Os meus ōlhos, pouco afeitos įs subtilezas das observaēões que demanda o
estudo do reino vegetal, nćo sam bastante penetrantes para differenēar
especies, gčneros e familias, quando ellas nćo se differenēam por si
mesmo.
Chźguei ao sitio do Silva Porto (Belmonte) pźla uma hora, e fazendo um
supremo esfōrēo, fui a casa dos meus companheiros.
Elles, confirmando o que me tinham escrito, disséram-me que iam
continuar sós, e que me deixariam uma terēa parte de fazendas e
material, salvo as cousas indivisiveis que guardariam. O Ivens
offereceu-se para me acompanhar a Benguella, visto o meu precario estado
de saude, se eu quizesse voltar į Europa.
Manifesto-lhe aqui a minha gratidćo, por tćo generosa offerta.
CAPĢTULO VI.
PEREIRA DE MELLO E SILVA PORTO.
No Bihé--Doenēa--Melhoras--A casa de Belmonte--Decido ir ao alto
Zambeze--Cartas ao Governo--Como se organiza uma expediēćo no
Bihé--Difficuldades, e como se vencem--Noticia sōbre o Bihé--Os
meus trabalhos--Nōvas difficuldades--Deixo Belmonte--Até ao
Cuanza--Escravatura.
Depois de 20 dias de cruél agonia e grandes soffrimentos, estava emfim
no Bihé, muito doente é verdade, mas cheio de fé e contente de mim
mesmo. Logo que falei aos meus companheiros, deixei a casa de Belmonte,
e fui em maca para a libata prņxima do Magalhćes, onde cahi sem fōrēas
sōbre as pelles do meu leito. Os primeiros symptomas de uma meningite
declarįram-se, ao passo que redrobravam as dōres rheumąticas.
No dia seguinte, fóram ver-me o Capello e Ivens, que me levįram
medicamentos. Peiorei, e veio o delirio.
Quando despertei, julguei sonhar. Achava-me deitado em magnģfico leito,
despido e entre lenēoes de fina bertanha. O leito era coberto de
elegante cortinado de reps cōr-de-rosa e franjado de branco.
Disséram-me, que Capello viera durante o meu delirio, e me mandara
aquella cama; que as havia assim no Bihé, em Belmonte, em casa de Silva
Porto.
Tinham-me coberto de sanguesugas, e o muito sangue que me tirįram os
prźtos, deixara-me em um estado de fraqueza indescriptivel. As dōres
tinham cedido um pouco, mas continuava a febre. De tarde, viéram os
prźtos de Nōvo Redondo procurar-me, e eu recebi-os diante de Magalhćes,
Verissimo e Joaquim Guilherme José Gonēalves, irmćo mais velho do
Verissimo. Vinham elles dizer-me, que nćo queriam seguir com os meus
companheiros, e que ou iam comigo, ou voltavam.
Depois de um grande trabalho, convenci-os a voltarem para elles, e a
acompanhal-os. Sube entćo, que Capello e Ivens estavam construindo um
abarracamento a 5 kilņmetros d'ali, e jį lį tinham as bagagens, devendo
em breve mudarem-se de Belmonte.
Dois dias depois, veio procurar-me o Ivens, com quem tive larga
conversa.
Dei-lhe tōdas as cartas de recomendaēćo que Silva Porto me havia dado em
Benguella para obter carregadores, e comprometi-me a nćo pedir gente ao
sova Quilemo, ficando-lhe o campo completamente livre a elles. Ivens
disse-me, que iam mudar para o abarracamento que tinham, e que em casa
de Silva Porto me deixavam o que me pertencia na partilha. Eu
mandara-lhes entregar tōdas as cargas que trouxera comigo, e as que
acompanhou o prźto Barros, que jį tinham chegado. O prźto Barros
declarou-me, que nćo queria continuar a viagem, e por isso despedi-o,
bem como a alguns prźtos de Benguella, que manifestįram igual intenēćo.
Escrevi poucas linhas a Pereira de Mello, que o meu estado de saude nćo
me permitia ser extenso. Quando, fatigado de determinar tanta cousa, eu
ia embrulhar-me nos lenēoes e procurar no sono um pouco de descanēo,
surgio diante de mim, como um espectro, um homem alto e magro, de
physionomia enčrgica e distincta. Era o meu prisioneiro que eu havia
olvidado, era o secślo Palanca, o conselheiro ģntimo do sova Dumbo do
Sambo.
"Jį despachaste tōda a tua gente, me disse elle, uns despediste-os,
outros ficaste com elles, æo que determinas de mim, e qual é a minha
sorte?" "Tu vais voltar a tua casa, lhe respondi, levarįs ao Dumbo a
espingarda que lhe prometti, e alguma pņlvora, e para ti terei alguma
cousa tambem. Dźvo-te uma indemnizaēćo por aquella corda que tiveste ao
pescōēo prņximo do Cubango, e pźlos sulcos que te fizéram nos pulsos as
cordas com que te amarrei." Chamei o Verissimo, e dei-lhe as minhas
órdens n'esse sentido.
Palanca, sempre impassivel diante da liberdade e dos presentes, como o
tinha sido diante da prisćo e da morte, retirou-se, e deixou logo o
Bihé.
Dois homens seguķram-se no meu quarto į sahida do secślo do Sambo.
Estava escrito que eu nćo descanēasse no primeiro dia das minhas
melhoras. Estes dois prźtos eram Cahinga e Jamba, os dois homens de
confianēa de Silva Porto, que elle me mandava de Benguella.
Depois de lhes ouvir mil protestos de dedicaēćo, muitas vźzes repetidos,
consegui ficar só. Só, nćo! Junto de mim estava a łnica, a grande
dedicaēćo que tive na minha viagem a travez d'Ąfrica. Córa, a minha
cabrinha, em pé, com as patas pousadas sōbre o leito, berrando e
lambendo-me as mćos, pedia-me uma caricia, que eu nćo lhe fazia ha
muito.
No dia seguinte, os meus companheiros avisįram-me de que deixavam a casa
de Silva Porto, e eu em uma maca mudei para ali. Encontrei 7 cargas de
fazenda, 6 caixas de rancho, uma mala com instrumentos, e trźs carabinas
Snider, que elles me haviam deixado.
A libata de Silva Porto, ou povoaēćo de Belmonte, estį situada sōbre a
parte mais elevada de um outeiro, cuja vertente norte desce suavemente
até ao leito do rio Cuito, que corre a leste para o Cuqueima.
A posiēćo da libata é muito bonita, e forte como ponto estratčgico.
[Figura 16.--Casa de Belmonte (Bihé).]
Tem dentro um laranjal, onde as larangeiras estam sempre em fruto e
flōr, o que nćo acontece a outras algumas no Bihé. O laranjal é cercado
de uma sebe de roseiras, que attingem uma altura de tres metros, e estam
sempre floridas.
[Figura 17.--Vista exterior da povoaēćo de Belmonte, no Bihé.]
Sycņmoros enormes assombram as ruas e rodeam a povoaēćo, defendida por
uma forte palissada de madeira.
Debaixo d'essas larangeiras, cuja sombra perfumada me abrigava do sol
ardente, quantos dias e quantas horas passei scismando na minha posiēćo,
e elaborando projectos mais ou menos sensatos!
Foi ali, que, arrastando ainda os membros tolhidos de dōres, que,
queimado da febre, concebķ, e organizei na minha mente o plano que havia
realizar depois.
Se de alguma cousa me orgulheēo na minha viagem, é d'esse tempo.
Mais tarde joguei muitas vźzes a vida, fui de certo mais de uma vez
temerario, mas era obrigado a isso para me salvar.
Ali nćo! Estava doente, quasi ančmico, e sem recursos. Uma facilidade
relativa me abria o caminho de Benguella e da Europa. Mil difficuldades,
que provinham da minha separaēćo dos meus companheiros, apresentavam-me
uma barreira quasi impossivel de transpor, para emprehender uma
exploraēćo qualquer. O desąnimo reinava na minha pouca gente.
[Figura. 18.--Planta da povoaēćo de Belmonte, no Bihé.
* Sycomoros. * Forte palissada de pao. * Palissada da horta coberta de
roseiras sempre floridas. * Romeiras. * Larangeiras. * Hortas. *
Cemiterio. * Casas dos prźtos.
1. Entrada da povoaēćo. 2. Entrada da casa de Silva Porto. 3. Casa. 4.
Pateo interior. 5. Cusinha e dispensa. 6. Casas de criados. 7. Armazem.]
Entrčvado e sem fōrēas, nćo pensar um só momento em voltar face ao
desconhecido que se erguia ante mim como um abysmo attrahente; desfazer
uma a uma as difficuldades que surgiriam; reconstruir muitas vźzes o
trabalho feito, que se esvaļa como cahe um castello de cartas; criar
recursos onde os nćo havia; conseguir organizar uma expediēćo sōbre as
ruinas de outras que se haviam desmembrado; é, aos meus ōlhos, a parte
mais difficil da minha viagem, e de que mais me orgulheēo, se é que me
orgulheēo de alguma cousa.
Comecei por contratar Verissimo Gonēalves para me acompanhar, e consegui
fazer-me obedecer por elle cégamente.
Depois de muito estudar o caminho a seguir, resolvi ir direito ao alto
Zambeze, seguindo a cumiada do paiz onde nascem os rios d'aquella parte
d'Ąfrica.
Chegado ao Zambeze, queria seguir a leste, estudar os affluentes da
margem esquerda, e descendo ao Zumbo, ir d'ali a Quilimane por Tete e
Senna.
Os mais prąticos sertanejos, sabedores do meu projecto, diziam-me, que
eu nćo chegava a meio caminho do Zambeze, e creio que me tinham por
tōlo.
Eu deixava-os falar e prossegui sempre na organizaēćo do pessoal e
confecēćo do material necessario aos meus planos.
No dia 27 de Marēo, primeiro em que pude escrever livremente, escrevi ao
Governo da Metrņpoli, e ao Pereira de Mello, e Silva Porto. Dava-lhes
parte do occorrido até entćo, e pedia-lhes auxilio e consźlho,
submettendo į sua crģtica os meus projectos. Despachei portadores para
Benguella com as cartas, e fui trabalhando, mais confiado em mim do que
em outrem.
A esse tempo, uma grande parte das cargas deixadas em Benguella, em
Novembro ”havia 5 mezes! ainda nćo tinham chegado.
Apparecéram-me na libata o ex-chefe de Caconda, Alferes Castro, e o
degradado Domingos, que iam para Caconda. Contįram-me que, chegados ao
Bihé, tinham sido encarregados por Capello e Ivens de ir construir o
abarracamento, e de fazer transportar para ali as cargas que estavam em
Belmonte.
O Alferes Castro voltava sem nenhum confōrto, e eu, das 6 caixas de
rancho que me tinha deixado o Ivens, dei-lhe o assucar, chį, café, etc.,
necessario para a viagem.
Creio que aquelle senhor, depois de ter sido a causa de tanto
soffrimento que tive, de tantos riscos que corri, nćo terį motivo de
queixar-se do modo por que o recebi no Bihé; se quizér ser justo e
verdadeiro.
Quanto ao degradado Domingos, se bem me recordo, dei-lhe uma carta de
recommendaēćo para o Governador de Benguella, de quem ia solicitar um
favor.
Foi assim que tratei os dois homens que mais me fizéram soffrer em
Ąfrica, porque quando déram causa a isso, eu ainda nćo estava habituado
ao soffrimento.
No principio de Abril, eu jį bastante melhor, tinha promptos 60
carregadores, e esperava apenas a chegada das cargas de Benguella, para
receber mais alguma fazenda e partir.
A minha vida era um trabalhar incessante, e ao mesmo tempo compilava um
livro de lembranēas, para ter į mćo as fņrmulas que me eram necessarias
para os meus cąlculos; fazia umas tąbuas de raizes quadradas e raizes
cłbicas, que calculei para os nłmeros de 1 a 1000. Deduzia com trabalho
immenso algumas fņrmulas trigonomčtricas, porque na Europa, para tornar
mais portateis as minhas tąbuas logarģthmicas, as tinha feito
encadernar, supprimindo a parte explicativa; e por um engano deploravel,
n'uma remessa de objectos que de Loanda fiz para Portugal, fōram
incluidos os meus livros mathemąticos. Nćo se riam os sabios, da
singeleza com que lhes narro as difficuldades com que lutei no Bihé para
poder ter escritas n'um livrźte algumas fņrmulas vulgares. Quem nćo é
explicador de mathemątica, vź-se muitas vźzes embaraēado para resolver
uma questćo mui simples, quando lhe falte um livro que lhe avive a
memoria priguiēosa. No Bihé faltavam-me tōdos os livros, e por isso eu
fazia um, para meu uso, e ou se riam ou nćo, declaro-lhes que nćo me foi
facil. Tōda a minha bibliotheca consistia em trźs almanacs para 1878,
1879, e 1880, as tąbuas de logarithmos, como jį disse, sem texto, tąbuas
somente, o Eurico de Herculano, as poesias de Casimiro d'Abreu, e um
livrinho de Flamarion, _As Maravilhas Celestes_.
Em tudo isto nćo tinha muito onde refazer a memoria para as questões de
_x_ e _y_.
Depois havia ainda outra difficuldade. Eu tinha de fazer e de pensar em
muitas cousas ao mesmo tempo, e cousas um pouco incompativeis entre si.
Įs vźzes tinha conseguido quasi reconstruir uma das fņrmulas de Neper
para resolver triąngulos esphčricos, quando entrava o muleque, e me
exigia que dizesse, se a gallinha para o jantar devia ser cozida ou
assada (durante a minha estada no Bihé, comi cento e sessenta e nove
gallinhas). Logo, entrava outro pedindo sabćo para lavar a roupa;
depois, eram carregadores que me vinham falar; em seguida, enviados do
sova, que me queriam extorquir mais algumas jardas de fazenda. Um
inferno, um verdadeiro inferno.
Eu tinha feito e fazia um grande nłmero de observaēões meteorolņgicas.
Os meus chronņmetros estavam perfeitamente regulados, e a minha posiēćo
determinada. Algumas excursões que fiz no paiz com a błssola na mćo,
permitķram-me fazer uma carta, de certo grosseira, mas tćo aproximada
quanto se pōde exigir de um trabalho d'estes em viagem de exploraēćo.
Apesar dos meus trabalhos, ou talvez por causa d'elles, eu estava
satisfeito, e mal pensava nas tribulaēões porque tinha de passar ainda
nas terras do Bihé.
Antes porem de continuar a narrativa das minhas aventuras, abro um
parenthesis para falar um pouco d'este paiz, tćo importante e rico
quanto pouco conhecido entre nós, a quem interessa mais o seu
conhecimento do que a ninguem.
O Bihé limita ao Norte com o sertćo do Andulo, a N.O. com o Bailundo, a
Oeste com o paiz de Moma, a S.O. com os Gonzellos de Caquingue, ao S. e
L. com os pōvos Ganguelas livres. O rio Cuqueima é quasi um limite
natural do Bihé por Oeste, Sul e Leste, mas, na realidade, a autoridade
do sova do Bihé ainda se exerce para ąlém d'aquelle rio em alguns
pontos. O paiz é pequeno, mas muito povoado.
Eu avalio grosseiramente a sua ąrea em 2500 milhas quadradas, e um
cąlculo ainda mais grosseiro fźz-me estimar a sua populaēćo em 95 mil
habitantes; o que nos dį apenas 38 habitantes por milha quadrada; e
ainda que este nłmero nos pareēa mui pequeno, por ser menos de um terēo
do que se dį entre nós, é consideravel para a Ąfrica Austral, onde a
populaēćo estį muito pouco accumulada.
Em tempo, como se verį, pouco distante, estas terras do Bihé eram
povoadas de matas densas, onde abundavam elefantes, e onde assentavam
raras povoaēões de raēa Ganguela.
O rio Cuanza, depois da sua confluencia com o Cuqueima, divide o paiz do
Andulo do paiz de Gamba, que lhe fica a leste. Era sova de Gamba um tal
Bomba, que possuia uma filha de grande formosura, chamada Cahanda.
Este sova Bomba vivia na margem esquźrda do rio Loando, affluente do
Cuanza.
A formosa e nźgra princesa Cahanda, pediu ao pai para ir visitar umas
parentas que eram senhoras da povoaēćo de Ungundo, łnica de alguma
importancia no Bihé de outrora.
Estando a filha do sova Bomba n'esta povoaēćo de Ungundo a visitar as
parentas, aconteceu chegar ao paiz um ouzado caēador de elefantes
chamado Bihé, filho do sova do Humbe, que com grande comitiva tinha
passado o Cunene e estendido as suas excursões venatorias até įquellas
remotas terras. Um dia o selvagem discģpulo de Santo Huberto tźve fome,
e estando perto da povoaēćo de Ungundo, dirigio-se ali a pedir de comer.
Foi entćo que vio a formosa Cahanda, e é preciso dizel-o, que vel-a e
amal-a foi obra de um momento. Estas questões de amor em Ąfrica sam
muito semelhantes įs questões de amor na Europa, e pouco depois do
encontro dos dois jovens, Cahanda era raptada, e Bihé plantava a
estacada da grande povoaēćo que ainda hōje é a capital do paiz, paiz a
que deu o seu nome, fazendo-se acclamar sova. As dispersas tribus
Ganguelas fōram por elle submettidas, e o pai da primeira soberana do
Bihé reconciliando-se com a filha, permittio uma grande immigraēćo do
seu pōvo para ali. Ao casamento do sova succedéram-se muitos outros
entre as mulhéres do norte e os caēadores do seu sčguito, e esta é a
origem do pōvo Biheno.
Assim os Bihenos sam Mohumbes, nome que na Ąfrica Austral de oeste dam
aos descendentes da raēa do Humbe, os quaes nćo se encontram só no Bihé,
mas estam tambem espalhados em outros pontos, sōbre tudo frente da costa
entre Mossąmedes e Benguella, misturados com os Mundombes, que sam a
verdadeira raēa d'aquelle paiz. Hōje a verdadeira raēa Mohumbe no Bihé é
representada pźla nobreza e gente rica do paiz, os descendentes dos
caēadores do primeiro sova, e ainda assim, fōra da familia reinante,
estį ella misturada com sangue de raēas muito differentes; porque, sendo
o Bihé desde o seu comźēo um grande emporio de escravatura, e tendo sido
colonizado em grande parte por escravos de raēas diversas, o baixo pōvo
provem de uma mistura inexplicavel, e a nobreza mesmo, nas suas
bastardias numerosas, tem trazido įs suas descendencias sangue dos
paizes mais remotos da Ąfrica Austral.
Da unićo de Bihé e da formosa Cahanda nasceu um łnico filho varćo, que
tźve o nome de Jambi, e succedeu no governo a seu pai. Este Jambi tźve
dois filhos, dos quaes o primogčnito se chamou Giraśl, e o segundo
Cangombi. Giraśl herdou o poder por morte de seu pai, e receiando de seu
irmćo, que tinha grande influencia no pōvo, o fez prender secretamente
de noite, e o vendeu como escravo, a um prźto que ia levar uma leva de
escravos a Loanda.
Cangombi, por acaso, em Loanda foi comprado pźlo Governador Geral, de
quem foi escravo. Tempos depois, os despotismos e as arbitrariedades de
Giraśl fizéram-n-o detestado do seu pōvo; houve conspiraēćo, e alguns
nobres partķram secretamente para Loanda, com muito marfim, para
resgatar seu irmćo, e acclamal-o, depois de deporem aquelle. O
governador de Angola de entćo, vendo o partido que podia tirar d'esta
questćo, para a corōa Portugueza, nćo só entregou Cangombi sem resgate,
mas ainda o encheu de presentes, e lhe deu auxilio contra seu irmćo; e
por isso Cangombi se apresentou no Bihé com grande comitiva, que veio
por Pungo-andongo e subio o Cuanza, entre a qual se contavam muitos
Portuguezes. Declarada a guerra, Giraśl foi vencido, sendo traido pźlos
seus, e entregou as redeas do governo a seu irmćo mais nōvo, que lhe deu
uma povoaēćo e um pequeno dominio para viver.
Quatro annos depois, Giraśl revoltava-se e vinha pōr cźrco į capital.
Novamente vencido e prisioneiro, foi entregue por seu irmćo aos
Ganguelas de ąlém Cuanza para o comerem; nćo que estes Ganguelas sejam
positivamente canibaes, mas, de vez em quando, nćo desgostam de comer um
bocado de homem assado.
Eu nćo pude saber o nome do governador que prestou mćo-forte ao filho
segundo do Jambi para lhe dar o poder, mas estou certo que a esse
respeito alguma cousa dźve existir no Ministerio da Marinha e Ultramar,
porque um passo d'aquelles nćo podia deixar de ser communicado ao
governo da Metrņpoli.
Cangombi foi grande sova, e tźve oito filhos, dos quaes seis fōram sovas
do Bihé; o que nćo é para admirar, porque ali herda o poder o mais
prņximo da ascendencia. Assim, em quanto existem filhos de um sova, os
netos nćo vam ao poder, e o neto primogčnito do filho primogčnito só
toma as rčdeas do governo quando nćo existe nenhum dos seus tios, irmćos
mais nōvos de seu pai.
Por esta lei herdou o poder Cahueue, filho mais velho de Cangombi, e por
mortes successivas, seus irmćos Moma, Bandśa, Ungulo, Leamśla e
Caiangśla. Os dois filhos de Cangombi que nćo fōram sovas, fōram Calali
e Óchi, por terem morrido cźdo. Este Óchi era immediato ao mais velho
Cahueue, e deixou um filho que foi sova por morte de seu tio Caiangśla,
por nćo ter deixado filhos o irmćo mais velho de seu pai.
Este sova chamava-se Muquinda, e por sua morte foi o governo a seu primo
Gubengui, filho mais velho do sova Moma immediato a seu pai. A este
Muquinda seguia-se outro irmćo chamado Quitungo, que morreu quando ia
ser acclamado, jį dentro da capital.
De tōdos os oito filhos de Cangombi, só existia um descendente legģtimo,
filho do sova Bandśa, que foi acclamado. É elle Quillemo, o actual sova
do Bihé.
Ha contudo um filho bastardo de Moma, chamado Canhamangole, que estį
indigitado para succeder a Quillemo; em seguida passarįm ao poder, os
filhos d'este łltimo, que sam muitos.
Por este breve resumo da historia do Bihé se vź, que aquelle paiz é de
fundaēćo recente, e que desde o seu comźēo quasi, existķram relaēões
ģntimas entre os Portuguezes e Bihenos, pźla intervenēćo tomada pźlo
Governador Geral de Angola, na acclamaēćo do sova Cangombi, avō do
actual sova Quillemo, e neto do fundador da monarchia Bihena.
Assim, pois, o Bihé, desde a sua fundaēćo tem sido governado por treze
sovas em cinco gčraēões, que vam representadas no seguinte quadro:--
Bihé (sova fundador)........... 1^a gčraēćo.
|
Jambi (sova).................... 2^a "
|
+------------+---------+
| |
Giraśl (sova) Cangombi (sova)......... 3^a "
|
+----------+---------+--------+--+-------+
| | | | |
Caueue Óchi Moma Bandśa Ungulo (sova).. 4^a "
(sova). (nćo reinou). (sova). (sova). Liambula (sova).
| | | Caiungula (sova).
| | | Calali (nćo reinou).
| | |
Muquinda Gutungui Quillemo ............ 5^a "
(sova). (sova). (sova actual).
Quilungo
(nćo reinou).
Na carta de Angola, de Pinheiro Furtado, jį vem, indicado o Bihé, mas a
sua origem nćo dźve ir muito ąlém da coordenaēćo d'aquella carta.
[Figura 19.--Mulhér do Bihé cavando.]
Os Bihenos sam pouco agricultores e pouco industriosos, e ali tudo o
trabalho é feito pźlas mulhéres, que só ellas cultivam a terra.
Os homens sam dados a viajar, talvez de origem, que o seu primeiro
rčgulo de longe veio, e atrevem-se a ir commerciar nos remotos sertões
onde vam traficar em marfim e escravos. Aproveitando estas disposiēões,
alguns homens ousados, taes como Silva Porto, Guilherme (o Candimba),
Pernambucano, Ladislao Magiar, e outros negociantes sertanejos,
comeēįram a dirigir os Bihenos nas suas excursões, e fizéram n'isso um
grande serviēo ao mundo; porque, abrindo nōvos mercados ao commercio,
abrķram nōvos horizontes į civilisaēćo. Nćo foi só o seu trąfico que
veio augmentar o movimento commercial da praēa de Benguella, mas, ainda
animado por elles, e perdido o receio dos brancos, o gentio dos mais
remotos paizes, desceu a vir permutar directamente os seus gčneros nas
casas commerciaes de Benguella.
[Figura 20.--Carregador Biheno em marcha.]
Nas viagens sertanejas, aos brancos seguķram-se os prźtos, e obtendo,
primeiro alguns, depois muitos, um certo crčdito na praēa de Benguella,
fōram ao Bihé organizar expediēões, d'onde partem a procurar a cźra e o
marfim nos sertões mais distantes.
Muitos prźtos conhźēo eu que negoceiam com um crčdito de 4 e 5 contos de
réis, e alguns com mais, como o prźto Chaquingunde, que foi escravo de
Silva Porto, que, durante a minha permanencia no Bihé, chegou do sertćo,
onde tinha negociado por sua conta uma factura de 14 contos de réis!
Nćo é difficil no Bihé encontrar um branco Portuguez, escapado dos
presidios da costa, secretario de um prźto commerciante rico.
Para o Biheno, em questões de viagens de trąfico, nada é impossivel, e
tudo lhe parece natural. Se elles soubessem dizer onde t[~e]m estado e
descrever o que t[~e]m visto, os geņgraphos da Europa nćo teriam em
branco grande parte da carta de Ąfrica Austral.
O Biheno deixa com o maior desapźgo o lar, e carregado com trinta
kilogrammas de fazendas, vai para o sertćo, onde se demora 2, 3, e 4
annos, voltando em seguida a casa, onde é recebido com a naturalidade de
quem volta de uma viagem de trźs dias.
Silva Porto, ao passo que se dirigia ao Zambeze, enviava prźtos seus em
outras direcēões, e negociava ao mesmo tempo no Mucusso, na Lunda e no
Luapula.
A fama dos Bihenos tinha chegado longe, e Graēa quando intentou a viagem
ao Matianvo, foi ali procurar carregadores.
É mui raro que um Biheno deserte da comitiva, e roube algum fardo; o que
acontece frequentemente com os Zanzibares.
Ąlém d'isso, os Bihenos t[~e]m outra grande vantagem sōbre os
Zanzibares. Ainda que muito dados ao commercio de escravos, nćo promovem
elles mesmos no interior guerras para os haverem; comprando-os a quem os
vende, mas nunca tratando de os obter por fōrēa. Isto quando em viagem
de trąfico sertanejo, que, nas guerras com paizes circunvizinhos, fazem
o que podem, e sam dotados de inaudita crueldade.
Os Bihenos, apesar das suas grandes qualidades, coragem e hąbito de
viajar, possuem grandes defeitos, e nćo conhźēo em Ąfrica pōvo mais
profundamente viciado, mais abertamente depravado, mais duramente cruel,
e mais sagazmente hypņcrita.
Tem esta gente uma certa emulaēćo entre si como viajantes, e muitos
conhźēo eu que se ufanam de ter ido onde outros nćo fōram, a que elles
chamam _descobrir terras nōvas_. Elles sam educados na vida de
caminheiros, e tōdas as comitivas levam innłmeras crianēas, que, com
cargas proporcionaes įs suas forēas, acompanham os pais ou parentes nas
mais longģnquas correrias; e é por isso que nćo causa estranheza
encontrarmos ali um homem de 25 annos que tenha estado no Matianvo, no
Niangué, no Luapula, no Zambeze, e no Mucusso, se elle viajou desde os 9
annos.
Ao homem que chega ao Bihé para seguir em viagem sertaneja, offerecem-se
dois meios de obter carregadores. Um é por meio de presentes ao sova e
aos potentados, obtel-os, pedindo-os; o outro é annunciar a viagem, e
esperar que elles se venham offerecer.
O primero é mao, porque, ąlém do grande dispendio feito com os presentes
que é preciso dar įs pessōas a quem se pedem os carregadores, estes sam
obrigados a ir, e o que os pedio é responsavel pela vida d'elles para
com as familias ou senhores. Ąlém d'isso, as pessōas a quem se pedem,
com o intłito de extorquir mais presentes, vam demorando quanto podem a
partida, e quando se estį na sua dependencia as exigencias crescem.
O segundo meio é bom, porque os que se v[~e]m offerecer sam prźtos
livres, v[~e]m por sua vontade, e se algum morre, segundo a lei do paiz,
como foi elle que se offereceu, nćo tem o que o aceitou a menor
responsabilidade do facto.
É occasićo de falar em Quissongos e Pombeiros. Os carregadores, nćo só
os Bihenos mas sim tōdos em geral, formam grupos pequenos debaixo do
commando de um d'elles que é chefe do grupo. Este chefe, desde a costa
até a Caquingue chama-se _Quissongo_, e no Bihé e Bailundo _Pombeiro_.
Sam estes Pombeiros que se v[~e]m offerecer, trazendo uns 10, outros
mais, outros menos carregadores. Estes grupos sam de differentes
naturezas. Uns sam constituidos por parentes que escolhéram um para
Pombeiro, e n'estes sam tōdos livres. Outros sam formados por gente
livre, que combinam ir debaixo das ordens de um certo Pombeiro em quem
t[~e]m confianēa. Outros ainda, sam grupos de escravos dos Pombeiros que
os commandam.
A obrigaēćo do Pombeiro é vigiar pźla sua gente, e responder por ella
ante o chefe da comitiva. Come e dorme com elles, é emfim o cabo de
esquadra da caravana.
O Pombeiro nćo leva carga, mas, em caso de doenēa ou morte de algum dos
seus, substitue-o como carregador temporariamente. Durante a marcha o
seu logar é no couce da comitiva, e logo que um seu carregador se
atraza, elle fica para o acompanhar.
O pagamento dos carregadores nunca é feito adiantado, e nas viagens de
trąfico regulares é diminutissimo.
Assim, um carregador, para ir do Bihé į Garanganja (Luapula), recebe 12
pannos ou valor de 2400 réis, e na volta uma ponta de marfim escravelho,
talvez de 4000 réis, ao tudo 6400 reis, comida į parte, porque o chefe
da comitiva tem obrigaēćo de sustentar tōda a sua gente durante a
viagem, excepto nos primeiros trźs dias de sahida do Bihé, para os quaes
cada um leva de comer.
Esta regra tem ainda uma excepēćo. Muitos sertanejos, ao sahirem do
Bihé, destinam um certo nłmero de pombeiros para destacarem em caminho,
ou no termo da sua viagem, para differentes pontos.
A estes Pombeiros dam um certo nłmero de fazendas, pźlas quaes elles
lhes devem trazer um certo producto. Estas fazendas dos Pombeiros que
vam traficar livremente, chamam-se _banzos_, e d'ellas comem o Pombeiro
e carregadores desde o comźēo da jornada. Afora este caso, em tōdos os
mais o chefe sustenta Pombeiros e carregadores.
Os Pombeiros nćo sahem nunca por tempo determinado, e tanto ganham
demorando-se pouco como muito. É sabido que os nźgros em Ąfrica nćo dam
valor ao tempo.
Os costumes Bihenos sam aproximadamente os mesmos de Caquingue, e o
contacto com brancos nćo tem trazido o menor adiantamento a essa gente.
Nćo t[~e]m a menor idéa de uma religićo qualquer, nćo adoram nem sol,
nem lua, nem ģdolo, e vivem com os seus feitiēos e advinhaēões.
Todavia, parecem acreditar na immortalidade da alma, ou antes no
desassocego d'ella em quanto nćo cumprem certos preceitos ou vinganēas
em favor do morto.
A forma do governo é monąrchica absoluta, e tem muito do feudalismo.
Cada um é, muitas vźzes, juiz em causa propria, e quando eu falar dos
_mucanos_ direi como ali se faz justiēa.
Os maiores acontecimentos entre os Bihenos sam aquelles que se ligam aos
sovas, e sōbre tudo į sua morte e į acclamaēćo do nōvo rčgulo. Antes
porem de descrever estes dois grandes acontecimentos, preciso é falar da
sua cōrte.
O sova é rodeado de um certo nłmero de sujeitos, a que chamam _Macotas_,
que muitos julgam corresponderem aos ministros entre nós, mas que assim
nćo é. Os Macotas formam apenas uma especie de consźlho a que o sova
submette sempre as suas deliberaēões, mas de cuja opinićo poucas vźzes
faz caso. Sam secślos e favoritos do sova, e nada mais. Secślo é o
fidalgo, filho de nobre, ou enobrecido pźlo sova.
Muitos secślos que possuem libatas, dentro d'ellas t[~e]m o tratamento
de sovas, e os seus pōvos, quando lhe dirigem a palavra, dizem _Nį
cōco_, o que quer dizer Vossa Magestade.
Ąlém dos Macotas, ha trźs prźtos que rodeiam o sova, e que, quando elle
dį audiencia, se sentam no chćo junto d'elle, e apanham da terra os
escarros do regłlo para os irem deitar fora. Ha ainda o que leva a
cadeira, e o Bōbo, figura indispensavel em tōdas as cōrtes de sova, e
mesmo dos secślos ricos e poderosos. O bōbo tem obrigaēćo de limpar a
porta da casa do sova e a rua em tōrno d'ella.
As libatas sam defendidas por uma forte palissada de madeira, quasi
sempre coberta de sycņmoros enormes, e dentro d'ellas uma segunda
palissada defende e fecha a morada do sova. Este segundo recinto
chama-se o _lombe_. Dados estes esclarecimentos, vamos ver o que se
passa pźla morte ou acclamaēćo dos rčgulos.
Logo que morre o sova, o acontecimento é sabido dos Macotas, que guardam
o maior segrźdo. Dam parte ao pōvo de que o sova estį doente e por isso
nćo apparece. O cadaver é deitado na cama, na cubata, e coberto com um
panno; isto em Caquingue, porque no Bihé, é dependurado pźlo pescōēo ao
tecto da cubata.
O cōrpo ali jaz até que a putrefacēćo e os insectos deixam a ossada nua,
no paiz de Caquingue; no Bihé, até que a cabźēa se separa do corpo.
É entćo que anunciam a morte do rčgulo, e que se procede ao enterro. Os
ossos sam metidos em uma pelle de boi e enterrados em uma cubata que
existe no Lombe, sarcņphago de tōdos os sovas. A cubata em que apodreceu
o cadaver é demolida, e tudo o material é transportado fōra da libata, e
abandonado no mato. Serį desnecessario dizer, que a morte de um sova é
sempre produzida por feitiēo, e que um desgraēado paga com a vida, nćo o
feitiēo, que nćo fez, mas a vinganēa particular de um dos Macotas. Logo
que se anuncķa a morte do sova, o pōvo sahe furioso, e durante alguns
dias, sam roubados tōdos os que passam prņximo da capital, sendo que se
apossam das pessōas mesmas, que escravizam para venderem depois.
Os Macotas vam buscar o herdeiro, e acompanham-n-o até į Libata Grande
(capital); mas ali elle nćo entra no Lombe, e fica vivendo na povoaēćo
como qualquer do seu pōvo. Em seguida į entrada do herdeiro na Libata,
sahem dois bandos de caēadores, um em busca de uma malanca (_Catoblepas
taurina_), e outro em procura de uma creatura humana.
Do grupo que vź o antģlope, se adianta um caēador que lhe atira, fugindo
logo, e sam os outros que lhe vam cortar a cabźēa, porque, se fōr o que
lhe atirou, é logo assassinado, e nunca pōde dizer que foi elle que o
matou.
O bando que procura a creatura humana, apossa-se da primeira que
encontra (homem ou mulhér), e arrastando-a para o mato, cortam-lhe a
cabeēa, que trazem com tudo o cuidado, abandonando o cōrpo. Chegados į
libata, esperam pźlo bando que foi caēar o antģlope; porque mais facil
sempre é encontrar e matar um homem do-que encontrar e matar uma
malanca.
Reunidas em uma cesta as duas cabeēas, a do homem e do antģlope, vem o
cirurgićo, e comźēa a fazer _os curativos_ precisos para que o nōvo sova
possa tomar as redeas do governo, e quando acaba a sua magķa, declara
que elle pōde entrar no Lombe. Acompanhado dos Macotas, o sova entra no
Lombe, no meio de grande grita e muita fuzilaria.
O primeiro passo que dį o sova no seu governo, é escolher entre as suas
amantes uma que apresenta como sua mulhér, a qual fica morando com elle,
e toma o nome de Inįcślo, e o governo caseiro; as outras ficam vivendo
no Lombe, mas fōra do recinto do rčgulo.
No Bihé, como em tōda a Ąfrica Austral, estį estabelecida a polygamia.
Os crimes no Bihé sam sempre julgados em primeira instancia pźlo lesado,
e só se o culpado se nćo sujeita ao pagamento da multa, é que, algumas
vźzes, sobe a causa ao conhecimento do sova, porque em outras a justiēa
é feita pźlo lesado. A palavra terrivel no Bihé, o vocąbulo _Mucano_,
nćo exprime simplesmente o crime, mas designa uma idéa que involve ao
mesmo tempo o crime e o pagamento da multa.
Ali tōdos os crimes sam remiveis a dinheiro, isto é, ao pagamento de
multas; e nćo ha penalidades intermediarias entre a multa e a pena de
morte. Se alguem rico sōbre quem pesa um mucano, se recusa a pagar, e o
lesado é poderoso, faz presa ao culpado em valor muito superior į multa,
ficando a presa em depņsito, para ser vendida, ou ficar pertencendo ao
que a fez.
Aquelle que faz uma presa injusta é obrigado pźlo sova į restituiēćo, e
a dar um porco ao prejudicado.
Este systema é įzado a roubos, e tōdos os dias apparecem mucanos os mais
estupendos.
Um dos mais vulgares é o do adulterio das mulhéres, a quem os maridos
mandam que se faēam seduzir por este ou aquelle homem que possue alguma
cousa, para lhe fazerem depois pagar o mucano. O chefe de uma comitiva é
obrigado a pagar os mucanos dos seus prźtos, e responsavel pźlo
comportamento d'elles.
Quando um branco responsavel pźlos mucanos dos seus prźtos, tem por seu
lado forēa bastante e se recusa a pagar, elles esperam, įs vźzes, annos
até poderem atacar outro branco mais fraco, e fazerem-lhe presas,
dizendo-lhe, que é por causa do outro, e que se entenda com elle.
Se o que tźve um mucano é fallecido, o desgraēado que vem habitar a sua
povoaēćo paga por elle.
O modo por que se _faz justiēa_ no Bihé, é a causa do grande transtorno
que soffre o commercio, e das grandes perdas das casas de Benguella.
Durante a minha estada em casa do Silva Porto, viéram ali uns prźtos que
traziam uma gallinha para fazer uns _curativos_, e o hortelćo vendo-a
disse, que tinha uma muito parecida com ella. Fōram estas palavras
objecto de um mucano, em que o hortelćo tźve de pagar 16 cōvados de
algodćo ao dono da gallinha.
Logo que chega alguem ao Bihé e traz fazendas, procuram arranjar-lhe
innłmeros mucanos, e roubam-lhe assim uma grande parte d'ellas.
Os sertanejos, quando chegam ao Bihé, sam tćo defraudados pelos mucanos,
que muitas vezes nćo lhes fica para ir negociar no interior mais do que
a terēa-parte das facturas trazidas. Guilherme (o Candimba), pai do
Verissimo, a łltima vez que ali foi em viagem de trąfico, foi obrigado a
dar fazendas no valor de 600 mil réis, por um mucano que lhe arranjįram,
de um seu prźto ter comprado um bocado de carne de carneiro por trźs
cartuxos de pņlvora, e nćo os ter dado no dia aprasado, mas sim no
seguinte, em que jį nćo fōram aceites. Durante a minha estada no Bihé,
Silva Porto tźve de pagar um mucano de 700 mil réis por uma bagatela
ainda maior.
É o mucano, esse roubo infame, porque é legal e autorizado, a causa
principal do estōrvo ao commercio, e da decadencia do Bihé.
Foi o mucano que expulsou do Bihé a Silva Porto e aos sertanejos
honrados.
Supprima-se o mucano, segure-se o caminho de Benguella, organize-se e
legisle-se para as comitivas sertanejas, e dentro em pouco triplicarį o
commercio de Benguella, e novas fontes de riqueza, atrofiadas hōje pela
pouca seguranēa, virįm alimentar as industrias Europeas.
O pōvo do Bihé é įzado a grandes commettimentos. Esmague-se no seu seio
a vģbora da ignorancia que o corróe; levantem-se esses brutos ignaros į
altura de homens, dź-se-lhes uma direcēćo, e elles caminharįm na via do
progresso e chegarįm onde difficilmente chegarį outro pōvo Africano.
Os prźtos d'Ąfrica sam como os cavallos de fina raēa, quanto mais
fogosos e bravos, mais promptamente se tornam doceis e obedientes.
Aquelles em que predomina a inercia e a cobardia, difficilmente se
poderįm civilizar; aos outros nćo serį difficil tarefa trazel-os ao
caminho do bem.
Os Bihenos, como tōdos os povos d'esta parte de Ąfrica, sam muito dados
į embriaguez.
Ali ainda chega a ągua-ardente, e na falta d'ella fabrica-se muita
capata.
A Capata, Quimbombo ou Chimbombo, que lhe chamam de qualquer destes
modos, é uma especie de cerveja feita de milho.
Nas terras onde cultivam o lłpulo (_Humulus lupulus_), servem-se das
cņnicas sementes d'esta trepadeira para confeccionarem a bebida.
Para isso, reduzem as sementes a pó, e misturado este pó com fuba de
milho, em uma enorme panella, ferve por espaēo de oito ou dez horas em
muita ągua, e logo, retirada do fōgo e fria, é a capata, que se bebe
immediatamente.
N'este preparado a fermentaēćo acčtica predomina, e é tćo pequena a
fermentaēćo alcohņlica, que nćo embriaga senćo em grande quantidade.
Como a bebida nćo é filtrada, fica cheia de farinha em suspensćo, e é
mais massa muito flłida, do que puramente um lģquido. É muito
substancial, e ha prźtos que passam um e mais dias sem comer, bebendo só
capata.
Nas terras onde nćo ha lłpulo é este substituido por uma farinha feita
de milho em estado de germinaēćo, que elles fazem produzir, jį
enterrando o milho, jį deitando-o em ągua por alguns dias.
No tempo do mel, fazem produzir na capata uma grande fermentaēćo
alcohņlica, addicionando-lhe mel, que no fim de alguns dias estį em
parte transformado em alcohol.
Esta bebida assim preparada embriaga muito, e tem o nome de Quiassa.
Preparam ali ainda outra bebida que apenas pode considerar-se refresco,
mas que é agradavel e muito nutriente.
É ella feita com a raiz de uma planta herbącea, que os meus poucos
conhecimentos botąnicos nćo me permitķram classificar, a que os prźtos
chamam _imbundi_. Uma forte decocēćo da raiz do imbundi, depois de fria
e de uma ligeira fermentaēćo em uma grande cabaēa, e addicionada, a
frio, į fuba fervida como para a capata.
A raiz do imbundi contem grande quantidade de materia sacharina.
Esta bebida chama-se Quissangua.
A alimentaēćo do pōvo do Bihé é quasi toda vegetal, e tendo elles poucos
gados, que nunca matam para comer, apenas uma ou outra vez comem carne
de pōrco, animaes estes que abundam ali no estado domčstico. Creio que
fōram introduzidos por Silva Porto. No paiz, muito povoado, escaceia a
caēa, e a pouca que hį sam pequenos antģlopes (_Cephalophus mergens_),
difficeis de matar por muito esquivos.
Os Bihenos comem toda carne que encontram, e a preferem no estado de
putrefacēćo.
O lećo, o chacal, a hyena, o crocodilo, e tōdos os carnģvoros, sam para
elles finos manjares, mas sōbre tudo o que mais amam sam os cćes, que
engordam para comerem. Isto talvez provenha da falta de alimentaēćo
animal que t[~e]m no seu paiz. Elles nćo sam positivamente canibaes, mas
comem de tempos a tempos um bocado de homem cozido. Preferem os velhos,
e um ancićo de cabelleira branca é ņptimo presente que recebe o sova, ou
algum rico secślo, para um banquete.
Os sovas do Bihé fazem repetidas vezes uma festa, na sua libata, a que
chamam a festa do Quissunge, em que sam immoladas e devoradas 5 pessōas,
sendo 1 homem e 4 mulheres, desta sorte:--1 mulhér que faēa panellas, 1
do primeiro parto, 1 que tenha papeira (é vulgar ali), 1 cesteira, e 1
caēador de cōrēas.
Presas as vģctimas, sam degolladas, e as cabeēas lanēadas no mato. Os
corpos entram de noite para o Lombe da libata grande, onde sam
esquartejados, e morto um boi, a sua carne é cozida com a carne humana,
parte da qual é tambem fervida na capata; sendo que tudo o que apparecer
no banquete deve levar sangue humano. Logo que estį prompta a sinistra e
repugnante ceia, o sova manda participar que vai comeēar o Quissunge, e
todos os habitantes da povoaēćo correm pressurosos ao festim.
Os Bihenos gostam muito das termites, e destroem as suas habitaēões para
as comerem cruas.
O Biheno é altamente ladrćo, e furta sempre que pode algum objecto, logo
que estį no seu paiz; fóra d'elle, nćo só se abstem de roubar, mas, como
carregador, respeita a carga que lhe confiįram.
Quando uma comitiva acampa no mato, no Bihé, é preciso logo dar parte
d'isso ao secłlo dono da terra, mandando-lhe um pequeno presente; sem o
que, ficam autorizados os prźtos da povoaēćo vizinha a roubarem quanto
possam. Logo que se dį o presente ao dono da terra, é elle o responsavel
por qualquer roubo que haja.
É tambem necessario mandar um presente, ou antes um tributo, ao sova; ao
que se chama dar a _Quibanda_. Elles nunca ficam satisfeitos, e exigem
sempre mais do que se lhes manda.
As libatas ou povoaēões fortificadas (que todas o sam, desde a costa ao
Bihé) t[~e]m as mesmas condiēões, salvo pequenas modificaēões, devidas į
disposiēćo do terreno. Sam grupos de cubatas feitas de madeiras e
cobertas de cōlmo, cercadas por uma palissada, que varķa entre 2 a 3,5
metros de altura. Esta palissada é formada por estacas de pao-ferro de
vinte centģmetros de diąmetro, umas apenas cravadas no terreno, outras
amarradas com travessas e cascas de leguminosas, e outras amparadas por
travessas encaixadas em forquilhas enormes.
[Figura 21A.--Palissada Solta.]
[Figura 21B.--Palissada amarrada com Casca de arvore.]
[Figura 21C.--Palissada travada com Forquilhas.]
Outra palissada igual į exterior, senćo mais forte, rodea o Lombe, ou
morada do chefe da povoaēćo. Em muitas vi grupos de casas rodeadas de
palissada.
As libatas, e sōbre tudo as antigas, sam cobertas de frondosas ąrvores,
e estam junto de rio ou ribeiro, sendo que em algumas lhes fazem passar
a ągua por dentro.
Sam quasi todas rectangulares, mas muitas ha ellģpticas ou circulares, e
outras formando polygonos irregularissimos. Nćo ha a menor ordem nas
construcēões, e em geral é a disposiēćo do terreno que as determina.
[Figura 22.--Planta de uma Libata de gentio no Bihé.
A. Entrada. B. Cubata onde se enterram os sovas. C. Trophéu de cornos.
_c c c_. Casas das amantes do sova. O O. Casa do sova. _a a a_. Lombe ou
morada do sova. _d d d_. Casas dos prźtos.]
[Figura 22C.--Trophéu de Cornos de caēa, em quasi todas as libatas.]
[Figura 23.--Fora da porta das libatas ha isto.]
As povoaēões sam fortificadas com o receio dos ataques do homem, que
feras nćo abundam muito no paiz, e nćo é mesmo isso necessario para
feras, porque no interior, onde as ha em bandos, as povoaēões sam
abertas.
As guerras dos prźtos ali sam, a maior parte das vezes, sem causa, e
basta a riqueza de um pōvo para que elle seja atacado.
Sam verdadeiros ataques de salteadores.
Logo que um rčgulo decide ir fazer a guerra a outro, ou a um pōvo
qualquer, manda emissarios seus aos sovas e secślos circumvizinhos,
convidando-os a tomar parte na campanha, e estes, como na Europa no
tempo do Feudalismo, sahem com os seus guerreiros a reunirem-se ao que
os convoca.
Alguns povos fazem periņdica e systemąticamente a guerra, e no Nano, por
exemplo, vam, de tres em tres annos, roubar os gados ao Mulondo, Camba e
Quillengues, e dizem, que estes povos criam gados para elles, e sam os
seus pastores.
Uma circunstancia muito notavel das guerras n'esta parte de Ąfrica, é a
de ser sempre vencedor o que ataca.
Ha excepēões, mas muito raras.
Uma das excepēões foi o ataque dirigido por Quillemo, o actual sova do
Bihé, contra o paiz de Caquingue, em que os Bihenos fōram derrotados
pelos Gonzellos, e em que o proprio sova Quillemo foi prisioneiro do
sova de Caquingue, onde seria degollado, se por elle nćo pagassem um
grande resgate Silva Porto e Guilherme José Gonēalves (o Candimba).
Nas guerras entre os povos d'estes paizes, pode contar-se, que apenas um
quinto dos combatentes sam armados de espingardas, e os outros 4-quintos
de arcos e frechas, machadinhas e azagaias. Dizem, que uma guerra vai
muito poderosa e forte, quando leva trinta tiros por espingarda. As
armas de que usam sam as chamadas no commercio Lazarinas, sam muito
compridas, de pequeno adarme, e de silex. Estas armas sam fabricadas na
Bčlgica, e tiram o seu nome de um cčlebre armeiro Portuguez que viveu na
cidade de Braga, no principio d'este sčculo, cujos trabalhos chegįram a
adquirir grande fama, em Portugal e Colonias. Nas armas fabricadas na
Bčlgica para os prźtos, que sam uma imitaēćo grosseira dos perfeitos
trabalhos do armeiro Portuguez, lź-se nos canos o nome
d'elle--Lazaro--Lazarino, natural de Braga.
Os Bihenos nćo usam balas de chumbo, que sam, dizem elles, muito
pesadas, e fabricam-n-as de ferro forjado. Os cartuxos, que elles
fabricam tambem, levam 15 grammas de pņlvora, e t[~e]m 22 centģmetros de
comprido.
As balas de ferro sam de diąmetro muito inferior ao adarme, pesando
apenas 6 a 7 grammas. Como sam forjadas, sam mais polyedros irregulares
do que espheras.
As armas assim carregadas, de nenhuma precisćo, como se pode bem julgar,
t[~e]m um alcance de cem metros apenas.
O alcance da frecha é de 50 a 60 metros, mas a grosseira precisćo do
tiro de frecha, entre os prźtos, nćo vai ąlém de 25 a 30 metros. As
azagaias sam todas de ferro, curtas e ornadas de pello de carneiro ou de
cabra, nćo sam de arremźsso, e o Biheno em combate nunca as deixa da
mćo.
Talvez haja reparo em eu escrever _pello_ de carneiro, mas cabe dizer,
jį que falei n'isso, que os carneiros ali nćo t[~e]m lć. Existem no paiz
duas differentes especies, que os prźtos em Hambundo designam pelos
nomes de Ongue e Omźme. O ongue tem um pello grosso e curto; e o omźme,
que tem o pello mais longo, differe muito da lć.
Estes carneiros, de raēas exņticas, degenerįram de certo por effeito do
clima e das pastagens. T[~e]m os Bihenos cabras de uma raēa muito
inferior, e o seu gado bovino é pouco, e de raēa muito pequena e fraca.
As gallinhas abundam, mas, sam, como todos os animaes domčsticos no
Bihé, de pequeno corpo.
Deixo aqui o que nos meus apontamentos encontrei de mais curioso a
respeito d'este paiz, cujas posiēões e condiēões climatčricas se
encontrarįm em um capģtulo especial; e retomo o meu diario no dia 14 de
Abril de 1878.
As łltimas chuvas tinham cahido das 6 įs 9 da noite do dia primeiro de
Abril, produzindo apenas 17 milimetros d'ągua, o que mostra terem sido
jį muito fracas. O tempo estava esplčndido, e alguns cirrus alvissimos
que em seguida įs chuvas tinham pairado nos ares a enorme altura,
desapparecźram, para deixar logar a um firmamento lģmpido, esclarecido
de dia por um sol brilhante, e į noite constellado d'estrellas, que
dardejavam sōbre a terra escura d'Ąfrica essa luz melancņlica e
scintillante, que ellas só t[~e]m nas regiões tropicaes.
Era o bom tempo de viajar, era jį o dia 14 de Abril, e eu estava ainda
no Bihé!
Eram 14 de Abril, e eu nćo partia, porque ainda nćo tinham chegado as
fazendas e as cargas que deixįmos em Benguella, em Novembro de 1877,
isto é, uma grande parte d'ellas, que outras tinham chegado em principio
de Marēo. Esta demora estava sendo de grande prejuizo para mim. Dos sete
fardos de fazendas que me deixįram Capello e Ivens, quatro tinham sido
gastos, com a sustentaēćo da minha gente de Benguella e com a minha.
Ainda nćo tinha dado presente ao sova, que teimava em m'o pedir, e
comecei a ver um sombrio futuro na minha empresa.
Reduzi as minhas despesas pessoaes, e por isso tive de dispor de duas
horas por dia para caēar. Na falta de caēa grossa, tinha, na margem
esquerda do rio Cuito, nas terras cultivadas de Silva Porto, muitas
perdizes.
Chamei-lhe a minha capoeira, e todos os dias ia ali matar uma ou duas,
nćo excedendo nunca esse nłmero para nćo destruir a provisćo. Semelhante
ao jogador que faz da banca meio de vida, e que sopeando os impulsos do
vicio, se levanta com um pequeno ganho que lhe assegura a sustentaēćo
diaria; assim eu, contendo os instinctos de caēador, deixei muitas vezes
a caēa que podia matar; fazendo sōbre mim supremo esfōrēo, para nćo
proseguir n'um prazer, que destruiria ao mesmo tempo as muniēões pouco
abundantes, e a caēa necessaria ao meu sustento futuro.
Nćo eram só as bandas de perdizes dos campos de Silva Porto que
forneciam um prato į minha modesta mesa. Centenares de rolas Africanas,
esvoaēavam continuamente sōbre as ąrvores das margens do Cuito, e vinham
beber ao rio de manhć e de tarde. Os meus muleques pequenos, por meio de
armadilhas caēavam algumas, que vinham figurar na minha mesa a par das
perdizes e de um prato de massa, feita com farinha de milho cozida em
ągua, que me servia de pćo.
Assim pude reduzir a minha despesa, que era pźlo menos de quatro jardas
de algodćo branco por dia, custo de duas gallinhas.
A demora e com ella o decrescimento rąpido dos meus recursos, fez
modificar o meu plano de viajar. O _mucano_ aterrava-me, e se eu tivesse
de pagar algum, ficava impossibilitado de sahir do Bihé. A demora da
minha gente, tinha, com a ociosidade, feito despertar n'elles os vicios
adormecidos pelas fadigas e pelos trabalhos da jornada.
O perigo pairava sōbre mim, e estava suspenso por um fio, como a espada
sōbre a cabeēa de Damocles. Resolvi, depois de muito cogitar, colocar-me
em circunstancias de ter a forēa de meu lado, e de defender a tōdo o
trance a minha propriedade.
Para isso precisava armar-me, e depois de ter armas precisava ainda de
muniēões de guerra. Eu tinha 10 carabinas Snider, que me tinham dado
Capello e Ivens; pude obter mais 11 das deixadas por Cameron no fim da
sua viagem, e para estas armas tinha quatro mil cartuxos. Ąlém d'estas,
possuia umas 20 espingardas de silex, das łltimas d'esse systema usadas
pelos exčrcitos na Europa. Para estas nćo tinha muniēões. Fiz correr a
noticia de que comprava tōdas as armas inutilizadas que me trouxessem.
Principiįram a affluir ellas, e eu ia comprando as que poderia
concertar, o que me nćo era difficil, por ter aprendido o officio de
serralheiro e espingardeiro, com meu pai, que é habil artģfice, e que
ainda hōje emprega as horas de ņcio trabalhando na sua officina, mais
bem montada que as d'aquelles que as t[~e]m por profissćo. Lembra-me
aqui uma anecdota engraēada. Um dia, entra na nossa quinta do Douro um
cavalheiro que ia procurar meu pai, e ouvindo um martellar estridente
n'uma casa prņxima į de habitaēćo, dirigio-se para ali. Era uma vasta
forja, onde dois homens, de tamancos nos pés, carapuēas vermelhas na
cabeēa, largos aventaes de couro pendentes do pescōēo e justos į
cintura, a cara e mćos negras do carvćo e do ferro, estendiam em enorme
bigorna uma grossa barra, que projectava em todas as direcēões chispas
ardentes, ao bater cadenciado de dois pesados martellos, puxados por
braēos nus até ao cotovelo.
O cavalheiro parou į porta e perguntou: "æO Senhor Doutor estį em casa?"
Meu pai, que era elle um dos ferreiros, respondeu-lhe com uma pergunta:
"æQue lhe quer o Senhor?"
O cavalheiro, que nćo era de genio brando, nćo gostou da pergunta do
ferreiro, que tomou por insolencia, e respondeu pouco convenientemente,
dizendo, que vinha procurar sua Excellencia, e que nćo admittia que um
ferreiro que trabalhava em sua casa respondesse com perguntas a elle.
Meu pai quiz explicar o caso, dizendo, que o ferreiro e o Doutor eram a
mesma pessōa, o que mais fez exasperar o seu interlocutor, que julgou
lhe juntavam a zombaria į insolencia. Ambos de genio irritavel, iam ter
uma desagradavel contenda, quando o outro ferreiro, que era eu,
entreveio e fez cessar a guerilha; dando o visitante as suas desculpas
logo que se convenceu da nossa identidade.
Esta pequena circunstancia de ter aprendido um officio, servio-me de
grande auxilio, e foi um dos pequenos ribeiros que veio engrossar o rio
dos felizes resultados da minha tentativa.
Assim, pois, mais um trabalho se veio juntar ao meu incessante labutar
de tōdos os dias, e dentro em pouco pude aproveitar umas vinte-e-cinco
espingardas que o gentio julgava inutilizadas.
Faltavam as muniēões, e era preciso fazel-as. Em casa de Silva Porto
encontrei uma colecēćo completa da _Gazeta de Portugal_, e n'ella o
papel necessario aos cartuxos. Nas cargas que esperava de Benguella
devia vir muita pņlvora, e por isso apenas me faltavam as balas. Obter
chumbo era impossivel, e decidi logo fazer balas de ferro forjado.
Faltava o ferro é verdade, mas esse era possivel obter-se.
Annunciei que comprava tōdo o ferro velho que me trouxessem, e nćo
tardou a apparecer grande quantidade de enxadas inutilizadas, e sōbre
tudo de arcos de barris de ągua-ardente. Só suspendi a compra de ferro
quando tinha uns duzentos kilogrammas.
Mandei chamar 4 ferreiros do paiz, estabeleci duas forjas indģgenas no
pateo interior, com grande escąndalo da prźta Rosa, administradora da
povoaēćo de Belmonte, e em quanto, fora da libata, os meus prźtos faziam
carvćo queimando os restos de uma paliēada de pao ferro, de uma libata
abandonada, comeēou no pateo um forjar contģnuo.
O primeiro trabalho a fazer era reduzir tōdo aquelle ferro a varćo
cylģndrico do diąmetro das balas. Os ferreiros haviam-se com grande
destreza. Dobravam os arcos em molhos de 20 centģmetros de comprido por
4 de espessura, e levando-os ao rubro, mergulhavam-n-os em uma massa de
caliēa e ągua. Depois de frios voltavam į forja, e chegados į tempera da
fusćo eram facilmente caldeados, tornando-se em massa łnica e homogčnea.
Depois d'isso o trabalho era facil.
A compra das armas e do ferro tinha deminuido consideravelmente o meu
haver.
Eu nćo possuia missangas, porque um sacco que me mandįram os meus
companheiros nćo tinha curso nos sertões para onde me dirigia. Tratei de
procurar alguma no Bihé, e pude comprar aos prźtos aqui e ąlém uma
pequena porēćo, que me fez a carga de um homem.
Esta compra veio dar um nōvo golpe na minha fazenda de algodćo, e por 17
de Abril, possuia apenas um fardo.
[Figura 24.--Objectos fabricados por Bihenos.
1. Folle. 2. Folle preparado para servir. 3. Bocal de barro em contacto
com a chama. 4. Tenaz. 5. Martello grante. 6. Um bocado de cano de
espingarda encabado em pįo que serve ao ferreiro para levar įo lume
pequenas peēas. 7. Martello pequeno. 8. Panellas de cozinha. 9. Panella
para capata. 10. Tambores dos batśques.]
Sentia desde a minha chegada ao Bihé uma grande falta, e era ella a de
um despertador. Foi olvido que me custou no correr da viagem muitos
incņmmodos e algumas febres. Sempre que tinha de fazer observaēões
depois da meia noite, tinha de estar acordado até į hora precisa; e
asseguro que é triste passar uma noite a lutar com o sono, sem luz, e
por isso sem nada poder fazer para matar o tempo.
No dia 19, o Ivens veio ver-me, e causou-me funda impressćo o seu
estado.
Estava muito magro, de uma palidez cadavčrica, e accusava nas feiēões um
soffrimento constante. Eu pedi-lhe para vir jantar comigo no dia
immediato, que era o dia dos meus annos. Elle disse-me, que talvez nćo
podesse vir pźlo seu estado de saude.
Dois dias depois, fui ao acampamento dos meus companheiros pagar a
visita ao Ivens. Capello estava ausente, pois tinha ido determinar a
posiēćo da nascente do Cuanza.
No dia 25, tinha eu dez mil balas, ou antes dez mil bocados de ferro,
toscamente forjados, com pertenēões a terem uma forma esphčrica. Era o
que me bastava, e despedi os ferreiros. N'esse dia chegįram os primeiros
Bailundos com as cargas de Benguella, e nos seguintes dias fōram
apparecendo novas levas com cargas. Estes Bailundos eram insolentes, e
iam fazendo uma grande desordem em Belmonte, que teria tomado sčrias
proporēões se eu nćo interviesse. Tirei das cargas 10 fardos de fazenda,
trźs barris de ągua-ardente, e dois saccos de caurim.
Faltava-me a pņlvora e o sal, que tinham ficado atraz.
Tratei logo de mandar o presente ao sova, e de me preparar para partir,
porque, tendo os cartuxos promptos e embalados, em dois ou trźs dias os
carregaria de pņlvora. Mandei emissarios a reunir os carregadores, que
tōdos estavam justos e promptos.
No dia 29 de Abril, os prźtos de Silva Porto fizéram-me um pequeno
furto, e eu zanguei-me muito com elles, e ameacei-os de os mandar para
Benguella. Elles, para entrarem nas minhas bōas graēas, viéram
denunciar-me, que sabiam onde estavam 4 espingardas que tinham sido
roubadas į expediēćo no caminho de Benguella. Uma d'ellas fōra furtada
pelo S^{nr.} Magalhćes, dono da povoaēćo onde primeiro estive no Bihé.
Pude havel-as todas.
[Figura 25A.--Quinda, cesta de palha que nćo deixa passar a ągua.]
[Figura 25B.--Peneiro para seccar a Farinha (fuba).]
[Figura 25C.--Peneiro de peneirar.]
[Figura 25D.--Cabaēa para tirar Ągua a capata.]
A esse tempo eu mal tinha occasićo de comer. Arranjava as cargas, e era
preciso estar presente a tudo, para nćo ser roubado, porque tōdos os
prźtos, os de Silva Porto e os meus, eram uma quadrilha de ladrões.
Havia uma excepēćo, uma łnica. Era o meu prźto Augusto, que me deu
sempre prova da maior fidelidade.
Quando contratei os carregadores em Benguella, contratei entre elles o
Augusto, de quem nunca fiz caso, porque elle se nćo distinguia dos
outros, a nćo ser talvez por ser um pouco mais dado a embriaguez.
Na distribuiēćo das armas, os prźtos fizéram repugnancia em receber as
de Snider, e só o Augusto me pedio logo uma. Foi a primeira vez que
attentei n'elle. Um dia, no Dombe, fiz um exercicio ao alvo, e vi que
elle era um soffrivel atirador. Depois, em Quillengues, sube, que elle
dissera entre os prźtos, que me nćo deixaria nunca, e como, pźla sua
forēa herculea, e pźla sua coragem, elle tinha tomado um grande
ascendente sōbre os outros prźtos, chamei-o a mim.
Ao tempo em que vai a minha narrativa elle tinha subido de posiēćo, e de
simples carregador, estava chefe da comitiva.
Alguns eram seus amigos, outros respeitavam-n-o, e muitos temiam-n-o.
Augusto é o melhor prźto que eu tenho encontrado em Ąfrica; mas ninguem
é perfeito n'este mundo, e Augusto nćo quer ser excepēćo į regra. Entre
os seus defeitos avulta um, que eu sou propenso a desculpar, e que sendo
um grande defeito em viageiro Africano, fora d'ali poderia passar por
virtude.
Augusto é louco pźlo bello sexo.
Forte como um błfalo, corajoso como um lećo, entende que deve protecēćo
e apoio įs creaturas frageis que encontra no seu caminho.
Jį nćo tinham conta as suas aventuras galantes desde Benguella ao Bihé.
Casado em Benguella, casou de nōvo no Dombe, em Quillengues, Caconda, no
Huambo, e desde a sua chegada ao Bihé, jį tinha feito ali trźs ou quatro
casamentos. É um verdadeiro D. Juan de cōr prźta.
Obediente em tudo o mais, desprezava completamente as minhas
admoestaēões n'esta parte.
Um dia, como as queixas das mulhéres fossem muitas, chamei-o e
reprehendi-o severamente, ameaēando de o abandonar se elle continuasse.
Chorou muito, lanēou-se de joźlhos aos meus pés, fez mil protestos de
emenda, e pedio-me para lhe dar uma peēa de fazenda, que com isso iria
contentar as mulhéres, e só ficaria com Marcolina, a sua mulhér de
Benguella.
Dei-lhe a peēa de pano, e fiquei satisfeito de tćo sincero
arrependimento.
[Figura 26.--Uma Casquilha do Bihé.]
Na tarde d'esse dia, ouvi grande batuque para um canto da povoaēćo, e
cantos e festas que anunciavam um acontecimento desusado.
Tive curiosidade de saber o que era, e mandei alguem a ver. ”Qual nćo é
o meu espanto, sabendo que o Augusto festejava o seu nōvo casamento com
uma rapariga da libata de Jamba!
Vi que o furor de casar-se era superior įs suas forēas, e decidi nćo
mais me importar com os seus negocios galantes, mesmo porque elle nćo
compromettia ninguem, e casava sempre legalmente.
Estąvamos a dois de Maio, e ainda nćo tinha podido reunir os
carregadores, e ainda nćo tinham chegado do Bailundo, nem a pņlvora nem
o sal vindos de Benguella.
O Verissimo andava por lį reunindo a gente; mas ainda nem um só se tinha
apresentado.
Na manhć do dia trźs, estando eu em casa, ouvi fora da porta os acordes
de uma rabeca, onde se tocavam arias muito melodiosas, coisa mui
differente da młsica monņtona dos prźtos.
Mandei chamar o menestrel, e appareceu-me um prźto alto e magro, quasi
nu, de physionomia triste e expressiva.
Tocava em uma rabeca fabricada por elle, que dava sons tam melodiosos e
fortes como o melhor Stradivarius. Este instrumento, mui semelhante em
forma įs nossas rabecas, era cavado em uma só peēa de pao, que formava a
caixa e o braēo, sendo o tampo de uma tabua fina da mesma madeira.
Tinha tres cordas de tripa, fabricadas pźlo młsico, e o arco era
guarnecido de duas cordas iguaes, em logar de clina.
Era de certo uma imitaēćo das rabecas da Europa, e nćo um instrumento
primitivo.
A madeira de que era feita chama-se no paiz _Bóle_, e abunda nas matas
da Ąfrica de Oeste. Nćo seria talvez para desprezar o ensaio d'esta
madeira na fabricaēćo de instrumentos de corda.
O bąrbaro młsico cantou uma aria em meu louvor, a _mezzo petto_, com voz
muito agradavel, acompanhando-se na tōsca mas harmoniosa rabeca. Foi
muito applaudido pelos prźtos que tinha attraido em volta de si, e eu
mesmo gostei d'aquella młsica original.
Chegįram į libata uns prźtos do sertćo do Andulo, que vinham vender
tabaco muito bom, que n'aquelle paiz cultivam em quantidade. É este
tabaco do Andulo que os Bihenos compram e mandam para Benguella,
vendendo-o ali com o nome de tabaco do Bihé.
Eu comprei grande provisćo, e calculei que me ficou por 500 réis o
kilogramma.
Os preēos dos differentes gčneros no Bihé nćo sam aquelles que me t[~e]m
forēado a pagar, e sam os seguintes:
Uma gallinha, uma jarda de fazenda de algodćo; seis ovos, uma jarda; um
cabrito de dois annos, oito jardas; um porco de 5 a 6 arrobas (75 a 90
kilogrammas), uma peēa de algodćo branco e outra de zuarte; o alqueire
de farinha de milho, duas jardas; o de farinha de mandioca ou de feijćo,
trźs jardas. Isto sam jardas de fazendas das mais ordinarias, cujo prźēo
no Bihé nćo se dźve calcular superior a 200 réis.
Uma jarda de fazenda chama-se no Bihé um _Pano_, 2 jardas uma _Béca_, 4
jardas um _Lenēol_, 8 jardas uma _Quirana_.
As fazendas de negocio proprias para o Bihé e sertões explorados pelos
Bihenos, sam, algodćo branco, zuarte, zuarte pintado, lenēos de zuarte
pintado, lenēos finos, lenēos cangengos, fazendas de lei e riscados,
tudo da mais inferior qualidade.
As peēas de algodćo branco tem 28 jardas umas, e outras de melhor
qualidade 30. Os zuartes e riscados 18 jardas, os lenēos pintados 8
jardas, os lenēos cangengos 6, e a fazenda de lei 12 jardas.
As fazendas boas sam muito inconvenientes ao viajante que percorre esta
parte de Ąfrica, porque, nćo tendo muito mais importancia para o gentio,
sam consideravelmente mais pesadas.
Eu tinha dois fardos de fazenda que tinha preparado ali, cada um dos
quaes continha 624 jardas, e os outros, de algodćo fino, t[~e]m apenas
180 jardas, e sam mais pesados.[4]
Jį se deduz d'aqui a inconveniencia das fazendas de bōa qualidade, que
ąlém de ser grande o seu custo, é grande tambem a difficuldade do seu
transporte, pois que trźs homens carregam d'ellas tanto quanto um
carrega de fazenda ordinaria.
E sōbre tudo para o viajante explorador, como o seu dispender de fazenda
é em trōco de alimento, tantas jardas de fazenda bōa tem de dar por um
objecto, como de jardas de mį fazenda darį pelo mesmo objecto.
O algodćo branco de inferior qualidade e o zuarte sam o melhor dinheiro
que pode levar o viajante n'aquellas paragens.
Nas missangas jį se nćo dį o mesmo caso, e a que é moda aqui, nćo é
recebida ąlém, įs vezes em pontos pouco distantes, por ex.: no Bailundo
querem muito a missanga preta, que jį no Bihé nćo tem curso.
Ha contudo uma missanga que é quasi geralmente bem recebida em toda a
Ąfrica Austral. É ella uma missanga miuda encarnada, de ōlho branco, a
que no commercio em Benguella dam o nome de Maria 2^a.
O buzio miudo (caurim) serve ąlém Cuanza até ao Zambeze, mas o graüdo
nćo é recebido.
O arame de latćo ou de cobre vermelho é estimado para manilhas; mas,
n'estas paragens, nćo dźve ter mais de 3 a 5 milimetros de espessura.
Os barretes vermelhos, sapatos de liga, fardas de soldados, etc., sam
frandulagens, que, sendo muito estimados presentes para sovas e secślos,
sam pčssima moeda.
Os cobertores, e sōbre tudo aquelles vistosos que na Europa usamos para
embrulhar as pernas em viagem, sam muito cubiēados do gentio; estando
porem no caso das fardas e barretes, que, sendo ņptimo presente, nćo sam
bōa moeda.
Os realejos, caixas de młsica, e outros objectos d'este gčnero, estam no
mesmo caso.
Prestigiaēões, sortes de physica e chģmica, produzem certa impressćo no
gentio, mas nćo tanta como se julga na Europa. Nćo comprehendendo as
causas que determinam certos phenņmenos, lanēam a cousa į conta de
feitiēaria, com que explicam tudo que nćo sabem explicar de outro modo.
Įs vezes até podem ser contraproducentes, e prejudicarem aquelle que as
fizér.
De tudo o que eu vi fazer impressćo em pretos, aquillo que mais os
admira é verem um bom atirador.
Mźtta qualquer, diante de um ajuntamento de pretos, 6 balas em alvo
pequeno e distante, corte o pequeno fruto de uma ąrvore, mate um
passarinho, e fique certo de que ganha logo a maior consideraēćo, e serį
objecto das conversaēões por muito tempo.
A este respeito vou narrar um facto que se deu na libata, comigo. Um
dia, um cirurgićo Biheno appareceu ali trazendo um remedio que era
preservativo contra as balas, įquelle que o tomasse.
Isto é crenēa geral entre Bihenos, e muitos ha que gastam tudo o que
t[~e]m para adquirirem aquelle abenēoado remedio, que os torna mais
invulneraveis do que Achilles, porque nem mesmo lhes deixa a
possibilidade de receberem a morte por um calcanhar.
Um mestiēo civilizado, e educado em Benguella, encontrei eu, que se ria
de mim quando eu lhe dizia que se lhe desse um tiro furava-o de lado a
lado, apesar do remedio contra as balas de que elle fazia uso.
Mas vamos ao conto. O cirurgićo Biheno trazia uma panellinha de meio
litro cheia do precioso preservativo, e apregoava que aquelle que o
tomasse seria depois tćo invulneravel como o era a panella que continha
o lģquido, panella a que tōdo o mundo, no seu dizer, tinha atirado sem
que as balas lhe fizessem o menor damno. Quiz elle dar ao płblico uma
prova irrefutavel, e desafiou-me de atirar į panella; tendo previamente
o cuidado de me marcar a distancia (uns 80 passos) a que elle julgava
ser impossivel acertar em tćo pequeno alvo.
Tomei a carabina, atirei, e fiz a panella em cacos, derramando-se o
precioso licor.
Nunca vi applaudir mais phrenčticamente alguem, do que eu fui applaudido
entćo pźlo gentio entusiasmado.
O pobre cirurgićo foi completamente corrido no meio de geral assuada.
Este pobre homem foi ali buscar o seu descrčdito.
Os melhores atiradores do sertćo sam grandes mediocridades, e sam bem
mais para temer pretos de frecha e azagaia, do que de arma carregada.
O Verissimo partio a reunir os carregadores, voltando a 5 de Maio com
alguns, e dizendo que outros chegariam no dia seguinte.
N'esse dia recebi cartas e cargas de Benguella, enviadas para mim por
Pereira de Mello e Silva Porto.
Fizéram-me uma tal impressćo aquellas cartas, que no meu diario escrevi
entćo, na cabeēa do capģtulo em que falo do Bihé, aquelles dous nomes, e
hōje ainda os conservo, como preito e homenagem įquelles dous
cavalheiros.
Enviava-me Pereira de Mello 16 espingardas, 30 kilogramas de sabćo, um
relogio e uma carga de sal, tudo objectos de subido valor para mim.
Nćo é todavia esta valiosa remessa que me dictou a immensa gratidćo para
com o governador de Benguella; foi a sua carta e fōram as expressões dos
seus sentimentos a meu respeito.
Dizia-me o Governador, que nćo hesitasse em seguir a minha viagem, que
contasse com todo o apoio que elle me podia dar como autoridade, e se
acaso ordens superiores coarctassem o Governador, que podia contar com o
homem, com Pereira de Mello.
Dizia-me elle, que nćo tinha recebido de superior autoridade ordem
alguma para nćo me fornecer os meios de que eu carecesse; mas que, se
tal ordem viesse a receber, elle e os negociantes de Benguella estavam
promptos a enviar-me tudo o que eu pedisse.
Vinha depois a carta de Silva Porto, que nćo menos valiosa era.
Dizia-me o velho sertanejo, que nćo partisse sem recursos. Que
requisitasse para Benguella o que eu julgasse necessario, e que elle se
encarregaria de me fazer chegar ao Bihé aquillo que eu pedisse.
Terminava o honrado ancićo por estas palavras: "Estou velho, mas rijo e
forte; se o meu amigo se vir n'um d'esses trances, vulgares no sertćo,
em que a esperanēa se perde, sustente-se no ponto em que estivér, e dź
tudo ao gentio para me fazer chegar įs mćos uma carta sua. Nćo hesite em
o fazer, e tenha esperanēa; porque no mais curto espaēo possivel eu
serei com-sigo, e comigo irįm todos os recursos, todos os socorros. Sabe
que eu nćo uso fazer offerecimentos vćos, quando precisar escreva, e eu
irei logo."
A estas palavras nćo preciso eu de fazer commentarios, e nem mesmo aqui
lhe juntarei uma palavra de agradecimento, que seria ridģcula.
Aquella remessa que recebi de Benguella foi-me trazida por um irmćo do
Verissimo, Joaquim Guilherme, que me disse deverem chegar no dia
seguinte o resto das cargas da expediēćo, e com ellas a pņlvora por que
eu almejava.
Como sempre que chegava um portador de Benguella, Joaquim Gonēalves
trazia-me uma lembranēa de Antonio Ferreira Marques.
Eram sempre alguns regalos para a pobre mesa do sertanejo.
Chegou finalmente o 6 de Maio, e comeēou logo grande tarefa de encher
cartuxos, porque de manhć recebi a pņlvora.
Durante 4 dias empreguei entre 36 e 40 homens no encher dos cartuxos,
que estavam promptos, e só era deitar-lhes pņlvora e dobral-os.
Ficou tudo prompto a 10 de Maio, e no dia 11 tinha eu reunidos todos os
carregadores prompto a seguir no dia immediato. Fiz a distribuiēćo das
cargas, e dei as ordens para a partida.
Na manhć de 12, quando esperava pōr-me a caminho, vejo que só tinha uns
trinta homens, tendo fugido todos os outros.
Sube entćo, que na tarde da včspera, tinha andado o prźto Muene-hombo de
Silva Porto, com uns pretos desconhecidos, dizendo aos Bihenos, que eu
os queria levar para o mar, e que aquelles que fossem comigo nćo
voltariam mais, porque eu os venderia.
O prźto Muene-hombo fugira com os Bihenos, e d'elle nćo havia mais
noticia.
Esta nova deu-me um profundo golpe de desąnimo.
Os carregadores, que eu a tanto custo tinha reunido, que eu com trabalho
imenso tinha contratado, a quem fōra preciso desfazer uma a uma todas as
aprehensões que tinham contra a minha empresa, fugiam-me, convictos de
que eu os ia encaminhar į perdiēćo.
Era um golpe terrivel.
Breve se espalharia no Bihé a noticia do facto; breve se arreigaria
entre os pretos aquella convicēćo, mal destruida pelos meus reļterados
argumentos, e entćo seria impossivel obter um só carregador mais.
Quasi desanimei.
Pela primeira vez, depois que em Lisboa tinha pensado em ser explorador,
entrou no meu ąnimo o desalento.
Eu sabia que lutar com uma convicēćo de pretos era baldado esfōrēo.
æQuem seria aquelle que levou o prźto Muene-hombo a trair-me?
æQuem seriam os pretos que com elle estivéram na libata no dia anterior?
æQual seria a mćo occulta que moveu aquella intriga?
Fazia a mim mesmo estas perguntas, įs quaes, nem entćo nem depois,
encontrei resposta que fosse ąlém de suspeita muito vaga.
Perdi a esperanēa, e fiquei possuido de um verdadeiro desalento.
Meditei todo o dia, e veio o pensamento de voltar a Benguella, mas de
repente lembrou-me a carta de Silva Porto recebida dias antes, e
lembrou-me a carta de Pereira de Mello em que me dizia "Avante!"
æPorque nćo aceitaria eu o offerecimento de Silva Porto? Se elle viesse
ao Bihé elle me obteria carregadores.
Decidi escrever-lhe no dia seguinte, e esta idéa tranquilizou um pouco o
meu ąnimo alquebrado.
Com a noute veio a reflexćo, e eu escudado no łltimo recurso, o pedir o
auxilio do velho sertanejo, resolvi jį forte com aquelle apoio,
trabalhar, lutar ainda, antes de recorrer a elle.
Na madrugada de 13, fiz marchar o Verissimo e alguns pretos de confianēa
do Silva Porto a procurarem contratar nova gente.
Voltįram elles dando-me algumas esperanēas, e entćo comeēou de nōvo o
trabalho de organizar nova comitiva, trabalho mais difficil entćo do que
antes.
Aconselhįram-me sahir de Belmonte e ir acampar no mato a alguma
distancia; porque me diziam, que uma comitiva em marcha, despertava nos
Bihenos vontade de se alistar n'ella.
A 22 de Maio jį eu tinha podido obter alguns carregadores, ainda que
poucos, e resolvi com os meus Quimbares, aquelles carregadores e gente
de ganho, seguir no dia 23 para um acampamento, idéa que levei a effeito
indo estabelecer o campo nas matas do Cabir.
N'esse dia ao escurecer, apparecéram uns 11 carregadores trazidos por um
prźto Antonio, homem jį velho, natural de Pungo Andongo, que estivera ao
serviēo de dois sertanejos de nomeada, Luiz Albino, e Guilherme
Gonēalves.
Durante a noute houve muito frio, forēando-nos a passar a maior parte
d'ella despertos junto įs fogueiras.
O soveta de Cabir veio visitar-me no dia immediato, trazendo-me um pōrco
de presente, que eu retribui, ficando nós nos melhores termos.
Emprestou-me elle alguns pilões, e mandou mulhéres para fazerem farinha
de milho.
[Figura 27.--Mulhéres do Bihé pisando Milho.]
Indo agradecer-lhe į sua povoaēćo, passei pelas plantaēões, onde andavam
algumas mulhéres cavando, completamente curvadas, empunhando as enxadas
pelos seus dous cabos.
De volta ao acampamento, encontrei um prźto dos de Nōvo Redondo, que nćo
tinha podido seguir com Capello e Ivens, pźlo seu estado de saude. Nćo
se sustinha em pé, e uma ardente febre o devorava.
Vi que o seu estado era melindroso e que pouco poderia viver; mas elle
pedio-me que o nćo abandonasse, e eu agasalhei-o no campo, entregando-o
aos cuidados do doutor Chacaiombe.
Veio visitar-me Tiberio José Coimbra, filho do Coimbra, Major do Bihé, o
qual me obtźve alguns carregadores de gente da sua povoaēćo.
N'esse dia aparecźram mais uns 12 carregadores com que eu jį nćo
contava, e eram capitaneados pźlo prźto Chaquiēonde, irmćo da mće de
Verissimo.
Ia renascendo a esperanēa, e de nōvo se ia organizando a nova comitiva.
Resolvi partir no dia 27, e ir acampar junto da casa de José Alves, com
esperanēa de completar ali o nłmero de gente que carecia. Obtive do
soveta de Cabir alguns homens para me transportarem as cargas que nćo
tinham carregador, e tambem 4 homens e uma maca para o doente de Nōvo
Redondo.
Pude seguir no dia marcado, parando, meia hora depois de ter sahido, na
povoaēćo de Cuionja, de Tiberio José Coimbra, onde me esperava um ņptimo
almōēo, com ņptimo chį. Até havia guardanapos!
Depois de duas horas que ali me demorei, segui avante, chegando į
povoaēćo de Caquenha, com 4 horas de caminho.
Ali parei para ver o velho Domingos Chacahanga, dono da povoaēćo.
Este Chacahanga, antigo escravo de Silva Porto, fōra o chefe da cčlebre
expediēćo que Silva Porto mandou do Bihé a Moēambique, e que conseguio
alcanēar Cabo Delgado, na costa do mar Indico.
É elle o łnico dos homens d'aquella expediēćo que hōje vive.
O velho recebeu-me muito bem, e deu-me um alentado cabrito.
Conversei muito com elle; mas a pesar de todos os meus esforēos foi-me
impossivel colher d'elle dados com que podesse marcar com alguma
seguranēa o seu trajecto.
De que foi muito mais ao norte do que vem indicado nas cartas nćo me
restou a menor dłvida, porque ha trźs pontos que elle precisa
perfeitamente.
Um é ter, no Zambeze, deixado ao sul o paiz dos Machachas; outro ter
atravessado o Luapula; e terceiro ter contornado pelo norte o Lago
Nyassa.
Duas horas depois de ter deixado o velho Chacahanga, acampava nas matas
do commandante, dois kilņmetros a S.E. da libata de José Alves.
Era jį noute, e por isso guardei-me para ir no dia seguinte ver este
personagem, que Cameron tornou conhecido de todo o mundo.
Effectivamente, a 28 de Maio estava eu em presenēa do tćo falado
sertanejo.
José Antonio Alves é um prźto (_pur sang_) de Pungo Andongo, que, como
muitos d'ali e de Ambaca, sabe ler e escrever.
No Bihé chamam-lhe branco, porque ali todo o prźto que usa calēas e
sapatos de liga e guardasol, é tratado assim.[5] Em Benguella levam a
condescendencia a chamarem-n-o mulato, um pouco escuro; mas a verdade é,
que nas suas veias nćo ha uma gōta de sangue Europeu, e que elle é prźto
nćo só na cōr como na ascendencia, e quiēį na alma.
Veio para o Bihé em 1845, onde foi empregado de um sertanejo, e depois
comeēou a negociar por conta propria, abonado pela casa Ferramenta de
Benguella, que hōje faz avultado commercio sob a firma J. Ferreira
Gonēalves.
José Alves é homem de 58 annos, jį um pouco grisalho, de corpo franzino,
e soffrendo de uma affecēćo pulmonar.
Vive como prźto, tendo todos os costumes e crendices do gentio ignaro.
Quando cheguei a casa de José Alves, estava elle decidindo um _mucano_.
Informado da questćo, sube que um empregado mulato do José Alves
seduzira uma das amantes d'este, e como o rapaz nada tinha de seu, elle
fez-lhe um mucano į familia da mće, que possuia alguma cousa, exigindo,
em paga do delicto, um boi, ou uma _cabecinha_, para ficar limpo o seu
coraēćo. Isto me disse elle, passando a palma abranqueada da mćo nźgra
por sobre a parte da caixa thorącica onde se alberga aquella vģcera, nos
que a tem para cousa differente de alimentar a vida physica com os seus
movimentos de sģstole e diąstole.
Que a elle servia para ser limpa de vez em quando com um _mucano_,
percebi eu.
Depois de decidido o _mucano_, falei-lhe da minha viagem, que elle
duvidou podesse levar a effeito com os pequenos recursos de que
dispunha.
Combinou ceder-me uma pouca de missanga, e falando-lhe em carregadores,
evadio-se a responder-me, dizendo-me, sabia que Capello e Ivens estavam
junto ao Cuanza lutando com falta de gente; mas que, se elles lhe
quizessem pagar bem, nćo teria difficuldade em os arranjar. Era o mesmo
que dizer-me, que lhe pagasse bem para os ter.
Retirei-me lastimando pela primeira vez a Cameron, por ter sido forēado
a tal companhia, por tanto tempo.
Nesta parte do Bihé a vegetaēćo arbņrea comeēa a ser mais vigorosa, e
junto ao rio Cuito, apresenta o terreno a mesma disposiēćo termģtica que
descrevi na margem do Cutato dos Ganguellas.
Com uns carregadores que me chegįram no dia 29, enviados pelo irmćo de
Verissimo, Joaquim Guilherme, tinha eu a gente sufficiente para seguir
viagem, e dei as ordens n'esse sentido para o dia 30.
Quem rege as cousas d'este mundo tinha decidido porem de outro modo.
Na tarde d'esse dia, alguem espalhou entre os meus carregadores as
mesmas atoardas de Belmonte, e viéram muitos d'elles declarar-me, que
voltavam a suas casas, e nćo me seguiriam.
Fiz esforēos de eloquencia para os convencer a seguirem-me, mas poucos
me escutįram.
Era a segunda vez que, em včspera de partida, no Bihé, ficava eu sem
gente.
Ali ficįram contudo alguns Bihenos, e decidido a prescindir de todas as
commodidades, e a abandonar toda a alimentaēćo que levava, com poucos
mais poderia seguir.
Era preciso arranjar esses poucos mais, e eu nćo desanimei na empresa.
Um estranho episodio, acontecido no dia 30, veio coroar de resultado
feliz a minha esperanēa.
No Bihé andam a monte muitos degradados e desertores, escapados dos
presidios da Costa.
Um d'estes honrados cidadćos veio procurar-me, e pronunciou uma estudada
arenga, que, pela profusa troca da primeira consoante pela
dčcima-sčtima, e repetido emprźgo de termos só usados na minha
provincia, me denunciou n'elle um conterraneo.
Se a forma do discurso era picaresca, a sua essencia mostrava, que a
alma do orador era sentina de todas as podridões, em decomposiēćo n'um
clima tropical, trascalando fedores em cada phrase evaporada d'aquelle
espģrito immundo.
Depois de me aconselhar a dispor das armas e muniēões que tinha, n'uma
empresa abjecta, a que elle me fazia a honra de se ligar, terminou por
me dizer positivamente, que, ou eu o associava a mim, fōsse para o que
fōsse, ou elle, empregando manhas que tinha de geito para o gentio,
faria que todos me abandonassem, e me poria na impossibelidade de dar um
passo.
Terminada esta peroraēćo, que o homem julgou ser argumento triumphante
nas minhas decisões, exigio immediata resposta.
Eu dei-lh'-a logo. Chamei os meus Quimbares, e mandei amarrar o sujeito,
a quem mandei applicar logo cincoenta aēoutes, para fazermos maior
conhecimento; porque, se eu o conheci įs primeiras palavras, elle nćo me
conhecia ainda.
Depois de castigado, fiz-lhe um pequeno discurso, em que lhe disse, que
o constituia meu prisioneiro, durante o tempo que estivesse em terras do
Bihé, com raēćo de comida e de chicote todos os dias.
Reuni toda a minha gente, e mostrei-lhe, que a alma d'aquelle branco era
mais nźgra do que a pelle d'elles ouvintes.
A nova da minha justiēa espalhou-se nas povoaēões circumvizinhas, e
deu-me crčdito entre os pretos, que tinham em mį conta o meu
prisioneiro.
No dia seguinte, alguns pombeiros do sitio viéram offerecer-me
carregadores, e que m'-os traziam dentro de dois dias.
Todos os dias tinha promessas, mas os carregadores nćo chegavam, e a 5
de Junho, jį no maior desespźro, decidi abandonar muitas cargas e seguir
įvante.
Reuni os meus pombeiros, e communiquei-lhes a minha decisćo.
Tivémos um longo conselho, em que eu sustentei a minha resoluēćo, dando
ordem para que os carregadores me acompanhassem ao rio Cuito com as
cargas que eu tinha decidido abandonar, para as lanēar ao rio.
Jį se ia executar esta deliberaēćo, quando o doutor Chacaiombe tomou a
palavra, e me pedio para adiar de alguns dias a execuēćo d'ella,
dizendo-me, que obtivesse nas povoaēões vizinhas gente de ganho que
transportasse tudo até ao Cuanza; que elle ia tentar um esfōrēo junto de
um sova seu amigo, e me iria encontrar no Cuanza.
Discutido este alvitre, decidi, partir no dia 6, e demorar-me no Cuanza
até 14; por isso, concedi 8 dias a Chacaiombe, declarando-lhe
positivamente, que nćo esperaria um só dia mais.
Os meus pombeiros mostravam-me a maior dedicaēćo, e depois de uma
proposta de Miguel (o caēador de elefantes), decidķram pegar tambem
elles em cargas, ainda que isso seja nćo só contra os usos, mas tambem
inconveniente em marcha, onde elles t[~e]m o seu serviēo especial a
desempenhar.
Obtida a gente de ganho, preparei tudo para seguir no dia immediato.
N'esse dia morreu o homem de Nōvo Redondo que eu tinha recolhido no
Cabir.
Levantei campo įs 9 horas do dia 6, tendo muita gente de ganho į razćo
de 1 panno por dia.
Segui a Leste, e duas horas depois acampei junto da povoaēćo de
Cassamba.
Fica esta povoaēćo no meio de grande e espessa floresta, onde fui caēar,
encontrando apenas algumas _pintadas_ que matei.
Quando, a 7 de Junho, levantei campo, saķo-me ao encontro o soveta de
Cassamba, que me vinha comprimentar, e trazer um boi de presente.
Desculpei-me de nćo lhe dar immediatamente um presente, por estarem os
carregadores em marcha, e pedi-lhe, que mandasse gente sua ao meu nōvo
acampamento, d'onde lhe enviaria uma lembranēa.
Depois de trźs horas de marcha, e de ter nas duas łltimas atravessado
grandes planicies pantanosas, alcancei a margem esquerda do rio
Cuqueima, que ali corre ao norte, tendo 80 metros de largo por trźs de
fundo, com uma velocidade de 12 metros por minuto.
Armei o meu bote Macintosh, e n'elle se effeituou a passagem da gente e
cargas com grande morosidade, porque a pequena embarcaēćo nćo tinha
capacidade para mais de cinco pessōas, ainda que o poder de fluctuaēćo
da sua caixa de ar era muito superior.
Terminada a passagem, e achando-me na margem direita em terreno
apaülado, e nu de arvorźdo, mandei pedir ao sova do Gando, para me dar
algumas cubatas onde eu podesse pernoitar com a minha gente.
Elle veio ao meu encontro, dizendo-me que punha į minha disposiēćo o
lombe da sua povoaēćo, que aceitei e onde me fui estabelecer.
Chegįram uns prźtos de mando do soveta de Cassamba, a reclamar o
presente que eu lhe havia promettido, e para se fazerem reconhecer como
vindo da sua parte, traziam a azagaia do sovźta, que de manhć eu lhe
vira na mćo.
É costume entre estes povos, onde a ignorancia da leitura e escrita
existe, o mandarem um objecto conhecido pelo portador de uma mensagem,
para que nćo se duvide que elles vam da parte de quem os envia.
Mandei o promettido presente.
O sova Iumbi, do Gando, conversou muito comigo, e era para elle motivo
de espanto tudo quanto eu trazia. Deu-me um magnģfico boi, ficando muito
satisfeito com uma peēa de algodćo riscado e algumas cargas de pņlvora
que lhe dei.
No dia immediato levantei campo logo de manhć, e duas horas depois, fui
acampar 1 kil. a Oeste da povoaēćo de Muzinda.
Antes de partir, mandei soltar, e pōr na outra margem, o meu prisioneiro
branco, jį impossibilitado de me fazer mal, porque, passando o Cuqueima,
eu estava fora das terras do Bihé.
[Figura 28.--Mulhéres Ganguellas Luimbas e Loenas. Modo por que cortam
os Dentes incisivos.]
Viéram ao meu acampamento muitas mulhéres da povoaēćo de Muzinda,
algumas das quaes traziam a cara pintada de verde, sendo dois riscos
transversaes sōbre a testa, de orelha a orelha, e outros dois, descendo
d'esses, cruzando-se entre os olhos, passando aos lados do nariz,
ligados por um sōbre o labio superior.
Os penteados d'essas Ganguelas sam originalissimos, e alguns, a certa
distancia, arremedam um chapéo de dama Europea.
Tōdos os homens cortam em triąngulo os dois incisivos da frente na
maxila superior, formando uma abertura triangular com o včrtice apoiado
na gengive. Esta operaēćo é feita com uma faca em que vam batendo
pequenas pancadas.
Deu-me um indģgena uma cana sacharina de 2 metros e 30 cent. de comprido
por 50 milimetros de diąmetro, affirmando-me que a producēćo d'aquella
rica gramģnea é abundante ali.
Sahio de Muzinda uma pequena comitiva que ia para ąlém do Cuanza comprar
cźra a trōco de peixe sźco do Cuqueima.
Estes indģgenas andam quasi nus, tendo por łnico vestuario duas pequenas
pelles, que pendem de um estreito cinto de couro.
As mulhéres, essas andam ainda um pouco menos cobertas!
O sovźta de Muzinda veio visitar-me, e trouxe-me um boi, que eu retribui
com presente igual ao que dei ao sova Iumbi do Gando.
A 9 de Junho, fui acampar na margem esquerda do rio Cuanza, a E.N.E. da
povoaēćo de Liuķca. N'aquelle ponto o Cuanza é mais modesto do que o
Cuqueima, porque tem 50 metros de largo por 2 de fundo, com uma corrente
de 15 metros por minuto.
O seu leito é de area branca e fina, e notavel a transparencia das suas
ąguas.
O rio serpea n'uma vasta planicie de dois a trźs kilņmetros de largo,
que encosta de um e outro lado a pequena elevaēćo de vertentes dōces,
cobertas do arvorźdo.
Na planicie vegetam gramģneas altissimas, tćo bastas que difficil é
romper por entre ellas.
O terreno da planicie é mais ou menos pantanoso.
Como eu devia esperar ali 5 dias pelo cirurgićo Chacaiombe, tinha, logo
que cheguei, mandado construir um acampamento mais vasto do que aquelles
que construia só para uma noute.
Veio ali visitar-me o sova de Quipembe, a quem obedecem os sovetas de
entre Cuqueima e Cuanza, e que é elle mesmo tributario do sova do Bihé,
a quem só obedece quando lhe faz conta; porque nćo teme os seus ataques,
sendo-lhe facil defender a linha do Cuqueima, e sendo a maior parte,
senćo tōdos, os barcos que navegam ali, das povoaēões Ganguelas.
Trouxe-me um carneiro de presente, desculpando-se de me nćo dar um boi,
por ser a sua povoaēćo muito distante.
Recebi tambem a visita do sovźta de Liuķca, que me offereceu um boi.
Este sovźta, homem de boa feiēćo, frequentou muito o meu campo durante a
minha permanencia na sua vizinhanēa.
Um dia que elle me tinha visto atirar ao alvo, e que admirava a justeza
dos tiros, passou o seu grande rebanho bovino por ali.
Eu propuz-lhe dar-me elle um boi, se o meu muleque Pépéca o matasse com
um tiro.
Elle olhou para a crianēa e aceitou.
O Pépéca, sofrivel atirador ensinado por mim, tomou a carabina, e fez
fōgo a um boi que ia mais separado dos outros, e que cahio fulminado.
Ouve espanto geral da parte dos Ganguelas, e o sovźta disse-me que
mandasse tomar conta do boi, e lhe desse a pelle, e um bocado de carne
para elle comer, o que eu fiz logo.
Entre Cuqueima e Cuanza os Ganguelas, que sam de differente raēa dos
outros povos designados pelo mesmo nome, chamam-se Luimbas junto ao
Cuqueima, e Loenas junto ao Cuanza.
No dia 12, aconteceu-me uma aventura extraordinaria, que nćo posso
deixar de narrar aqui.
Andava eu fora, quando alguns dos meus prźtos viéram encontrar-me com um
mulato, desconhecido para mim, que me disséram ser chefe de uma
comitiva, que me vinha procurar, para me pedir licenēa de ir comigo até
įs margens do rio Cuito, e deixal-o acampar nos meus acampamentos, para
seguranēa sua.
Consenti no pedido, ainda que nćo de bom grado.
N'essa noute, demorei-me a conversar com os meus pombeiros até tarde, e
sentados į porta da minha barraca, discursąvamos sōbre as probabilidades
que haveria de ser bem succedido o meu cirurgićo Chacaiombe na sua
empresa, quando eu senti para uma parte do campo um tinido singular.
Era como o bater de martello em safra. Tive curiosidade de saber o que
era aquillo, e mandei lį o meu Augusto.
Voltou elle a dizer-me, que na parte do campo occupada pelas barracas do
pombeiro Biheno que me pedira agasalho, se acorrentava uma leva de
escravos chegados n'essa noute do Bihé.
Nas barracas dos meus tudo dormia, excepto trźs ou quatro pombeiros que
estavam junto de mim.
Contive a cņlera que me dominou por um momento, e mandei chamar o meu
hņspede.
Elle compareceu logo, e veio sentar-se junto da fogueira defronte de
mim.
Perguntei-lhe æo que era aquelle bater de ferro? Respondendo-me elle,
que era a acorrentar umas _cabecinhas_ que levava para vender no sertćo.
”No meu acampamento! onde tremulava a bandeira Portugueza,
acorrentava-se uma leva de escravos!
Continuei a fazer um grande esforēo para me conter, e disse ao pombeiro,
que fosse soltar tōdos aquelles desgraēados e m'os trouxesse livres.
Elle negou-se a fazel-o, e respondeu-me com uma gargalhada de riso
alvar.
Perdi entćo a paciencia, e a raiva contida a custo transbordou violenta.
Cego de furor, lancei-me por sōbre a fogueira įquelle boēal mulato, e jį
a minha faca o ia ferir de morte, quando vi, que algumas espingardas dos
meus Quimbares lhe ameaēavam a cabeēa, e por um d'esses reviramentos tćo
vulgares como rąpidos no meu espģrito, só pensei em salvar-lhe a vida.
Ao meu grito de raiva, e ao barulho da luta, tinha-se levantado tōda a
minha gente, e ameaēavam exterminar tōda a comitiva Bihena.
Eu, que conhźēo a ferocidade dos negros logo que se sentem fortes, tremi
pela vida dos inocentes que podiam ser immolados.
Era uma balburdia em que ninguem se entendia, e į excepēćo de 5 dos meus
pombeiros que assistķram ao comźēo da scena, tōdos ignoravam o que era
aquillo, e só proferiam palavras de morte.
Consegui dominar o tumulto e fazer me ouvir.
Mandei o meu Augusto soltar os escravos, e trazel-os į minha presenēa,
assim como tōdas as correntes e prisões que encontrassem nas barracas
onde elles estavam.
Mandei lanēar ao rio Cuanza as prisões de ferro, reservando só aquellas
com que prendi os prźtos, guardas da leva.
Declarei aos escravos, que podiam ir-se, se quizessem, porque teria os
seus guardas presos o tempo sufficiente para os nćo poderem alcanēar.
Desapparecźram tōdos, excepto uma pequena, que quiz ficar comigo, por
nćo saber onde ir; e só na occasićo de deixar o meu acampamento soltei e
dei liberdade aos chefes e guardas d'aquelle rebanho de escravos.
Passou-se o dia 13 sem haver noticias do meu cirurgićo, e na noute
d'esse dia distribui eu as cargas que pude distribuir, umas 87,
separando ainda umas 12 que me custava a abandonar, e pondo em pilha
aquellas que estavam irremediavelmente condenadas.
Declaro que é difficil tal escolha.
Creio que um dos peores problemas a resolver por um explorador, é
escolher entre as cargas, indispensaveis tōdas, aquella que hade
dispensar.
Se nćo é mais difficil, é pelo menos tanto como achar o modo de
determinar uma boa longitude.
Ali abandonei tudo o que de commodidades eu tinha, tōda a alimentaēćo
que para mim levava, e parte da que levava para a minha gente, e algumas
cargas de missanga que os meus companheiros me haviam cedido, e que,
comprada em Loanda, era de valor problemątico nos sertões em que me ia
internar.
Se no dia 14 de manhć nćo tivesse novas do Chacaiombe, as cargas
condenadas seriam destruidas, queimando umas e lanēando outras ao
Cuanza.
æPara quź? me perguntarįm os meus leitores.
Eu lhes respondo. O chefe de uma comitiva em marcha nos sertões da
Ąfrica, onde tivér de empregar carregadores, tem de inutilizar e tornar
inaproveitaveis tōdos os objectos que fōr forēado a abandonar, e isto
por duas razões, uma que diz respeito į sua propria gente, e outra ao
gentio dos paizes que atravessa.
Se consentio que os seus proprios carregadores aproveitem alguma cousa
da carga abandonada, tōdos os dias terį carregadores doentes, que o
obrigarįm a abandonar cargas, para d'ali retirarem objectos em proveito
proprio; organizando assim um industrioso roubo permanente.
Por outro lado, sabendo o gentio da terra, que lhe deixam cargas por
falta de carregadores, nćo deixarį de ministrar įs comitivas futuras, na
muita capata que lhe offerecem, um tņxico qualquer, que, se nćo matar,
os torne doentes; obrigando assim o chefe a abandonar cargas em seu
favor; o que nćo fazem, sabendo que nada aproveitam, porque tudo o que
houvér de ser abandonado é inutilizado.
Foi isto liēćo de Silva Porto, de que sempre fiz uso.
No dia 14 de manhć, nćo tendo noticia do Chacaiombe inutilizei 61
cargas!
RAPIDO GOLPE DE VISTA RETROSPECTIVO.
O Mappa junto mostra o meu caminho de Benguella ao Bihé.
Procurei designar n'elle tudo o que em viagem de exploraēćo se pode
colher de dados geogrąphicos e topogrąphicos.
Muitos dos pontos marcados sam determinados astronņmicamente, sendo os
intermediarios, achados grosseiramente pelos rumos da agulha e projecēćo
das distancias percorridas, distancias avaliadas pelos pedņmetros e pelo
tempo gasto a percorrel-as.
As posiēões do Benguella, Dombe, Quilengues, Ngola e Caconda, que
empreguei na carta, sam determinadas por Capello e Ivens, e como eu
apenas tinha os resultados dos cąlculos, ahi os designo taes como m'os
deu o Ivens, sem as observaēões iniciaes. De Caconda ao rio Cuanza as
posiēões astronņmicamente determinadas por mim vam precedidas das
observaēões iniciaes.
-------------------------------------------------------------------------
Resultado das observaēões de Capello e Ivens, da Costa a Caconda.
------------+-------------+-------------+----------+----------+----------
Nome dos |Longitude E. |Latidude Sul.|Declinaēćo|Inclinaēćo| Altitude
Logares. |de Greenwich.| |da Agulha.|da Agulha.|em metros.
------------+-------------+-------------+----------+----------+----------
| ° ' " | ° ' " | ° ' | ° ' |
Benguella | 13 25 20 | 12 34 17 | 23 30 O.| 39 37 | 7
Dombe Grande| 13 7 45 | 12 55 12 | 23 26 | 39 44 | 98
Quilengues | 14 5 3 | 14 3 10 | 23 3 | 40 40 | 900
Ngola | 14 39 1 | 14 16 46 | --- | --- | 1,410
Caconda | 15 1 51 | 13 44 0 | 22 30 | --- | 1,676
------------+-------------+-------------+----------+----------+----------
Tendo-me separado dos meus companheiros em Caconda, prossegui nos
trabalhos que tģnhamos comeēado, nćo podendo fazer observaēões de
inclinņmetro e fōrēa magnčtica, porque os łnicos instrumentos que para
isso levąvamos ficįram em poder de Capello.
Comeēarei a expor os meus trabalhos pela determinaēćo das coordenadas
geogrąphicas de Caconda į margem esquerda do Cuanza, onde pįra a minha
narrativa no precedente capģtulo.
No seguinte quadro procurei compendiar os necessarios dados para se
poderem verificar os resultados que designo.
Todas estas observaēões calculadas em Ąfrica fōram recalculadas em
Londres pelo 1^o tenente calculador da marinha ingleza, Selwyn Sugden.
*Quadro das Observaēões Astronņmicas feitas pelo Major Serpa Pinto entre
Caconda e o rio Cuanza*.
+--------------+---------------------------+---------------+-------------+
| Anno de | Logares onde | Hora dos | Estado para |
| 1878. | observei. | Chronņmetros. | Greenwich. |
+--------------+---------------------------+---------------+-------------+
| | | H. M. S. | H. M. S. |
a| Janeiro 14 | Vicete (junto ao Cunene) | 8 10 24 |+ 1 0 15 |
b| " " | " | 10 27 44 |+ 3 23 2 |
c| " 16 | Fende (Cunene) | 5 10 2 |+ 3 23 16 |
d| Fevereiro 12 | Libata do Palanca | 7 55 0 |- 1 0 0 |
e| " " | " | 10 30 56 |+ 3 27 18 |
f| " 13 | Libata do Capōco | 9 3 0 |- 1 0 0 |
g| " " | " | 9 57 15 |+ 3 27 27 |
h| " 18 | " | 10 18 14 |+ 3 28 8 |
i| Marēo 16 | Belmonte (Bihé) | 10 25 0 |- 1 4 0 |
j| " 18 | " | 5 6 10 |+ 3 31 43 |
l| | | { 5 3 1} | |
m| " 22 | " | { } | --- |
n| | | { 9 51 41} | |
o| Abril 2 | " | --- | --- |
p| " 3 | " | --- | --- |
q| " 4 | " | --- | --- |
r| " 5 | " | --- | --- |
s| " " | " | 4 53 40 |+ 3 34 29 |
t| " 6 | " | --- | --- |
u| " 7 | " | --- | --- |
v| " " | " | 0 8 32 |- 0 57 43 |
x| " " | " | 10 50 54 | --- |
z| " " | " | 10 55 6 |+ 3 34 54 |
0| " 23 | " | 9 4 25 | --- |
1| " " | " | 9 38 16 |+ 3 37 26 |
2| Maio 24 | Matas do Cabir (Bihé) | --- | --- |
3| " " | " | 9 38 55 |+ 3 42 47 |
4| " 31 | Matas do Commandante | 9 12 5 |+ 3 43 56 |
5| Junho 1 | " | --- | --- |
6| " 9 | Liuķca (margem do Cuanza) | 6 22 33 |+ 3 45 52 |
7| " " | " | 6 6 53 | --- |
8| " 10 | " | --- | --- |
9| " " | " | 9 17 21 |+ 3 45 57 |
+--------------+---------------------------+---------------+-------------+
+----------------+-----------+-----+-----+-------+-----+-----------------+
| Natureza | Dupla | | | | | |
| da | altura do | [A] | [B] | [C] | [D] | Resultados. |
| Observaēćo | astro. | | | | | |
+----------------+-----------+-----+-----+-------+-----+-----------------+
| | ŗ ' " | ŗ '|H. M.| ' " | | ŗ ' |
a| Alt. Mer. [-)] | 101 3 0 | --- | --- |- 3 30 | 1 | Lat. 14 2 S.|
b| Chron. [*-] | 101 2 0 |14 2| --- | " | 1 | Long. 15 14 E.|
c| " | 104 31 0 | " | --- | " | 1 | " 15 25 E.|
d| Alt. Mer. [-)] | 97 3 10 | --- | --- |- 0 50 | 1 | Lat. 13 20 S.|
e| Chron. [*-] | 99 6 30 |13 20| --- | " | 1 | Long. 15 27 E.|
f| Alt. Mer. [-)] | 98 30 30 | --- | --- | " | 1 | Lat. 13 9 S.|
g| Chron. [*-] | 115 5 30 |13 9| --- | " | 1 | Long. 15 30 E.|
h| " | 104 15 30 | " | --- | " | 1 | " 15 28 E.|
i| Alt. Mer. [-)] | 131 38 30 | --- | --- | " | 1 | Lat. 12 22 S.|
j| Chron. [*-] | 104 58 40 |12 22| --- | " | 1 | Long. 16 51 E.|
l| | | | | | | |
m| Alt. | 103 21 10 | " | --- | " | 2 | Estado |
| iguaes | | | | | | 3^h.31^m.54^s.|
n| | | | | | | |
o| Alt. Mer. [*-] | 144 49 0 | --- | 1 8|- 3 30 | 1 | Lat. 12ŗ23'S.|
p| " | 144 4 0 | --- | " | " | 1 | " 12 23 S.|
q| " | 143 20 0 | --- | " | " | 1 | " 12 22 S.|
r| " | 142 32 0 | --- | " | " | 1 | " 12 23 S.|
s| Azimuth | 93 34 20 |12 22| --- |- 1 0 | 1 | Variaēćo 21 11 |
| 266-30 [*-] | | | | | | Oes.|
t| Alt. Mer. [*-] | 141 47 0 | --- | 1 8|- 3 30 | 1 | Lat. 12 22 S.|
u| " | 141 3 0 | --- | " | " | 1 | " 12 22 S.|
v| Alt. prox. | 140 14 0 | --- | --- | " | --- | " 12 22 S.|
| do Mer. [*-] | | | | | | |
x| Eclipse do 1^o | --- | --- | --- | --- | 1 | Long. 16 46 E.|
| sat. de Jłp. | | | | | | |
z| Chron. [*-] | 65 48 0 |12 22| --- |- 1 0 | 1 | Diff p^a o logar|
| | | | | | | 4^h.42^m.23^s.|
0| Eclipse do 1^o | --- | " | --- | --- | 1 | Long. 16ŗ49'E.|
| sat. de Jłp. | | | | | | |
1| Chron. [-)] | 71 31 40 | " | --- |- 0 30 | 1 | Atrazado |
| | | | | | | 4^h.44^m.56^s.|
2| Alt. Mer. [*-] | 113 10 40 | --- | 1 7|- 1 25 | 1 | Lat. 12ŗ22'S.|
3| Chron. [*-] | 79 22 50 |12 22| --- | " | 1 | Long. 16 53 E.|
4| " | 86 38 10 |12 28| --- | " | 3 | " 17 9 E.|
5| Alt. Mer. [*-] | 110 26 40 | --- | --- | " | 1 | Lat. 12 28 S.|
6| Chron. [)-] | 63 59 30 |12 35| 1 9| 35 | 1 | Diff p^a o logar|
| | | | | | | 4^h.54^m.34^s.|
7| Eclipse do 2^o | --- | --- | --- | --- | 1 | Long. 17ŗ25'E.|
| sat. de Jłp. | | | | | | |
8| Alt. Mer. [*-] | 108 15 20 | --- | 1 9|- 0 40 | 1 | Lat. 12 35 S.|
9| Chron. [*-] | 82 43 23 |12 35| --- | " | 3 | Long. 17 25 E.|
+----------------+-----------+-----+-----+-------+-----+-----------------+
*Legenda*:
[A] Latitude Sul.
[B] Longitude em tempo.
[C] Erro do instrumento.
[D] N^o. de Obs.
[-)] sķmbolo da lua debaixo da barra
[*-] sķmbolo do sol por cima da barra
[)-] sķmbolo da lua por cima da barra
*Trąnsito de Mercurio a través do Sol em 6 de Maio de 1878*.
+------+----------+----------+-----------+--------------+----------------+
| | Logar | | | Hora do | Altura do Sol. |
| Data | da | Latitude | Longitude | Chron. para | Erro do sext |
| |Observaēćo| | | a hora local | - 1' 25". |
+------+----------+----------+-----------+--------------+----------------+
| 6 | | | | Média de 4 | Média de 4 |
| Maio | | ŗ ' " | ŗ ' " | H. M. S. | ŗ ' " |
| 1878 | Belmonte | 12 22 40 | 16 49 24 | 10 6 50 | 74 36 55 |
+------+----------+----------+-----------+--------------+----------------+
+------+-------------+----------------+------------+
| | Estado | Hora do | |
| Data | atrazado de | 1^o contacto | Longitude. |
| | Greenw. | interno. | |
+------+-------------+----------------+------------+
| 6 | | No chronņmetro | |
| Maio | H. M. S. | H. M. S. | ŗ ' " |
| 1878 | 3 39 39 | 11 35 29 | 16 50 15 |
+------+-------------+----------------+------------+
É muito notavel que a primeira longitude que determinei em Belmonte pelo
chronņmetro é muito prņximo da verdadeira obtida pelo trąnsito de
Mercurio. Esta longitude muito pouco differe tambem da obtida pelo
eclipse do 1^o Satčlite de Jłpiter a 23 de Abril.
Nćo inclui n'este quadro as innłmeras observaēões feitas para estudar as
marchas dos chronņmetros, que publicarei em separado um dia.
Nos estados dos chronņmetros a grande differenēa que se nota entre
alguns provém do pertencerem a differentes chronņmetros.
Como se vź, o instrumento empregado por mim foi o sextante com o
horizonte artificial de mercurio, que outro nćo tinha, tendo ficado em
poder dos meus companheiros o Abba, łnico theodolito universal que
possuģamos.
Os meus sextantes eram: um de Casela, de Londres, contando 5"; e outro
de Lorieux, de Paris, contando 30". As minhas błssolas azimutaes eram
fabricadas em Berlim, e tinham pertencido ao infeliz Barćo de Barth.
Os meus chronņmetros eram de Dent, de Londres, sendo dois de algibeira,
e um, que, depois, de Benguella me enviįram ao Bihé, de marinha, tambem
de Dent.
Este łltimo era mao; mas os primeiros excellentes, sobre tudo o que eu
designo com a letra S, nos cąlculos.
Das altitudes muitas sam determinadas pelo hypsņmetro, e outras pelo
aneroide, cotisado com o hypsņmetro.
Essas altitudes vam marcadas na carta em metros.
A carta do paiz do Bihé, muito grosseira e incompleta de certo, foi
levantada į błssola, nas minhas excursões venatorias; mas, ainda assim,
possue a sufficiente exactidćo para se julgar do paiz, e prouvera a Deus
que as cartas de pontos muito mais prņximos da costa em que dominamos,
estivessem tćo prņximas da verdade como ella.
Ponho ponto aqui nos detalhes das minhas cartas, para falar rąpidamente
do paiz que ellas representam.
De Benguella ao Dombe, como se vź, costeei o mar, em terreno calcąreo,
abundante de minčrios diversos.
As ąguas faltam ali na estaēćo sźca, e apenas o valle do Dombe Grande
tem a sufficiente para ser enormemente productivo. A vegetaēćo, sem ser
pobre, nćo tem, todavia, a opulencia peculiar aos paizes intertropicaes.
Entre Benguella e o Dombe apenas se encontra ągua potavel n'um pequeno
charco na Quipupa.
[Mappa 3.--Entre Cubango e Cuanza]
O paiz é abundante de caēa, e encontra-se n'elle grande variedade de
antģlopes, sendo os mais vulgares o _Strepsiceros kudu_, o _Cephalophus
mergens_, o _Cervicapra bohor_, e o _Oreas canna_. Nas rochas de
carbonato de cal que formam o systema orogrąphico do Dombe Grande,
abundam os _hyrax_, e na planicie, entre as grandes e pomposas
plantaēões de mandioca, vivem muitos _hystrix_, maiores um pouco do que
os da Europa, e que causam ali grande estrago nas terras cultivadas. O
valle do Dombe Grande é de certo a melhor porēćo de terreno da provincia
de Angola. As suas condiēões de salubridade nćo sam mįs, e o solo é de
grande fertilidade. Um porto de mar, o Cśio, dista apenas alguns
kilņmetros do maior centro de producēćo.
As montanhas que enquadram o valle, sam cheias de minerio, e jį tem
estado em exploraēćo, sempre em pequena escala, por falta de capitaes.
Ha ali enxōfre e cobre.
A populaēćo indģgena é de bōa ģndole e trabalhadora, tanto quanto o pode
ser um prźto abandonado a si mesmo.
Entre o Dombe e Quilengues o paiz é deserto. Pelo caminho que segui hį
falta de ągua, e a vegetaēćo, pobre ao principio, toma luxuriante
esplendor ao passo que nos approximamos de Quilengues.
Seguindo o curso do rio Coporolo nćo ha falta de ągua, e ouvi dizer, que
se encontra sempre uma vegetaēćo rica. Contudo, o paiz mesmo por ali nćo
é habitado.
Ao sahir do Dombe o terreno eleva-se bruscamente a 550 metros, e um
systema de montanhas que corre N.S. forma pequenos valles que se vam
elevando gradualmente até atingir 900 metros em Quilengues. No rio Canga
comeēa o terreno granģtico, e com elle uma vegetaēćo mais pomposa. Todos
os rios designados no Mappa até Quilengues sam apenas torrentes na
estaēćo chuvosa, mas em muitos é possivel encontrar ągua na estia,
cavando poēos nos seus leitos arenosos. O proprio Coporolo estį sujeito
a esta condiēćo de pobreza.
Quilengues é um extenso e fertil valle, em condiēões iguaes ao do Dombe;
tendo por em quanto muito menos valor, por falta de communicaēões com a
costa.
A sua populaēćo é densa, e nas suas campinas pastam milhares de cabeēas
de gado vaccum de excellente raēa.
Os Quilengues sam fortes e aguerridos, e nos ataques que dirigem contra
os Mundombes sam sempre vencedores; o que os nćo impede de serem
vencidos pelos povos do Nano, que descem ali a roubar gados e gente.
Estes povos de Quilengues, como os do Dombe, sam avassalados a El-Rei de
Portugal, mas nćo sam tćo submissos como os Mundombes.
Tem de certo um futuro o paiz de Quilengues, quando faceis communicaēões
o ligarem į costa, į Huila e a Caconda, e quando fōr administrado como o
deve ser.
De Quilengues a Caconda o caminho é por Caluqueime, paiz muito povoado;
mas eu segui outro, por motivos que cito na minha narrativa.
Ao sahir de Quilengues para o S.E. encontra-se a alta serra de
Quilengues, que se eleva rąpidamente a 1750 metros, e que eu passei na
parte chamada Monte Quissécua.
Ali comeēa o grande planalto da Ąfrica Austral, e d'ali ao Bihé a
planicie enorme conserva aquella altitude, tendo apenas ligeiras
depressões nos leitos dos rios, e um ou outro pequeno systema de
montanhas isoladas.
D'este planalto jį correm rios permanentes, sendo o primeiro que
encontrei n'estas condiēões affluente do Cunene.
A vegetaēćo arbņrea no planalto nćo é jį tćo forte como em Quilengues,
mas a herbącea é mais rica, se é possivel sel-o.
O terreno continśa granģtico, e comeēa a apparecer n'elle maior
abundancia de termites. As łnicas povoaēões que se encontram no caminho
que segui sam Ngola e Catonga, de que ja falei detidamente.
Em Caconda o paiz é um pouco mais accidentado, devendo ser nćo menos
rico e productivo do que o de Quilengues.
É cortado de rios permanentes, que o regam em todas as direcēões,
affluindo ao Catapi, affluente do Cunene.
A febre miasmątica é endčmica em Caconda, como em Quilengues e como na
costa; mas apresenta ali um caracter mais benigno, e raras vezes faz
vģctimas.
Eu julgo Quilengues nas mesmas condiēões de salubridade de Caconda.
As condiēões climatolņgicas do paiz de Caconda é que jį differem
essencialmente das da costa, e mesmo das de Quilengues.
Apenas 13° e 44' distante do Equador, o clima, que deveria ser ardente,
é temperado pela altitude enorme a que se encontra; mas estį por isso
mesmo sujeito įs bruscas mudanēas que se dam entre o dia e a noite em
todo o planalto. Ha ali uma luta constante entre a altitude e a
latitude, sendo que esta impera de dia quando um sol a prumo dardeja
raios de fogo, e aquella de noute quando uma altura de 1700 metros nos
faz viver n'uma atmosphera tćo rarefeita.
Lembra-me aqui que o Anchieta me dizia, que se viveria ņptimamente em
Caconda, se uma mąchina em contacto com um thermņmetro, nos fosse
deitando cobertores na cama į medida que o thermņmetro descesse, durante
o somno.
Esta grande desigualdade de temperatura entre o dia o a noute dį-se
quando o sol tem declinaēćo Norte, porque durante o tempo em que elle
anda ao sul do Equador é ella muito menor.
Sempre ouvi dizer, que em Caconda produzem as frutas da Europa, mas
infelizmente nćo o sei de sciencia propria, que nenhumas ali encontrei;
todavia, creio que se poderįm ali aclimatar. A batata é muito boa e
produz muito, nćo só ali como em todo o planalto; mas é tćo difficil o
seu transporte para Benguella, que a batata que se consome ali vai de
Lisboa.
Ha muito boa hortaliēa e legumes da Europa, que se dam bem em todo o
planalto.
Perto da fortaleza, a populaēćo é rara, mas a uma certa distancia estį
condensada; sendo governada por chefes independentes.
De Caconda ao Bihé o paiz é muito populoso, e, se menos pastores do que
os povos até Caconda, sam um pouco mais agricultores.
Nos paizes do Nano, Huambo, Sambo e Moma, os povos sam mais bruscos,
mais aguerridos e independentes.
Os terrenos, como se vź no mappa, sam cortados de rios que dividem as
suas ąguas para tres grandes arterias, o Cunene, o Cubango e o Cuanza.
Ao N. das terras do Sambo, o planalto forma um enorme descampado, a que
chamam no paiz a _Enhana_ de Ambamba, terreno alagadiēo onde nascem
cinco rios importantes, dois dos quaes vam ao Norte e tres ao Sul.
Dos que vam ao Norte, um é o Québe, que vai entrar no mar por 10° 50' de
Latitude S., junto įs Tres Pontas, entre Novo Redondo e Benguella Velha.
Este rio na parte inferior do seu curso toma o nome de Cuvo. O outro é o
Cutato das Mongoias, que corre ao N. a afluir ao Cuanza.
Os tres que correm ao S. sam o Cunene, o Cubango e o Cutato dos
Ganguelas, que se une ao Cubango.
O maior systema de montanhas que encontrei é uma serra que corre de N.E.
a S.O. ao N. do paiz do Huambo, em cujas vertentes nascem o Calįe e o
Cuēśce, que se unem para affluir ao Cunene.
Uma grosseira observaēćo do aneroide indicou-me o seu cume a mais de
2500 metros acima do nivel do mar.
Fazendo excepēćo į minha regra de nćo baptizar em Ąfrica rios ou montes,
dei a esta serra o nome de Andrade Corvo, por ser designada no paiz
apenas por serra do Huambo.
Nćo encontrei entre os indģgenas vestigios de ter o paiz outro minerio
ąlém do ferro, o que nćo quer dizer que o nćo haja.
O terreno é ainda granģtico, e o solo pode dizer-se que em muitos pontos
é de formaēćo animal, pois que é construido pelas termites.
Ąlém da disposiēćo especial que encontrei no terreno termģtico das
margens do Cutato dos Ganguellas, encontram-se 4 differentes
construcēões termģticas, que suponho pertencerem a 4 differentes
especies.
[Figura 29.--Montes termģticos, dos terrenos entre a costa e o Bihé. 1 e
2 tem altura entre 2 e 3 decimetros, 3 e 4 entre 1 e 2 metros.]
Ha abundancia de caēa, sobre tudo nas faldas da serra de Andrade Corvo,
entre o Calįe e o Cuēśce, que nunca vi tanta em Ąfrica, a nćo ser no
Zambeze.
Alem dos antģlopes que jį citei falando do Dombe, abundam ali o
_Hippotragus equinus_, o _Catoblepas taurina_, e o _Bubalus Caffer_.
As florestas sam em grande parte formadas de Leguminosas, sobresahindo
um sem-nłmero de especies da Acacia.
Ha muito poucas plantas trepadeiras.
Passamos a linha divisoria das ąguas entre o Cubango e o Cuanza, e
entramos no paiz do Bihé, de certo o mais importante do Sudoeste
d'Ąfrica.
O paiz do Bihé, de cujos povos falo detidamente no capitulo anterior, é
cortado por dois rios importantes, ainda que innavegaveis, o Cuqueima e
o Cuito. Innłmeros riachos sulcam em todas as direcēões o terreno, e vam
affluir įquellas arterias principaes.
O clima é igual ao de Caconda, e subsistem ali as mesmas condiēões
atmosphčricas.
O terreno é granģtico e de uma admiravel fōrēa productiva. As pastagens
sam ņptimas para todos os gados. É pobre de caēa; mas, em compensaēćo, é
desinfestado de feras.
Nćo creio muito que seja rico em productos mineralņgicos, porque a sua
densa populaēćo nćo tem encontrado vestigios de minerios ricos, e eu
tenho visto em Ąfrica, que os primeiros a encontrarem o ouro, o cobre, o
chumbo e o ferro sam os indģgenas.
No Bihé o que é verdadeiramente rico é o terreno, e nćo sei de paiz
Africano que mais podesse prosperar pela agricultura e commercio.
A raēa Europea vive ali muito bem, e o producto do cruzamento d'ella com
as raēas do paiz é physicamente admiravel.
Durante a minha permanencia em Belmonte, fiz um estudo detido das
condiēões climatolņgicas, e sobre tudo no primeiro mez, em que o
pertinaz rheumatismo, contrahido em viagem, me impedio de sahir,
observei regularmente o barņmetro e o thermņmetro de 3 em 3 horas
durante o dia.
Adiante apresento um quadro d'essas observaēões, durante trinta dias,
fazendo notar, que a igualdade de temperatura que se nota durante o dia
é devida į estaēćo do anno em que fōram feitas as observaēões, estaēćo
que corresponde ao nosso outono.
As chuvas t[~e]m duas čpochas, com uma interrupēćo de estiagem que se dį
em Dezembro e Janeiro. As primeiras chuvas cahem em meado de Outubro, e
duram até principio de Dezembro, sendo mais moderadas do que as segundas
que cahem do fim de Janeiro ao principio de Marēo.
Os ventos reinantes sam dos quadrantes de leste, sendo muitas vezes
persistente o vento leste bastante forte; isto na estiagem, porque na
estaēćo chuvosa as maiores tormentas que observei vinham do
oes-sudoeste, e dos quadrantes do sul. As chuvas v[~e]m sempre, sobre
tudo as de Fevereiro, envoltas com meteoros elčctricos, e cahem no meio
de terriveis trovoadas.
O seguinte quadro apresenta as minhas observaēões desde o dia 25 de
Marēo ao dia 23 de Abril de 1878.
Por esta serie de observaēões se vź qućo ameno é o clima do Bihé n'esta
čpocha do anno.
--------------+----------+----------+----------+----------+-----------
Anno de 1878 | 6 Horas. | 9 Horas. | Meio dia | 3 Horas. | 6 Horas.
-------+------+-----+----+-----+----+-----+----+-----+----+-----+-----
Mez. | Dia. | [E] | [F]| [E] | [F]| [E] | [F]| [E] | [F]| [E] | [F]
-------+------+-----+----+-----+----+-----+----+-----+----+-----+-----
Marēo | 25 |629.8|19.1|630.5|20.4|629.2|22.4|628.8|23.2|630.0|21.6
" | 26 |632.0|20.1|631.9|21.2|630.8|21.6|629.8|21.5|629.5|21.0
" | 27 |629.5|19.4|632.0|19.9|629.6|21.0|628.5|21.3|630.0|20.6
" | 28 |630.0|19.4|631.6|19.9|629.5|20.4|629.0|22.1|629.0|21.6
" | 29 |630.2|20.6|632.3|20.8|630.0|21.6|628.5|22.5|629.2|22.1
" | 30 |631.0|18.3|632.0|20.6|631.0|21.9|630.0|22.2|629.9|21.3
" | 31 |631.0|19.2|632.3|20.0|631.2|20.9|629.2|21.3|631.0|20.4
Abril | 1 |630.5|18.6|632.0|19.5|630.6|20.4|630.0|19.9|630.0|19.8
" | 2 |631.0|17.5|632.0|18.7|630.0|21.1|629.3|20.2|630.0|20.2
" | 3 |630.0|18.8|632.5|20.0|630.5|21.1|630.0|21.2|629.0|20.9
" | 4 |632.0|18.6|632.0|20.2|630.0|21.2|629.5|21.6|630.0|20.7
" | 5 |630.0|18.8|632.0|20.0|630.3|21.1|630.0|22.0|629.8|20.1
" | 6 |630.0|17.2|632.3|19.8|631.0|20.4|630.5|21.7|630.0|20.2
" | 7 |630.0|17.8|632.0|19.7|630.5|21.0|629.0|22.7|630.0|21.5
" | 8 |629.0|17.6|632.0|19.9|630.0|21.5|629.5|22.8|630.0|21.3
" | 9 |629.5|18.4|631.5|20.4|631.0|21.8|629.3|22.6|629.8|21.1
" | 10 |631.2|18.1|632.8|20.5|631.5|21.7|629.4|22.4|630.0|21.5
" | 11 |630.5|16.6|631.9|20.2|631.0|21.4|629.5|23.0|629.8|21.7
" | 12 |629.0|16.4|629.9|20.1|629.0|21.1|627.0|22.6|629.0|21.8
" | 13 |628.3|18.2|630.0|20.2|629.6|21.6|629.4|22.3|629.5|21.1
" | 14 |629.0|18.6|631.5|20.4|630.6|22.0|629.5|23.1|630.0|21.7
" | 15 |631.4|17.2|632.6|19.7|631.0|21.3|630.5|22.4|630.5|20.7
" | 16 |630.6|16.1|632.0|19.0|630.3|21.3|629.0|22.8|630.0|20.2
" | 17 |632.6|19.4|633.0|20.7|631.0|22.0|630.0|22.2|630.0|20.0
" | 18 |631.6|18.0|632.0|20.1|630.0|20.4|629.7|22.7|629.9|19.8
" | 19 |631.2|17.8|632.2|20.3|630.6|21.0|630.1|23.0|630.5|19.7
" | 20 |630.7|16.5|631.9|20.1|630.4|21.2|630.0|22.7|630.0|20.1
" | 21 |631.0|15.6|632.1|17.8|630.3|19.8|629.3|20.6|629.8|19.5
" | 22 |630.0|14.6|632.0|17.1|630.0|19.2|628.7|20.4|629.0|19.4
" | 23 |630.3|14.9|632.0|17.9|630.5|20.0|629.2|21.3|630.0|20.0
-------+------+-----+----+-----+----+-----+----+-----+----+-----+-----
*Legenda*:
[E] Barņmetro
[F] Thermņmetro
É muito notavel a marcha diurna do barņmetro, que ali é inalteravel em
presenēa das mudanēas bruscas da atmosphera.
Um boletim meteorolņgico feito a 0^h. 43^m. de Greenwich, ou 1^h. 50^m.
do logar, completa o estudo atmosphčrico d'este paiz n'aquella čpocha.
Este boletim de que agora dou conta em trinta dias, foi continuado
durante toda a viagem, tendo apenas as interrupēões provenientes de
doenēas ou de estorvos occasionaes.
O terreno de Belmonte para Leste desce um pouco até ao Cuqueima, na
parte em que este rio corre de S. ao N. Na margem direita do Cuqueima
eleva-se um pouco para descer ao valle do Cuanza.
Na parte leste do paiz reapparece a vegetaēćo arbņrea mais rica, e ha
pequenas mas densas florestas.
Em todo o vasto territorio comprehendido entre o Bihé e Benguella, nćo
existe o zé-zź, esse flagello de muitos pontos da Ąfrica Austral, que,
matando o cavallo e o boi, priva o homem de dois dos seus maiores
auxiliares na vida prątica.
Uma especie de epizotia, que no paiz chamam _cahōnha_, ataca o gado
bovino e lanģgero; nćo fazendo ainda assim os estragos que na Europa e
outras partes d'Ąfrica produz a epizotia.
*Boletim meteorolņgico feito a 0h. 43m. de Greenwich ou 1h. 51m. do
Bihé*.
--------+---+-----+------+------+----+------------+-----------------------
Mez. |Dia| [E] | [F1] | [F2] | [G]|Direcēćo do | Estado da Atmosphera.
| | | | | | Vento. |
--------+---+-----+------+------+----+------------+-----------------------
Marēo | 25|628.7| 22.9 | 20.2 | 40 |S.S.O. fraco|{Durante a noute
| | | | | | |{trovoada, hōje ceo
| | | | | | |{limpo
| | | | | | |
" | 26|629.6| 22.1 | 20.0 | 2 |O.S.O. fraco|{Nublado de noute,
| | | | | | |{de dia cirrus.
| | | | | | |
" | 27|629.1| 21.0 | 20.1 | 31 |E. forte |Chuva durante a noute.
| | | | | | |
" | 28|628.8| 21.5 | 21.2 | 0 |Calma |Algumas nuvens, cirrus.
| | | | | | |
" | 29|629.0| 22.3 | 21.6 | 0 | " | " " "
| | | | | | |
" | 30|630.0| 22.0 | 21.0 | 0 | " | " " "
| | | | | | |
" | 31|629.5| 21.5 | 20.8 | 0 |E. forte |Nublado.
| | | | | | |
Abril | 1|630.5| 20.2 | 19.4 | 17 |Calma |{Nublado. De noute
| | | | | | |{trovoada a N.O.
| | | | | | |
" | 2|629.3| 19.8 | 19.1 | 0 |E. forte |Algumas nuvens, cirrus.
| | | | | | |
" | 3|630.0| 20.9 | 19.1 | 0 |E. moderado | " " "
| | | | | | |
" | 4|630.3| 21.5 | 20.2 | 0 | " | " " "
| | | | | | |
" | 5|630.5| 21.8 | 20.6 | 0 | " | " " "
| | | | | | |
" | 6|630.0| 21.1 | 19.2 | 0 | " | " " "
| | | | | | |
" | 7|629.3| 21.8 | 19.7 | 0 | " | " " "
| | | | | | |
" | 8|628.1| 22.5 | 19.8 | 0 | " | " " "
| | | | | | |
" | 9|629.6| 22.2 | 20.6 | 0 |Calma | " " "
| | | | | | |
" | 10|629.0| 21.8 | 19.9 | 0 | " |Ceo limpo.
| | | | | | |
" | 11|629.8| 21.9 | 19.8 | 0 | " | " "
| | | | | | |
" | 12|627.8| 21.8 | 19.8 | 0 | " |Alguns cirrus.
| | | | | | |
" | 13|629.5| 22.0 | 20.1 | 0 | " |Nublado.
| | | | | | |
" | 14|630.0| 22.5 | 20.2 | 0 | " |Alguns cirrus.
| | | | | | |
" | 15|630.5| 21.6 | 19.6 | 0 |E. forte. |Ceo limpo.
| | | | | | |
" | 16|629.8| 21.6 | 19.7 | 0 |Calma |Alguns cirrus.
| | | | | | |
" | 17|630.0| 22.0 | 18.6 | 0 |E. forte. | " "
| | | | | | |
" | 18|630.0| 22.2 | 20.3 | 0 | " | " "
| | | | | | |
" | 19|630.4| 22.5 | 20.1 | 0 |E. moderado | " "
| | | | | | |
" | 20|630.2| 22.0 | 20.2 | 0 | " | " "
| | | | | | |
" | 21|629.8| 19.9 | 15.5 | 0 | " |Ceo limpo.
| | | | | | |
" | 22|629.6| 19.9 | 16.1 | 0 | " | " "
| | | | | | |
" | 23|630.0| 20.5 | 18.3 | 0 |E. forte | " "
--------+---+-----+------+------+----+------------+-----------------------
*Legenda*:
[E] Barņmetro
[F1] Thermņmetro seco
[F2] Thermņmetro molhado
[G] Chuva em milimetros
Nćo existe ali a molestia que mata tantos cavallos no Transvaal e no
Calaįri, a que os inglezes chamam _Horse-sickness_. Em toda a parte o
gado suino prospera e desenvolve-se como na Europa, sendo facil a
conservaēćo da carne, o que jį nćo acontece perto da costa.
O paiz até ao Cuanza, e ainda para ąlém, tem grande carencia de sal,
sendo todo o que ali se gasta proveniente da costa.
Nćo ha minas de sal gemma, e as ąguas, mesmo as das lagoas, sam
potaveis.
N'este succinto resumo, procurei compendiar o resultado das minhas
observaēões, dando uma noticia geral do paiz, e terminarei com um curto
juizo meu įcerca d'elle.
Collocado em uma posiēćo geogrąphica muito differente da do Transvaal, o
paiz comprehendido entre a costa e o Bihé, aproxima-se d'elle pelo
clima, e possue um solo mais fertil. A comparaēćo entre a mesma planta
vegetando nos dois paizes indica isso.
Tem uma populaēćo indģgena muito mais condensada do que a do Transvaal e
muito mais agricultora. Nćo é menos abundante em boas pastagens, e é
mais rico em florestas.
O Transvaal possue uma grande riqueza mineralņgica, que escaceia ali;
mas eu creio que estarį reservado a este paiz um futuro mais prņspero do
que įquelle, porque o Transvaal estį isolado do resto d'Ąfrica pelos
desertos ąridos e pela mosca zé-zź, em quanto estes terrenos estam em
facil communicaēćo com um interior quiēį mais rico.
[Figura 29A.--Viagem ao Cunene.
1. Rąpido da Libata Grande. 2. Rąpido de Canhacuto. 3. Rąpido de
Quiverequete.]
CAPĢTULO VII.
ENTRE OS GANGUELAS.
Passagem do Cuanza--Os Quimbandes--O sova Mavanda--Os rios Varea e
Onda--Fetus arbņreos--Atribulaēões--Escravos--O rio Cuito--Os
Luchazes--Emigraēćo de Quibocos--Cambuta--O Cuando--Leopardos--Os
Ambuelas--O sova Moem-Cahenda--Descida do rio Cubangui--Os
Quichobos--Peripecias--Parto para o Cuchibi.
No dia 14 de Junho, como eu tinha decidido, levantei campo, e įs 10
horas comecei a passagem do Cuanza, que durou duas horas.
[Figura 30.--Passagem do Cuanza.]
Prestou-me valiosos serviēos o meu barco de cautchuc da casa Macintosh
de Londres; mas ainda assim, o sova de Liuķca emprestou-me quatro
canōas, que muito me auxiliįram.
Nćo houve o menor accidente durante a passagem, e ao meio dia seguia a
leste internando-me no paiz dos Quimbandes. Tendo passado junto das
povoaēões de Muzeu e Caiįio, fui acampar pelas 2 horas a E.S.E. da
povoaēćo de Mavanda, junto da nascente do riacho Mutango, que corre a
N.O. para o Cuanza. As povoaēões ali nćo sam jį tćo sņlidamente
fortificadas como as de ąlém Cuanza. Os Quimbandes formam uma
confederaēćo, sendo o paiz dividido em pequenos estados, que se unem
sempre para protecēćo młtua. Todas as numerosas povoaēões em tōrno do
meu campo obedecem ao sova Mavanda, que é tributario do sova do Cuio ou
Mucuzo, na mesma margem do Cuanza um pouco ao N. A cousa que primeiro me
ferio a attenēćo entre os Quimbandes, foi o penteado das mulhéres, que
sam as mais extraordinarias que tenho visto. Algumas entranēam o cabello
de forma que, depois de ornado com buzio (caurim), assimelha um chapéo
de dama Europea.
[Figura 31.--Homem e Mulhér Quimbande.]
Outras dam-lhe tal forma, que parecem trazer na cabźēa um capacete
Romano.
O buzio (caurim) é distribuido ou accumulado com profusćo nas cabeēas
feminiz, e o coral branco ou encarnado aparece ainda, mas muito mais
raramente, do que entre os povos de Oeste-Cuanza.
O cabello, n'estes penteados estupendos, é fixo com um cosmčtico
nauseabundo, massa formada de tacula em pó e ņleo de ricino, que lhe dį
uma cōr avermelhada. O ņleo de ricino é preparado em grande quantidade
entre estes povos. Depois de extrahirem as sementes do _Ricinus
communis_, dam-lhe uma ligeira torrefacēćo e reduzem-n-as a pó. Este pó
conservado por muitas horas em ągua ebulliente, fornece o ņleo, que a
frio é separado grosseiramente da ągua, e guardado em cabaēas pequenas.
[Figura 32.--Raparigas Quimbandes.]
Estes povos nćo o empregam como purgante. Notei logo, que o typo
feminino entre os Quimbandes se approxima um pouco do typo caucasio, e
vi algumas mulhéres que se poderiam chamar bonitas se nćo fossem prźtas.
Logo que cheguei, mandei um pequeno presente ao sova Mavanda, que me
agradeceu muito, mandando contudo pedir-me uma camisa.
Igual pedido me tem sido jį feito por outros, o que mostra a tendencia
que t[~e]m para se vestirem.
Os homens Quimbandes cobrem a sua nudez com duas pelles de pequenos
antģlopes que cahem adiante e atraz de um largo cinto de couro de boi.
Só os sovas usam pelles de leopardo. As mulhéres andam quasi nuas, e
algum farrapo de pano, ou de liconte, substitue a folha de vinha
cląssica.
No dia seguinte logo de manhć, viéram uns portadores do sova dar-me
parte, de que a gente que eu esperava chegara de noute į outra margem do
Cuanza, onde estavam acampados.
Nćo dei o menor crčdito į noticia, porque, jį conhecedor das manhas do
gentio, sabia que elles t[~e]m costume de indagar o que mais desejamos,
para nos virem burlar com uma noticia agradavel e pedir alvģēaras.
Contudo, disse ao indģgena que me certificou tel-os visto, que fōsse a
elles, e pedisse ao Doutor Chacaiombe, que me mandasse um signal seu
para ficar certo de que vinha a caminho.
Ainda de manhć, o sova Mavanda mandou-me uns enviados dizendo, que sahia
n'aquelle dia a combater uma povoaēćo vizinha onde um seu słbdito se
revoltara contra o seu poder, e ao mesmo tempo pedindo-me que o
auxiliasse n'aquella campanha. Recussei dar-lhe auxilio, mas procurei
fazel-o de modo a nćo me indispor com o sova, o que consegui com bōas
razões.
Seria meio-dia, quando passou junto ao meu campo o exčrcito de Mavanda.
Į frente ia, em pau muito alto, uma bandeira tricolor como a Francesa,
mas com as cores invertidas. Depois seguiam-se dois homens levando a pao
e corda uma enorme caixa de pņlvora, provavelmente vazia. Seguia-se o
sova rodeado dos seus grandes, e após este estado maior o exčrcito a 1
de fundo. Seriam uns 600 homens armados de arcos e frechas, levando ao
tōdo 8 espingardas. Alguns passos į frente da bandeira, dois prźtos
tocavam os tambores de guerra, fazendo um barulho infernal.
Ao anoutecer voltou o exčrcito sem ter combatido; porque o inimigo
rendeu-se į discriēćo.
Logo que passįram o meu campo, principiįram a fazer exercicio, simulando
um ataque į povoaēćo do rčgulo.
Estendéram em linha de atiradores, tomando a bandeira o centro da linha,
e sempre atraz d'ella a caixa da pņlvora e o sova.
Esta grande linha singela, porque cada homem estava isolado, comeēou a
envolver a povoaēćo, jį avanēando, jį recuando, sempre em accelerado.
A uma vóz do sova, precipitįram-se sōbre a povoaēćo, dando saltos
enormes, e fazendo tōda a especie de momices que usam para aterrar os
adversarios, com uma grita infernal.
Quando eu pensava que elles iam direitos a suas casas atacar o jantar,
vejo que voltavam į posiēćo que tinham antes do ataque, e que reunidos į
voz do chefe, entravam na povoaēćo na mesma ordem de marcha em que
tinham sahido.
Į noute voltou o Quimbande a dizer-me, que estźve com o meu doutor, mas
que elle nćo lhe quizera dar signal algum para mim. Vi que se
verificavam as minhas previsões, e que era tudo falso.
O meu acampamento dava-me serios receios, porque, coberto de erva sźca,
podia incendiar-se de um momento a outro, e os meus prźtos, transidos de
frio, nćo calculavam o perigo, e alimentavam dentro das barracas
fogueiras enormes.
Desde o rio Cuqueima até Mavanda, e ainda mais ąlém, produz
vigorosamente a cana de assucar e o algodoeiro. Os Quimbandes cultivam o
algodćo, que fiam para fazer linhas onde enfiar o buzio e a missanga.
No dia seguinte, continuįram a asseverar-me, que os carregadores estavam
na margem do Cuanza, e nćo podiam passar o rio por nćo lhes emprestarem
as canōas as indģgenas d'ali.
Decidi-me a mandar lį o Augusto, acompanhado de um guia Quimbande.
Pelas 11 horas, chegou um enviado do sova, a participar-me que este
viria visitar-me.
Pouco depois chegava Mavanda, rodeado da sua cōrte, e se ficou espantado
a olhar para mim; eu nćo fiquei menos a olhar para elle, porque era o
maior homem que tenho visto em minha vida. A uma altura enorme reunia
uma grossura e gordura verdadeiramente phenomenal. Cobria a cintura com
um panno usado, sobre o qual cahiam trźs pelles de leopardo.
Muitos amulźtos lhe pendiam de um collar de missangas.
Se Mavanda é grande, possue coisas grandes tambem, porque me trazia de
presente o maior boi que vi em Ąfrica.
Depois dos extensos comprimentos do costume, elle disse-me ex-abrupto,
que me vinha pedir um favor, e era o de lhe fazer um curativo ao rebanho
de gado bovino, que costumava ir pastar muito longe, prenoitando įs
vezes fora do curral, e sendo, nas florestas em que se acoutava, atacado
por feras que lhe causavam grande damno.
Dei-lhe immediatamente o remedio com um conselho, e foi elle, o de ter
um pastor; porque, se o gado entregue a si mesmo ia longe, se fosse
guiado įs pastagens iria onde o pastor o conduzisse. Elle nćo achou mao
o conselho, e disse-me, que apesar de ser contra os usos do paiz o fazer
vigiar o gado, daria um pastor ao seu, para evitar as contģnuas perdas.
Mostrei-lhe o realejo, as armas, etc., atirei diante d'elle, e vi-o com
prazer caminhar de espanto em espanto. Pela tarde retirou-se muito
satisfeito, e nos melhores termos de amizade.
Logo que se retirou o sova, chegįram uns enviados do sova Capōco com uma
carta para mim. Dava-me noticia do Chacaiombe, e dizia-me, que me
mandava os carregadores, pedindo-me para eu consentir, que fōsse comigo
uma comitiva sua, que desejava enviar aos sertões do Zambeze a fazer
negocio.
Em vista da carta, decidi demorar-me ali uns 6 dias a esperar os
carregadores, nćo contando muito, ainda assim, que elles viessem, e
n'esse sentido respondi ao sova Capōco.
Em vista d'aquella deliberaēćo, ordenei a reconstrucēćo do acampamento
para o dia seguinte, mandando cobrir todas as barracas de ramos verdes,
com receio de um incendio.
[Figura 33.--Os Bihenos construindo as Barracas nos Acampamentos.]
No dia seguinte, houve grande actividade na reconstrucēćo do campo, que
estava prompto ao meio-dia, apresentando um bonito aspecto.
O campo era formado de barracas cņnicas, de troncos de ąrvore, medindo
trźs metros de diąmetro na base, por dois e meio de alto.
A minha barraca, feita pelos Bihenos com mais esmero do que as outras,
media cģnco metros de diąmetro na base, por trźs e meio de alto.
[Figura 34.--Esqueleto da Barraca.]
O acampamento era formado por uma linha circular de barracas, ligadas
por uma fileira de abatizes de ąrvores espinhosas.
A minha barraca occupava o centro, e em frente d'ella as cargas estavam
em pilha. A minha gente de serviēo estabeleceu o seu campo em tōrno de
mim, ao alcance da voz.
Tinha finalizado o trabalho do campo, quando me viéram avisar de que uns
enviados do sova do Gando me procuravam. Mandei-os vir ą minha presenēa,
e conheci em um d'elles um dos grandes do sova, que tinha visto junto
d'elle no Gando. Traziam-me uma carta, e uma encomenda, que nćo sei que
sovźta lhe tinha enviado para mim.
Abri a carta, e vi ser ella do meu amigo Galvćo da Catumbella, que me
enviava um presente, que tinha dirigido ao Bihé, julgando que eu
estivesse ainda ali. A bōa harmonia que eu tinha guardado com as
povoaēões por onde passei, fez com que aquella carta e o presente
chegassem até mim vindo de mćo em mćo.
Abri a caixa, e encontrei uma porēćo de passas de Mąlaga, que viéram a
propņsito adoēar um pouco a monotonia da minha jį bem pobre alimentaēćo.
[Figura 35.--Barraca concluida em uma hora.]
Na carta dava-me elle algumas noticias da Europa, as łltimas que tive
até chegar a Pretoria. Pensei n'isso entćo; e, quam profunda nćo foi a
minha tristeza ao lembrar-me de quanto tempo teria de ficar sem noticias
dos meus, noticias que jį me faltavam havia tanto!
Deitei-me debaixo de uma triste impressćo de saudade. Ao alvorecer,
viéram avisar-me, de que uma pequena comitiva, capitaneada por um prźto,
levando cźra, se dirigia ao Bihé. Mandei chamar o chefe, e pedi-lhe que
me levasse uma carta, que entregaria a alguem no Bihé, pedindo-lhe que a
fizesse chegar a Benguella. Elle accedeu, dizendo-me logo, que nćo se
podia demorar, porque queria ir dormir junto ao Cuqueima.
Tinha pouco tempo; æa quem escrever? Nćo podia perder este portador do
accaso para dizer aos meus: Ainda sou vivo.
Peguei na penna, e escrevi algumas linhas ao Doutor Bocage. Na carta
inclui dois pequenos bilhetes, um para minha mulhér, outro para Luciano
Cordeiro.
O chefe da pequena caravana, jį impaciente, recebeu a carta e partio.
Hōje sei que aquella carta chegou į Europa, e foi recebida pelo seu
destinatąrio. Como ella foi do Bihé a Benguella nćo sei.
Era essa protecēćo que tinha levantado em volta de mim Silva Porto, que
ainda se fazia sentir.
O sova Mavanda passou o dia comigo, e conversįmos muito. Eu dei-lhe
alguns pequenos objectos, e entre elles uma caixa de fņsforos, com que
ficou maravilhado.
Na occasićo de retirar-se, disse elle aos seus macotas estas palavras,
que me impressionįram pela figura empregada.
"Nćo vźdes de longe um pąssaro que vōa muito alto, e vai pousar em
ąrvore distante, e dizeis é uma rōla; depois caminhaes e abeirais-vos
d'elle, e ficais admirados do tamanho; era uma ąguia. Assim foi o
Manjóro (nome que me davam); passou ao largo da povoaēćo, e nós dissémos
é a rōla; agora vivemos com elle e conhecemo-l-o, e dizemos, é a ąguia."
Nos passeios que dei nas cercanias, perseguindo os antģlopes, que sam
escassos, levantei a carta do paiz, ou antes, pude concluir a carta do
paiz comprehendido entre o Cuqueima e Cuanza.
O sova Mavanda mandou-me dizer, que o maior pedido que me podia dirigir
era, o de lhe eu dar um par de calēas. Resolvi logo fazer-lhe a vontade,
e chamei o velho Antonio.
Arvorei-o em Alfaiate, cousa que muito o sorprendeu, e enviei-o a tomar
medida įs calēas do sova. Talhei depois as calēas, que fōram cosidas
pelo velho Antonio, e levįram 5 jardas de algodćo largo!! Este rei é um
verdadeiro hippopņtamo, mas muito boa pessōa.
No dia 20 de manhć, veio um enviado do sova dizer-me, que, por ser entćo
a čpocha em que festejam uma especie de carnaval, o sova, para me fazer
honra, viria ao meu campo mascarado, e danēaria diante de mim.
[Figura 35A.--Ganguelas į Quimbandes.]
Pelas 8 horas, chegįram os batuques, e juntou-se grande concurso de
pōvo.
Meia hora depois, appareceu o sova, com a cabźēa mettida em uma cabaēa,
pintada de branco e prźto, e o enorme corpo augmentado por uma armaēćo
de varas coberta de liconde, igualmente pintado de prźto e branco.
Um saio de clinas e caudas de animaes, completavam o trajo.
Logo que elle chegou, os homens formįram em linha, com os batuques a
traz, e as mulhéres e rapazis desviįram-se para longe. Comeēįram os
batuques, e os homens immoveis do corpo, cantando as suas monņtonas
toadas e batendo as palmas.
[Figura 36.--O sova Mavanda vem danēar mascarado ao meu campo.]
O sova foi collocar-se a uns trinta passos em frente da linha, e comeēou
uma brutesca danēa, em que parecia fera enraivecida; conquistando os
maiores applausos da sua e da minha gente. Meia hora depois, correu, e
foi sumir-se na sua povoaēćo, sendo seguido pelos seus. Pouco tempo mais
tarde, voltou ao meu campo, jį sem o seu trajo feroz, e andou comigo até
į noute. Decididamente eu tinha-lhe cahido em graēa.
Tinha aproveitado tōdo o tempo que podia tirar aos meus trabalhos, dando
melhor arrumaēćo įs cargas, tendente a diminuir o nłmero d'ellas. A
fazenda que tinha era jį quasi nenhuma, e tōda a minha riqueza monetaria
consistia em um saco de buzio e na missanga comprada ao José Alves; mas
o gasto, para sustentar a minha gente, era grande, e eu via com horror a
diminuiēćo do meu pequeno haver. No paiz a caēa era pouca e miüda, pois
apenas se encontravam algumas gazellas (_Cervicapra bohor_).
[Figura 37.--Mulhér Quimbande carregada.]
”Quantas vezes a pobre rima pouco volumosa das fazendas e missangas me
nćo despertava uma atroz angłstia!
”Quantas vezes uma dōr pungente me nćo cerrava o coraēćo, fazendo-me
antever um futuro bem sombrio!
”Quantas vezes ficavam sem resposta as caricias da minha cabrinha Cora,
e os cantares folgazćos do meu meigo papagaio, que voava para o meu
hombro pedindo-me uma meiguice!
”Quantas vezes uma fé sem limites me invadia o coraēćo, e o desalento
era banido do meu ąnimo!
A razćo queria lutar contra esses raios de infundada esperanēa que me
alegravam o espģrito; mas essa esperanēa era tćo tenaz que procurava
argumentos e sophismas para combater a razćo.
Sam momentos indescriptiveis, essas lutas do espģrito, estando o homem
isolado, sendo elle mesmo o pro e o contra das suas idéas, sem um amigo,
ou um inimigo, que lhe adule um pensamento ou lhe combata outro.
Fui joven e tive amores, e com elles as penas dos amores; fui pai, e vi
morrer-me nos braēos uma filha que adorava; mas confesso que nunca senti
n'alma tćo profunda tristeza, tćo cruel melancolia, como a que por
vezes, em dias aziagos, experimentei em Ąfrica.
Só! sózinho, no meio de uma multidćo ignara, e estridente, cuja lģngua e
falares nćo comprehendia, tinha momentos horriveis, que se traduziam
logo em febre e doenēa!
Nćo conto como soffrimento as fomes, as doenēas, a miseria. Nćo! que
homem é e deve ser superior į materia bruta, que deve dominar, para se
afastar do irracional.
O soffrimento é a dłvida. O soffrimento é nćo saber como se hade vencer
o abysmo que a razćo nos mostra cavado ante os passos que queremos dar.
O soffrimento é ver dezenas de pessōas, que nos acompanham cégas,
dizendo: "Elle sabe o que faz;" e que arrastamos com-nosco ao abysmo! O
soffrimento é a responsabilidade tremenda da missćo que nos imposémos.
Se me nćo importava hōje muito que os meus detractores experimentassem
um pouco da fome, da sźde e das privaēões que passei; nćo lhes desejo,
mesmo a elles, que soffressem a millesima parte do que eu soffri
moralmente. É verdade, que, para soffrer como eu soffri, é preciso ter
alma, coraēćo e uma consciencia.
A carta que de Mavanda escrevi ao D^{or.} Bocage, ressentia-se jį do que
eu soffria entćo. Foi escrita n'um dos meus dias nebulosos.
Deixemos porem esta divagaēćo, que pouco interessa; e falemos dos
acontecimentos de entćo.
Os Quimbandes fabricam alguns objectos de ferro e de madeira, muito mais
perfeitos do que os fabricados no Oeste-Cuanza.
[Figura 38.
1. Cachimbo. 2, 2. Facas. 3, 3. Cacetes de guerra.]
O frio de noute era muito intenso, e jį era grande a differenēa entre as
mąximas e as mģnimas. Apesar da carta que recebi do sova Capōco, nćo
acreditava muito na promessa dos carregadores, nem na volta do meu
Doutor Chacaiombe; e por isso, ia sempre reduzindo as cargas quanto era
possivel; o que só podia fazer distribuindo o conteudo de uma pelas
outras. Isto tinha um limite, com o limite do peso que podiam carregar
os homens.
Estąvamos a 22 de Junho, dia em que expirava o prazo que eu decidira
esperar por os carregadores do sova Capōco.
A minha angłstia era grande, e só entćo avaliei bem o mao bocado porque
t[~e]m passado outros exploradores, tendo de abandonar cargas que lhes
sam absolutamente precisas.
A escōlha é cousa sčria, quando todas se nos afiguram indispensaveis.
O pouco que de commodidades eu levava jį tinha sido abandonado; o resto
de algumas latas de comida dei-as aos muleques.
Os meus carregadores, vendo o meu embaraēo, pedem-me que os carregue até
ao mįximo pźso com que podérem caminhar; mas, ainda assim, é impossivel
ir tudo.
Depois de todas as reducēões, e de ter distribuido as cargas, ficam 4
sem carregadores.
Sam ellas as duas do meu barco Macintosh, um barril de ągua-ardente, e
50 libras de pņlvora.
Decidi abandonar o barco, com grande pesar, e pedir ao sova Mavanda dois
homens para me levarem a pņlvora e o barril d'ągua-ardente de
acampamento em acampamento, até que dois dos meus carregadores ficassem
sem carga, o que nćo tardaria a succeder pelo grande gasto que faziamos.
O sova tomou conta do barco, e deu-me os dois homens que lhe pedi,
ficando tudo prompto para seguirmos no dia immediato.
Levantei campo no dia 23 įs 8 horas, e depois de trźs e meia horas,
cheguei į margem esquerda do rio Varea, que passei sobre uma soffrivel
ponte de madeira.
O sovźta de Divindica, povoaēćo que assenta na margem esquerda do Varea,
na confluencia do riacho Moconco, veio pedir-me alguma cousa pela
passagem da ponte, e dando-lhe eu quatro jardas de fazenda, retirou-se
satisfeito.
[Mappa 4.--O Paiz dos Quimbandes]
O rio Varea corre ali ao N., e vai affluir ao Cuime. Tem 25 metros de
largo por 2 de fundo, e pequena corrente, nćo tendo cataractas a jusante
de Divindica. Marquei a uma milha ao sul as povoaēões de Moariro e
Moaringonga.
Segui a leste, indo acampar, pelas 2 horas, na margem esquerda do rio
Onda, em frente į grande povoaēćo de Cabango, capital dos povos
Quimbandes de Leste.
Eu levava duas garrafas de vinho do Porto de 1815, resto de um presente
do meu amigo E. Borges de Castro, e ao chegar ao ponto em que acampei, o
muleque Moero, que as levava, cahio, quebrando-se uma d'ellas, e
entornando-se o precioso nectar, sem que se podesse aproveitar uma gōta.
Desde Mavanda até įs nascentes do riacho Moconco, cujo curso segui até į
confluencia com o Varea, a vegetaēćo arbņrea é esplčndida, e no cimo dos
montes que marginam o riacho é tambem pomposa. Para ąlém do Varea é
ainda mais rica.
Desde que passei o Cuanza ouvia falar no rio Cuime, como o rio maior do
paiz dos Quimbandes, affirmaēćo que me era confirmada pelos grandes
affluentes que lhe ia encontrando, o que me fazia arder em desejos de
lhe ir lanēar uma vista d'olhos.
Do Cuanza a leste o planalto apresenta um aspecto muito differente do
que até ali.
As paizagens sam mais pintorescas e nćo apresentam a monotonia do Bihé.
Os rios e ribeiros cavam os seus leitos mais fundos, tornando mais
sensiveis os accidentes do terreno. As margens dos rios e ribeiros ąlém
dos limites das cheias, jį se apresentam cobertas de vigorosa vegetaēćo
arbņrea, e a vegetaēćo arborescente forma barreiras impassaveis nas
florestas.
Na parte leste do paiz dos Quimbandes, a populaēćo comeēa a rarear. O
sova de Cabango é ainda tributario do sova do Cuio ou Mucuzo.
Os costumes d'estes povos sam os mesmos dos Bihenos, salvo na
actividade, que é entre os Quimbandes substituida pela mais vergonhosa
preguiēa.
Os Quimbandes andam quasi nus, nćo trabalham, nćo viajam e nćo negociam.
Poucos t[~e]m espingardas, por nćo terem com que as comprar. Jį apanham
alguma cźra, que os Bailundos lhes v[~e]m permutar a buzios e missangas,
mas isto em pequenissima escala.
A terra é cultivada pelas mulhéres, e a sua producēćo é rica. O que mais
tenho visto nas plantaēões é mandioca e ginguba.
Este paiz deve merecer particular attenēćo. Cortado com rios navegaveis
que vam affluir a um grande traēo navegavel do Cuanza; tendo um clima
magnģfico e ubčrrimos terrenos, onde produz bem o algodćo, a canna de
assucar, os cereaes e virentes pastagens, occupado por uma populaēćo que
facilmente se submette, estį nas melhores condiēões de um
desenvolvimento rąpido.
No dia 24 de Junho passei o rio Onda, e fui acampar na sua margem
direita, trźs milhas ąlém do meu campo anterior.
O rio Onda tem, em Cabango, 15 metros de largo por 5 de fundo, e vindo
de leste corre depois a N.O. a affluir ao Varea.
Depois de ter determinado a posiēćo do meu acampamento, fui passear rio
acima, e encontrei bastante caēa. Logo acima de Cabango, o Onda estreita
a 10 metros, mas profunda a 6, tendo uma corrente de 10 metros por
minuto; corrente que se estende até ao fundo; o que me foi denunciado
nćo só pela sonda, mas tambem pela inclinaēćo que tomam as plantas que
vegetam no fundo; o que se vź facilmente, por serem as ąguas muito
crystallinas e o fundo de area alvissima.
[Figura 39.--Ditassoa, peixe do rio Onda.]
N'este rio nćo vi outro peixe, a nćo ser um que os naturaes chamam
_Ditassoa_, e que é soffrivel.
Percorrendo as margens do rio, vi, a distancia, um grupo de ąrvores que
se destacava da paizagem, e que julguei serem palmeiras; mas
aproximando-me reconheci um lindo grupo de Fetus arboreos, da mais
elegante belleza.
As margens do rio sam cortadas verticalmente, e por isso apresentam
junto į borda a mesma profundidade que no meio.
Retirei do meu passeio, satisfeito com o que vira. O rio Onda era outro
rio navegavel, outra estrada natural, que encontrava n'este soberbo
paiz.
Ao chegar ao meu campo aguardava-me uma agradavel sorpresa.
O Doutor Chacaiombe foi a primeira pessōa que veio comprimentar-me.
Eu, que julgava nćo mais vel-o, saudei-o com o maior jłbilo, porque o
seu desapparecimento era uma nuvem nźgra na minha viagem.
[Figura 40.--Fetus arbņreos das margens do rio Onda.]
Jį por vezes tenho falado no Doutor Chacaiombe, e nćo disse quem era.
Este homem foi o adevinho que, em casa do filho do capitćo do Quingue,
me predisse as cousas mais agradaveis a respeito do meu futuro.
Accumulando as funcēões de cirurgićo com as de adevinho, veio elle
estabelecer-se junto a mim no Bihé, e nćo mais me deixou até que se
encarregou da missćo de obter carregadores no Capōco, d'onde julguei que
nćo mais voltaria.
Depois de muitos comprimentos, annunciou-me Chacaiombe que os
carregadores chegariam dentro de dois dias, e eu resolvi esperal-os.
O meu Augusto veio dar-me parte, de que o sova de Cabango viera
visitar-me, e se retirara muito contrariado por me nćo encontrar.
Mandei logo o pombeiro Chaquiēonde ao sova, pedir-lhe dois homens para
mandar a Mavanda buscar o barco que ali tinha deixado, com bem pesar meu
e da minha gente, que viram os serviēos que elle nos prestou nas
passagens do Cuqueima e do Cuanza.
Fui em seguida enxugar-me ao fogo, pois que cheguei do rio muito
molhado, e ainda me lembrava com horror do rheumatismo no Bihé.
No dia seguinte, parti de madrugada para a caēa, dirigindo-me ao norte,
onde o paiz é coberto de densas florestas. Depois de ter andado oito
milhas, encontrei o rio Cuime, a jusante da sua grande cataracta. Voltei
e jį era noute quando alcancei o meu campo, extenuado de fadiga; mas
tendo feito boa caēada, e tendo visto o rio que ardia em desejos de ver,
e que effectivamente é uma via importante, sendo como me assegurįram os
naturaes, navegavel desde a sua grande cataracta até ao Cuanza.
No seguinte dia, voltei ao rio Onda, e ali sorprendeu-me a vista mais de
uma povoaēćo que divisava ao longe. Ao approximar-me, conheci que eram,
nćo povoaēões de prźtos, mas sim de formigas brancas (_termites_), que
juntavam em grandes grupos as suas construcēões cņnicas, cuja cōr
alvacenta, devida į da argila que iam buscar ao sub-solo, lhes dava toda
a apparencia de aldeas de indģgenas. De volta ao meu campo, encontrei o
sova de Cabango, que ali tinha chegado havia pouco, com uma comitiva de
60 homens e muitas mulhéres.
[Figura 41.--Mulhér de Cabango com o ferro de coēar a cabeēa.]
Esta gente, que se apresenta quasi em completa nudez, faz consistir todo
o seu luxo nos penteados. Variam-n-os ao infinito e sam elles
verdadeiras obras d'arte, e t[~e]m technologia propria.
Nas mulhéres o cabello, que fica em forma de cimeira de elmo Romano,
chama-se _tronda_, e o que cae em trancinhas, dos lados, _cahengue_.
Os penteados masculinos, que formam tufos encrespados, chamam-se
_sanica_.
O sova offereceu-me um boi, e eu dei-lhe um presente com que elle
pareceu retirar-se satisfeito.
Chegįram n'esse dia os carregadores que vinham do Capōco e eram apenas
quatro, mas eram os sufficientes, sendo dous para o barco, e outros dous
para alliviar algumas cargas mais pesadas.
Į noute os meus prźtos e os da terra fizéram grande batuque, que durou
até depois das 10 horas.
[Figura 42.--Homem de Cabango.]
O frio de noute continuava intenso, sendo que įs 3 e meia horas da manhć
d'esse dia, o thermņmetro marcara 0°C. A desigualdade entre a mąxima e a
mģnima era jį muito extraordinaria, e grande a seccura da atmosphera,
como se verį dos boletins meteorolņgicos.
O sova voltou a ver-me, e deu-me alguns esclarecimentos sobre o paiz.
Diz elle, que jį nćo reconhece a soberania do sova do Cuio ou Mucuzo, e
se considera independente.
As matas t[~e]m muita cźra, e os Bailundos v[~e]m ali permutal-a a buzio
(caurim) e missangas. Trabalham em ferro, e fazem machados grandes,
balas e facas.
Os machados de guerra, frechas e azagaias, v[~e]m-lhes dos Luchazes, e
as enxadas dos Ganguelas, Nhembas e Gonzellos.
[Figura 43.--Homem de Cabango.]
Este soba, que se chama Chaquiunde, é um pouco falto de probidade, o que
nćo admira muito. Veio, depois de larga conversa, fazer-me exigencias,
allegando ter-me dado um boi. Vi-me na necessidade de o pōr fora do
acampamento; mas elle, vendo a aspreza com que eu o tratava, mostrou-se
contente, e explicou a sua impertinencia, desculpando-se com os seus
macotas, que o tinham aconselhado a fazer grandes exigencias, e que o
que pedia era para elles, pois que a elle eu tinha dado um presente
superior ao valor do boi.
Tendo chegado os dois Quimbandes com o meu barco, resolvi seguir no dia
immediato.
O dia 28 amanheceu frigidissimo, pois que o thermņmetro, įs 6 horas
marcava apenas dois graos acima de zero; e por isso pude só levantar
campo įs 8 horas, indo acampar įs 10 e 40 junto da margem do Onda, tendo
andado a E.S.E.
Precisava fazer pequenas marchas, porque os meus carregadores iam muito
pesados.
O terreno desde o rio Varea até ali é coberto de uma camada arenosa,
sendo o sub-solo formado por uma argila de cōr cinzenta, variando desde
o branco sujo até ao azul acinzentado.
Junto ao leito do Onda o solo é formado por uma forte camada de humos,
que ainda assim assenta sobre o sub-solo da mesma argila acinzentada.
Junto ao rio vi alguns montes termģticos, apresentando a cōr azul
cobalto.
O terreno das clareiras é habitado por uma especie de termites
differente d'aquella que habita as florestas. As termites das clareiras
construem montes mamelados, apresentando o aspecto de cones truncados
cobertos por cłpulas hemisphčricas, tendo de 80 centģmetros a um metro
de diąmetro na base, por igual altura. Nas florestas formam ellas
verdadeiros cones, tendo de 4 a 6 centģmetros de diąmetro na base, por
25 a 30 centģmetros de altura.
Sam muito approximados, e semelham um eriēado de espinhos que parecem
brotar da terra.
Estas termites das florestas vam buscar os materiaes das suas
construcēões muito perto da superficie da terra, porque nas suas
architecturas figura como materia prima a terra vegetal que forma o solo
dos matos, e estas, apesar do cimento empregado, nćo t[~e]m a ligaēćo e
dureza das termites das clareiras, que, empregando uma argila
consistente, formam verdadeiras petrificaēões. Nas habitaēões das
termites das clareiras, apesar do seu interior ser formado de cčlulas
como as de um favo de abelhas, a bala Snider nćo penetra n'ellas a mais
de 10 centģmetros.
Como jį disse, nas encostas que abeiram o Onda, estas formigas accumulam
as suas habitaēões em limitados espaēos, figurando, a quem de longe as
vź, verdadeiras povoaēões Quimbandes.
Por espaēo de uma hora, depois que deixei o acampamento, caminhei na
margem do rio em terreno descoberto; mas depois entrei em uma esplčndida
floresta, cortada de riachos affluentes do Onda.
[Figura 44.--O Lago Liguri.]
Por vezes, a floresta tomava o aspecto de um d'esses grandes parques do
norte da Europa, onde uma viēosa relva cobria completamente o solo. No
meio da mata os meus passos fōram suspensos para contemplar uma das mais
pintorescas paizagens que tenho visto.
Uma vasta clareira era occupada por uma lagōa de ągoa crystallina e
fundo arenoso. Ąrvores enormes assombravam o pequeno lago, que reflectia
os seus ramos de um bello verde-escuro, onde chilravam mil pąssaros.
A relva descia dos lados até į ągua, e só desapparecia para deixar logar
a uma arźa alva e fina. Os prźtos d'este paiz, que nćo sam muito poetas,
acham encanto n'este pequeno lago, a que chamam Lago Liguri, e em que ja
me haviam falado.
Tōdos os riachos d'este paiz t[~e]m as margens apaüladas, e na ągua
estagnada ha um depņsito de cōr vermelha, que ao principio atribui į
presenēa de ferro; o que conheci ser engano, porque o chį verde feito
com aquella agua nćo a denunciava ferrea, pela formaēćo do tanato de
ferro. Só, talvez, por uma accumulaēćo de animąlculos infusorios se
produzam aquelles depņsitos vermelhos.
Desde o Bihé, observei, que em tōdos os pontos onde ha ąguas estagnadas
abundam sanguesugas, mas n'estes cņrregos affluentes do Onda sam ellas
em maior nłmero.
O rio continła a ter entre 10 e 12 metros de largo, por 4 a 5 de fundo,
tem corrente muito insensivel. Abunda a caēa.
No dia seguinte, caminhei a S.E., sempre na margem direita do Onda, por
espaēo de trźs horas, sendo difficil a passagem de uma emmaranhada
floresta, e mais difficil ainda o vadear o ribeiro Cobongo, de 4 metros
de largo por 1 de fundo, e cujo leito lodōso embaraēava o andar.
Depois de trźs horas de caminho, afastei-me do Onda, seguindo a margem
do ribeiro Cangombo, que passei indo acampar na margem esquerda do
ribeiro Bitovo.
A 30 de Junho, segui a leste, aproveitando toda a margem do Bitovo, para
caminhar livre de floresta, e d'ali passei ao valle do ribeiro Chiconde,
cujo curso segui até ao Cuito, onde acampei. Fez-me profunda impressćo o
contemplar as aguas do ribeiro Chiconde, correndo velozes para o Cuito.
Até ali tinha encontrado ąguas correndo ao oceano Atląntico, e essas
ąguas, cujo murmurio acalentava o meu somno, eram como um laēo que me
prendia į minha patria, indo cahir no mesmo mar que banhava o meu
Portugal. Se ellas podessem converter o seu murmurio em falas, que de
saudades, que de angłstias que viram, podiam ir contar aos meus!
Ao deixar o Bitovo partio-se esse laēo que me ligava į costa do Oeste.
”Que pungente saudade nćo foi a minha!
Fazia um anno n'aquelle dia que eu fōra dar o abraēo de despedida a meu
velho pai, e recordou-me mais do que nunca que elle me deixara com o
presentimento de nćo mais me ver.
N'aquelle dia jį assentava o meu campo no paiz dos Luchazes, tendo
deixado o dos Quimbandes com o ribeiro Bitovo.
Viéram alguns homens e mulhéres das povoaēões da margem direita do Cuito
ao meu campo; mas nada trouxéram que vender, e nós precisąvamos de
comida. Prometźram contudo que no dia seguinte traziam algum Massango,
porque nćo cultivam milho nem mesmo Massambala.
Nos seus arimbos cultivam o Massango, alguma mandioca, feijćo fradinho,
ginguba, mamona e algodćo, tudo em pequena escala, apenas o necessario
para o consumo do cultivador.
Colhem bastante cźra, jį apanhada nas florestas, e jį de colmeas que
collocam sobre as ąrvores, e onde os enxames v[~e]m habitar.
A cźra é um gčnero, que elles permutam por peixe sźco do Cuanza, que os
Quimbandes ali vam levar. O rio Cuito ali nćo tem peixe.
Os povos Luchazes sam pouco viajantes, e apenas deixam as suas povoaēões
para fazerem pequenas caēadas aos antģlopes, afim de obterem pelles para
se vestirem.
A pequena cultura é feita por homens e mulhéres.
O sovźta que governa as poucas povoaēões da margem do rio Cuito é o
Muene-Calengo, que paga tributo a outro sova Muene-Mutemba, cuja
povoaēćo nćo pude precisar bem onde fica.
[Figura 45.--Luchaze das margens do rio Cuito.]
Estes Luchazes trabalham em ferro e fazem todas as obras de que
precisam. O ferro é encontrado no paiz.
Uma cousa łnica que vi entre os povos bąrbaros que visitei, é usarem os
Luchazes de isqueiros para fazerem fogo, com fusil e pederneira. As
pederneiras sam trazidas pelos Quibōcos, ou Quiōcos, que as v[~e]m
trocar a cźra; e os fuzis fabricados por elles sam de ferro forjado e
temperados em ągua fria, onde os lanēam estando o ferro rubro. A isca é
preparada com algodćo misturado com a amendoa, pisada, contida no
endocarpio de um fruto chamado Micha.
As mulhéres Luchazes usam cestos differentes dos empregados pelas
Quimbandes, e differentemente os trazem, porque sam suspensos da cabźēa
por uma larga tira de casca de ąrvore, e caem sōbre as costas.
Este modo de trazer os cestos impede-as de trazerem os filhos, como é
uso geral em Ąfrica, sobre os rins, trazendo-os ao lado.
No dia seguinte, viéram de manhć algumas mulhéres trazer massango; mas
em tćo pequena quantidade, que mais fez sentir a fome que jį tģnhamos.
[Figura 46.--Mulhér Luchaze carregada.]
O rio Cuito tem no ponto em que o passei 7 metros de largo por 1 de
fundo, com uma corrente de 25 metros por minuto.
É affluente do Cubango, e na sua confluencia assenta a grande povoaēćo
de Darico.
Nasce na planicie de Cangaba, onde t[~e]m nascente muito prņxima o Cuime
e o Cuiba, affluentes do Cuanza, e o Lungo-é-ungo, affluente do Zambeze.
[Figura 47.--Isqueiro dos Luchazes, Caixa da isca e Fuzil.]
Nćo podendo obter vģveres, resolvi seguir įvante, e quando dava ordens
para levantar campo, chegava į margem do rio Cuito uma comitiva de
escravos, capitaneada por trźs prźtos.
Apoderei-me dos trźs prźtos, e soltei todas as escravas, pois que na
comitiva nćo iam escravos. Fiz com que entrassem no meu campo, e
disse-lhes, que eram livres, e se quizessem acompanhar-me eu as fazia
chegar a Benguella.
Disse-lhes, que nada receiassem dos seus guardas, e que se convencessem
de que eram livres. Declarįram-me uma a uma, que nćo queriam a minha
protecēćo, e que as deixasse ir como tinham vindo.
æD'onde eram? Nćo m'-o sabiam dizer. æQue fazer? Repugnou-me leval-as
comigo a despeito seu. Depois de algumas instancias, resolvi deixar
aquellas desgraēadas seguirem o triste fado a que nćo queriam
esquivar-se.
Demais, æseria elle melhor se me seguissem? Nćo é facil, ainda que isso
se afigure na Europa, libertar uma leva de escravos, quando essa leva é
encontrada longe dos dominios Europeus.
Uma leva de escravos tem gente de naturalidades differentes, e muitas
vezes longinquas.
Se aquelle que os pode libertar os quizér restituir įs suas familias,
tem de percorrer uma grande parte d'Ąfrica į busca dos lares dos seus
protegidos, o que é prąticamente impossivel.
Abandonal-os e dizer-lhes:--_Ide-vos_--é fazel-os novamente escravos dos
primeiros povos que encontrarem.
Muitas vezes, aquelles desgraēados, arrancados das povoaēões em tenros
annos, perdźram da memoria o sitio onde nascźram, e falando jį uma
lģngua differente da que balbuciįram crianēas, e esqučcźram longe dos
seus, t[~e]m por sua patria a terra da escravidćo, e nćo conhecem outra.
Hōje, depois que os navios de guerra, Portuguezes e Inglezes, cruzam no
Atląntico e no Ģndico, e impedem a exportaēćo do homem, a escravatura é
gčnero de permutaēćo apenas no interior, e o seu systema tem-se
modificado.
O escravo apparece em Ąfrica por dois modos. Ou é o prisioneiro de
guerra, ou é o gčnero de pagamento de dģvida pelos parentes.
Outrora fazia-se a guerra expressamente para se fazer o prisioneiro, e
infelizmente ainda hōje se faz, posto-que em menor escala.
O ente humano dado, pelo parente proletario, em pagamento da dģvida
contrahida, ou da multa decretada, é vulgar.
No caso de guerra, outrora todo prisioneiro servia para escravo, porque
lhe nćo era facil, adulto que fōsse, voltar da Amčrica į Ąfrica. O
Atląntico era garantia segura.
Os adultos mesmos, podendo logo produzir um trabalho maior, eram
preferidos ao adolescente e į crianēa.
Hōje nćo é assim. O homem feito foge, e tem sempre na idéa o voltar ao
ninho d'onde o arrancįram, e essa esperanēa nćo o abandona em quanto
pisa o continente onde tem seu paiz.
Disse-me a mim um negreiro:--_sam muito fugitivos_.
A crianēa, o adolescente e a mulhér, offerecem ao commerciante maior
garantia, porque, espģritos mais irresolutos, nćo ousam encarar o
pensamento de atravessar paizes enormes, para voltar ao seu.
Tem por isso mais valor, hōje, na Ąfrica Austral, a crianēa e a mulhér,
e nas levas de desgraēados que infelizmente ainda arrastam os duros
grilhões a travez do solo Africano, é raro vermos um homem feito.
Uma vez que falei na escravatura, direi ainda mais algumas palavras
sobre ella.
Portugal, a Inglaterra e a Franēa, t[~e]m, nos łltimos tempos, empenhado
uma verdadeira luta contra o commercio da carne humana, e as
modificaēões feitas nas antigas praxes Americanas, concorrźram para que
esse commercio diminuisse consideravelmente, e se modificasse
essencialmente na Ąfrica Austral.
Contudo, eu atrevo-me a dizer, que nćo serį ainda a geraēćo que ora
comeēa, aquella que verį desapparecer o escravo do solo Africano.
O mesmo principio que imperava outrora na Amčrica, fazendo colonisar com
os escravos, existe e existirį por muito tempo em Ąfrica.
Os governos prźtos tambem t[~e]m a sua polģtica colonisadora, e entre
elles e os logares de procedencia do escravo, falta-nos um Oceano, onde
possamos fazer singrar as nossas esquadras, e proteger os mesquinhos com
as nossas baterias d'aēo. Só os principios civilisadores poderįm fazer
cessar um dia a escravidćo; mas infelizmente esse dia estį longe, porque
os argumentos de que se servem esses principios, sam menos eloquentes e
menos enčrgicos do que os projecteis cylindro-cņnicos o fōram no
Atląntico e no Ģndico.
Eu tenho para mim, que a aboliēćo da escravatura, no interior da Ąfrica
Austral hade existir de facto, quando deixar de existir a polygamia
entre os prźtos; porque, ainda que os principios civilisadores faēam
desapparecer o escravo, a sensualidade asinina do negro farį subsistir a
escrava.
Isto nćo quer dizer, que eu descreia de que se possam dar alguns rudes
golpes de immediato effeito no reprovado commercio; mas sim que penso na
difficuldade do seu completo exterminio. Jį vai longa a divagaēćo,
voltemos ao assumpto.
Dizia eu, que as raparigas nćo quizéram ser livres, e seguķram os seus
conductores.
Eu preparei-me tambem para partir, forēado sobre tudo pelas imperiosas
necessidades dos estōmagos, que em viagens de exploraēćo governam tanto
e mais do que as sociedades de Geographia.
Segui quasi a Leste, e depois de marcha de duas horas, avistava uma
povoaēćo, e acampava na margem de um ribeiro perto d'ella. Sube que
ribeiro e povoaēćo se chamavam Bembe.
Quando comeēava a faina de cortar madeira para acampar, vi de repente os
meus prźtos dispersarem-se em varias direcēões, fugindo espavoridos. Nćo
atinava eu com a causa de tal terror, e dirigi-me ao sitio onde elles
trabalhavam, a investigar o que seria. No logar onde eu tinha mandado
construir o campo, milhões da terrivel formiga chamada pelos Bihenos
Quissonde, sahiam da terra, e d'ella fugķram os meus homens. A formiga
Quissonde é uma das mais temiveis feras do continente Africano. Dizem os
naturaes, que ataca e mata o elephante, introduzindo-se-lhe na tromba e
nos ouvidos. É inimigo que se nćo pode combater, e atacando aos
milhares, só se lhe pode escapar na fuga. O Quissonde tem entre 6 e 8
milimetros de comprido, cōr castanho-clara muito luzidķa.
As mandģbulas d'este feroz hymenņptero, sam fortissimas e de grandeza
desproporcionada.
Da sua mordedura no homem sahi logo um jacto de sangue.
Os chefes conduzem as suas phalanges a grandes distancias, e atacam todo
animal que encontram no seu caminho.
Por mais de uma vez, durante a minha viagem, tive de fugir aos ataques
d'este feroz insecto. Algumas vezes vi nos caminhos centenares d'ellas
esfregadas aos pés, levantarem-se, e continuarem a sua marcha, primeiro
lentamente, depois com a sua celeridade ordinaria, tanta é a sua
vitalidade.
Vem a propņsito falar aqui de outras formigas mais vulgares do que o
Quissonde.
Uma é pequena, de trźs milimetros a quatro de comprido, negra e como o
Quissonde armada de fortes mandģbulas. Chamam-lhe os Bihenos Olunginge.
É o maior inimigo das termites, contra as quaes dirige terriveis
ataques, e que vence apesar da desproporēćo do seu tamanho.
Estas pequenas formigas sam um verdadeiro beneficio, pela enorme
destruiēćo que causam nas larvas, nymphas e ovas das termites.
Em alguns pontos encontrei nas habitaēões das termites uma grande
quantidade de formigas enormes, atingindo o comprimento de 20
milimetros, que vivem em communidade com os abundantes nevrņpteros da
Ąfrica Austral.
Estas formigas, supponho eu, que, pouco dadas ao trabalho de construir
habitaēões, vam procurar nas construcēões termģticas, abrigo e morada.
Nenhum d'estes pequenos insectos ataca o homem ąlém do Quissonde, que o
ataca sempre, e ainda nas margens do rio Bembe fez dispersar os meus
carregadores.
Tive pois de ir longe escolher outro sitio para acampar.
Voltįram da povoaēćo do Bembe alguns homens que ali tinha enviado, com a
triste nova, de que o sovźta dera ordem para nada me venderem.
A fome jį se fazia sentir muito, caēa nćo apparecia, e apenas tivémos
n'esse dia um punhado de massango, que tanto coube a cada um de nós na
divisćo que fiz, do pouco que obtivémos na margem do rio Cuito.
Ali o paiz jį era completamente desconhecido a todos, e nenhumas
informaēões podiamos colher do gentio esquivo.
Reuni os meus pombeiros, e fiz-lhes ver a grande necessidade de
alargarmos a marcha no dia seguinte, até encontrarmos povoaēões mais
hospitaleiras.
Elles conviéram na imperiosa necessidade, e apesar de muito carregada a
comitiva, e enfraquecida pela falta de alimento, decidķram animar a sua
gente para os fazer ir avante. Havia dous dias que encontrava vestigios
de ter sido outrora povoadissimo este paiz, pelas ruinas, jį antigas, de
muitas povoaēões que encontrei.
æO que determinaria este abandono?
æSeria a devastaēćo pela escravatura? æSeria a insalubridade do clima?
æSeria a falta de caēa? æSeria a mį qualidade do terreno?
Nćo o pude saber; mas a primeira hypņthese parece-me a mais admissivel.
O facto era, que essa falta de populaēćo inesperada, nos creou o maior
embaraēo, e eu n'essa noute soffri horrivelmente das torturas da fome.
No dia immediato, tive logo de manhć o transtorno de um carregador
doente; mas o meu Doutor Chacaiombe houve-se com toda a bizarria e
offereceu-se para levar a carga.
Na occasićo de partir, apparecźram uns enviados do sovźta do Bembe,
pedindo-me alguma cousa para elle; fiz-lhes ver o mao procedimento do
sovźta para comigo, e mandeios pōr fora do campo.
Segui įs 8 horas e 40 minutos. O rio Bembe, que tinha a vadear, tem dois
metros largo por um de fundo e corre a S.O. para o Cuito.
A sua margem direita é montanha ģngreme; mas a esquerda, depois de uma
trincheira quasi vertical, de 10 metros, estende-se, plana e paludosa,
por um kilņmetro.
A marcha atravez do paśl levou uma hora, e fatigou muito a faminta
caravana.
O terreno em seguida é levemente inclinado e coberto de uma vegetaēćo
arborescente difficil de transpor. Depois de outra hora de fatigante
caminhar, comecei a descer uma encosta, a cujo sopé se desenrolava uma
planicie, occulta por densa floresta. Desci uns 50 metros para alcanēar
a orla da mata; mas tive logo de alterar o meu rumo. A floresta era
impassavel.
Aprovetei um difficil trilho de caēa, que ora me levava a Leste, ora a
Noroeste, e depois a Sueste, até que o terreno me faltou de repente.
Um sulco profundo de cem metros, cavado pelas ąguas de um ribeiro,
tolhia-me a passagem.
A difficuldade do caminho, o peso das cargas, e a fraqueza dos meus
carregadores, obrigįram-me a acampar ali.
A fome jį se fazia sentir em todos os seus horrores. Uma esperanēa
todavia me animava; eu tinha visto vestigios de caēa.
Pouco depois de chegarmos, matou-se no campo uma cobra, que me disse o
meu doutor ser muito venenosa; mas haver contraveneno į sua mordedura.
Tinha um metro de comprido, e era cōr de telha no dorso, tendo o ventre
um pouco mais claro. Os olhos eram verdes muito brilhantes e a lingua
bipartida.
A bōca era armada de quatro dentes dispostos como as presas de um cćo.
Ahi ficam os signaes d'ella para aquelles que pisarem um dia aquellas
paragens.
Era preciso caēar, e eu, logo que fiz as minhas observaēões, parti para
um lado, e mandei em outras direcēões os meus prźtos Augusto e Miguel,
os łnicos que t[~e]m algumas manhas de caēadores na minha comitiva.
Encontrei perto do campo um grande rasto de błfalos e segui-o.
Nćo se faz idéa na Europa do que seja caēar para comer. É um prazer
horrivel.
Deve ser assim o apontar į banca, do jogador que precisa ganhar uma
certa quantia para pagar uma dģvida de honra, e que mistura o febril
prazer do jōgo, com a cruciante angłstia da incerteza. Os olhos com que
elle devora as cartas que lentamente vam escorregando por entre os dedos
do banqueiro; os olhos que queriam penetrar atravez da carta opaca para
anticipar o desfecho da agonia da dłvida, no fim da qual estį a salvaēćo
ou a morte suicida; devem ter a mesma expressćo dos olhos do caēador
faminto, que perscruta a floresta em busca da caēa que é para elle
questćo de vida ou morte.
Ha contudo uma differenēa.
É que o caēador faminto pode invocar em seu auxilio a Divindade, pode
balbuciar uma słpplica a Deus.
Ao passo que o caēador por prazer segue descuidoso uma pista, cheio de
felizes emoēões ao avistar o gamo que procura; caminha
desassombradamente, sabendo que no sitio ajustado, um cozinheiro prepara
ņptimos manjares; que pįra aqui e ąlém para contemplar uma flōr mimosa,
uma paizagem agradavel. O caēador por necessidade só pensa na caēa que,
matando-a, lhe matarį a fome.
Ao passo que um caminha curvado para chegar ao alcance do tiro, o outro
deita-se de rastos, nćo sente os espinhos que lhe razgam as carnes, e
por umas palhas que faz tremer, treme tambem de dar um alarme, e caminha
devagar, devagar, reduzindo a distancia para que o tiro nćo falhe, com o
coraēćo a palpitar, e com o estōmago a bradar em contorsões pungentes.
Deve ser assim o caēar do tigre e do lećo. O rasto que eu segui levou-me
ao fundo do precipicio onde corre o pequeno cņrrego, e por muito tempo
segui a sua margem direita, passando depois į esquerda, onde vi os
błfalos, que caminhavam pastando na orla de uma densa floresta virgem.
Estavam a 500 metros de mim.
Comeēou entćo esse fatigante caminhar de rōjo, a carabina a tiracollo
como que nadando n'um mar de palha curta. De quando em quando levantava
a cabźēa descoberta para espreitar a minha presa, e prosseguia n'aquelle
caminhar difficil cheio de commoēões. Os błfalos pastando, ora
caminhavam ora paravam, sempre na orla da mata. Se paravam que alegria,
se andavam que desespźro o meu!
Na mente phantasiava eu chegar ao acampamento e dizer, "vam į margem do
cņrrego, e lį encontrarįm caēa para matar a fome."
Era uma mistura de prazer e de angłstia que me causava a incerteza
horrivel.
De repente os animaes desapparecźram na floresta em apressado trotar.
æO que seria? æTerme-hiam presentido?
Levantei-me e segui o rasto com a maior presteza; mas entrando na
floresta, o meu desespźro subio de ponto.
Na mata virgem o solo coberto de musgo espesso nćo deixa perceber um
rasto ao ōlho mais experimentado.
Parei desanimado. Tudo o que tinha phantasiado cahio como sonho fįgueiro
ao impertinente despertar.
Ainda fui longe sem nada perceber de caēa, e perto das 6 horas da tarde
recolhi ao campo, prostrado de fadiga e fome, tendo andado inutilmente
20 kilņmetros!
Ao entrar no acampamento, achegou-se a mim o meu Augusto, mostrando-me
radiante de alegria um soberbo antģlope que tinha morto! Era uma enorme
Malanca (_Hippotragus equinus_) da corpulencia de um boi.
Fiz immediatamente a partilha pelos meus carregadores e por mim mesmo, e
depois de um longo jejum, que nem Deos me leva em conta por ser
involuntario, tive um opģparo jantar, adubado pela fome, que faria
inveja aos mais pichosos gastrņnomos.
Miguel, o meu bravo caēador de elephantes, tambem veio comprimentar-me;
mas revelava-se-lhe no rosto a mais profunda tristeza.
Logo que sube a causa do desespźro do meu valente, nćo pude deixar de me
consternar muito.
Durante a ausencia de Miguel, a minha cabrinha Córa entrou na sua tenda,
e comera-lhe o grande feitiēo que elle possuia para matar os elephantes.
Consistia o valioso talisman em um dente humano cahido do tecto de uma
casa velha, embrulhado em palha e trapos por um cirurgićo de grande
fama, que lhe tinha incutido as maiores virtudes; sendo facilimo ao
portador de tćo extraordinario objecto, o encontrar e matar elephantes
sem o menor perigo. Miguel estava inconsolavel; mas eu consegui
tranquelizal-o, promettendo-lhe maior feitiēo do que o perdido, para o
mesmo fim.
E nćo o enganava, pois que a boa carabina que tencionava dar-lhe, logo
que chegąssemos a paiz de elephantes, valia bem por tōdos os dentes
humanos embrulhados em palha e trapos.
Depois de comer, reunķram-se em tōrno da minha fogueira os meus
pombeiros, e contįram-me, que durante a minha ausencia, toda a gente
tinha ido ao mato, seguindo uns os _indicators_, haviam colhido bastante
mel, sendo que outros haviam feito larga colheita de uma fruta chamada
pelos Bienos _atundo_, semelhante į goiaba, mas produzida por uma planta
herbacea de pequeno talhe. Os pedłnculos d'esta fruta partem do caule
junto į terra, e o fruto cresce semi-enterrado. O seu sabor é agradavel,
nćo julgando eu que seja muito nutriente.
[Figura 48.--Atundo, Planta e Fruto.]
No dia seguinte era preciso seguir avante, e por isso, apesar do frio,
levantįmos campo muito mais cźdo que do custume.
Seguķmos a S.E., encontrando, depois de duas horas de marcha, um rio
difficil de transpor. Tinha 4 metros de largo, por 4 de fundo, e
violenta corrente.
Mandei cortar grandes ąrvores na floresta, e pouco depois estava lanēada
uma ponte e a comitiva passava. Pouco a jusante do sitio em que passei o
rio, affluia a elle um riacho vindo de Leste. Segui a margem direita
d'este riacho, e uma hora depois, acampava perto de duas povoaēões que
avistava.
Logo que chegįmos, viéram espreitar-nos alguns gentios, com quem pudémos
falar a pedir provisões. Pouco depois, jį apparecia no nosso campo algum
massango que pretas quasi nuas vinham vender. Comprando a missanga sem
regatear, em breve tivémos alimentaēćo sufficiente para aquelle dia.
Em breve se estabelecźram relaēões cordiaes entre aquelle gentio e nós.
Por elles soubémos, que o ribeiro onde acampįmos na včspera se chamava
Licócótoa, o rio onde n'aquelle dia havģamos lanēado a ponte
Nhongoaviranda, e o cņrrego em cujas nascentes estąvamos acampados
Cambimbia.
As duas povoaēões que ficam na margem esquerda do ribeiro sam Luchazes,
aquella que ficava a N.O. do meu campo era de Quiōcos ou Quibōcos. Fōram
estes łltimos que viéram ao meu campo e com quem estava em relaēões.
Comi mais de um litro de massango cozido em ągua, nćo me foi
desagradavel tal alimento.
Depois de ter saciado o appetite, calculei a posiēćo em que estaria
n'aquella noute o planeta Jłpiter, no momento do eclipse do 1^o satčlite
que eu precisava observar.
Eu estava acampado n'uma floresta copada, que nćo me deixava ver os
astros.
Logo que achei pelo cąlculo a posiēćo do planeta no momento desejado,
escolhi o logar onde assentaria o meu telescopio, e mandei rasgar na
floresta um claro sufficiente para poder fazer a observaēćo.
Houve grande faina; e os meus bravos Bihenos, machado em punho,
conseguģram em duas horas razgar uma abertura por onde eu podesse
dirigir o meu ņculo.
As mulhéres dos Quiōcos ou Quibōcos que viéram ao meu campo traziam os
filhos ao lado como as Luchazes, suspensos do hombro opposto por uma
faixa de casca de ąrvore.
Ąlém de massango, trouxéram ellas para vender umas raizes tuberculosas
chamadas Genamba, de que os meus pretos gostavam muito e eu nada. Nćo
cultivam o milho, e alimentam-se de massango.
O luxo dos penteados nćo se encontra entre os Quibōcos ou Quiōcos, e o
seu vestir é mais miseravel do que entre os Quimbandes. As mulhéres
andam nuas!
Causarį de certo estranheza ao leitor, que eu, estando em pleno paiz dos
Luchazes, lhe esteja falando em Quiōcos. Se isso o admira, nćo me
sorprendeu menos a mim o caso de os encontrar ali.
A emigraēćo constante dos Quiōcos e a colonizaēćo das terras Luchazes
por elles, é um facto.
O paiz dos Quiōcos ou Quibōcos (que lhes chamam indifferentemente) é
collocado ao norte de Lobar, nas vertentes leste da serra da Mozamba.
Livingstone fal-o cortar pelo parallelo 11 sul, e pelo meridiano 20
leste de Greenwich.
Os Quiōcos sam viajantes, caēadores, e ousados. Alguns, descontentes com
o seu paiz, emigrįram para o sul, atravessįram o Lobar, e viéram
estabelecer-se na margem direita do Lungo-é-ungo, em paiz Luchaze.
Nćo foram hostilizados, e atraz d'estes seguģram-se outros, sendo
constante hōje a emigraēćo. Nćo parįram ali, e seguķram muitos
emigrantes mais ao sul, indo até ao Cubango. A maior parte da povoaēćo
de Darico é de Quiōcos.
Perguntando-lhes eu, æqual o motivo de abandonarem o seu paiz?
disséram-me, que a doenēa e a falta de caēa os afugentava de lį.
Estes Quiōcos com quem entrei em relaēões, estavam estabelecidos ali
havia pouco, e nćo lhes sobravam as provisões para venderem; mas
disséram-me elles, que
[**Nota de editor: No original hį um salto da pįgina 235 ą 237. Trata-se
de um erro de impressćo.]
[**Transcriber's note: In the original book there is a gap between pages
235, 236 and 237... it is a printing error.]
No alto da serra ha um esplčndido panorama de N.E. a N.O. Vź-se tōdo o
curso do rio Cuango, affluente do Lungo-é-ungo pelo sul.
[Mappa 5.--Disposiēćo da ągua em Cangala]
Avista-se a bacia d'este desde Cangala até į confluencia do Cuango, e
bem assim as bacias superiores dos rios Cuito, Cuime e Cuiba.
O golpe de vista é sorprendente.
Na vertente de oeste da serra Cassara-Caiéra a vegetaēćo arbņrea é
esplčndida, na cumiada enfčzada e pobre; na vertente leste a vegetaēćo
arborescente e herbącea verdadeiramente rica.
Esta vertente leste é chamada Bongo-Iacongonzźlo.
Fui acampar na nascente do ribeiro Canssampōa, affluente do Cuango, e
durante tōdo o trajecto d'aquelle dia nćo encontrei ągua.
Junto ao meu campo, na outra margem do ribeiro, ficavam cinco povoaēões
Luchazes.
Estas cinco povoaēões sam governadas por um sovźta que obedece ao soba
Chicōto, cuja povoaēćo é na confluencia do Cuango com o Lungo-é-ungo.
As duas povoaēões Luchazes que ficam no Cambimbia obedecem ao
Muene-calengo do Cuito.
O sovźta Cassangassanga veio visitar-me, e trouxe-me de presente um
cabrito. Dei-lhe alguma missanga com que se retirou satisfeito,
promettendo mandar-me algum massango n'aquelle dia, e guias no immediato
para me conduzirem a Cambuta, onde me disse eu encontraria muitos
vģveres. Cumprio as suas promessas, nćo só mandando o massango n'aquelle
dia, como os guias no seguinte.
O massango, dividido, deu uma pequena raēćo a cada um de nós; o cabrito
nćo era cousa de vulto para tanta gente, e francamente dormķmos com
fome.
Ali cultivam massango, pouca mandioca, menos feijćo, bastante mamona e
algum lłpulo.
Trabalham o ferro com bastante perfeiēćo, sendo o minerio encontrado no
paiz.
No dia 6 de Julho, parti a leste, e depois de trźs horas de caminho, na
łltima das quaes segui a margem do ribeiro Andara-canssampoa, acampava
em frente da povoaēćo de Cambuta, junto ao rio Bicéque, que corre a N.E.
para unir-se ao Cutangjo, affluente do Lungo-é-ungo. O paiz tem uma
certa agglomeraēćo de populaēćo, que obedece ao sova de Cambuta. Ali
pude obter bastante massango, łnico alimento que cultivam em abundancia,
e por isso łnico que me viéram vender.
[Figura 49.--Povoaēćo de Cambuta, Luchaze.]
Nunca vi tćo grande quantidade de rōlas como ali, e eu matei muitas,
carregando a arma com pedrinhas miłdas das margens do ribeiro.
Adoecźram-me alguns carregadores com papeira, e outros com gastrites, de
certo provenientes da mį alimentaēćo.
Entre as raparigas que viéram ao meu campo vender massango, notei
algumas muito galantes e muito esbeltas.
Andam quasi nuas, e mal se lhes percebe, nćo uma folha de vinha, mas um
pequeno farrapo de casca de ąrvore.
Ali homens e mulhéres sem excepēćo t[~e]m os dentes incisivos da frente
cortados em triąngulo, de modo que estando a dentadura unida, apparece
um lozango vazio, formado por os dois triąngulos cortados na frente em
dentes de ambas as maxilas.
O frio continuava a ser intensissimo durante a noute, e só junto de
grandes fogueiras podiamos repousar.
[Figura 50.--Mulhér Luchaze de Cambuta.]
No dia seguinte, continuavam as doenēas. Um caso bem para notar era,
serem só atacados os Bihenos, e resistirem os negros de Benguella, nćo
tćo habituados como aquelles įs vicissitudes da vida sertaneja.
De manhć, matou-se perto do acampamento uma ave de rapina, que a minha
vista pouco experimentada nćo soube collocar em algum dos gčneros em que
se divide a familia dos rapaces diurnos, querendo, na minha ignorancia
em tal assumpto, que fosse um Gypeta, ainda que julgo ser łnica a
especie do gčnero conhecida.
O meu pąssaro parecia-se enormemente com o gypeta, excepto nas dimensões
que as tinha muito menores, pois contava apenas, de ponta a ponta de
aza, 1 metro e 75 centģmetros.
Fōsse o que fōsse, foi saboreado pelos Bihenos, que em materia de
gastronomia, desde o homem até ao abutre, passando pelo crocodilo,
leopardo e hyena, de tudo comem sem escrłpulo.
[Figura 51.--Homem Luchaze de Cambuta.]
N'esse dia, como na včspera, o tempo que me ficou livre das observaēões,
empreguei-o a percorrer os arredores, levantando, como costumo, uma
planta grosseira dos terrenos que avisto, tendo marcado tres milhas ao
sul da nascente do Biceque, a nascente do rio Cuanavare, grande
affluente do Cuito. Junto da nascente do Cuanavare, estive na povoaēćo
de Muenevinde, governada por uma dama, cujo marido que se chama Ungira,
nćo tem voz activa na governaēćo.
Eu nunca fui amante de feijćo-fradinho, mas į noute, de volta ao campo,
tive um pequeno presente d'elle, e comi-o com devorador appetite.
[Figura 52.--Objectos fabricados pelos Luchazes.
1 e 3. Machados. 2. Frecha. 4, 4. Ferros de frecha. 5. Enxada.]
O sova de Cambuta estava ausente em caēada, e fizéram-me as honras da
casa as suas damas, com quem conservei as mais cordiaes relaēões,
obtendo d'ellas, nćo só boa provisćo de massango, mas ainda 12
carregadores para elle, e dois guias para me encaminharem įs nascentes
do Cuando e do Cubangui, affluente d'aquelle, rios que me diziam no paiz
serem os _maiores do mundo_.
Permittam-me aqui agora os meus leitores duas palavras, a respeito das
łltimas do perģodo anterior que sublinhei.
O rio Cuando, de certo o maior affluente do Zambeze, nćo foi conhecido
por mim pelas informaēões dos Luchazes de Cambuta; e eu, tendo
sustentado a minha marcha do Bihé até ali, uma grande parte do caminho
fóra e muito ao norte do trilho das caravanas Bihenas, sabia o que
fazia, e onde deveria pouco mais ou menos ir encontrar as nascentes de
tćo grande arteria. Devia isso įs informaēões de Silva Porto, que jį
tinha descido aquelle rio do Cuchibi até Liniante, levando cargas em
canōas.
Silva Porto tinha-me assignalado as nascentes d'aquelle rio, que elle
conhecia nos seus terēos medio e inferior, pouco mais ou menos no ponto
em que as encontrei, e isto por informaēões colhidas por elle do gentio.
Se Silva Porto podesse dar aos pontos que conhece da Ąfrica Austral, as
posiēões traduzidas em longitudes e latitudes, enchiam-se facilmente os
espaēos em branco que ainda existem na carta d'aquelles paizes.
Assim, pois, partindo de Cambuta a buscar as nascentes do Cuando, eu
cumpria o itinerario que havia traēado, e ia resolver um dos problemas
que mais desejava resolver.
As noticias detalhadas ia eu colhendo em caminho, as geraes essas jį as
tinha aprendido de Silva Porto.
Disséram-me os meus guias, que ģamos atravessar, para ąlém do rio
Cutangjo, uma regićo despovoada, e por isso era mistér fazer provisões
para o caminho. Foi essa informaēćo que me levou a comprar mais
massango, e a pedir 12 homens, įs mulhéres do sova.
Parti no dia 9 de Julho įs 9 da manhć, e trźs horas depois passava o rio
Cutangjo, e acampava na sua margem direita, junto da povoaēćo de
Chaquissengo. O Cutangjo tem ali 4 metros de largo, por 1 de fundo, e
corre a N.N.E. para o Lungo-é-ungo. Vi que nas plantaēões havia alguma
mandioca e muito massango--o terrivel massango, que tanto me havia de
perseguir em Ąfrica!
Algodoeiros e mamona cultivam muito estes Luchazes.
[Mappa 6.--De Cambuta ao Cubangué]
Trabalham o ferro, que tiram das margens do Cassongo, e as suas obras
sam muito perfeitas.
Quasi todos os Luchazes t[~e]m barba por baixo do queixo, e pequeno
bigode. Vai ali desapparecendo o luxo dos penteados extraordinarios que
até ali faziam a minha admiraēćo.
[Figura 53.--Mulhér Luchaze do Cutangjo.]
Os homens usam um largo cinto de couro cru, com fivelas feitas por
elles; cobrem com pelles a sua nudez, e abrigam-se do frio com licondes,
que extrahem de ąrvores das florestas.
Nćo fabricam panellas, e as que usam vam obtel-as dos Quimbandes.
Fazem manilhas, com cobre, que ali lhes v[~e]m permutar a cźra os
Lobares, sendo que estes o obt[~e]m da Lunda.
[Figura 54.--Cachimbo Luchaze.]
Fui ver a povoaēćo de Chaquicengo, que, como todas do paiz, é muito
bonita e de um grande aceio. As casas sam feitas de troncos de ąrvores,
de 1 metro e 20 centģmetros de altura, que tanto é a altura das paredes.
O intervallo da madeira, que é encostada uma į outra, é cheio, em umas
de barro, em outras de palha. Os tectos sam de cōlmo, e como as armaēões
sam feitas de varas muito finas, fazem uma curva, tomando um aspecto de
tectos Chinezes. Os celeiros sam collocados muito altos sobre uma
armaēćo de madeira, todos de palha, e de cobertura movel; pois é preciso
levantal-a para ir dentro buscar os mantimentos. T[~e]m accesso por uma
escada de mćo, e nćo sam mais do que um cesto gigantesco į prova d'ągua,
em que é tampa um tecto cņnico.
[Figura 55.--Capoeira dos Luchazes.]
As capoeiras sam umas pyrąmides quadrangulares de varas d'ąrvore,
assentes em quatro pes ou estacas muito altas, para as pōr ao abrigo dos
pequenos carnģvoros.
No centro da povoaēćo ha, como no Huambo, uma especie de kiosque para
conversa.
Ali, em tōrno de uma fogueira, alguns homens preparavam arcos e frechas.
Recebźram-me muito bem, e viéram-me offerecer uma bebida preparada com
ągua, mel e farinha de Lłpulo, que misturam em uma cabaēa onde a deixam
fermentar. Chamam-lhe Bingundo, e é a mais alcohņlica que tenho
encontrado.
Estes Luchazes usam uma armadilha para apanhar pequenos antģlopes e
lebres, que é engenhosa, e bem so comprehende em vista do desenho.
Chama-se Urivi.
[Figura 56.--Urivi, Armadilha para caēa.]
Depois de um passeio até įs nascentes do Cutangjo, voltei ao meu campo,
acompanhado por grande nłmero de homens e mulhéres que nćo cessavam de
me admirar.
Entre esta gente das margens do Cutangjo vi muitos typos masculinos de
uma fealdade repugnante.
Estes povos, nćo só apanham muita cźra nas florestas, mas ainda collocam
nas ąrvores innłmeras colmeas que fabricam com uma grossa casca de
ąrvore ligada com pinos de pao.
[Figura 57.--Luchaze do Cutandjo.]
[Figura 58.--Objectos Luchazes.
1. Bainha de faca. 2. Cesto. 3. Travesseiro de pao. 4. Cortiēo
d'abelhas.]
No dia 10 de Julho, parti įs 8 da manhć, e meia hora depois, apesar dos
guias, andava perdido em uma floresta impassavel, d'onde pudémos a muito
custo sahir įs 10 horas. Entćo encontrįmos terreno limpo de arbustos,
mas coberto de ąrvores gigantes, que nos abrigavam do sol; prazer que
durou pouco, porque, meia hora depois, jį andąvamos outra vez mettidos
em mato tćo emmaranhado que nos deu verdadeiro trabalho a transpor.
Emfim, įs 11 e 20 minutos, descia eu a vertente suave de um cņmoro, em
cujo sopé a ągua limosa de uma pequena lagōa era cercada por um tapźte
de verdejantes gramģneas.
Ao chegar ali, dei um tiro em um animal que creio se chama _Leopardus
jubatus_, cuja pelle veio augmentar a minha cama felina. Esta pelle, que
foi minha cama até Pretoria, offereci eu ao Doutor Bocage.
Este leopardo jubatus bastante raro, porque em toda a minha viagem vi
apenas dois, vź muito pouco de dia, supponho eu, e supponho isto por ter
notado em ambos, que, ao deparar com elles, fitavam as orelhas para o
meu lado, em que sentiam rumor, como querendo perceber o perigo mais
pelos orgćos auditivos do que pelos visuaes.
Abeirei-me da lagōa, e determinei a sua posiēćo, tendo mandado construir
o meu campo uns 100 metros ao sul, sobre a encosta, ficando uns 30
metros sobranceiro ao paśl, que mais paśl do que lagōa é o charco onde
nasce o grande affluente do Zambeze.
Quando trabalhava fui acommettido de um repentino e violento accesso de
febre que me prostrou por trźs horas. Quando voltei a mim, nćo pude
deixar de sorrir. Estava coberto de amuletos, tendo ao pescōēo um
sem-nłmero de cornos de pequenos antģlopes, cheios das mais virtuosas
medicinas. Uma pulseira de dentes de crocodilo enlaēava-me o braēo
direito, e dois enormes cornos de malanca pendiam de dois paos espetados
dentro da barraca.
Os meus prźtos, durante a febre, nćo se haviam poupado a cuidados, e
ouvido o doutor Chacaiombe, tinham posto tudo aquillo sobre mim, com a
mais inteira fé no resultado.
Uma forte dose de quinino, que tomei, determinando o meu prompto
restabelecimento, veio corrobar mais as virtudes dos amuletos, que tudo
a elles foi attribuido.
Os meus prźtos Augusto e Miguel, tinham ido caēar; mas voltįram sem
nada, tendo encontrado alguns leopardos. Vķram contudo muitos rastos de
caēa grossa.
No dia seguinte de manhć, levantei uma grosseira planta do paśl,
rectifiquei a minha posiēćo, e levantei um pequeno padrćo, construido de
barro, dentro da barraca das observaēões, onde enterrei um frasco que
fōra de quinino, perfeitamente rolhado, contendo um papél, onde, de um
lado, por baixo do nome d'El-Rei, escrevi os nomes dos membros da
commissćo central permanente de geographia, e do outro, as coordenadas
do ponto, e a data.
Depois do meio-dia, os guias Luchazes fōram mostrar-me a nascente do rio
Queimbo, affluente do Cuando por oeste. Marquei estas nascentes, 6
milhas geogrąphicas a S.O. do paśl da nascente do Cuando.
Os doze carregadores Luchazes estavam muito saudosos de suas casas, e
queixavam-se muito do frio. O paiz é despovoado, e deve ter muita caēa,
porque d'ella haviam rastos, continuando a apparecer leopardos, que
d'ella sam tambem indicio certo. Nós nćo vimos nenhuma. Era preciso
seguir avante, porque os mantimentos desappareciam rąpidamente, e
precisąvamos alcanēar as povoaēões Ambuelas, para escapar į fome.
Na manhć de 12 de Julho, por um frio de dois graos acima de zero, mandei
levantar campo e preparar para partir; nćo conseguindo deixar o
acampamento antes das 8 horas.
[Mappa 7.--Paśl da nascente do Cuando]
Milhares de periquitos esvoaēavam nas matas e faziam uma chiada
infernal.
Segui a margem direita do Cuando por duas horas, e em seguida, por
indicaēćo dos guias, passei į margem esquerda sobre uma ponte que
improvisįmos de troncos de ąrvore.
Ali jį o rio tinha dois metros de largo por dois de fundo, e violenta
corrente.
Ao passar o rio, avistei uma manada de gnous, a que nćo pude atirar.
Acampei ali. As margens do Cuando sam montanhosas, e desde a nascente
até įquelle ponto t[~e]m uma faxa apaülada de 30 a 40 metros, que deita
em toda a extensćo muita ągua, que vai engrossar o rio.
Este facto dį-se com quasi todos os rios d'aquellas regiões, que recebem
por aquelle meio enorme quantidade de ąguas, de modo que, sem a elles
affluirem outros, sam navegaveis a algumas milhas das pequenas
nascentes.
Na margem direita do rio vi aqui e ąlém algumas barreiras verticaes
estratificadas, apresentando faxas cōr-de-rosa, brancas e azues.
No dia seguinte, levantei įs 8, e caminhei até ao meio-dia, indo acampar
junto de um cņrrego affluente do Cuando.
Adoecźram-me alguns homens, com papeira, e outros com inflammaēões nas
pernas.
Felizmente, as cargas das provisões tinham diminuido sensivelmente, e
tinha carregadores de sobrecelente. Nas margens apaüladas do Cuando
abundavam sanguesugas, que mandei apanhar, para applicar a alguns
doentes que d'ellas careciam.
As matas que atravessei, e aquella em que estava acampado, eram quasi
exclusivamente formadas de umas ąrvores enormes, a que os Bihenos chamam
Cuchibi, ąrvores prestadias ao viajante faminto.
O seu fruto semelha um feijćo, onde só um grćo de vivo escarlate estį
encerrado na casca verde-escura. Este fruto, depois de uma demorada
cocēćo, separa os invņlucros escarlates dos cotylčdones brancos. Sam
aquelles invņlucros escarlates a parte comestivel d'esta semente.
[Figura 59.--O Cuchibi.]
Sam bastante oleaginosos, e os Ambuelas e Luchazes extrahem d'elles um
ņleo que tempera a comida.
Este fruto é de certo um grande socorro ao viajante faminto; mas nćo é
para pressas, que a sua cocēćo é demoradissima.
Outro fruto que se encontra ali e que é bastante vulgar em todo o
planalto, é o que os Bihenos chamam Mapole.
É produzido por uma ąrvore de mediana corpolencia, e semelha pela cōr e
tamanho uma laranja madura.
Um pedłnculo bastante comprido suspende este fruto verticalmente dos
ramos da ąrvore. O epicarpio e o mesocarpio estreitamente ligados,
formam um invņlucro de quatro milimetros de espessura, de dureza cornea.
[Figura 60.--Folha e Fruto do Cuchibi.
(Tamanho natural.)]
Só com um forte machado se pode partir. No interior a parte comestivel é
um lģquido espesso e coagulado em que se agglomeram umas sementes como
as das ameixas pequenas.
Este lģquido, de sabor agro-dōce, tomado em quantidade, é bastante
purgativo; mas assegurįram-me os Bihenos, que é muito nutritivo e um
homem pode viver d'elle alguns dias.
No dia seguinte, deixei o rio Cuando, que jį ali se inclina a S.S.E.; e
por indicaēćo dos guias, caminhei a leste, para ir demandar as nascentes
do Cubanguķ, rio que elles me diziam ser muito grande.
Depois de uma hora de marcha, passei um ribeirćo que corre ao sul, n'um
terreno apaülado de 100 metros de largo, que custou a transpor; 4 milhas
ąlém, outro grande ribeiro corre parallelo ao antecedente.
[Figura 61.--O Mapole, Ąrvore e Folha.]
Entre os leitos d'estes ribeiros, e bem assim entre os dos affluentes do
Cuando, a leste, correm montanhas norte-sul, montanhas que pertencem a
um systema mais importante, que ao norte corre leste-oeste, indo as suas
vertentes N. terminar no valle do Lungo-é-ungo.
Pelas 11 e meia, cheguei ao alto da serra, d'onde os guias me mostrįram,
muito ao longe, as nascentes do rio Cubanguķ. Marquei aquellas nascentes
perfeitamente a leste; e como receei nćo poder, chegado que fōsse,
determinar a latitude, parei, e ao meio-dia determinei a d'aquelle ponto
em que estava, por ser a mesma das nascentes do rio, estando, como
estavam, leste-oeste com elle.
Pelas 2 horas da tarde, acampei junto įs nascentes, que sam em tudo
semelhantes įs do Cuando. O pąntano que dį nascente a este rio tem o seu
eixo norte-sul, e estende-se por um kilņmetro, variando a sua largura
entre 80 e 100 metros.
[Figura 62.--Mapole, Fruto e disposiēćo dos Ramos.]
Nćo appareceu caēa, mas vimos d'ella muitos rastos, e durante a noute,
os leões fizéram um concerto infernal em tōrno do campo.
Jį ali se distribuķram as łltimas raēões, e de nōvo tģnhamos diante de
nós a fome.
Os guias diziam, estarem perto as povoaēões, mas termos de marchar dois
dias para as alcanēar; porque os muitos doentes, e sobre tudo o pombeiro
Canhengo, que estava mal, nos impediam de forēar as marchas.
O meu cuidado era extremo, e receiava jį que o aggravarem-se as doenēas
com a fome e com a fadiga me impedisse de alcanēar a tempo os recursos
precisos.
No dia seguinte, apesar de todos os meus esforēos, nćo consegui
sustentar a marcha ąlém de quatro horas, e tive de acampar na margem do
Cubanguķ, que nćo deixei desde a sua nascente. No ponto em que acampei
jį o rio conta trźs metros de largo por um de fundo.
Um gnou, que matei, e algum mel que os prźtos colhéram na floresta, deu
minguada raēćo com que passįmos um dia.
No dia immediato continuei a seguir a margem direita do Cubanguķ, e
depois de quatro horas de marcha, acampei junto ao ribeiro Linde, em
frente de trźs povoaēões Ambuelas. Mandei logo nćo só įquellas
povoaēões, mas ainda a outras que ficavam na margem direita, e apenas
pudémos obter uma escassa raēćo de massango.
Todos nos diziam, que no dia seguinte chegariamos į terra do sova, e que
elle nos daria de comer. Na confluencia do Linde jį o rio Cubanguķ tem 5
metros de largo por 3 de fundo.
Os meus doentes nćo melhoravam muito, o que nćo era por falta de dieta.
Foi preciso sustentar marcha de seis horas, para alcanēarmos no dia
immediato a povoaēćo do chefe, a quem mandei logo um presente de uma
farda velha de cabo de infanteria 2, que elle muito agradeceu, dando
ordem aos seus povos para me venderem mantimentos. A trōco de missanga
obtivémos massango, o maldito massango, que tanto me havia de perseguir.
Despedi os meus guias, e os doze Luchazes que até ali me acompanhįram, e
que se retirįram satisfeitos com o que lhes dei.
Elles fraternizįram com a gente das povoaēões Ambuelas, que estam ali um
pouco misturadas com a raēa Luchaze.
Em um dos dias seguintes que passei ali, acampou junto de mim uma grande
porēćo de familias Luchazes que se vinham estabelecer no paiz.
[Figura 63.--Moene-Cahenda, Sova de Cangamba.
1. O que elle traz na mćo.]
Passou ali tambem um rancho de caēadores, que iam para o sul em busca
dos elephantes. Foi a primeira vez que ouvi falar em elephantes, porque
todo o paiz que atravessei desde Benguella até ao Cubanguķ, nćo os tem,
nem mesmo d'elles vi rasto antigo.
Ainda assim, os taes caēadores disséram-me, que precisavam andar seis
dias para os encontrarem.
Dois dias depois da minha chegada, veio visitar-me o sova de Cangamba,
Muene Cahenda, que me levava um presente de quatro gallinhas e um grande
cesto de massango.
Trajava a farda que eu lhe tinha enviado, e da cinta pendiam-lhe pelles
de leopardo. Na mćo trazia elle um objecto formado de caudas de
antģlope, com que sacudia as moscas.
A cultura é feita no paiz por homens e mulhéres, que, em pequenas
plantaēões, cultivam massango, algodćo, pouca mandioca, e ainda menos
batata dōce.
Trabalham muito em ferro, que extrahem das minas na margem direita do
rio, junto das quaes passei, ao norte de Cangamba.
[Figura 64.--Chimbenzengue. Machado dos Ambuelas de Cangamba.]
Ao contrario dos outros povos Ganguelas, em Cangamba sam os homens que
fazem as panellas e as mulhéres esteiras.
Fiam o algodćo, que tecem em teares de occasićo, fazendo uns pannos, do
tamanho de toalhas de rosto, muito perfeitos.
Viéram vender-me tabaco, que dizem cultivar no paiz, mas que eu nćo vi
nas plantaēões que visitei.
As armas de que usam sam frechas e machadinhas.
O Cubanguķ tem, junto a Cangamba, 15 metros de largo por 6 de fundo, e
12 metros de corrente por minuto.
Tem peixe, a que nćo posso assignalar o feitio, porque os que vi eram
sźcos, e tinham de 40 a 50 centģmetros de comprido.
Mandioca e peixe sźco; ”que opģparo banquźte para quem andava condenado
ao atroz massango!
O rio Cubanguķ, para nćo escapar į lei geral d'aquelle Continente, tem
crocodilos, mas sam nada vorazes, e afianēįram-me os Ambuelas, nćo haver
exemplo de uma desgraēa causada por elles.
[Figura 65.--Cachimbo Ambuela.]
Fui pagar a visita ao sova, que é sujeito distincto e sympąthico. Como
me nćo vendiam senćo massango, pedi-lhe, que me desse alguma mandioca e
algumas batatas dōces, presente que elle me fez em minguada porēćo,
escusando-se por nćo ter mais.
Ainda assim, chegou para trźs dias. ”Trźs dias de fčrias de massango!
Tendo obtido guias, alguns carregadores, e bastante massango, decidi
seguir įvante, no dia 22 de Julho, a demandar as povoaēões do sova
Caś-eu-hue, no rio Cuchibi, onde passa, o caminho outrora seguido por
Silva Porto, e que eu abandonei no Cuanza, seguindo mais ao norte.
Disséram-me os guias, que teria de jornadear em paiz deserto por espaēo
de 8 dias, e por isso precisava ir bem provido de raēões. Os meus
doentes tinham melhorado com o descanēo e mais abundante alimentaēćo;
ainda assim, o Muene-Cahenga forneceu-me dez homens para ajudarem a
carregar o massango de que me provi.
Tendo-me dito os guias, que durante dois dias devģamos caminhar na
margem do rio, tive a lembranēa infeliz de o descer embarcado.
A 22 de manhć, mandei transportar o meu barco de cautchuc ao rio, fiz
levantar campo, e tendo entregue o commando da comitiva ao Verissimo,
dirigi-me ao barco, que tripulei com dois muleques pequenos, o meu
Catraio, e outro pequeno de 12 annos, chamado Sinjamba, filho de um
carregador Biheno, que escolhi por falar bem a lģngua Ganguela, e poder
servir-me de intčrprete, se isso fōsse preciso.
Declaro, que nćo foi sem uma certa commoēćo que deixei a margem, e me
lancei na corrente de um rio desconhecido, tendo por łnicos companheiros
duas crianēas, e governando um barco de fragil tela.
O rio, que nasce trinta milhas ao N., jį tem ali 15 metros de largo por
6 de fundo, e pouco a jusante, alarga a 40 e 50 metros, e įs vezes mais.
O seu fundo, que varķa entre 3 e 6 metros, é coberto de area muito alva,
que de certo cobre uma camada de lōdo, porque a flora aquątica do rio é
verdadeiramente assombrosa.
Muitas especies de juncos e outras plantas aquąticas enraizam no fundo,
atravessam com suas fōlhas e seus troncos finos, sempre agitados pela
corrente, 6 metros d'ągua, e v[~e]m desabrochar į superficie, as suas
flōres de variado colorido, e elegantes formas. Por vezes, esta pomposa
vegetaēćo occupa tōda a largura do rio, e parece impedir a passagem. A
principio hesitei em lanēar o barco sōbre aquelle prado aquątico,
julgando encontrar fundo e falta de ągua para navegar; mas depois que a
sonda ali me accusou, ora 4 ora 6 metros de ągua, nćo mais duvidei em
deslizar por entre aquelles jardins floridos.
[Mappa 8.--De Cangamba ao Cuchibi]
Nos pontos onde a ągua, pela disposiēćo do leito, tem corrente
insensivel, é que esta vegetaēćo submersa se converte em verdadeira mata
virgem, que prende o barco e nćo o deixa avanēar.
Vi muitos peixes nadando ligeiros por entre as sarēas, sendo alguns de
mais de 60 centģmetros de comprido.
Bandos de patos fugiam diante de mim, estranhando de certo o serem
interrompidos n'aquellas regiões nunca devassadas por uma canōa.
Nos juncaes das margens, milhares de passarinhos chilreavam e saltavam
nos ramos das gramģneas, que mal se curvavam ao seu pźso ligeiro.
Aqui e ąlém, um pąssaro pescador sustentava a mesma posiēćo no ar com um
rąpido bater d'azas, até descer verticalmente com velocidade de frecha a
tomar a prźsa que espreitava.
Nos canaviaes da margem, um grande rumorejar na folhagem verde
deixava-me perceber um ou outro crocodilo que desapparecia nas ąguas.
Outras vezes, aquelle rumor era seguido pelo baque de um cōrpo que em
leve salto se precipitava no pego, e mal eu tinha tempo de perceber uma
esquiva lontra.
O rio, cuja direcēćo geral é Norte-sul, descreve as mais caprichosas
curvas, que quadruplicam o caminho. A margem direita é um vasto paśl de
largura muito variavel, que įs vezes alcanēa 1000 metros. D'ali se escōa
um grande volume d'ągoas que engrossam o rio a olhos vistas.
Trźs milhas ąlém de Cangamba, vi um rancho de 18 mulheres que pescavam
junto į margem, peixes pequenos, com cestos de vime.
Em uma das voltas do rio, percebi trźs antģlopes desconhecidos para mim,
e quando ia a tomar a carabina para lhes fazer fōgo, elles saltįram na
ągua e desapparecźram em profundo mergulho.
Este facto causou-me a maior estranhźza, que cresceu de ponto quando, no
correr da viagem, por vezes divisei muitos d'aquelles animaes, jį
nadando e mergulhando rąpidamente, jį conservando sempre a cabźēa
submersa, e deixando ver apenas as pontas dos cornos.
Este animal curioso, que tive depois occasićo de matar no Cuchibi, e de
cujos hąbitos tive algum conhecimento, obriga-me a suspender por um
momento a minha narrativa, para falar d'elle.
Chamam-lhe os Bihenos Quichōbo, e os Ambuelas Buzi. O seu tamanho, no
estado adulto, é o de um bezerro de um anno. O pźllo é cinzento escuro,
de 5 a 6 centģmetros de comprido, e extremamente macķo. Na cabźēa o
pźllo é mais curto, e tem sōbre as fossas nasaes uma lista esbranquiēada
transversal. Os cornos t[~e]m 60 centģmetros de comprido, e a sua secēćo
na base é semicircular, tendo a corda quasi rectilģnea. Conserva esta
secēćo até trźs-quartos da sua altura, depois do quź se torna quasi
circular até į ponta. O eixo medio dos cornos é recto, e formam entre si
pequeno ąngulo. Sam torcidos em tōrno do eixo, sem perder a sua forma
rectilģnea, apresentando as arestas uma espiral de passo muito largo.
As patas t[~e]m compridas unhas semelhantes įs do carneiro, e reviradas
nas pontas.
A disposiēćo das patas e os seus hąbitos sedentarios tornam este notavel
ruminante improprio para correr. A sua vida passa-se na ągua, e nunca se
afasta muito da margem do rio, onde sahe a pastar, raras vezes de dia, e
muito de noute.
O seu sono e o seu repouso é na ągua.
A sua potencia mergulhadora é igual, senćo superior, į do Hippopņtamo.
Durante o sono aproximam-se da superficie da ągua, e deixam ver fora
d'ella metade dos seus cornos.
[Figura 66.--O quichōbo.]
É muito tģmido, e acoita-se no fundo das ąguas ao menor signal de
perigo.
É facil de surprender e de matar, sendo que os indģgenas lhe dam grande
caēa, para se aproveitarem das suas pelles, que sam magnģficas, e da sua
carne, que nćo é muito bōa.
Quando sahem a pastar, a sua pouca destrźza na carreira, permitte aos
indģgenas o apanharem-n-o vivo, nćo se defendendo no łltimo trance, como
fazem quasi tōdos os antģlopes.
A fčmea, como o macho, é armada de cornos.
Ha muitos pontos de contacto entre a vida d'este extraordinario
ruminante e a dos hippopņtamos seus conterrąneos.
O rio Cubanguķ, o rio Cuchibi e o alto Cuando, dam guarida a centenares
de Quichobos, que nćo apparecem jį no baixo Cuando, nem no Zambeze. Eu
explico este facto pela voracidade dos crocodilos no Zambeze e baixo
Cuando, que em pouco tempo dizimariam tćo tģmido animal, se elle se
afoutasse a ir viver nas ąguas onde reina com absoluta soberania o
carniceiro amphibio.
Em uma entrevista que tive em Pretoria com um notavel caēador de
antģlopes, Mr. Selous, me disse elle ter ouvido falar do meu antģlope,
aos indģgenas do alto Cafucue, onde lhe disséram existir um animal
n'aquellas condiēões de vida.
A minha pouca competencia em materia de zoologia, nćo me permittio fazer
mais minucioso estudo de um animal, que eu julgo merecer a attenēćo dos
homens de sciencia pelos seus estranhos hąbitos.
Continuando com a minha narrativa, tenho a fazer os maiores elogios ao
meu barco Macintosh, que se portava muito bem nas ąguas do Cubanguķ; mas
cuja exiguidade de formas me obrigava a uma posiēćo constrangida, que,
pelas 4 horas da tarde, me produzia dōres em tōdas as articulaēões.
Desde que deixei Cangamba nćo mais vi signaes da minha comitiva, e pźlas
4 horas da tarde, įs dōres de uma posiēćo contrafeita jį se unia um vago
cuidado e uma fome bem pronunciada. Os meus pequenos remadōres estavam
extenuados de fadiga. Aportei į margem esquźrda, e mandei o muleque
Sinjamba subir ao tope de uma ąrvore a investigar se na outra margem se
erguia o fumo do acampamento.
Elle julgou ver o fumo a N.O., a montante por isso do sitio em que
estąvamos.
Tornįmos a subir o rio, e eu com muito custo pude saltar no paśl da
margem direita e encaminhar-me ao logar onde fōram assignalados os
indicios de fumo.
Teria andado um kilņmetro, quando percebi vestigios da passagem da minha
comitiva para o sul. Os rastos da minha cabra e dos cćes nćo me podiam
enganar.
Voltei ao barco e tornei a navegar rio abaixo. De vźz em quando parava e
mandava o muleque trepar a alguma ąrvore da margem esquźrda, mas esta
manobra repetia-se sem resultado.
Aproximava-se a noute, e eu nćo estava sem cuidados; porque, ąlém da
fome que sentia, receiava o dormir fora do campo, por causa dos meus
chronņmetros que ficariam sem corda.
Tinha desapparecido o sol, e n'aquellas paragens o crepłsculo é curto.
Decidi acampar com os meus dous pequenos na margem esquźrda, e quando jį
dava execuēćo ao meu plano, pareceu-me ouvir o estampido de um tiro
muito longe a S.O. Redobrįmos de esforēos, e pouco depois ouvia outro
tiro, a que respondi.
Ao meu tiro, vi o clarćo de outro atirado a 200 metros de mim. Dirigi
para ali o barco, e deparei com o meu Augusto mettido em ągua até į
cinta no paśl de margem direita. Um Biheno estava com elle. Foi grande a
sua alegria ao vźrem-me, e logo viéram tirar-me do barco e
transportar-me įs costas por tōdo o paśl que era largo ali.
Foi difficil aquelle caminhar que levou meia hora, mas eu cheguei enxuto
į margem.
Os pequenos, depois de prenderem o barco a um canavial, seguķram-nos.
Disse-me o Augusto, ser longe o acampamento e termos de atravessar uma
espźssa floresta.
Eram profundas as trevas na floresta, e difficil o caminhar por entre as
sarēas.
Tropeēar aqui, cahir ąlém, andar dez metros em dez minutos, rasgando o
vestuario e a carne nos espinhos do matagal, tal é o jornadear į noute
em mata virgem.
Depois de uma hora de violentos esforēos, sentķmos perto tiros e grande
grita.
Eram os meus, que me buscavam.
Fiz-lhe signal e encontrįmo-n-os.
Vinha Verissimo Gonēalves į frente de um grupo de Bihenos, que quizéram
por fōrēa transportar-me ao campo, em umas andas que ali improvisįram
com troncos cortados na mata e folhagem d'arbustos.
Assim entrei no meu acampamento, onde, į meia noute, junto de um bom
fōgo, matava a fome de 36 horas.
Demorei-me ali um dia, e no seguinte logo de manhć comecei a passagem do
rio, que foi muito demorada, porque dispunha apenas para isso do meu
pequeno barco Macintosh.
Segui įs 9 horas na margem esquźrda do rio, e uma hora depois,
encontrava um ribeiro nas margens do qual appareceu muita caēa; segui
sempre, e pela 1 hora fui acampar junto de outro riacho, que como o
primeiro era tributario do Cubangui.
Aparecźram no meu campo dois Ambuelas caēadores de cźra (como elles
dizem), que prevenģram os guias de que era imprudente seguir para o
Cuchibi; porque, tendo morrido um sovźta prņximo do caminho que devģamos
seguir, estąvamos expostos aos desatinos que elles costumam praticar em
taes occasiões.
Viéram prevenir-me d'isso, mas eu, a despeito da morte de tōdos os
sovźtas possiveis, resolvi seguir įvante, e effectivamente no outro dia,
depois de marcha bastante forēada de 6 horas, alcancei a margem direita
do rio Cuchibi.
Na minha comitiva havia muita gente com uma molestia que tinha alguma
cousa de ridģculo; 18 ou 20 pessōas estavam com papeira.
CAPĢTULO VIII.
AS FILHAS DO REI DOS AMBUELAS.
O Cuchibi--O sova Caś-eu-hue--Os Mucassequeres--Opudo e
Capeu--Abundancia--Bondade dos indģgenas--Povoaēões e costumes--Um
vao no Cuchibi--O rio Chicului--Caēada--Feras--O rio Chalongo--Uma
jornada atroz--As nascentes do Ninda--O tłmulo de Luiz Albino--A
planicie do Nhengo--Trabalhos e fome--O Zambeze a final.
Foi a 25 de Julho que acampei na margem direita do rio Cuchibi.
O terreno que medea entre este rio e o Cubanguķ, é occupado por floresta
virgem, onde se nota vegetaēćo opulentissima.
Um naturalista botąnico encontraria ali vasto assumpto para demorado
estudo; tal é a variedade de plantas que crescem, umas į sombra
d'outras, n'aquella brenha enorme.
Por espaēos o caminhar foi difficil, e mais de uma vez as machadas
sahķram dos fortes cinturões de couro, para tornar transitavel um ou
outro carreiro de feras.
Ao caminhar na mata foi o meu olfato impressionado por um aroma suave e
delicadissimo, emanado da flōr de uma ąrvore abundante ali.
Nenhuma das flōres conhecidas tem mais delicado aroma do que o da flōr
do _Ośco_, que assim chamam os naturaes į primorosa ąrvore.
A configuraēćo da ąrvore, a disposiēćo das fōlhas, as flōres, em cachos,
e sōbre tudo a minha ignorancia em botąnica, fizéram-me escrever no meu
diario sem hesitaēćo, é uma Acacia.
Ha tempo, recebendo a visita do boticario da minha aldea, e vendo elle
um dos meus albuns de desenhos, disse-me com tōda a franqueza de aldećo:
"O senhor escreveu aqui uma asneira, esta flōr nćo pode ser de uma
acacia, porque tem só duas pčtalas e trźs estames, e deve saber, que a
acacia produz flōres de cinco pčtalas, e dez estames; por isso entra na
familia das Papilionąceas, e hōje entra na classe das Leguminosas, e eu
vou-lhe buscar o meu _de Candolle_..." Nćo vį, lhe disse eu, acredito-o
sōbre palavra, e como ahi vai representada a flōr, nćo me metterei a
querer classifical-a.
[Figura 67.--Ośco.
Flōr dez vezes augmentada. As flōres formam cachos de 3 cent. de
comprido por 15^{mm.} de diąmetro. Pčtalas brancas, ovario e estames
castanhos, perfume delicioso.]
Esta ąrvore, cujas flōres cubicei para offerecer įs damas da Europa, nćo
a encontrei antes d'este ponto, e desappareceu no curso superior do rio
Ninda.
Outra ąrvore que encontrei ali e que chamou a minha attenēćo, nćo pelo
aroma das flōres, mas pelo gōsto dos frutos, foi uma que os naturaes
chamam _Opumbulume_.
O fruto é em tudo semelhante ao Mapole, que jį descrevi, sendo o seu
gōsto differente, e muito mais differente a ąrvore que o produz.
O rio Cuchibi apresenta um aspecto differente do dos outros affluentes
do Cuando até ao ponto em que os visitei.
Corre no meio de uma planicie que encosta įs vertentes dōces de
montanhas cobertas de espźsso mato.
[Figura 68.--Opumbulume.]
A planicie completamente enxuta, e nćo apaülada, como quasi tōdas as que
fazem margem aos seus congčneres da Ąfrica de Sudoeste, chźga por vezes
a alargar-se em oito kilņmetros de extensćo.
O rio serpea ali, nćo em curvas de curto raio como o Cubanguķ, mas em
pouco ondulada linha, que ao longe faz parecer rectilģnea a sua
directriz.
Uma pomposa vegetaēćo herbącea vai terminar nas escarpas do leito, onde
corre uma ągua cristallina, deixando perceber o fundo de area branca.
Carece completamente da flora aquątica que abunda no Cubanguķ, nćo sendo
inferior a sua fauna, de que falarei mais tarde.
Havia caēa e fiz uma bōa caēada, pois que matei um songue, antģlope
vulgar nas margens do Cuando e nas dos seus affluentes.
Aparecźram-me n'aquelle dia alguns homens queixando-se de uns tumōres
que se desenvolviam nas articulaēões das pernas, e os impediam de andar.
Felizmente, o gasto de mantimentos jį me deixava livres outros homens,
que tomįram as cargas d'aquelles.
Uma grande parte dos meus carregadores tinham feridas sōbre as tģbias,
sōbre a cabźēa do proneo e tendćo d'Achilles, que nćo havia meio de
curar. Debalde esgotei tōda a minha sciencia mčdica, emprestada do
Chernoviz, e debalde o meu doutor Chacaiombe reunio os seus medicamentos
selvagens, aos mais estupendos processos de feitiēaria, ellas a tudo
resistķram.
Eu attribui o caso a duas causas, e nćo sei se atribuia bem. Em primeiro
logar, o constante exercicio de andar, pensei eu ser uma; em segundo
logar, a alimentaēćo seria outra.
Nćo julguem os meus leitores que lhes vou falar contra o innocente
Massango. Nćo, sou muito leal inimigo para atacar na ausencia aquelle
que tanto me perseguio. Deixo em paz o Massango, nćo é elle offensivo, e
creio mesmo que é bōa dieta.
A alimentaēćo a que me refiro, e į conta de quem deito em parte a
inutilisaēćo dos meus esforēos e dos do doutor Chacaiombe, em curar os
meus doentes, é outra.
Os Bihenos, como jį tive occasićo de dizer, comem de tudo e de todas as
carnes em estado de putrefacēćo.
Ainda que repugne um facto que vou narrar, mostra elle bem a que grao
sobe o gōsto do Biheno pela carne.
A minha cadella Traviata tźve em caminho oito cachōrros mortos.
Mandei-os enterrar pelo meu Augusto, em sitio occulto, para os subtrahir
į voracidade dos meus Bihenos; mas dois d'elles, do acampamento
seguinte, voltįram atraz, logrįram descobrir o sitio onde elles fōram
enterrados, e levįram-n-os; fazendo com aquella carne um banquźte. As
termites comem elles cruas įs mćos cheias, e apreciam muito os ratos.
Na ordem dos roedores ha um que elles muito procuram, e é um rato
pequeno de farta cauda sedosa, que vive nas tocas das abelhas, as quaes
nćo aggride.
[Figura 69.--O Rato mencionado.]
O ponto do rio Cuchibi onde eu estava acampado é despovoado de gente, e
diziam-me os guias, que só depois de quatro dias de marcha lograriamos
alcanēar as povoaēões.
No dia immediato, seguķmos viagem rio-abaixo pela margem direita.
A meia jornada, n'esse dia, notei eu que me faltava muita gente. Mandei
fazer alto, e voltei atraz a indagar do caso; quando deparo em um mato
com muitos dos meus, que comprįram a uns Ambuelas, carne de Quichōbo, a
trōco de cartuxos que me tinham furtado.
Fugķram, ao ver-se descobertos; mas menos destros pude alcanēar o
pombeiro Chaquiēonde e o meu doutor Chacaiombe. Este lanēou-se de
joźlhos a pedir perdćo, mas o secślo Chaquiēonde tirou do machado para
me agredir.
Dei-lhe tćo forte pancada na cabźēa com a coronha da arma, que elle
cahio por terra atordoado, e eu julgei-o mōrto; nćo me causando tanta
impressćo ter mōrto um homem em defensa propria, como o ter sido isso
por uma insubordinaēćo, a primeira que se dava comigo. Voltei į
comitiva, que mandei acampar, e fiz transportar ao campo o século
Chaquiēonde, que vinha banhado em sangue de larga ferida produzida pela
pancada.
Fiz-lhe um curativo, e reconheci que nćo era de circunstancia o
ferimento, porque feridas na cabźēa, quando nćo matam logo, em breve
cicatrizam. Reuni depois os pombeiros, por quem fiz julgar o delicto do
culpado, sendo a maioria de voto, que elle devia ser condenado į morte.
Outros entenderam, que lhe deveria mandar dar muita pancada.
Mandei-o comparecer, fil-o reconhecer a sua culpa, e perdoei-lhe. A
minha generosidade produzio geral assombro.
No dia seguinte, sustentei marcha de seis horas, sempre na margem
direita do rio.
Continuava de apparecer bastante caēa muito esquiva. Matei um _songue_.
Este elegante antģlope differe bastante d'aquelle a que os Bihenos dam o
mesmo nome entre a Costa e o Bihé.
Tem 1 metro e 50 centģmetros de altura na agulha, e 1 e 40 da agulha į
raiz da cauda.
O pźllo curto é amarello torrado, e de tinta igual. Medi alguns saltos
de 5 metros, e vi-os saltar por sōbre um canavial de 2 metros de alto.
No momento do _hallali_ defende-se e ataca raivōso. A sua carne é
saborosa, mas, como a de tōdos os antģlopes, muito sźca.
Vive em manadas, sempre na planicie, e tem vigias em quanto pasta.
[Figura 70.--Songue.]
[Figura 70A.--Rasto do Songue.]
Só muito perseguido se embrenha nas matas, ou atravessa um rio a nado.
Este antģlope desapparece completamente ąlém do curso superior do rio
Ninda.
Segui no dia immediato. Į medida que ia descendo o rio, vi que a
planicie marginal mais e mais se alargava.
N'ella pastam bandos de antģlopes, predominando os _songues_.
N'esse dia jį se sentia grande falta de vģveres, e comźram-se as łltimas
raēões de massango.
Finalmente, a 29 de Julho, depois de trźs horas de marcha, fui acampar
em frente das povoaēões de Caś-eu-hue, onde reside o sova do Cuchibi.
Antes de falar dos povos Ambuelas, e d'um rico paiz atravessado pelo
Cuchibi, quero dizer duas palavras do meu modo de viajar, ou antes da
minha vida em Ąfrica.
É certo que tōdos os meus predecessōres t[~e]m tido o seu systema, e
aquelles que me seguirem terįm o seu, tōdos ņptimos.
A minha vida, salvas raras excepēões, foi a seguinte. Levantava-me įs 5
horas, despia-me (porque dormia sempre vestido e armado), e tomava banho
em ągua į temperatura de 33 centģgrados.
Os Inglezes tomam banho em ągua fria, que é mui tņnica; eu por mim,
lavo-me por aceio, e nćo uso da hydropathia; para isso tinha uma
chaleira de ferro que me servia para aqučcer a ągua. Narrando o meu
viver Africano, falarei de alguns objectos que a elle estavam
estreitamente ligados. O primeiro, depois da chaleira, era a minha
banheira de cautchuc, fabricada pela casa Macintosh de Londres. Era um
traste preciōso, que, depois de tćo aturado serviēo, ainda se acha hōje
em ņptimo estado.
Coisa de borracha fabricada em Inglaterra é assim.
Depois do banho, passava ao meu _toilet_. A bacia era cortada em uma
cabaēa de 50 centģmetros de diąmetro. As toalhas eram de finissimo linho
de Guimarćes.
Escōvas, esponjas, sabonźtes e perfumarias (eu em Ąfrica usava muito de
perfumarias), eram de primeira qualidade, fornecidas pelo Carlos
Godefroy, que vende tudo muito caro, mas muito bom. Terminado o meu
_toilet_, a que assistia o meu criado de quarto Catraio, guardava elle
cuidadosamente tōdos os objectos de que eu me tinha servido, e vinha
apresentar-me os chronņmetros, thermņmetros e barņmetro.
Dava corda, e comparava os primeiros, registrava as indicaēões dos
segundos.
A esse tempo jį o meu muleque Pépéca tinta feito o chį, e vinha
apresentar-m'-o.
Figura aqui um objecto a que eu ligava a maior importancia. Era uma
chąvena de porcelana, chąvena que me foi offerecida pela espōsa do
tenente Rosa, em Quillengues.
Fina como uma fōlha de papél, transparente e elegante, aquella chąvena
fazia as minhas delicias, tornando mais saborosa a infusćo das fōlhas do
arbusto Chinez.
Depois de tomar trźs chąvenas de chį vźrde, sem assucar, porque o nćo
tinha, fechava as malas, e dava ordem de partida; partida, que raras
vezes se effeituava antes das 8 horas, por ser impossivel arrancar os
carregadores de junto das fogueiras, onde os prendia um frio intenso.
Partģamos pelas 8 horas. Na frente da comitiva o prźto Cahinga, de Silva
Porto, levantava a bandeira, e logo após elle seguiam as caixas de
cartuxos, a pao e corda. Iam após os outros carregadores
indistinctamente a um de fundo, fechando a marcha eu, o Verissimo, e os
pombeiros.
O carregador que por qualquér motivo tinha de deixar o caminho, pousava
a carga, e era isso signal para junto d'ella parar o pombeiro a quem
elle pertencia, que depois o acompanhava.
Durante o caminho observava os meus rumos, e calculava as minhas
marchas, combinando o pedņmetro com o relogio. As marchas regulares eram
entre 8 e 10 milhas geogrąphicas, sendo elevadas a muito mais quando as
circunstancias o exigiam. A tempo acampava, e durante uma hora durava a
faina de construir barracas.
Era um cortar de madeira, de ramos e de erva que durava uma hora. Se nćo
tinha observaēões a fazer, estendia-me horizontalmente na erva viēosa, e
dormia até me virem prevenir que estava prompta a barraca.
Geralmente a barraca estava prompta į uma hora; tinha pois de esperar
algum tempo para fazer as minhas observaēões para o boletim
meteorolņgico, que era feito a 0^{h.} 43^{m.} de Greenwich.
Para saber a hora consultava um relogio que o Pereira de Mello me
mandara de Benguella para o Bihé, relogio de latćo, puro cylindro de
construcēćo helvčtica, oito rubins etc., que trabalhava
desembaraēadamente.
Į hora precisa, chamava o Catraio, que me trazia os instrumentos, e
usando eu de um thermņmetro de funda, que pertencźra ao infeliz Barćo de
Barth, quando eu fazia girar o thermņmetro, juntavam-se sempre a
distancia tōdos os carregadores Bihenos, que contemplavam pasmados
aquella operaēćo, que eu repetia tōdos os dias, e elles tōdos os dias
vinham contemplar pasmados.
Logo que registava as observaēões, vinha o meu muleque Moero com os
pratos, e a raēćo, que eu nćo quero chamar jantar, aquelle punhado de
massango cozido em ągua.
Depois da refeiēćo, se a fadiga me impedia de ir caēar e percorrer os
arredōres, empregava o tempo passando as notas do dia para o diario,
calculando as observaēões, desenhando, etc. A tinta que eu empreguei em
tōdos os meus trabalhos, foi a dos pequenos tinteiros mągicos, cada um
dos quaes me durava de dois a trźs mezes.
Este systema de fazer apontamentos durante as marchas e durante o dia,
que depois passava ao diario, dava em resultado, o ter eu um duplicado
dos meus trabalhos, e de haver sempre a possibilidade de se salvar um,
se o outro se perdesse. Os apontamentos diarios eram feitos a lapis, em
pequenos quadernos, que eu ia lacrando e sellando į medida que os
prehenchia. Nelles, ąlém dos factos, estavam registradas tōdas as
observaēões iniciaes, jį astronņmicas, jį meteorolņgicas. Estes
cadernos, que ao deixar Durban enviei a Portugal por via de Inglaterra,
chegįram a salvo a Lisboa, onde ainda estam por abrir, ao passo que a
copia desenvolvida do que elles cont[~e]m, sempre me acompanhou, e estį
servindo de norma ao que estou escrevendo agora.
Foi-me preciso fazer esta viagem, para saber o quanto vale o tempo, e
para quanto elle chźga sendo bem aproveitado.
Vinha į noute, e entćo crepitava na minha barraca grande fogueira, que
me proporcionava calor e luz. Se eu nćo tinha observaēões a fazer
durante a noute, ou, muitas vezes, se a fadiga obrigava o repouso a
preterir tudo o que houvesse a fazer, ia deitar-me sobre as pelles de
leopardo que formavam a minha cama, tendo por travesseiro a pequena
malinha em que guardava os meus papeis.
Um hąbito que adquiri em viagem, de envolta com o frio da ante-manhć,
faziam-me regularmente acordar įs trźs horas. Levantava-me entćo e
reaccendia a fogueira amortecida. Vinha į porta da barraca, onde via um
thermņmetro deixado fóra, e que a essa hora me dava uma mģnima muito
approximada. Eu nćo tinha thermņmetros de mąxima e mģnima, e sam apenas
approximadas estas duas indicaēões thermomčtricas que v[~e]m nos meus
boletins; sendo a temperatura mąxima approximada a que se fazia sentir į
1^{h.} e meia, proximamente į hora do meu boletim a 0^{h.} 43^{m.} do
tempo de Greenwich.
Depois das 3 horas até įs 5, o meu tempo era passado junto ao fōgo,
fumando ininterrompidamente 10 ou 12 cigarros, e pensando na minha
patria e nos meus.
”Quantas vezes a essa hora, hora para mim de meditaēćo e tristeza, nćo
cogitava eu no futuro do meu emprehendimento!
Estava entćo no Cuchibi, 20 graos a leste de Greenwich, e 14 e meio ao
sul do equador. Estava longe de tōdo o soccorro que carecźsse, æonde
iria buscar recursos para seguir įvante?
Do Bihé até ali ainda tive a pouca fazenda de algodćo de que dispunha;
mas as łltimas peēas estavam diante de mim. Eram o meu łltimo dinheiro.
Em tōdos os povos encontrei mais ou menos facilidade de permutar o
alimento pela fazenda de algodćo, sendo a preferida o zuarte, o zuarte
pintado e o algodćo branco ordinario.
Raras vezes querem os riscados e a fazenda de lei. O buzio miüdo
(caurim), que tem muito valor entre os Quimbandes, e muito pouco entre
os Luchazes, recupera no Cuchibi a sua importancia, para emprego bem
diverso d'aquelle que lhe dam os primeiros d'estes povos.
Ali é para ornamentar as cabeēas, aqui é para fazer cinturões, em que ha
grande luxo.
A missanga Maria 2^a tem grande valor em toda a parte; mas no Cuchibi é
preferida a tudo, excepto į pņlvora.
Chegando ao Cuchibi, cheguei ao primeiro ponto em que n'esta viagem me
pedķram manilhas de cobre e arame para ellas.
Logo depois de ter estabelecido o meu campo, appareceu n'elle um homem
que veio falar-me, dizendo ser Biheno e ter ficado ali doente, deixado
por uma comitiva, havia trźs annos.
Foi reconhecido por muitos dos meus carregadores, e engajou-se ao meu
serviēo.
Eu estava no caminho das comitivas do Bihé, e como tencionava demorar-me
alguns dias, mandei um pequeno presente ao sova, e participar-lhe a
minha resoluēćo.
Sube pelo Biheno que me appareceu, que corria a noticia de ter havido
uma revoluēćo no Barōze, tendo sido expulso o rčgulo Manįuino, e
acclamado um outro de que nćo se conhecia por ora o caracter.
Nćo me foi agradavel esta noticia, porque eu sabia que Manįuino era
feroz e sanguinario com os seus, mas hospitaleiro para com estranhos.
Estes Ambuelas, entre os quaes estava, sam a pura raēa Ambuela, porque
as do Cubangui estam muito misturadas com a raēa Luchaze.
Sam os habitantes do Cuchibi inimigos dos Ambuelas de Oeste, e muitas
vezes v[~e]m įs mćos.
A raēa Ambuela occupa tōdo o paiz banhado pelo Cuando superior, e estį
agglomerada, sōbre tudo na parte em que este rio recebe os seus
confluentes, Queimbo, Cubangui, Cuchibi, e Chicului.
As povoaēões no rio Cubangui sam construidas, jį nas ilhas do rio, jį no
mesmo rio sobre estacaria. Sendo estes povos os łnicos que possuem
canōas, dormem de noute descanēados nas suas habitaēões aquąticas, sem
receio de serem atacados.
O sova mandou-me logo provisões e bastante milho. ”Com que prazer eu
comi um prato de milho cozido!
”Estava por algum tempo livre do fatal massango!
Mandou elle dizer, que viria visitar-me no dia immediato.
N'esse dia, logo de manhć, sahi a dar um passeio.
O emmaranhado da brenha espinhosa tornava difficil o caminhar na
floresta.
Ainda assim, afastei-me uns trźs kilņmetros do acampamento, e fui
deparar com uma enorme armadilha de apanhar caēa.
Era ella formada por uma sebe que devia ter alguns kilņmetros de
extensćo, fechando um espaēo prņximamente circular. Este cercado enorme
tinha de 20 em 20 metros, prņximamente, umas aberturas, em cada uma das
quaes estava armado um Urivi, armadilha em que a caēa, lebres e
antģlopes pequenos, sam esmagados por um pesado cźpo. Reunida muita
gente fazem uma grande batida no mato, e entćo a caēa foge espavorida, e
nćo podendo saltar o cercado, investe com as aberturas, onde vģctima é
dos Urivis ali collocados.
De volta ao meu campo, encontrei no mato um acampamento de
Mucassequeres, abandonado de ha pouco.
[Figura 71.--Muene-Caś-eu-hue, Chefe dos Ambuelas.]
Recebi a visita do sova, homem de idade avanēada, de typo sympąthico,
com um perfil judaico. Vinha bem vestido, trazendo sōbre uma farda um
casaco de linho branco, e ao pescōēo um grande e vistoso lenēo.
Cubria-lhe a cabźēa um barrźte de listas prźtas e encarnadas. Na mćo
trazia uma concertina de que tirava sons desordenados.
Deu-me nōvo presente, de milho, mandioca, feijćo e gallinhas, que eu
retribui dando-lhe algumas cargas de pņlvora, o mais estimado presente
que se pode fazer no Cuchibi.
Retirou-se o velho muito satisfeito, promettendo avistar-nos mais vezes.
Disse-me elle n'esta primeira visita, que os reis do Barōze, mandam ali
receber tributos, e que elle, para evitar guerra, lh'os manda pagar,
estando assim estabelecida uma especie de vassalagem; que, havia pouco,
soubera da revoluēćo do Zambeze, mas nćo conhecia o nōvo potentado, e
nenhumas informaēões me podia dar d'elle.
N'essa tarde, os meus prźtos prendźram no mato dous Mucassequeres que
trouxéram į minha presenēa.
Os dous pobres selvagens tremiam de mźdo e julgavam-se perdidos.
Falavam um pouco a lģngua Ambuela, e por meio de um intčrprete pudémos
entender-nos. Elles julgavam que uma sentenēa de morte os ia fulminar,
ou ao menos que a escravidćo iria sujeitar o resto de seus dias.
Mandei que os desamarrassem, e lhes entregassem as suas armas.
Disse-lhes que estavam livres, e que voltariam para a sua tribu, e
dei-lhes alguns fios de missanga para as suas mulheres.
Elles caminhavam de sorpresa em sorpresa, e nćo podiam crer na verdade
das minhas palavras. Dei-lhes de comer, e pedi-lhes que me levassem a
ver o seu bivac.
Depois de discutirem acaloradamente um com o outro, n'uma lģngua
desconhecida a tōdos os que ouviam, e completamente differente na
intonaēćo a tudo o que em lģnguas Africanas eu tinha ouvido até ali,
decidķram que me levariam į sua tribu se eu quisesse ir só. Aceitei, e
parti com os dois horrorosos selvagens.
Apesar do meu muito hąbito da floresta, era-me difficil acompanhar os
ageis guias, que mais de uma vez tivéram de esperar por mim.
Ao cabo de uma hora de caminho, deparįmos, no meio de uma pequena
clareira, com o acampamento da tribu.
Haviam ali mais trźs homens, sete mulheres e cinco crianēas.
Alguns ramos d'ąrvore derreados, com outros encostados na frente, sam os
seus łnicos abrigos.
Nćo t[~e]m o menor apresto de cozinha. Sustentam-se de raizes, e de
carne que assam em espźtos de pao. Nćo conhecem o sal.
Homens e mulheres mal cobriam a sua nudez com pequenas pelles de
macacos.
Arcos e frechas sam as łnicas armas de que se servem. Eu estava muito
embaraēado, porque nćo os entendia nem podia fazer-me entender d'elles.
Dirigi-me įs mulheres, a quem dei alguns fios de missangas que tinha
levado para isso. Ellas recebźram-n-os sem darem mostra de nenhum
sentimento de agrado.
A miseria d'aquelles desgraēados compungia-me. O seu rōsto é feissimo,
olhos pequenos e um pouco inclinados nas ņrbitas, ossos molares muito
distanciados e salientes, nariz achatado, com as fossas nasaes
desmesuradas.
T[~e]m o cabello encarapinhado e pouco, crescendo em montões separados,
mais basto no alto da cabźēa.
Alguns bocados de pelle de animaes atados nos pulsos e nos artelhos sam
o seu ornamento, ou talvez amuleto milagroso.
Procurei fazer comprehender aos meus guias que ia voltar, e elles
precedźram-me no caminho, deixando-me, jį noute, na orla do bosque
d'onde eu ouvia o vozear do meu campo e alegres cantares.
Durante a minha permanencia no Cuchibi, pude recolher algumas
informaēões, ainda que escaēas, a respeito de tćo estranhas gentes.
Os Mucassequeres partilham com os Ambuelas os territorios de entre
Cubango e Cuando, sendo que estes vivem sōbre os rios e aquelles nas
florestas, estes sam bąrbaros, aquelles selvagens.
Nćo convivem, mas nćo se hostilizam.
Se a fome os obriga, os Mucassequeres v[~e]m aos Ambuelas permutar
marfim e cźra por alimentos.
As tribus Mucassequeres sam independentes, e nćo obedecem a chefe
commum.
Guerreiam-se mesmo e os escravos que fazem uns aos outros v[~e]m elles
vender aos Ambuelas, que os permutam depois įs comitivas do Bihé.
Os Mucassequeres sam os verdadeiros selvagens da Ąfrica tropical do sul,
os outros povos podem ser chamados bąrbaros.
O Mucassequer nunca tźve casa ou simulacro d'ella. Nasceu sob a ąrvore
da floresta, viveu e morreu sob a ąrvore da floresta.
Despreza a chuva e o sol, e soporta as intemperies como qualquér fera
dos matagaes.
Ainda o lećo e o tigre t[~e]m um antro onde se escondem; o Mucassequer
precisa que pźlo cōrpo despido lhe sopre a briza do mato.
Nćo conhece a enxada, porque nunca cultivou a terra. Raizes, mel e caēa
sam o seu alimento, e cada tribu vagueia sem cessar em busca de raizes,
mel e caēa.
Nunca dormem hōje onde ficįram hontem. A frecha é a sua arma, e tćo
destros sam no seu manejo, que caēa apontada é caēa morta.
O proprio elefante cahi traspassado pelas suas setas lanēadas por
musculosos braēos.
As duas raēas que habitam este paiz, sam tćo differentes no cōrpo como
nos hąbitos.
O Ambuela é prźto e tem o typo da raēa caucąsica; o Mucassequer é branco
e tem o typo da raēa hotentņtica em tōda a sua hediondez.
O nosso marinheiro crestado pelo sol e pelo vento dos temporaes é mais
escuro do que o Mucassequer. Ha contudo n'aquella cōr branca alguma
cousa de amarello terroso, que os torna hediondos.
Tive o maior pesar de nćo poder recolher dados mais precisos sōbre esta
curiosa raēa, que me parece dever merecer attenēćo especial dos
anthropologistas e dos ethnņgraphos.
É minha opinićo, que este ramo da raēa Ethģope, pode ser collocado no
grupo da divisćo Hotentņtia. Tem na forma muito dos seus caracteres, e
nós vemos n'essa raēa uma variaēćo sensivel na cōr da pelle. O _bushman_
do sul do Calaįri é de cōr mui clara, e alguns tenho visto quasi
brancos. Sam de estatura pequena, e de cōrpo franzino, mas t[~e]m tōdos
os caracteres do typo Hotentņtio. No norte do mesmo deserto, sōbre tudo
junto aos lagos salgados, formiga outra raēa nņmada, os Massaruas,
fortes e de estatura elevada, de cōr nźgra carregada, possuindo o mesmo
typo Hotentote, e indubitavelmente pertencendo ao mesmo grupo.
Disséram-me no Cuchibi, que ainda entre o Cubango e Cuando, mas muito ao
sul, existia outra raēa em tudo semelhante aos Mucassequeres, em typo e
hąbitos, mas muito prźtos.
Assim, pois, em vista da affinidade dos caracteres, nćo me repugna
admittir, que o grupo Hotentņtico da raēa Ethģope, se estenda ao N. do
Cabo até entre Cubango e Cuando, passando por diversas modificaēões de
cōr e de estatura, devidas quiēį aos meios em que vivem, į altitude, į
grande differenēa de latitudes, ou ainda a outras causas menos
apreciaveis.
Por muito tempo as subdivisões da raēa Ethģope na Ąfrica tropical, serįm
mal conhecidas na Europa, por nćo ser facil colligir os dados para o seu
estudo.
æQual é o indģgena d'essas tribus bąrbaras que deixa moldar o seu cōrpo?
æCaso deixasse, como pode o anthropologista levar a materia para fazer
os moldes, e reconduzir depois esses moldes até į costa?
æComo colleccionar esquelźtos, crąneos mesmo sómente, em paizes onde a
profanaēćo de uma sepultura pode ser caso da perda de uma expediēćo?
æComo occultar da sua propria comitiva, dos seus proprios carregadores,
esses despojos humanos, que seriam olhados como uma fonte de maleficios?
A photographia, de tōdos o meio mais incompleto de fazer esses estudos,
apresenta, ainda assim, difficuldades insuperaveis.
Em primeiro logar, é difficil empregal-a em viagem de exploraēćo, onde
nem sempre dį os resultados que d'ella se esperam; sendo quasi
impossivel o transporte de um laboratorio, em frascos de vidro į cabźēa
de um carregador, que tropeēa e cahi dez vezes por dia. Eu sei-o de
experiencia propria, e que o digam Capello e Ivens.
Suppondo porem que se podiam mais ou menos facilmente empregar os meios
photogrąphicos, æqual era o indģgena do interior que deixava apontar uma
mąchina, e estava um momento firme diante da objectiva da cąmara escura?
No correr da minha narrativa terei occasićo de narrar uma anecdota
acontecida comigo e com o photņgrapho Suisso M. Gross, em que eu
consegui obter um grupo de Betjuanas, jį meio-civilizadas, com uma
paciencia e uma despesa incalculaveis.
Com os Mucassequeres, aconteceu-me, de nem mesmo lhes poder apanhar o
typo com o lapis e papél!
Voltemos į minha narrativa.
Ao deixarem-me na orla da floresta, jį noute, os meus Mucassequeres
disséram-me umas palavras, que provavelmente queriam dizer bōa noute, e
fōram-se. A claridade espalhada na atmosphera pelas fogueiras do meu
campo, e o som de alegres cantares guiavam meus passos, e pouco depois
entrava eu no recinto do acampamento, onde, ao som da młsica bąrbara dos
Ambuelas, havia um danēar phrenčtico.
[Figura 72.--Mulhér Ambuela.]
Muitas raparigas Ambuelas danēavam com os meus carregadores, fazendo
soar as manilhas dos braēos em compassado tinir.
Impressionou-me o typo d'aquellas raparigas, que era perfeitamente
Europeo, e algumas vi que, com a mudanēa de cōr, fariam inveja a muitas
formosas Europeas, a quem igualariam em belleza, e excederiam em formas
e elegancias naturaes.
Ali sube um caso nōvo para mim.
Estes Ambuelas, quando chźga ao paiz uma comitiva, v[~e]m tocar e danēar
ao seu campo, e į medida que a noute se adianta, vam pouco a pouco
retirando, e deixando ali mulheres, irmćs e filhas. É costume de
hospitalidade d'esta gente, offerecerem companheiras aos foragidos que
apparecem. No dia seguinte, muito cźdo, ellas retiram para as suas
povoaēões, e pouco depois voltam, a trazer presentes ao amante de uma
noite.
[Figura 73.--Opudo.]
Comigo deu-se uma estranha aventura.
Moene-Caś-eu-hue, o velho sova, mandou-me as suas duas filhas, Opudo e
Capźu.
Opudo teria uns vinte annos, Capźu dezaseis.
A mais velha era feia, e tinha um modo altivo; a mais nova, sympąthica,
tinha um rōsto cąndido e ingčnuo.
Desde que me internei em Ąfrica, decidi ter uma vida austera, o que me
deu sempre grande influencia sōbre os meus prźtos, que, nćo me vendo
beber senćo ągua, e nćo me conhecendo uma só aventura galante, me
julgįram sempre um ente superior e privilegiado.
Apesar da minha fōrēa de vontade, tive de sustentar uma luta atroz
comigo mesmo para resistir į tentaēćo da filha mais nova do sova
Caś-eu-hue.
Capźu só fala o Ganguela, que eu nćo entendia, mas Opudo falava o
Hambundo.
[Figura 74.--Capźu.]
"æPorque nos desprezas?" me perguntou ella com modo altivo.
"æPor ventura na tua terra tens mulheres mais bonitas do que minha
irmć?"
"Nós dormirźmos aqui; porque eu nćo quero que se diga, que as filhas do
chefe dos Ambuelas fōram expulsas por um branco."
”Imagine-se a ridģcula situaēćo em que eu estava collocado! Era tal a
atribulaēćo do meu espģrito, que nćo sabia que responder.
É verdade que a łnica resposta a dar, era aquella que eu nćo queria dar.
Na minha barraca estavam sentadas duas mulheres, sōbre pelles de
leopardo; entre mim e ellas a vasta fogueira deitava uma luz pąlida, que
era inda amortecida pelo verde escuro da folhagem que forrava o interior
da cabana.
Os lampejos da fogueira alumiavam a cabźēa cąndida, e collo nś de uma
mulhér de dezaseis annos, que me fitava com um olhar ląnguido, tłmido de
desejos, inebriante de lascivas promessas.
Eu via o arfar d'aquelle peito nu, de belleza esculptural, e nćo podia
desviar os meus olhos d'elle.
Lį fóra, ao ruidoso som dos batuques, havia um cantar mais brando, e o
danēar mais compassado indicava a lassidćo dos membros.
Os meus bravos carregadores escolhiam as companheiras da noute.
Eu estava só com as duas raparigas, mais só do que se estivesse muito
longe de gente.
"Nós ficarźmos aqui, me disse a orgulhosa Ambuela; nćo quero expor minha
irmć aos chascos das mulheres velhas das povoaēões, e só te digo,
branco, que se tu és secślo do Muene-Puto, eu sou filha do sova."
O ridģculo da minha posiēćo augmentava; eu sustentava uma luta comigo
mesmo para nćo ceder aos atractivos da joven selvagem, e nćo tinha uma
palavra a dizer, porque nćo sabia o que fazer.
Aquella situaēćo picaresca nćo podia continuar, e eu nćo sabia como
terminal-a.
Preferia mil vezes estar em luta com o guerreiro pai, que em tal
colloquio com a amante filha.
De repente levantou-se a pelle que fechava a porta da barraca, e alguem
entrou.
Era a pequena Mariana, que tinha escutado tudo o que se disse na tenda.
Entrou e foi acocorar-se junto į fogueira que atiēou. Depois
comprimentou as Ambuelas batendo repetidas vesses as palmas, como é uso
no paiz, e repetindo a palavra _Cō-qśé-tś_--_cō-qśé-tś_, e disse-lhes:
"O branco nćo as depreza; se as nćo deixa dormir aqui, é porque aqui só
eu durmo, o branco é meu. Junto d'esta estį a minha barraca, podem ir
dormir ali." As filhas do sova Caś-eu-hue levantįram-se e sahķram com a
pequena, a quem eu daria tudo para pagar tal serviēo; mas, momentos
depois, voltava Opudo, e dizia-me baixo, "Hōje durmimos fóra, mas tu has
de ser amante de minha irmć." Confesso que me metteu mźdo aquella
mulhér, a mim que nunca temi as feras!
Deitei-me pensando na estranha aventura, e vindo-me vivamente į
lembranēa a bģblica historia da capa de José no Egypto.
No dia immediato, as filhas do rčgulo viéram como as outras trazer-me
presentes; eu dei-lhes alguma missanga, e ellas retirįram, sem fazer a
menor allusćo į scena da noute.
Pouco depois, um portador do sova veio prevenir-me, de que elle me
esperava essa tarde, e me mandaria um barco para eu ir į sua povoaēćo.
No acampamento apparecźram algumas cobras que os prźtos diziam serem
venenosas, e muitos escorpiões nźgros de 10 a 12 centģmetros de
comprido. Alguns dos meus prźtos fōram picados por estes repugnantes
arąchnides, cujo veneno nćo produzio outro accidente ąlém de violenta
dōr e tumefacēćo dos tecidos prņximos.
Os Ambuelas sam os primeiros povos que se encontram no meu caminho, que
nćo vam occultar nas florestas as suas plantaēões.
É na grande planicie por onde corre o rio que a cultura é feita; por
isso a abundancia de producēćo que tem afamado estes povos como
cultivadores.
As cheias alagam a campina; e o nateiro que ali deixam as ąguas é
ubérrimo adubo que lhe avigora a cultura.
Se nćo regam o terreno, como nćo vi fazer a pōvo algum Africano, fazem
irrigaēões, e observei em volta das plantaēões fundos sulcos, por onde
se produz a secagem dos terrenos que cercam.
Estive trabalhando, e só tarde me lembrei de ir procurar a canōa que o
sova me prevenio estaria į minha disposiēćo junto ao rio, para ir į sua
povoaēćo.
Ao chegar ao ponto designado, ”qual nćo foi a minha sorpresa ao ver a
ligeira barca tripulada por Opudo e Capźu, as duas filhas do rčgulo! Eu,
que me julgo pouco medroso, confesso que sempre tive muito mźdo de
mulheres.
Todavia nćo quiz deixar perceber receios, e saltei para a estreita
piroga, que equilibrei, dizendo-lhes: "Vamos." Ellas com immensa
destreza, com extrema elegancia, manobrįram a canōa, correndo por um
canalźte que conduz ao rio.
O sol estava no occaso. O ligeiro barco deslisava por entre uma
vegetaēćo aquątica riquissima, que vinha expor as suas bellezas į
superficie d'ągua do canal. As victoria-regias e muitas espčcies de
Nenuphar, prendiam įs vezes o andar da canōa.
[Figura 75.--Barco e Remo do Cuchibi.]
Eu só pensava n'aquellas mulheres. Via jį a canōa voltada, e eu presa de
um crocodilo.
De repente, por uma habil manobra dos remos, a canōa estacou, e Opudo
disse-me: "Jį é muito tarde para irmos a casa de meu pai, eu esperei-te
muito tempo, volvamos para a terra, e įmanhć voltarįs."
Pouco depois atracąvamos, e ellas acompanhįram-me ao campo.
Veio a noute, e lį fora no acampamento, as danēas e os cantares, e na
minha barraca as filhas do rčgulo conversando de cousas indifferentes.
Levantįram-se quando cessou o ruido das festas, e fōram deitar-se į
porta da barraca junto de uma fogueira que accendźram.
Quiz que ellas fōssem para a barraca da pequena Mariana, mas Opudo
respondeu-me, que "era bicho do mato e estava acostumada a tudo."
[Figura 76--Tambor das Festas Ambuelas.]
N'esse dia o meu Augusto, que foi ao mato caēar, encontrou um bando de
macacos pequenos, os primeiros que aparecźram no meu caminho desde a
costa de Oeste.
No dia immediato, fui logo de manhć visitar o sova, mas, querendo evitar
aventuras, armei o meu barco de cautchuc e fui n'elle.
O canal que segui vai desembocar n'um braēo do rio que tem 20 metros de
largo por 6 de fundo, com corrente rąpida de 50 metros por minuto.
O rio divide-se, formando ilhotas baixas e encharcadas, onde cresce um
canavial espźsso. É n'estas ilhotas, ainda cortadas por pequenos canaes,
formando um verdadeiro labyrintho, que assentam as povoaēões Ambuelas
n'um solo pantanoso, ao nivel do rio. As casas sam meio-encobertas pelo
canavial basto. As parźdes sam construidas de caniēos, assentes sōbre
estacaria, e as coberturas sam de cōlmo.
[Figura 77.--Caś-eu-hue (Cidade do Cuchibi).]
Casas, como tudo o que fazem estes Ambuelas, sam pčssimamente
construidas, e pouco abrigam. Fora das portas, pendem de grandes estacas
enormes cabaēas, onde elles guardam a cźra, e outros objectos.
As proprias casas estam atulhadas de cabaēas. Entre os Ambuelas, a
cabaēa é mala, é cofre, é o seu principal traste de mobilia.
Os depņsitos de mantimentos, só differem das casas de habitaēćo em
estarem dois metros elevados do solo, sōbre estacas, e por isso livres
das inundaēões do rio.
N'uma das ilhotas mora o sova Moene-Caś-eu-hue. Ha ali a sua casa de
habitaēćo, quatro mais, de quatro mulheres, e alguns depņsitos de
mantimentos.
Junto da casa do rčgulo estam misturados em trophéo rłstico, cąveiras,
cornos e outros despojos de caēa.
Moene-Caś-eu-hue recebeu-me tendo a seu lado dois dos seus favoritos.
Logo que me sentei, o meu intčrprete e um dos favoritos comeēįram um
estridente bater de palmas, e apanhando uma pouca de terra, esfregįram
com ella o peito, e repetķram muitas vezes apressadamente as palavras
_Bamba_ e _Calunga_, terminando por nōvo bater de palmas muito rąpido
mas pouco forte. Estavam os comprimentos feitos.
O rčgulo quiz ver o meu barco, e fez n'elle uma pequena excursćo pelo
rio.
O seu espanto, ao ver o poder de fluctuaēćo do barco portatil, nćo tinha
limites, e muitas vezes me repetio, que nćo vendesse d'aquelles barcos
aos Ambuelas do Cubangui, senćo estavam perdidos.
Tranquillizei-o dizendo-lhe, que os brancos nćo queriam guerra entre
elles, e por isso teriam tōdo o cuidado em nćo lhes dar os meios de a
fazerem.
De volta į ilha, mandou elle vir uma cabaēa de _Bingundo_, e um copo de
folha de flandres, lata troncocņnica de marmelada de Lisboa, deixada ali
por algum sertanejo Biheno, em viagem de commercio.
Cheio o copo, entornou o sova algumas gōtas do lģquido fermentado no
solo, e cobrio de terra hłmida o sitio, bebendo em seguida tōdo o seu
conteüdo.
Tendo-lhe dito o intčrprete, que eu só bebia ągua, elle passou a cabaēa
aos seus favoritos, que a esgotįram em um momento. Ao meio dia estava de
volta ao meu acampamento.
Estive n'esse dia com um indģgena, irmćo do sova, que me disse, ter
descido d'ali ao Zambeze embarcado pelo Cuchibi e Cuando.
[Figura 78.--O Irmćo do Sova.]
Este prźto é intelligente, e fala bem o Portuguez, por ter sido soldado
em Loanda, para onde fōra vendido no tempo da escravatura. É um grande
caēador, e muitas vezes percorreu, nas suas excursões cynegčticas, as
margens do Guando até Linianti.
Disse-me, ser o Guando completamente navegavel, sem rąpidos, mas por
vezes alargar tanto que adquire pouco fundo, e ser tćo poderosa a
vegetaēćo aquątica, que prende os barcos, tornando em alguns pontos
difficil a navegaēćo.
Affirmou-me, e depois tive occasićo de verificar nas localidades, que o
rio Cuando se chama sempre Cuando até Linianti, e d'ali ao Zambe ainda
Cuando ou rio de Linianti, e nunca Chobe, ou Tchobe, como vem designado
nas cartas.
A raēa Ambuela continśa no Cuando o mesmo systema de vida que tem no
Cuchibi, e as ilhas sam ainda o local onde edificam as suas povoaēões.
Nas margens do Cuchibi reapparece o luxo dos penteados, que tinha
desapparecido com a raēa Quimbande. O błzio miüdo, _caurim_, é de nōvo
muito apreciado ali, nćo para enfeitar as cabźēas, mas para fazer largos
cintos adornados com elle.
No fim do canal onde embarquei para ir a casa do sova, notei dois molhos
de grossos paos espetados verticalmente e distanciados de alguns metros.
D'estes paos pendiam bocados de esteiras jį meio-apodrecidas do tempo.
Indagando o que era aquillo, sube que junto įquelles paos se praticava a
circuncisćo įs crianēas mąsculas de 6 a 7 annos, e depois as mandavam
para o mato completamente despidas, até completa cura, sendo-lhes
ministrada a alimentaēćo pelos operados do anno antecedente. Elles no
mato teciam esteiras para cobrirem a sua nudez, e ao re-entrarem nas
povoaēões, deixavam-n-as penduradas nos paos em que haviam sido
operados.
Mostrįram-me ali tambem outra engenhoca muito curiosa.
Sōbre duas forquilhas tōscas elevadas meio metro da terra, descanēa um
pao cylģndrico de um metro de comprido com 30 milimetros de diąmetro,
envolvido em palha fortemente amarrada, que lhe dį um aspecto fusiforme.
Este apparźlho é feito por um cirurgićo de fama, que lhe incute um poder
extraordinario. Logo que um marido suspeita sua mulhér de esterilidade,
manda chamar o cirurgićo, que a conduz junto ao _curativo_.
No meio de palavras cabalģsticas, é-lhe esfregado o peito e as costas
com o precioso pao envōlto em palha, e afianēou-me o sova, que o
resultado apenas se fazia esperar nove luas.
Apesar da muita fé que os Ambuelas t[~e]m n'este systema de terminar a
esterilidade, eu nćo me atrźvo a aconselhal-o na Europa.
As minhas relaēões com os indģgenas eram as mais cordiaes e affaveis.
As filhas do rčgulo continuavam a trazer-me presentes, e só ellas
proviam į minha alimentaēćo e į dos meus muleques de serviēo.
Cousa que eu desejava era logo procurada e a minha vontade satisfeita,
querendo ellas fazer acreditar įs outras, que entre nós existiam
relaēões mais ģntimas do que as de uma leal amizade. Eu sabia que era
uma vergonha para ellas o serem repudiadas pelo forasteiro a quem se
dam, e deixava-as apparentar a meu respeito o que realmente nćo eram.
Vivģamos assim nos termos da melhor amizade, sendo verdadeiramente
importante a coadjuvaēćo que ellas me prestavam, para obter os
carregadores e mantimentos de que eu precisava, para atravessar uma
larga zona despovoada e falta de recursos.
Pude obter larga provisćo de milho e algum feijćo, sendo a maior parte
presente das filhas do rčgulo.
Os meus haveres tocavam o seu fim, e salvo uma grande porēćo de pņlvora
encartuxada, alguma missanga e pouco cobre para manilhas, jį nada mais
possuia. Dois dos meus carregadores levavam o presente que eu destinava
ao rčgulo do Barōze, no qual figurava um realejo, em cuja tampa dois
bonecos automąticos, que danēavam ao som do moļnho de młsica, faziam
divertir enormemente o gentio. O meu Augusto aproveitava a curiosidade
dos indģgenas, explorando-a em meu favor, e fazendo ver o realejo em
acēćo, a trōco de ovos de gallinha, que elle tinha o cuidado prčvio de
deitar em ągua para ver se estavam em bom estado, porque mais de uma vez
no principio, foi enganado pelo gentio manhozo, que ąvido de satisfazer
a curiosidade, nćo hesitava em ir aos ninheiros tirar įs gallinhas os
ovos incubados.
Moene-Caś-eu-hue, de certo a instancias das filhas, resolvia todas as
difficuldades que se apresentavam, e preparava-me rąpidamente a partida.
Ellas tinham resolvido acompanhar-me até onde fōssem os Ambuelas,
devendo ser Opudo quem dirigisse a horda dos seus słbditos.
Antes de seguir os acontecimentos da minha viagem, direi mais algumas
palavras do paiz e dos Ambuelas, que tćo hospitaleiros fōram para mim.
A lģngua Ambuela nćo é mais do que a lģngua Ganguela, a mesma que se
comeēa a falar a leste do rio Cuqueima.
Como o Hambundo, de que é um dialecto, é pobrķssima, muito irregular nos
verbos e falta de tōdos os vocąbulos que exprimem um sentimento nobre e
generoso.
æSerįm tćo infelizes estes povos que nćo sintam a necessidade de
exprimir esses sentimentos pela palavra, por serem elles estranhos į sua
existencia?
Impossivel me foi averigual-o, mas nćo me repugna crel-o.
N'este ponto, onde fui recebido como amigo, e por isso livre de qualquer
influencia que predisposesse o meu espģrito contra o gentio Africano,
nćo pude ler ainda nos arcanos da alma do nźgro, mais do que sņrdida
cupidez, a material lascģvia, a cobardia em presenēa do forte, a ousadia
contra o fraco.
Os povos Ambuelas sam, de tōdos os que encontrei no meu caminho, os que
em maior escala cultivam a terra, que lhes paga o trabalho que elles lhe
dispensam com prodigalidade admiravel.
O feijćo, a abņbora, a batata dōce, a ginguba, o rģcino e o algodćo, sam
cultivados entre as enormes searas de milho de ņptima qualidade. Tambem
cultivam estes povos a mandioca, mas pouca pude obter, por terem sido
n'aquelle anno destruidas as plantaēões d'ella por uma cheia do rio
extemporąnea.
As gallinhas sam o łnico dos animaes domčsticos que possuem os Ambuelas.
O seu viver, sempre em receio dos ataques dos vizinhos, faz com que
estes povos nćo sejam pastōres, deixando ao abandono as extensas
planicies cobertas de viēoso pasto, onde poderiam apascentar enormes
rebanhos.
O gado bovino deixa de apparecer onde desapparecem os Quimbandes.
O caprino apparece, ainda que raro, entre os Luchazes, entre os quaes
apparece mais raro ainda o pōrco domčstico, que abunda no Bihé e entre o
Bihé e a Costa Oeste.
Em paizes cobertos de ubčrrimas pastagens, livres da terrivel mōsca
zź-zź, em todas as condiēões desejaveis para largas criaēões de gados,
æporque faltarįm elles?
Nćo é talvez difficil encontrar a explicaēćo. O gado é a riqueza maior
dos povos Africanos, e excita sempre a cupidez dos vizinhos, sendo como
eu jį tive occasićo de dizer, a causa permanente das guerras entre os
povos que demoram da Costa Oeste ao Bihé.
O receio de ser rico, e por isso de ser atacado e roubado, nćo é
estranho talvez į falta de gados que se encontra do Cuanza ao Zambeze.
Entre estas bąrbaras gentes os paradoxos sam vulgares, e ha ali
principios estabelecidos e arraigados que difficilmente podem ser
comprehendidos na Europa.
O cćo, esse fiel e dedicado amigo do homem, nćo desmente junto do prźto
o seu mistér de companheiro desvelado, e vigia ladino, encontrando-se
entre tōdos os povos das raēas Ganguelas. É verdade que uma variedade de
gozos e alguns podengos degenerados, sam apenas os espčcimens que se
encontram da raēa canina n'esta parte de Ąfrica. Entre os Quimbandes e
os Bihenos sam os cćes desveladamente tratados, porque sam destinados a
serem comidos, e sam apreciado manjar.
Os Ambuelas, como disse, com elementos para serem dos primeiros povos
pastores de Ąfrica Austral, nenhum gado possuem, e apenas fazem criaēćo
de uma variedade de gallinhas muito pequenas.
Entre os habitantes do rio Cuchibi nćo ha logares destinados para
cemiterios. Os sovas sam enterrados no mato em logar separado, mas o
pōvo é indistinctamente sepultado no lōdo do rio.
Os Ambuelas t[~e]m costumes brandos, e é mais franca a sua
hospitalidade.
Sam bastante caēadores, e apanham muita cźra nos matos.
[Figura 79.--Caēador Ambuela.]
A mulhér tem mais alguma consideraēćo entre elles do que entre os outros
povos que até ali visitei, onde é apenas escrava ignobil.
Estes indģgenas sam muito pescadores, o que nćo admira vivendo no meio
de um rio cuja fauna aquątica é variadissima.
Effectivamente, de tōdos os rios que até ali encontrei, nenhum vi tćo
piscoso.
Pude obter dos indģgenas, durante a minha estada ali, 18 variedades de
peixes, assegurando-me elles haverem outras ainda.
[Figura 80.--Chinguźne.
1/4 do natural. Pelle molle e desprovida de escamas. Dorso castanho com
manchas mais escuras; forma triangular, sendo o ventre um lado e o dorso
o včrtice; 3 barbatanas ventraes, 2 subdorsaes e duas dorsaes. Dois fios
musculares sobre a boca e dois na maxilla inferior. É especie de um
gčnero muito vulgar em Ąfrica e que conta muitas especies.]
Įquelles que pude ver dam elles os nomes seguintes:--
Peixes pequenos, menores de 20 centģmetros.
1. Mussouzi peixe de pelle.
2. Mango idem.
3. Chinguene idem.
4. Chibembe idem.
5. Limbumbo idem.
6. Dipa peixe de escamas.
7. Chitungulo idem.
8. Lincumba idem.
9. Nhele idem.
10. Lingumoeno idem.
[Figura 81.--Lincumba.
Tamanho natural. Escama dura e larga; dorso cinzento azulado; ventre
branco prateado; 5 barbatanas ventraes, 1 lombar. Barbatanas moles.]
Peixes grandes, entre 20 e 50 centģmetros.
11. Chó peixe de pelle.
12. Mucunga peixe de escamas.
13. Undo idem.
14. Chinganja idem.
15. Nassi idem.
16. Bula idem.
17. Ganzi idem.
18. Boei-ie idem.
[Figura 82.--Chipulo ou Nhele.
Tamanho natural. Escama dura e miuda; dorso cinzento avermelhado; ventre
branco avermelhado; 3 barbatanas veutraes, duas sobreventraes, e 1
lombar percorrendo tōdo e dorso, armada de espinhos.]
Seis diferentes grandes Mamiferos habitam o rio Cuchibi.
1. O Hippopņtamo.
2. O Quichōbo ou Buzi (antģlope).
3. O Nhundo (Lontra commum).
4. Libao (Grande Lontra malhada de branco).
5. Chitoto (pequena Lontra completamente prźta).
6. Dima (herbģvoro do tamanho de uma cabra pequena, desarmado de cornos,
vivendo nas mesmas condiēões do Quichōbo ou Buzi).
Ainda os reptis que habitam as ąguas do rio sam numerosos, sendo que os
crocodilos sam pequenos e pouco vorazes, e as cobras umas sam, outras
nćo venenosas.
Tem uma grande variedade de batrąchios, que os Ambuelas nćo distinguem,
dando a tōdos indistinctamente o nome de Manjunda.
Nos canaes e sitios onde a ągua é estagnada, vivem milhares de
sanguesugas, como em tōdos os rios d'esta parte de Ąfrica.
Tinha feito larga provisćo de milho, e para elle muitos carregadores,
sob o commando das filhas do sova; decidi-me pois a partir, e depois das
mais cordiaes despedidas, segui, a 4 de Agosto, continuando a descer o
rio na margem direita.
Duas horas depois de ter deixado Caś-eu-hue foi-me indicado pelos guias
um vao onde seria possivel a passagem. Passįram elles para me mostrarem
o caminho, e eu vi, que a um homem de estatura regular, dava a ągua pelo
pescōēo durante uns 20 metros.
O rio tem ali de 70 a 80 metros de largo. Despi-me e fui estudar o vao.
Vi que era estreito, e logo a montante e a jusante profundava de 3 a 4
metros, mas o fundo era de areia muito resistente. A corrente do rio era
sōbre o vao de 60 metros por minuto. N'estas condiēões a passagem é
sempre difficil a uma comitiva carregada.
Dei ordem de comeēar a passagem, que levou duas horas, conservando-me eu
sempre dentro de ągua, com o Verissimo e Augusto, os łnicos que sabģamos
nadar, promptos a acudir a algum que perdźsse o pé. Nćo houve porem o
menor incidente, e nem uma carga se molhou, tal cuidado tivémos tōdos.
Passado o rio, como estivčssemos bastante fatigados, apenas ganhįmos a
povoaēćo de Lionzi, onde acampįmos.
Houve grande affluencia de gentio no meu campo, e chovźram presentes e
offertas de venda de mantimentos. Nunca vi em Ąfrica tantas gallinhas
como n'esse dia trouxéram os Ambuelas a meu campo. Nćo houve carregador
ou muleque que nćo comźsse gallinha assada.
Notei entre aquelle gentio uma moderaēćo e brandura verdadeiramente
admiraveis em pōvo Africano.
Tōdos os homens vinham armados de arco e frechas; alguns traziam
azagaias, e muitos, ąlém das armas gentģlicas, compridas carabinas de
silex, de fąbrica Belga.
[Figura 83.--O vao do cuchibi.]
Entre os Ambuelas, homens e mulheres cortam um triąngulo nos dois dentes
incisivos da frente, mas em ąngulo muito mais aberto do que entre os
Quimbandes.
As suas armas sam fabricadas por elles, sendo muito imperfeito o
trabalho do ferro, que extrahem em minas a jusante da confluencia do
Cuchibi e Cuando.
Os Ambuelas que usam espingardas só querem, como eu jį disse, as armas
lazarinas hōje fabricadas na Bčlgica, e a cada peēa de caēa que matam,
enrolam em tōrno do cano um bocado de pelle do animal, o que dį logar,
pela simples inspecēćo da arma, a saber quantas vģctimas ella tem feito.
Isto deforma a arma, e impede de apontar; mas, como elles só arriscam um
tiro a dez passos, acontece matarem.
O caēador que vi ali tendo morto mais caēa tinha dez bocados de pelle em
tōrno do cano da espingarda.
Aquella pobre gente, sem as armadilhas do mato, nćo teria pelles para
cobrir a sua nudez.
Pņlvora é rara ali, onde apenas de annos a annos apparece um sertanejo
Biheno, que lhe vende pouca, e por isso tem subido valor.
[Figura 84.--Azagaias dos Ambuelas.]
Entre os Ambuelas que viéram ao meu campo appareceu um muito engraēado,
que por tōdos os modos procurava convencer-me a dar-lhe uma carga de
pņlvora por um gallo grande que trazia. Divertio-me muito com o modo
engraēado por que tentava convencer-me a fazer a transacēćo, até que eu
lhe disse, que faria o negocio, se elle matasse o gallo a cincoenta
passos com uma frecha.
Elle aceitou, e eu medi a distancia.
[Figura 85.--Ferros de frechas dos Ambuelas.]
Collocado o gallo convenientemente disparou-lhe oito frechas que trazia,
fazendo pčssimos tiros.
Outros indģgenas enthusiasmįram-se com o divertimento, e comeēou um
chuveiro de frechas em tōrno do pobre animal, e ainda que alguns se
acercįram a quarenta passos, foi de meio metro distante do alvo o tiro
mais certeiro. Eu entćo disse aos Bihenos que dava o gallo a quem o
matase. Viéram os melhores atiradores de frecha da comitiva, e quem
melhores tiros fez foi o prźto Jamba, de Silva Porto, que chegou a
cravar uma seta a cinco centģmetros do gallo, que ficaria vivo, se eu o
nćo matasse com um tiro da minha carabina Winchester.
No mato em que estava acampado havia uma enorme quantidade de aranhas
brancas, com o cōrpo volumoso como uma ervilha, que mordiam, causando
uma dōr violenta mas passageira.
O acampamento estźve sempre cheio de mulheres, talvez por estarem ali
comigo as filhas do rčgulo. Usam ellas grande nłmero de manilhas de
ferro da espessura de dois a trźs millimetros de secēćo quadrangular,
tendo as duas arestas exteriores picadas.
Quando danēam (e danēam muito as Ambuelas), só o tinir das manilhas é
uma młsica.
Ellas comprimentam-se umas įs outras batendo repetidas vezes com as mćos
abertas nos peitos nśs.
Um costume que encontrei entre tōdos os povos Ganguelas, mas mais
rigorosamente cumprido no Cuchibi, é o modo de falar aos sovas ou
sovźtas.
A pessōa que fala, diz o que quer dizer ao sova, a um dos prźtos que
elle tem a seu lado; este repete o recado a um segundo prźto, que o
transmitte ao sova. A resposta segue pelas mesmas vias.
A explicaēćo que me déram d'isto foi a seguinte:--A pessōa que dį o
recado, ouvindo repetir depois duas vezes o que disse, pode corrigir
alguma interpretaēćo errņnea que houvesse da sua idéa, e o mesmo se dį
com quem responde.
Eu supponho, porem, que ha ali mais alguma cousa, e que os sovas
estabelźceram o uso, para durante a repetiēćo trģplice da arenga, terem
tempo de preparar a resposta.
De Lionzi fui dar um passeio de caēa pelo rio até į sua confluencia com
o Cuando, cuja posiēćo marquei grosseiramente, por nćo ter podido fazer
observaēões, mas que, ainda assim, nćo deve ter grande erro, por haver
eu determinado perfeitamente a posiēćo de Lionzi.
Junto į confluencia do Cuchibi, encontrei duas grandes povoaēões
Ambuelas, Linhonzi e Maramo, e entre ellas e Lionzi, uma grande
povoaēćo, Chimbambo.
Na confluencia do rio Queimbo estį situada a povoaēćo de Catiba,
governada por um prźto da povoaēćo de Caś-eu-hue, e sujeito ao sova do
Cuchibi.
De volta ao meu campo, vim encontrar a minha gente de tal modo entregue
įs delicias de Cąpua, que nćo havia fōrēa para os arrancar dos braēos
das formosas filhas desta nova Ninive Africana.
A embriaguez do _Bingundo_ e a embriaguez do amor, tornavam surdos os
meus homens a rogos e a ameaēas.
O sovźta do Lionzi veio ao meu campo, e trouxe comsigo um Mucassequer,
seu hņspede. Eu entendi-me logo com o Mucassequer, para elle ser guia
até įs nascentes do rio Ninda, que eu queria ir demandar; e estando
n'esse dia de muito bom humor, chamei os pombeiros e disse-lhes, que ia
seguir com os Ambuelas e os meus muleques, e que ficassem elles se
quizessem, mas que eu lhes levava tōdos os mantimentos.
Puz-me logo a caminho, guiado pelo Mucassequer e acompanhado das filhas
do sova e sua gente.
Os meus Quimbares, vendo-me partir, deixįram tambem o campo, e
seguķram-me, ficando tōdos os Quimbundos e os muleques do Verģssimo.
Depois de uma difficil marcha de seis horas a travez de floresta
emmaranhada, e onde se nćo encontra ągua, alcanēįmos a margem direita do
rio Chicului, abrasados de sźde.
Este rio corre em uma planicie deserta e apaülada, de 1600 a 2000 metros
de largo, e a floresta sempre espźssa vem terminar onde comeēa o paśl.
Durante a noute os leões e leopardos rondįram sem cessar o meu
acampamento, rugindo em cōro infernal.
No dia immediato, decido logo de manhć passar į outra margem.
Passei o rio n'uma ponte, de certo construida outrora, por comitivas
Bihenas, que eu reconstrui, e que me deu facil passagem; mas nćo foi
igualmente facil alcanēar a floresta da margem esquerda, porque havia a
atravessar a planicie lodosa, onde nos enterrąvamos até por cima da
cintura.
O meu Pépéca por vezes ficou só com a cabźēa de fóra, e deu trabalho a
desenterrar.
Fōram 1500 metros de travessia difficil e fatigante.
O rio tem 15 metros de largo por 4 a 5 de fundo, com uma corrente de 40
a 45 metros por minuto. Vi n'elle muito peixe grande e pequeno, e alguns
crocodilos de pequeno talhe.
Depois de passar o rio, vi a um kilņmetro jusante, uma grande manada de
songue, e indo logo ali encoberto pelo mato, consegui matar trźs.
A minha cabrinha Córa nćo se separa um momento de mim, e anda em
contģnuo sobresalto desde que sentio os leões.
Os meus prźtos apanhįram muitas aves, variedade de codornizes, com uma
poupa branca, e pernas brancas.
Pela uma hora n'esse dia, chegįram os meus Quimbundos, e os pombeiros,
de orźlha baixa, viéram pedir-me mil perdões de nćo terem seguido na
včspera.
Eu andava entćo de tal modo satisfeito, que tudo perdoei, indo em
seguida pescar com um enorme tresmalho que levava, e com o qual apanhei
innłmeros peixes muito semelhantes aos mugens ou taļnhas dos nossos
rios.
Esta rźde, tresmalho ou barbal, como lhe chamam os pescadores do rio
Douro, foi um presente que me fez meu pai, e que, em muitas
circunstancias, foi o łnico recurso que tivémos para matar a fome.
A doenēa grave de um dos meus prźtos fez-me demorar dois dias n'aquelle
ponto; o que me contrariou em extremo, porque, tendo comigo numerosos
Ambuelas, as provisões que eu tinha trazido do Cuchibi desappareciam
rąpidamente, e eu tinha diante de mim um enorme paiz a atravessar até ao
Zambeze, onde nenhum recurso encontraria, ąlém da caēa, sempre
problemątica em Ąfrica.
Em um dos dias, os Ambuelas fōram į floresta em busca de mel, guiados
pelos _indicators_ ("indicadores"), e d'elle fizéram grande colheita.
Muitos naturalistas notaveis, desde Sparmann e Leveillant, os primeiros
que estudįram esta curiosa ave, até os mais modernos exploradores que
t[~e]m descripto os seus hąbitos, que me perdoem ainda aqui falar
d'ella, e lhes diga, na minha humildade, o que concluķ do muito que
observei os seus costumes em Ąfrica.
Que o _indicator_ seja ou nćo um cśco é coisa de que nćo faēo questćo,
deixando isso į autoridade dos Bocages e dos Günthers.
Que elle se dźva chamar _Cuculus albirostris_, como queria Temminck, ou
sómente indicįtor, como querem outros, é nova questćo, em que nćo entro.
Descrevel-o, sendo profano em ornithologia, seria pedantismo; e por isso
limitar-me-hei a contar o que lhe vi fazer, e a tirar uma conclusćo
minha.
Logo que o homem penetra em uma floresta dos sertões d'Africa Austral,
apparece-lhe o _indicator_ saltitando de ramo em ramo, e chegando a
aproximar-se, sempre com o seu chilrear monņtono. Logo que lhe damos
attenēćo, levanta elle o seu vōo pesado, e vai pousar mais longe,
vigiando se o seguimos.
Se o desprezamos, volta elle para junto de nós, e continua a saltar e a
chilrar, voando outra vez, e formulando muito pronunciadamente o convite
de o seguirmos. Cedemos a final e acompanhamos a įvezinha, que de ramo
em ramo, com vōos curtos para nos nćo perder de vista, nos vai guiando a
travez da floresta, a maior parte das vezes até junto de um ninho de
abelhas.
Este caso é o mais vulgar, e é sempre aproveitado pelos indģgenas
buscadores de cźra.
Alguns exploradores, e entre elles o nosso Gamito, dizem, que elle
conduz tambem o homem junto do antro da fera. Esse caso nunca se deu
comigo, que segui dezenas de _indicators_, e nunca encontrei indģgena
que m'-o affirmasse.
Conduzir-me junto do cadaver de caēa jį em putrefacēćo, a um acampamento
abandonado de ha pouco, a uma lagōa, junto de outra gente, isso me
aconteceu a mim, e acontece a tōdos os que seguem o buliēoso passarinho.
E contudo elle nada lucra em guiar os passos do homem para ali.
O que é facto é, que elle leva o homem quasi sempre ao mel, e eu
supponho que o quer levar sempre, e que sam occasionaes os outros
encontros, que t[~e]m feito impressćo a muitos viajantes; encontros nada
de estranhar em florestas Africanas.
É mesmo possivel, que no caminho para o enxame encontremos o lećo, sem
que a intenēćo do pąssaro seja a de nos fazer devorar pela fera.
Se porem a regra geral, de ir indicar as abelhas, tem excepēões, sam
ellas tantas e tćo variadas, que eu atrevo-me a dizer, que o _indicator_
é o verdadeiro apodador da humanidade.
Encontrei junto ao rio Chicului uma pelle de cobra de sete metros de
comprido por 40 centģmetros de largo, affirmando-me os indģgenas que as
ha ali maiores.
Pude finalmente seguir a 9 de Agosto, jį desejoso que as filhas do sova
do Cuchibi voltassem com a sua gente, porque os mantimentos que
trazģamos desappareciam a olhos vistos, e jį nćo era pequeno o meu
cuidado pensando no futuro.
Depois de marcha de trźs horas, encontrei um ribeiro, correndo a S.S.E.,
e depois de atravessarmos a vao, encontrįmos uma lagōa de duzentos
metros, que tivémos de vadear com ągua pela cintura.
Este ribeiro, que entra no Chicului perto da sua foz, é o Chalongo,
provavelmente o que nas cartas apparece com o nome de Longo, e que, por
uma errada informaēćo, os cartņgraphos t[~e]m feito correr ao Zambeze.
Durante a passagem da lagōa, vimos alguns abutres descendo com
persistencia em um mesmo logar, a meio kilņmetro de nós. Fui ver o que
atrahia ali os repugnantes rapaces, e ao longe vi uma nuvem d'elles
esvoaēando sōbre um corpo volumoso cercado de hyenas, que fugķram sem
que eu lhes podesse atirar. Aproximei-me, e encontrei uma enorme Malanca
(_Hippotragus equinus_) recentemente morta pelo lećo.
[Figura 86.--Malanca.]
A pelle do soberbo antģlope estava rasgada em tiras pelas garras da
fera, e, cousa notavel, que eu nćo pude explicar, as unhas das patas
estavam completamente roļdas.
Os olhos tinham sido arrancados das ņrbitas, de certo pelas aves
rapaces.
Os meus Quimbundos, logo que vķram a Malanca, corrźram sobre ella, e com
unhas e dentes disputįram uns aos outros os restos d'aquella carne
bafejada pelas hyenas, em mais repugnante espectąculo do que, minutos
antes, me tinham offerecido as proprias hyenas e abutres. Mais pareciam
feras do que homens.
E note-se, que entćo nćo havia necessidade, porque eu tinha mōrto caēa,
e as provisões feitas no Cuchibi nos tinham em abundancia.
Os meus proprios Quimbares nćo resistiram į tentaēćo, e juntįram-se aos
Quimbundos no repugnante espectąculo.
Metti em ordem a caravana, e fiz seguir įvante. Pelo caminho fui
pensando no poder que tem a vida selvagem sōbre o prźto.
[Figura 87--1. Cornos vistos de frente.
2. Rasto da Malanca]
Os meus Quimbares, gente meio-civilizada de Benguella, jį igualam os
Quimbundos em selvageria e embrutecimento.
Eu įs vezes penso, que isto, que se afigura possivel a muita gente na
Europa, de civilizar o prźto em Ąfrica, é simplesmente absurdo.
O elemento civilizador serį por ora tćo pequeno junto do elemento
selvagem, que este predominarį em quanto aquelle nćo tomar proporēões
enormes.
É preciso que em Ąfrica haja por cada prźto um branco para se realizar
esse sonho de muitos espģritos elevados do velho mundo; porque só entćo
o elemento civilizador equilibrarį com o selvagem, e poderį vencel-o.
Temos até um exemplo d'isto com os Böers do Transvaal, que, Europźos de
origem, em um sčculo apenas, perdźram tudo que de civilizaēćo trouxéram
da Europa, fōram vencidos pelo elemento selvagem do meio em que viviam,
e hōje, se sam Europźos pela cōr e pela religićo de Christo que
professam, sam bąrbaros pelos costumes que tirįram do paiz.
O notavel era, ter eu atravessado tantos povos bąrbaros, onde nunca
chegou o menor elemento civilizador, e nćo ter encontrado pōvo algum
peiór do que o Biheno, que estį em contacto com a civilizaēćo da Costa
de Oeste.
Ao caminhar pensava eu n'isso, e repetia a phrase que tantas vezes me
tinha repetido o meu amigo Silva Porto: "Olhe que os melhores Bihenos
sam incorrigiveis, firme-se n'este principio e marche com elles."
Depois que eu entendia o Hambundo é que bem podia avaliar o que elles
eram.
Įs vezes, į noute, na minha barraca, eu escutava as conversas que se
falavam em tōrno de mim, e nćo se calcula o que eu ouvia.
Uma noute, escutava eu episodios de uma guerra que um anno antes tinha
havido no Bihé, contra gente Bihena que nćo reconhecia a autoridade do
sova Quilemo, e entre outros ouvi o seguinte, no meio das gargalhadas e
dos signaes de approvaēćo que os ouvintes dispensavam ao narrador:--
Contava elle, que uma noute fizera dois prisioneiros, um muleque e uma
rapariga pequena, e que, como a pequena chorasse e gritasse por elle lhe
ter amarrado fortemente os braēos, elle cortou-lhe uma orźlha com o
machado, e depois deu-lhe com o mesmo machado no pescōēo, mas de vagar
para a nćo matar logo. Elle descrevia ao auditorio as contorēões e
gritos da vģctima, com grande applauso dos companheiros, até que narrou
o modo porque a tinha morto; coisa de que depois se arrepźndera muito,
porque a familia d'ella, que nćo sabia do occorrido, veio offerecer-lhe
em resgate trźs escravos, com que elle poderia ter comeēado um pequeno
negocio.
Nćo quero narrar mais d'estas scenas repugnantes, e direi apenas, que se
deve avaliar bem, como o chefe de bandidos na Europa nćo precisa, para
sustentar a disciplina em sua orda de rčprobos, ter mais energia do que
o Europeo que em Ąfrica tem de commandar tal gente.
Fui acampar į nascente de um cņrrego chamado Combule, que, a uma milha
da sua fonte, vai lanēar, para o Oeste, no rio Chicului, as suas ąguas,
que ainda ali nćo seriam sufficientes para mover uma azenha.
Convenci as filhas do sova a voltarem aos seus lares, e fizemos as mais
cordiaes despedidas. Ainda Opudo arriscou com timidez o pedido, de eu
voltar para o Cuchibi, e ir viver entre elles, e Capźu fez-me, mais
eloquente ainda, a słplica, com um olhar de mulhér, um d'esses olhares
que sam a verdadeira forēa d'ellas, porque sam espontaneos, e nćo
aprendidos na escola da garridice.
Nćo foi sem pesar que vi partir aquellas duas bōas raparigas, as duas
łnicas amizades que percebi em indģgenas Africanos.
Ao separarmo-nos, chegou-se a mim o meu guia Mucassequer, e disse-me:--
"Eu tenho passado a minha vida no caminho que vais seguir d'aqui ao
Limbai, e por isso conhźēo bem o paiz. Leva sempre prompta a tua melhor
espingarda, e desconfia de tudo no mato, porque vais viver muitos dias
entre feras. Toma cautela sōbre tudo com os błfalos do Ninda, no caminho
has de ver sepulturas de gente morta por elles, e mesmo de brancos. Eu
sou teu amigo, porque nćo me fizeste mal, e deste-me pņlvora e
missangas, por isso te previno."
Depois da partida dos Ambuelas, fiquei só com a minha gente, e
verifiquei, nćo sem algum sobresalto, que tinha havido uma reducēćo
enorme nos vģveres.
No dia immediato, embrenhei-me em uma enorme floresta espinhosa, e onde
era a miüdo preciso abrir caminho para seguir įvante.
Depois de uma fatigante marcha de 5 horas, a mais difficil e atroz que
fiz em Ąfrica, acampei į nascente do rio Ninda, tendo deixado uma grande
parte do fato nos espinhos da floresta. Meia hora depois de chegar,
estava convertido em verdadeira caricatura, porque estava coberto de
bocados de tafetį inglez, onde os espinhos me haviam rasgado as carnes.
Estava pois į nascente do rio Ninda, afamado pela ferocidade dos
habitantes das suas margens. Os leões ainda me nćo tinham devorado; mas
cheguei a pensar, que se o quizessem fazer tinham de se apressar, para
encontrarem alguns restos do que deixassem milhares de insectos que
dirigiam um ataque encarniēado contra mim.
Ao cahir da tarde, uma nuvem de mōscas, tćo pequenas que nćo tinham mais
de um milimetro, cahio sōbre o acampamento, e n'um louco esvoaēar,
entravam pelo nariz, pela bōca, pelos ouvidos, e enchiam-nos os olhos,
dando-nos um verdadeiro supplicio, verdadeira praga.
O acampamento foi rodeado de fortes palissadas e enormes abatizes,
tomando-se todas as precauēões para que ficąssemos ao abrigo de um
ataque das feras.
Eu fui acommettido por um violento accesso de febre, o que nćo impedio
que, durante a noute, por mais de uma vez sahisse da minha tenda a
investigar porque ladravam os cćes.
Os leões rugķram toda a noute em volta do campo, e sōbre a madrugada, um
cōro de hyenas veio completar aquella młsica infernal.
Nćo posso deixar de declarar aqui, įquelles que no enthusiasmo de uma
coragem temeraria se fazem illusões sōbre as bellezas da vida das
selvas, que a vida entre feras é positivamente desagradavel.
[Figura 88.--O błfalo africano.]
No dia immediato, demorei-me até į tarde, para poder determinar aquella
posiēćo, e mudei o meu acampamento para uma milha mais a leste.
Junto do sitio onde acampei ficava a sepultura de um Portuguez, o
sertanejo Luiz Albino, morto n'aquelle ponto por um błfalo. Na minha
comitiva estava o prźto de confianēa de Luiz Albino, o velho Antonio de
Pungo Andongo, aquelle que eu fiz alfayate do sova Mavanda.
Luiz Albino sahira do Bihé com uma grande factura que vinha negociar ao
Zambeze, e em uma das suas etapes, veio acampar no mesmo ponto onde eu
estava acampado n'aquelle dia. Sahio a caēar, e deu um tiro em um
błfalo, ferindo-o na articulaēćo de um pé. Jį se vź que atirava mal,
porque nćo se fere um błfalo em um pé.
Voltou ao acampamento, e chamou o velho Antonio (que entćo era nōvo),
dizendo-lhe, que tinha ferido um błfalo mortalmente, e que chamasse
gente para o irem buscar.
Os Bihenos, sempre cautelosos, nćo quizéram ir, e elle, chamando-lhes
cobardes, foi só com o prźto Antonio. Chegado ao mato, o błfalo, que,
como tōdos os błfalos feridos, queria vinganēa e o esperava, correu
sōbre elle. Luiz Albino disparou-lhe os dous tiros da espingarda sem lhe
acertar, e foi em seguida colhido pela fera, que com uma cornada lhe
rasgou o baixo ventre.
Antonio disparou contra o feroz ruminante, e o cadaver da fera foi cahir
sōbre o cadaver do branco.
Hōje, uma forte estacada de madeira, cercando um quadrado de cinco
metros de lado, fźcha um recinto, onde se levanta uma cruz tōsca de
madeira; e lembra ao caminhante, que é preciso ter prompta a carabina e
ōlho į mira para viajar ali.
Tinha chegado ao primeiro ponto da minha viajem onde apparecem
elephantes, e por isso mandei alguns homens į descoberta, mas os
exploradores voltįram tendo apenas encontrado alguns rastos antigos. Eu
fui dar uma volta pelo mato, mas nada vi em que podesse dar um tiro.
No dia immediato, segui viagem, sempre na margem direita do Ninda, sem
que algum facto extraordinario viesse perturbar a marcha.
A 13 de Agosto, fui estabelecer um nōvo acampamento dez milhas para
leste do da včspera. Um vago receio jį me perturbava o espģrito. Os
vģveres diminuiam rąpidamente, e eu estava ainda longe de paiz de
recursos. Tentei caēar, mas sem resultado percorri a floresta, ainda que
vi muitos rastos frescos e cheguei mesmo a perceber caēa, mas tćo longe
e esquiva que nada fiz.
No dia 14, tinha eu, sņzinho com o meu Pépéca, tomado a dianteira į
caravana, quando, ao chegar ao sitio onde resolvi terminar a marcha
d'aquelle dia, percebi um enorme błfalo que pastava tranquillamente.
Pude, ao abrigo do mato, aproximar-me d'elle, e atirei-lhe a trinta
metros, apontando į espądua, porque me ficava atravessado. O animal
cahio fulminado, com grande espanto meu, porque o sitio onde atirei era
para fazer uma ferida mortal, mas nćo produzir morte tćo rąpida como a
que eu vi produzir. Abeirei-me d'elle, e ”como nćo fiquei espantado,
vendo que a bala, em logar de ferir o ponto a que a dirigi, subio perto
de vinte centķmetros na mesma vertical, indo cortar-lhe as včrtebras, e
produzindo a morte instantanea, pela soluēćo de continuidade da espinal
medula!
Este caso fez-me profunda impressćo, porque um tal desvio da bala podia,
em qualquer circunstancia, ser causa da minha perda; e logo que
estabeleci o meu campo, tratei de alvejar a carabina a 25 metros.
O desvio vertical revelado no tiro ao błfalo continuava a manifestar-se.
Era a minha carabina Lepage, de grande calibre e balas d'aēo.
Sendo a sua trajectoria muito curva, o armeiro calculou a łltima ranhura
da alēa para 80 metros; e como eu nćo tinha ainda com aquella arma
atirado a menor distancia, nćo tinha ainda advertido no perigo que
corria fazendo um tiro de 20 a 30 metros. Assim, pois, a estas
distancias, ainda que eu pela ranhura mal percebźsse o ponto culminante
da mira, o desvio vertical era constante.
Cuidei logo de remediar o defeito, e por tentativas, fui profundando a
ranhura da alēa, até que obtive a maior precisćo į pequena distancia
requerida.
Este episodio, que registei no meu diario e que hōje descrźvo aqui,
ainda que seja de interesse nullo para a maioria dos meus leitores, é
uma prevenēćo įquelles que me seguirem em Ąfrica, prevenēćo que lhes
pode ser de subida utilidade.
O rio Ninda corre n'uma planicie levemente inclinada a leste, e que me
afirmam se estende ao sul até į juncēćo do Cuando e Zambeze.
Até ao ponto em que eu estava acampado, a floresta desce espźssa até į
margem do rio; mas d'ali em diante forma apenas tufos de ąrvores,
semeados aqui e ąlém n'uma planicie enorme.
Ali o Ouco é ąrvore corpulenta, e tćo abundante, que por espaēo de horas
o caminhante vive n'uma atmosphera embalsamada pelo suave perfume das
suas flores.
No dia immediato, sustentei marcha de seis horas, e desviei-me um pouco
da margem do rio, cujo canavial espźsso era obstąculo ao caminhar; indo
acampar junto de uma lagōa de bōa ągua, nćo longe da pequena povoaēćo de
Calombeu, pōsto avanēado do rčgulo do Barōze.
Nada nos quizéram vender, e jį comeēavam a escacear os mantimentos.
Nćo achando bōa a minha posiēćo, e nćo podendo seguir no dia immediato,
por ter muitos doentes, mudei o campo para uma milha mais a leste,
continuando a tirar ągua da mesma lagōa, ou antes paśl, que melhor lhe
cabe este nome.
Estava na enorme planicie do Nhengo, planicie elevada mil e doze metros
ao nivel do mar, que se estende a leste até ao Zambeze, e ao sul até į
confluencia do Cuando.
O terreno enxuto na apparencia, é encharcado e esponjoso, e cede
lentamente į pressćo do cōrpo, deixando infiltrar ągua do seu seio
alagado.
Nas noutes que ali dormi, deitei-me em leito sźco de ervas cobertas de
pelles, para acordar n'un charco.
Comeēava ali para mim uma nova vida de tormentos, porque nem į noute um
sono reparador podia vir mitigar as fadigas do cōrpo, e adormecer as
aprehensões do espģrito.
A falta de vģveres, que nćo tardaria a chegar; a difficuldade que me
apresentava o paiz; a minha saude que eu sentia profundamente afectada;
e a minha propria comitiva que comeēava a dar signaes de insobordinaēćo,
traziam o meu espģrito perturbado, perturbaēćo que se traduzia por um
mao-humor contģnuo.
No dia 16 de Agosto, tive um momento de desespźro. Estavia só,
completamente só.
Nćo havia um homem na minha comitiva que tivesse um pouco de energia.
Ąlém das difficuldades que se erguiam diante de mim, tōdos me creavam
difficuldades. Eu tinha de decidir, de intervir em tudo, até nas mais
pequenas cousas de que nunca me deveria occupar.
Algumas dedicaēões me rodeavam, nćo o duvidava, mas dedicaēões sem
energia, em gente capaz de cumprir uma ordem, mas incapaz de fazer
cumprir a outros as que lhe transmittia.
O Verissimo nćo é cobarde, mas espģrito acanhadissimo, sem vontade
propria, e irresoluto, nćo tinha a fōrēa sufficiente para se impor no
commando. Ąlém d'isso, aparentado com alguns dos pombeiros, era por
elles desattendido.
Via-me forēado até a fazer cumprir as ordens que dava!
No meu diario escrevi entćo alguns perģodos, que vou transcrever aqui
textualmente, e que traduzem o meu soffrimento de entćo.
"Isto desnortea-me, e traz-me de pčssimo humor. ”Meu Deos! ”quanta
vontade, quanta persistencia, quanta energia é precisa a um homem que
só, rodeado de difficuldades, rios proprios que o cercam as encontra,
para proseguir na missćo que se impoz! Hōje sózinho no meio d'Ąfrica,
tendo uma missćo a cumprir, e tendo de sustentar a honra da bandeira da
minha pątria, ”quanto eu soffro! ”e quanto eu tremo por ella! Preciso de
ser um anjo ou um demonio, e chźgo a crer que sou įs vezes uma e outra
cousa."
N'este dia jį tive de dar comida į raēćo, e só milho jį havia.
Sentado į porta da minha barraca, ao cahir da tarde, terminava a minha
parca refeiēćo, e olhava em roda os meus carregadores, que comiam em
silencio.
Parecia que uma tristeza profunda havia cahido sōbre o meu campo,
apossando-se de tōdos os espģritos.
De repente os meus cćes levantįram-se e corrźram ao mato ladrando
furiosos.
Um homem desconhecido, seguido por uma mulhér e dois rapazes, sahio do
mato, e sem fazer caso dos cćes, entrou no acampamento, que percorreu
com um rąpido olhar, vindo sentar-se a meus pés.
Era um prźto coberto de andrajos. Um panno esfarrapado mal encobria a
sua nudez. Um casaco completamente despedaēado pendia-lhe dos hombros
nśs. Na cabźēa uma cousa que muito esfōrēo de imaginaēćo faria suppor os
restos de um chapéo braguez, e na mćo um pao.
As suas armas eram trazidas pelos dois muleques que o seguiam.
A physionomia enčrgica, o olhar, andar e os modos decididos, do
indģgena, prendźram logo a minha attenēćo.
Perguntei-lhe quem era, e o que queria.
Elle respondeu-me em Hambundo: "Eu sou Caiumbuca, e venho procural-o."
Ao ouvir o nome de Caiumbuca, nćo pude conter a minha emoēćo.
Tinha diante de mim o mais audaz dos sertanejos do Bihé. Do Nyangue ao
Lago Ngami é conhecido o nome de Caiumbuca, o antigo pombeiro de Silva
Porto.
Em Benguella dissera-me Silva Porto: "Chame para junto de si a
Caiumbuca, e terį o melhor immediato que pode encontrar em tōda a Ąfrica
Austral."
Procurei-o debalde no Bihé, onde nćo me soubéram dar noticias d'elle.
"Anda no sertćo, e nunca se sabe bem onde elle anda--" foi a resposta
que obtive de tōdos.
Caiumbuca estava no Cuando abaixo da confluencia do Cuchibi, e sabendo
da minha passagem, viera, só com uma mulhér e dois muleques,
procurar-me.
Conversei a sós com elle por espaēo de uma hora, li-lhe mesmo uma carta
que Silva Porto me tinha dado em Benguella para elle, fiz-lhe as minhas
propostas, e ao cahir da noute, reuni os meus carregadores e
apresentei-lhes o meu immediato.
A 17 de Agosto, forcei marcha de seis horas, porque os vģveres estavam
no fim, e era preciso alcanēar as povoaēões.
Acampei na margem direita do rio Nhengo, que é o Ninda depois de receber
do norte um affluente volumoso, o Loati.
O Nhengo tem de 80 a 100 metros de largo, por 4 e mais de fundo, com uma
corrente quasi insensivel. Įs vźzes parece uma comprida lagōa, onde
vegetam milhares de plantas aquąticas. Nas suas margens ha uma forte
vegetaēćo arbņrea, vegetaēćo que por vźzes estende os seus ramos
vigorosos por sōbre as ąguas, e de uma e outra margem v[~e]m dar um
abraēo fraternal a meio-rio.
Este grande affluente do Zambeze corre na enorme planicie de que jį
disse duas palavras, a planicie que d'elle toma o nome, planicie hłmida,
onde nćo é encharcada ou verdadeiro paśl. Ali milhares de moluscos
terrestres arrastam a sua casa espiral por entre a herva curta e
rachģtica.
Alguns cągados e muitas tartarugas de lagōa (_Emydes_), vivem na
campina, onde jį, aqui e ąlém, algumas palmeiras, as primeiras que
encontrava desde Benguella, balanēam ao vento as suas copas elegantes.
Os meus prźtos fizéram colheita de tartarugas (_Emydes_), que a fome
lhes fez devorar, a pesar do repugnante cheiro que rescendem estes
pequenos Cheloneas carnģvoros.
Tendo-me dito Caiumbuca, que, a pequena distancia do acapamento, haviam
algunas povoaēões, decidi demorar-me ali um dia, para obter vģveres.
Foi debalde que, no dia immediato, enviei gente įs povoaēões a pedir
mantimentos; o gentio muito esquivo fugia, e nćo attendia razćo nem
offertas.
A nossa posiēćo tornava-se muito séria, porque jį nada havia que comer
para źsse dia, e as tentativas de caēa e pesca nćo déram o menor
resultado.
Um pequeno bando capitaneado pelo meu Augusto, entrou no campo,
perseguido por um bando de leões, que só retirįram ao perceber o ruido
do acampamento.
Conferenciei com Caiumbuca, e decidķmos fazer, no dia seguinte, marcha
grande, para alcanēar umas povoaēões a que elle chamava Cacapa, e onde
me disse que poderģamos obter vģveres.
Seguķmos pois no dia 19, tendo comido pela łltima vez a 17 de manhć.
A marcha foi sustentada por oito horas, indo acampar perto de uma lagōa,
porque tģnhamos deixado a margem do rio, para nos aproximarmos das
povoaēões.
Apesar da fadiga da jornada e da fraqueza produzida pela fome, enviei
gente a procurar vģveres, indo entre elles o proprio Caiumbuca. Voltįram
ao anoutecer com as mćos vazias. Nada, absolutamente, o gentio lhes
quizera ceder, mostrando-se até hostil!
A nossa posiēćo era grave. Tentar outra marcha, no estado de fraqueza em
que estąvamos, era arriscąrmo-nos a ficar tōdos mortos de inaniēćo.
Reuni os pombeiros, a quem expuz as circunstancias precąrias da
caravana, e de tal modo os encontrei desalentados, que nenhum alvitre me
foi propōsto.
Chamei alguns dos prźtos que tinham ido įs povoaēões e perguntei-lhe,
æse effectivamente ali haveria mantimentos? e tendo-me elles respondido
afirmativamente, eu tomei uma resoluēćo immediata. Disse aos pombeiros,
que fōssem animar a sua gente, porque no dia immediato de manhć terģamos
de comer em abundancia.
Ficando só com Caiumbuca, communiquei-lhe a resoluēćo que tinha tomado,
de ir no dia immediato fazer provisćo de alimentos ou por bem ou por
mal.
Na madrugada de 20, mandei de nōvo o Augusto com alguns prźtos įs
povoaēões, pedir que me vendźssem milho ou mandioca, e expor as
circunstancias em que nos encontrąvamos.
A łnica resposta que obtivéram os meus enviados foi uma aggressćo
insņlita.
Entćo reuni tōdos aquelles a quem a fome nćo tinha completamente
prostrado, e pude ter oitenta homens, semi-vąlidos.
Puz-me į sua frente, e assaltei a povoaēćo do chefe, que, depois de um
curto tiroteio sem consequencias, se rendeu į discriēćo.
Corri logo aos celeiros, que estavam cheios de batata dōce, e tirei
tanta quanta me era precisa para matar a fome da minha gente,
regressando ao campo, com o chefe e mais alguns prźtos prisioneiros. Dei
a estes o valor das batatas em missanga e pņlvora, e pul-os em
liberdade, fazendo-lhes ver, que era melhor tratar as cousas por bem
d'ali em diante. Elles agradecźram muito a minha generosidade, e
prometźram fornecer-me aquillo que tivessem logo que eu lh'-o mandasse
pedir.
N'esse dia, į 1 hora e meia, estando o ceo limpo, apenas com espźssa
barra no horizonte, cahio um tufćo vindo do N., que, depois correu a
S.O., o foco passou um kilņmetro a O. de mim, arrancando ąrvores e
destruindo tudo na sua passagem.
No meu campo, o vento soprou tćo rijo, que tivémos de nos deitar por
terra em quanto durou a sua maior intensidade.
O thermņmetro subio de 20 a 32 graos, e o barņmetro desceu de 667^{mm.}
a 663. Foi esta a mais violenta oscillaēćo baromčtrica que observei na
Ąfrica tropical.
Įs duas horas e meia, o vento acalmou de repente, ficando a atmosphera
completamente coberta de um nevoeiro denso.
As povoaēões que me ficavam um kilņmetro ao sul chamam-se Lutué; mas
Caiumbuca disse-me, que entre os Bihenos sam conhecidas apenas pelo nome
de Cacįpa, por serem ricas em batata dōce, que na lģngua Hambunda se
chama _écįpa_.
As gentes d'estas povoaēões, como a de tōdas da planicie do Nhengo, sam
de raēa Ganguela, submettidas pela fōrēa aos Luinas ou Barōzes. Sam
povos miseraveis e intrataveis.
Pźla tarde, chegou ao meu campo uma tropa de Luinas, que andavam
rondando no paiz, e que, sabendo que eu chegara ali na včspera, me
viéram ver.
Era commandada por trźs chefes, dos quaes o maioral se chamava Cicóta.
Os chefes viéram comprimentar-me e offerecer-me os seus serviēos, e
pedindo-lhes eu logo, que me obtivessem de comer, elles respondźram, que
tambem estavam lutando com falta de vģveres, mas que no dia seguinte me
acompanhariam até umas povoaēões onde acharģamos recursos. Disséram-me,
que me iriam conduzir até junto do rei do Lui, e que nada me faltaria
pźlo caminho logo que chegąssemos įs povoaēões Luinas, jį pouco
distantes.
[Figura 89.--Escudo dos Luinas.]
Estes Luinas t[~e]m uma bōa presenēa, sam altos e robustos. Uma pelle de
antģlope primorosamente curtida, passada entre as pernas e prźsa no
cinto de couro na frente e nas costas, e um amplo capote de pelles, é o
seu vestuario. Os trźs chefes traziam carabinas raiadas de grande
calibre, de fąbrica Ingleza. Os outros sobraēavam grandes escudos de
forma ogival, de um metro e 40 cent. de comprido por 60 cent. de largo,
e estavam armados de um feixe de azagaias de arremźsso. O peito e os
braēos cheios de amulźtos. Os pulsos sam ornados de manilhas de cobre,
latćo e marfim, e por baixo dos joźlhos trazem de 3 a 5 manilhas muito
finas de latćo. O que n'elles e admiravel sam as cabźēas, nćo pźlo
cabźllo, que é cortado curto, mas pźlos enfeites que lhe põem.
A do chefe Cicóta estį coberta de uma enorme cabelleira, feita da juba
de um lećo. Os outros traziam penachos de plumas multicolores
verdadeiramente assombrosos.
Durante a noute apparecźram entre nós innłmeros escorpiões, sendo
mordidos por elles alguns dos meus homens.
[Figura 90.--O Chefe Cicóta.]
O terreno continśa esponjoso e hłmido, sendo um tormento viver em tal
paiz.
Multiplicam-se ali as palmeiras, e jį vam apparecendo algumas ąrvores no
campo.
As termites apresentam aqui jį um nōvo aspecto nas suas curiosas
construcēões.
A 22 de Agōsto, levantei campo, e cinco horas depois, ia de nōvo acampar
junto da povoaēćo de Canhete, a primeira povoaēćo de raēa Luina. Durante
a manhć houve um denso nevoeiro.
Algumas matas que passei eram formadas de ąrvores enormes, e limpas de
arbustos, sendo facil o caminhar ali.
Logo que acampei, por prevenēćo de Cicóta, viéram muitas raparigas ao
campo trazer-me gallinhas, mandioca, massambala e ginguba.
Durante tōda a tarde continuįram a trazer-me presentes, que eu retribuia
o melhor que podia. ”Tinha jį que comer em abundancia!
[Figura 91.--Termites do Nhengo.]
Pedi tabaco, de que eu trazia ainda bōa provisćo, e sal, ”sal que eu nćo
provava havia tantos mezes!
Respondźram-me, que tinham o maior pesar de nćo poderem satisfazer ao
meu desejo, mas que o tabaco e o sal só se davam ou se vendiam por uma
licenēa especial do rčgulo.
”Eis uma terra Africana onde ha dois artigos de contrabando! Felizmente
nćo ha alfąndegas.
Fui visitar as povoaēões de Canhete. Cresce ali nos quintaes o tabaco e
a cana de assucar com um desenvolvimento enorme.
As casas sam feitas de caniēo revestido de cōlmo, e t[~e]m umas a forma
de um semicylindro de 1,5 metro de raio, outras sam ogivaes, nćo tendo
mais altura do que aquellas.
Os celeiros sam como os das povoaēões Ambuelas, mas de menores
dimensões.
Os Luinas viéram ao meu campo, e fizéram ali uma danēa guerreira, muito
pintoresca, em que havia um mascarado que fazia o papél de trućo.
N'essa noute chegou o prźto Cainga, que eu tinha mandado, dois dias
antes, ao rčgulo, a participar-lhe a minha chegada.
[Figura 92.
1 e 2. Casas Luinas de 1^{m.} 5 de altura. 3. Celeiro. 4, 4. Enxada do
Lui.]
Viéram com elle alguns chefes com presentes do rei para mim, e entre
elles seis bois.
”Carne de vacca! ”tinha carne de vacca para comer!
Disse-me o Cainga, que elle se mostrou ufano por eu vir falar com elle
de mando do Mueneputo, e que me esperava uma recepēćo esplčndida.
Eu estava sempre desconfiado, porque conhecia bem os nźgros, e sabia
quantas traiēões encerram as suas zumbaias, mas nćo deixei de ficar
satisfeito.
Elle mandou reunir muitos barcos, de modo que podesse passar a minha
comitiva de uma só vez, para mostrar a sua grandeza.
Disse-me o Cainga, que elle era rapaz de 20 annos, e que, sabendo que eu
era nōvo, dissera, que seriamos amigos.
Comi tanta carne e tanta batata, jį temperadas com sal, condimento que
obtive por contrabando, que me senti muito incommodado, e passei uma
pčssima noute.
Os chefes Luinas que viéram da parte do rčgulo, trouxéram ordem įs
povoaēões para me fornecerem o que eu pedisse sem retribuiēćo. Esta
ordem foi acertada, porque eu nćo tinha com que retribuir.
Quando ia a levantar campo, chegįram novos enviados do rei com sal e
tabaco para mim, e com o recado, de eu nćo seguir o caminho directo da
embocadura do Nhengo, porque elle queria castigar as povoaēões
privando-as da minha visita.
Mandei dizer-lhe, que eu nćo seguiria outro caminho, por ser este o que
mais me convinha. Que eu nćo servia para elle castigar comigo os seus
povos delinquentes; e que, se elle me nćo mandasse barcos ao sitio do
Zambeze que eu havia designado, eu passaria o rio sem o auxilio d'elle.
Logo į sahida de Canhete, encontrei um paśl horrivel, que tendo apenas
500 metros de largo, levou 1 hora a transpor. Caminhei a leste, e trźs
horas depois alcancei as povoaēões da Tapa, onde aceitei uma casa
offerecida pźlo chefe, por nćo ser possivel acampar fóra da povoaēćo em
terreno pantanoso.
As casas ali sam formadas por uma pyrąmide troncocņnica de caniēo,
coberto interna e externamente de barro. A porta tem 60 centģmetros de
alto por 50 de largo.
Esta casa é cercada por outra só de granito, concčntrica įquella, e que
tem de raio um metro mais. O tecto abrange as duas casas e é feito de
caniēo coberto de cōlmo.
O chefe levou-me um presente de gallinhas e batata dōce.
Marquei, duas milhas ao sul, a grande povoaēćo de Aruchico.
[Figura 93.--Corte vertical de uma Casa Luin da aldea da Tapa.
a. Casa interior. b. Intervallo entre as duas parźdes. c. Porta
interior, 50^{c.} por 40^{c.} d. D^{a.} exterior 1^m. por 50^{c.} e.
Ventilador. f. Parźde, caniēo e barro. g. D^{a.} caniēo, 2^{m.} h.
Armaēćo de caniēo. k. Cobertura de cōlmo.]
No dia 24 de Agosto, parti įs 8 horas da manhć, e depois de atravessar
um paśl como na včspera, alcancei a margem direita do rio Nhengo įs 9
horas, descendo até ao Zambeze que encontrei įs 10 e meia.
”Com que enthusiasmo eu saudei o grande rio! Alguns hippopņtamos vinham
resfolgar į tōna d'ągua a 30 metros de mim, e dois fōram vģctimas da sua
imprudencia.
Um crocodilo enorme foi tambem infeliz em se conservar ao sol n'uma ilha
prņxima.
Tinha saudado devidamente o Liambai! Tinha-o saudado tingindo-o de
płrpura com o sangue das feras.
No meio do maior enthusiasmo dos meus e dos muitos Luinas que me
acompanhavam, alcancei as canōas, e passei, ao meio-dia, para a margem
esquźrda do rio.
Segui sempre a leste, e įs 2 horas, encontrei outro braēo do Liambai,
que se separa d'elle junto a Nariere. Andei por isso em uma grande ilha
onde ha povoaēões, sendo a principal Liondo.
Aquelle braēo do rio, ainda que tem 150 metros de largo, é pouco fundo,
e foi transposto a vao. Na outra margem havia mais gente mandada pelo
rčgulo.
Segui sempre, e įs 3 horas, encontrei uma grande lagōa junto į povoaēćo
de Liara, que passei embarcado. Este lago, formado pźlas ąguas que o
Zambeze lhe introduz no tempo das chuvas, chama-se Norōco.
Segui sempre a leste, por entre um labyrintho de pequenas lagōas, que
era preciso evitar, e įs 5 horas cheguei a Lialui, grande cidade,
capital do Barōze, ou reino do Lui.
O rei tinha feito programma.
Tive em poucos dias duas grandes sorpresas, para mim jį meio selvagem e
esquecido dos costumes Europeus. O contrabando de tabaco, de sal, e o
programma do rei do Lui.
Uns mil e duzentos guerreiros formįram alas até į casa que eu devia
provisoriamente ir occupar, e um dos grandes da cōrte, acompanhado de
uns trinta figurões, formįram o meu sčquito.
Chegado į casa, que tinha um grande pąteo cercado de caniēal, estava um
estrado, onde eu me devia sentar, para receber os comprimentos da cōrte.
Logo em seguida, chegįram os quatro conselheiros do rei, dos quaes é
presidente Gambela. Com elles vinham tōdos os grandes que formavam a
cōrte do rei Lobossi.
Sentįram-se, e comeēou, da parte d'elles e da minha, uma troca de
comprimentos e saudaēões, com mil protestos de amizade.
Por fim retirįram-se gravemente, e fōram substituidos por outros
massadores, que só me deixįram į noute fechada.
Retirei-me para a casa que me destinavam, que era um d'esses
semicilindros de que jį falei, e tive uma noite de insomnia, pensando no
futuro da minha empresa.
Estava sem recursos, e se o rei nćo protegesse enčrgicamente a minha
viagem, æque poderia fazer?
Sem a generosidade d'elle, nem mesmo teria que comer ali.
Elle mandara-me dizer, que me falaria no dia immediato. æComo nos
entenderģamos? Aquelle Gambela, o presidente do Consźlho, que acabava de
estar comigo, o homem que tōdos me diziam ser o verdadeiro rei, æque
seria elle para mim?
O capģtulo seguinte mostrarį, que nćo era sem razćo que um presentimento
mal definido me produzio uma noite de insomnia em 24 de Agosto de 1878.
INDICE.
Abbadie, M. d'., 10, 11
Abutres, 308
Acacias, 57
soberba floresta de, 103
Adulterio, sanccionado, 54
Adevinho, indigena dos sertões d'Ąfrica, 112, 113
consulta a meu respeito, 114
Agua, escassa, 48
Ągua-ardente como incentivo, 67
Algodćo, producēćo, 198, 210-242
Ambriz, 17, 18
ponte de desembarque, 18
Ambuellas, povoaēões, 248
descripēćo do paiz, 265-277
seu chefe, 278
danēas, costumes do paiz, etc., 284, 285
aperfeiēoamento agricola entre elles, 288, 289
o paiz, 290-292
reino animal e vegetal, etc., 293-301
Anchieta, José de, 63
seu tracto pessoal, laboratorio, etc., 64, 65
Andara-canssampoa, ribeiro, 238
Angola, chegada a, 15
recepēćo pelo governador, 16
Antģlopes, 48-50, 220-232
amphibios abundantes no rio Cuchibi, e outros, 261, 262
songue, 268-270
Į prova de balla: incidente, 165, 166
Armas, geralmente usadas, 151
faēo-me aprovisionar de, 154
fabrico ballas, 156
Aruchico, grande povoaēćo, 327
desēo o Nhengo até ao Zambeze
Associaēões, obsequios recebidos de, xii
Atuco, ribeiro, 73
Atundo, sorte de goiaba, 233
Augusto, prźto fiel, 160
um Don Juan de cōr prźta, 161
Banja, libata de, 73
Baobabs, 48
gigantźscos, 49
Barōze, revoluēćo no, 277-315
Barracas, construcēćo de, 200, 201
Batatas, 94
Belmonte, povoaēćo de, 127
planta da povoaēćo, 128
Bembe, sovźta do, 229
rio Bembe, 229
Benguella, sigo de Loanda para, 26
descripēćo, 29-31
sou hospede do governador, 28
producēćo e commercio, 31, 32
obtenho carregadores, 34
partida de, 38
Bernardino Antonio Gomes, vii, 4-6
Biceque, rio, 240
Bihé, resolvemos ir directamente ao Bihé, 35
descripēćo do paiz, seu trafico, etc., 36
deliberaēćo de seguir eu sņzinho para o Bihé, 80
descripēćo ethnogrąfica, 132
historica, 133
suas differentes raēas, 134
quadro genealogico de sovas, 136
figuras, 136, 137
commercio em larga escala, 138
fidelidade de carregadores, 138
qualidades moraes, 139
julgamento de crimes, 144
adulterio, 144
futuro commercial, 146-151
carneiros e cabras, 152
uma elegante, 161
sempre demora į espera de carregadores e cargas, etc., 162
modo de commerciar, 163
preparo muniēões, 168
prompto a deixar o Bihé, 170
episodio com um degradado, 174
descripēćo do paiz, 190-193
Bihenos, semi-carnivoros, 147
solemnidades barbaras com sacrificio de carne humana, 148
comendo carne putrefacta, 268, 269
sam incorrigķveis, 310
barbarismo, 310, 311
Bilanga, povoaēćo do, 120
Bilombo, sova do Huambo, 77
presentes do, 78
Bingundo, bebida dos Luchazes, 245-304
Bitovo, ribeiro, 219
Bocage (D^{or.} J.V.B. de), 9, 65
carta ao D^{or.}, 203
Bois servindo de cavalgadura, 75, 76
Bomba, riacho, 96
Bongo-Tacongonzźlo, vertente, 237
Błfalos, 58
encontro com, 85, 231, 313, 314
Burundoa, povoaēćo, 94
Buzi, antģlope amphibio, 260
Cabango, sova de, 214
descripēćo do paiz e seus costumes, 214-217
Cabindondo, ribeiro, 46
Caēa, 48-50
abundancia, 78
no Bihé, 153, 189, 231
Cacapa, povoaēões, 320
marcha forēada, 321
mantimentos tomados į forēa, 321
tufćo, 321
descripēćo de raēas, 322
Cachota, povoaēćo, 117
Caconda, seguimos para, 63, 69
fertilidade, 188
Cacurocįe, rio, atravessįmos, 61
Cacurura, povoaēćo, 117
Caiumbuca, sertanejo audaz do Bihé, 318
fica ao meu serviēo, 318
Calombeu, povoaēćo no Baroze, 315
Calucśla, acampįmos, 49
Caluqueime, povoaēões de, 61
Cambimbia, córrego, 234
serra, 236, 237
Cambuta, povoaēćo, 238
abundancia de rōlas, 238
raēas, costumes, etc., 239, 240
recepēćo pelas mulheres do sova, 241
Cameron, Commander Verney Lovett, xii
Cana de assucar, 42, 198, 210
Canata, ribeiro, 73
Cangala, 237
Cangamba, Muene-Cahenda, sova de, 255
descripēćo do paiz e costumes, 256
Cangemba, serra do, 45
Cangombo, ribeiro, 219
Canhete, povoaēćo da raēa Luina, 324
traffico, costumes do paiz, etc., 325
Canhungamua, rio, 89
Canjongo, povoaēćo de, 74
Canssampõa, ribeiro, 237
Capata, 94, 146
Capźllo e Ivens, 5, 7, 10, 25
encontrąmo-nos em Benguella, 35
combinaēćo de trabalhos scientificos, 35
apreciaēćo humorģstica, 47
escrevem-me, resolvendo seguir sós, 78
resolvo-me, a meu turno, a seguir só, 79-80
Ivens offerece-se a acompanhar-me do Bihé a Benguella, em
consequencia do meu estado de saude, 123
separaēćo entre mim e meus companheiros, 124, 125
visita trocada entre Ivens e mim, 158
Capōco, poderoso filho do sova do Huambo, 77
minha visita a elle, 77
sua audacia, 80
idéa de pundonor, 81
presta bom serviēo, 88, 89
mensagem do sova, 200
Capuēo, secślo, manda-me presentes, 96
Caquingue, paiz do, 105
descripēćo do paiz e raēas, 107
figuras, 108
trabalhćo principalmente o ferro, 109, 110
superstiēćo, 111
Carabina d'El-Rei, significaēćo, xx
Caravana de Quilengues, 48
Carbonato calcareo, 42
Carregadores, falta de, 15, 22, 23
falta de confianēa em, 25, 27
em procura de, 26
obtenho a final, 34, 37
novas difficuldades, 37, 40, 66, 67, 83, 85
fujida de, 86
ladrões em geral, 150
Caruci, ribeiro, 118
Casamentos contractados antes da noiva nascer, 116
Cassamba, acampo perto de, 176
Cassįra-Caiéra, serra, 236
Cassōma, secślo rico, imposiēćo arrogante delle a seu sequito, 91
repulsa, 91
Cassongue, ribeiro, 117
Catapi, rio, 65
affluente do Cunene, 188
Catonga, povoaēćo de, 61
Caś-eu-hue, sova, 257
Cźra, 220
Chacahanga, conversa com o velho, 172
Chacahonha, povoaēćo da raēa Ganguela, 96
Chacaiombe, D^{or.}
o adevinho, 212
pretende curar-me por meio de feitiēos, 248
Chacapombo, povoaēćo, 95
Chacaquimbamba, libata, 86
roubo e resgate, 87
Chalongo, ribeiro, por outra, Longo, 307
Chalussinga, floresta, 48
Chaquicengo, povoaēćo, 243
costumes e industrias, 244-246
Chaquiēonde, secślo, investe contra mim e é repellido, 270
Chaquimbaia, secślo chefe da povoaēćo de Ungundo, 118
extraordinaria temporal, tufćo, etc., 119
Charo, matas do, 118
Chiconde, ribeiro, 219
ąguas correndo para o Cuito, 219
Chicōto, soba, 237
Chicului, rio, 304
passagem do rio, 305
Chicśli-Diengin, rio, 50
Chimbarandongo, sova de Ngóla, 59
discurso de superstiēćo, 60
a cavallo em um de seu sequito, 60
amigo dos brancos, 61
Chimbuicoque, ribeiro, affluente do Cutato, 102
Chindonga, secślo de, traz-me um presente, 99
Chindśa, povoaēćo, 117
Chinguene, peixe, 298
Chipulo, peixe, 299
Chitando, ribeiro, 73
Chitequi, ribeiro, 63
Circumcisćo, 293
Cirurgićo, indigena dos sertões d'Ąfrica, 112
Cobongo, ribeiro, 219
Cobras, venenosas, 74, 229, 230, 288
Coillard, referencias į familia, x, xx
Combule, córrego, desaguando no Chicului, 311
Comitiva, ordem da minha comitiva em viagem, 273
Comooluena, rio, 51
Córa, cabrinha de leite, dada de presente, 55, 126, 232, 305
Cōrpo diplomątico, estrangeiro em Lisboa, xii
Cōrte ou sequito no Dombe, 40
Cōrvo, Joćo de Andrade, homenagem a, v, 5, 10, 24
serra de And^{e.} Corvo, 189
Coungi ou Catįpi, rio, 62
Crocodilos, 42, 327
Cuanavare, rio, 240
Cuando, o maior affluente do Zambeze, 241
suas nascentes, 242
descripēćo, 249, 293
correcēćo de nomes porque é designado, 293
Cuango, affluente do Lungo-é-Ungo, 237
Cuanza, nascente do, 158, 179
divisćo entre o Cubando e Cuanza, 190
passagem do, 194
o paiz entre o Cuqueima e o Cuanza, 209
Cuassequera, libata de, 62
Cubango, perto do, 96
a minha gente recusa-se a passar o, 97
passagem do, 28
ponte sobre o, 98
observaēões, 98
mulhéres, 102
divisćo entre o Cubango e Cuanza, 190
Cubangui, affluente do Cuando, 241
nascentes, 252
descripēćo, 257
Cuchi, 117
atravessei a ponte sobre o, 117
descripēćo, observaēões, etc., 118
Cuchibi, produzindo fruto alimenticio, 249, 251
atravesso no meu barco de cautchuc, 258
descripēćo do rio, perigos de, 259
em procura da minha comitiva, 262
aviso de perigos, 264
suas margens, 267, 289
Cué, rio, travessia do, 61
Cuena, rio, 76
Cuiba, 237
Cuime, rio, 209, 213, 237
Cuionja, povoaēćo de, 171
Cuito, rio, affluente do Cubango, 222, 237
Cumbambi, rio, 51
Cunene, rio, resoluēćo de nćo ir į foz do Cunene, mas directamente ao
Bihé, 35
reconhecimento ao, 65, 73
travessia do, 90
Cuqueima, rio, travessia perigosissima, 121
canoa submergida salvando-me eu por milagre, 122
chego a Belmonte, 118, 123
atravessei-o por meio de um barco Macintosh, 177, 178
Cutangjo, rio, 242
Cutato, rio, 102, 103
Danēas, indigenas, 40, 205
Desastres, explosćo de uma balla Pertuisset, 54
Deserēćo de serventes, 51, 52
Doenēas, eu doente, 55
Capello, 65, 104
muleque Pépéca, 105
tolhido de dores rheumaticas, 119
durante jornada, peiorei, 120
grave, no Bihé, 124
endčmicas, 188
acho-me envolto em feitiēos de curandeiro, 247, 254, 268
Dombe Grande, chegada ao, 31, 40
Dombe, tem outros nomes, 41
sua descripēćo, 42
partida do, 45, 186, 187
Donzellas, 77
Dōro, rio, chamado das mulhéres, 76
Droma, rio, affluente do Calae, 74
Dumbo, soveta, 90, 91, 93
Elephantes, caēador de, 232
feitiēo contra, 232, 313
Enterros, 54
da mulhér que morre de parto, 116
de um sova, 142, 143
Entrevistas com o Ministro das Colonias, 3, 5, 9
Escravos resgatados para servirem de carregadores, 22, 107
libertei uma leva de, 181, 222, 223
escravatura, 224-226
Expediēćo, preparos, 11
instrumentos, armamento, barracas, etc., de, 12-14
subsidio votado, 24
Explorador, como eu fui, 1
Extravio, jumento fugido, é entregue por um indigena, 52
Feiticeiro, indigena dos sertões d'Ąfrica, 112, 115
Forēas colonias, compostas de maos elementos, 33
Frederico Youle, xii
Gando, sova Tumbi, do, 177, 202
Ganguelas, mulheres, 178, 180
o paiz, 124
mappa, 204
Gazellas, grande, 62
Gongo, povoaēćo, 95
Govźra, riacho, 117
Guandoassiva, rio, 76
Hippopņtamos, 62, 66, 327
Homenagem a Andrade Cōrvo, v, 9
Huambo, descripēćo, 81
penteados, 83
figuras, 82
Hyenas, 62, 308
Hyrax, 73
Hystrix Africano, 42
"Indicator." Como indicador, ou nćo, da existencia do mel nas
florestas, 306, 307
Instrucēões do Governo concernentes į exploraēćo, 21
Instrumentos de młsica, 40;
rebeca, 163
Jacintho, do Ambriz, 19
Jamba, ribeiro, 63
José Antonio Alves, 172, 173
José Maria do Prado, hospede de, 16
Lagartas como alimento, 102
Lamupas (ou Mupas), 105
Leões, 62, 253, 304, 312, 319
Leopardo, morto por mim, 247, 248, 304
Lialui, capital do Barōze, 328
sou recebido pomposamente pela cōrte, etc., 328
o rei promette receber-me no dia immediato, 329
Libatas, 142, 149
planta de uma libata, 150
Licócótoa, ribeiro, 234
Liguri, lago, 219
Limbai, prevenēćo contra perigos no caminho para o, 311, 328
Lincumba, peixe, 298
Linica, povoaēćo, 179, 180
Linde, ribeiro, 254
Liondo, povoaēćo de uma Ilha, 328
Lionzi, povoaēćo, 300
seus costumes, etc., 301-304
Livro. Seu pensamento e fim, xv
seu titulo, xix
Loge, rio, 18
Lossóla, ribeiro, 62
Luceque, rio, 66
Luchazes, paiz dos, 220
raēas, 221
o paiz, costumes, etc., 221-3, 237, 243, 255
Luciano Cordeiro, viii
escrevo a, 203
Luinas, commandados por Cicota, vem ao meu acampamento, 322
o paiz, 323
Luiz Albino, sertanejo Portuguez morto por um błfalo, 313
Lungo-é-Ungo, rio, 237, 242
Luvubo, ribeiro, 75
Macacos, episodio de offerta de, 20, 290
Macotas, conselheiros do sova, 141
Malanca, 308, 309
Mandioca, 43
Mapole, arvore e folha, 252, 253
Mappas, meu caminho de Benguella ao Bihé, 181
Massango como alimento, 234, 237
Massonge, riacho caudaloso, 51
Mavando, sova, 196
seu exercito, 196-197
visita do sova e sua cōrte, 199
Mel, 306
Milho, 94
Minha vida diaria, hygiene, costumes, etc.; 272
trabalhos, 273-274
Missionarios, referencia a, 101
Moenacuchimba, aldea, 95
Mōma, povoaēćo de, plantaēões enormes, 103
Mucano, crime sujeito a multa, 144, 145
receio de incorrer nelle, 155
Mucassequeres, acampamento de, 278
verdadeiros selvagens, sua descripēćo, etc., 280-284
differenēa entre elles e os Ambuellas, 281
Muene-Calengo, sovźta, 221, 237
Muene-Caś-eu-hue, chefe dos Ambuellas, 278
sua visita, 279
episodio: duas filhas do Rei dos Ambuellas offerecem-se como
concubinas, 285, 288-290, 294
separćo-se da minha comitiva, 311
Muenevindo, povoaēćo governada por uma mulhér, 240
Mundombes, figuras, 43, 44
Muzinda, povoaēćo, 177
costumes, 178, 179
Nano, povos do, 81
Nariere, 328
Ngóla, visita ao sova de, 58
troca de presentes, 59
Nhengo, planicie, 316
acampei, 318
grande affluente do Zambeze, sua descripēćo, 319
Nhongoaviranda, rio, 234
Ninda, rio, acampado em suas margens, 312
enxame de insectos, e perigo de feras, 312, 313
Nondumba, rģacho, 62
Norōco, lago formado pelas aguas do Zambeze, 328
Observaēões scientificas. Systema por mim seguido, 130, 131
astronņmicas, 185, 191, 192
outras, de Benguella ao Bihé, 186-193
em Cambuta, 240
Obstąculos, 69
Onda, rio, 209, 211
peixe "Ditassōa," 211
fetus arbņreos, 212, 217, 218
Opumbulume, ąrvore, 267
Ośco, produzindo uma flór odorosissima 266, 315
Palanca, libata, 75
primeiro ponto determinado por mim, 75
o secślo Palanca amarrado, 97
precauēões contra elle, 100
Peacock, D^{or.}, meu mčdico assistente em Londres, xii
Pereira de Mello, ix
serviēo penhorante de, 166
Permutaēćo, commercio de, 43
Pessange, povoaēćo de, 74
Põe, rio, 88
Pombeiro, chefe de carregadores, 140, 141
Pontes, sobre o Calae, 86
id. Canhungamua, 89
Porto de Fende, rio, sua descripēćo, 66
Provisões, falta de, 49, 50, 74, 228, 272
longe de soccorros, 276, 317
tomadas į forēa, 321
Quando, rio, 65, 73
Queimbo, nascente do, 248
Quiaia, povoaēćo, 95
Quiassa, bebida, 147
Quichōbo, antģlope amphibio, 260
Quillengues, descripēćo, 52, 53
casamento, 53
embriaguez, 54
sahida de, 56, 187
Quimbandes, paiz, 195
raēas e costumes, 195, 196
industrias, 207, 208
o paiz, 210
Quimbungo, libata, 88
Quingolo, libata, 74
Quingue, velho capitćo do, seus protestos, etc., 107
Quiocos, ou Quibocos, 234
descripēćo do paiz, seus costumes, etc., 234, 235
Quipembe, chegada a, e recepēćo pelo sova de, 71
queixas contra Portugal, 72
visita e presente do sova de, 179
Quissangua, bebida, 147
Quissčcua, serra de, sua elevaēćo, ascenēćo, etc., 57
Quissengo, rio, 61
Quissonde, formiga destruidora, 226, 227
Quissonge, festa selvagem com sacrificio de carne humana, 148
Quissongo, 116
chefe de carregadores, 140
Quitaqui, riacho, caudaloso, 51
Rąpidos, da libata grande, 66
mupas de Canhacuto, 66
cataractas de Quiverequete, 66
Sambo, libata do sova no paiz do, 90
mulhér do Sambo, 93
acampamento entre Sambo e o Bihé, 94
um enviado do sova, 95
a "Enhana" de Ambamba, 189
Sanguesugas, 218, 249, 299
Secula-Binza, rio, 65, 70
Século, fidalgo, 142
Sepulturas de secślos, 104, 105
Silva Porto, ix, 34
chego a Belmonte, 122
meus companheiros deixćo a residencia de Silva Porto, que eu entćo
occupo, 126
casa de Silva Porto, 128
serviēos penhorantissimos de, 166, 242
Sociedades geogrąphicas e outras, referencias a, xi, xii, xiv
Songue, especie de antģlope, 270, 271, 305
Sovas do Dombe, descripēćo, nomes, etc., 39
cerimonias selvagens na acclamaēćo do novo sova, 143
as mulheres do sova, 144
Stanley, ix, 22
offerecimentos feitos em nome do Governo Portuguez a, 22, 23
sua estada em Loanda, 23
Sulphato de cal, 42
Superstiēćo
esterilidade de mulheres, 293, 294
Tama, serra da, 50
"Tamega", corveta, ix
passageiro da corveta, 21
Taramanjamba, valle extenso, 46
falta d'ągua, 46, 47
Tartarugas, 319
Termites, como alimento dos Bihénos, 148, 189, 213, 217, 218, 323
do Nhengo, 324
nas margens do Cutato, 103
Tia Leonarda, ou Tia Lina, do Ambriz, 19
Tributo a El-Rei, iii
Tributo de gratidćo, em geral, vii
Uba, monte, 61
Umpuro, rio, 51
Upanga, ribeiro, 63
Urivi, armadilha dos Luchazes, para caēa, 245, 278
Usserem, ribeiro, 61
Ussongue, rio, 66
Vambo, acampįmos em suas margens, 51
Vaneno, povoaēćo, 95
Varea, rio, affluente do Cuime, 209
Verissimo Gonēalves, 56
reconhece algumas raparigas roubadas em Quillengues, 81
Vicéte, libata fortificada entre rochas, 66
Zaire, subi o, 21
Zambeze, resolvo ir direito ao alto Zambeze, 129
Fim do Volume primeiro.
LONDRES: NA TYPOGRAPHIA DE GUILHERME CLOWES E FILHOS (COMPANHIA
LIMITADA), STAMFORD STREET E CHARING CROSS.
Notas:
[1] Alfredo Pereira de Mello, capitćo-tenente, e Governador de
Benguella, era o mesmo Tenente Mello de que fala Cameron no _Across
Africa_, e que era entćo Ajudante-de-Campo do Governador da Provincia
d'Andrade.
[2] Parte d'estes carregadores, 200, só chegįram a Benguella a 27 de
Dezembro, e outros 200 por fins de Fevereiro.
[3] Isto é quasi a prątica seguida entre os Maraves, a prova do Muave.
(Gamito, e Muata Cazembe.)
[4] Eu chamo fardo a carga de um homem, proximamente trinta kilogrammas.
[5] Lembra-me aqui do que me dizia o Ivens, com aquella graēa que nunca
perdeu nos transes mais dolorosos. Dizia elle, "Em eu vendo entrar no
meu campo prźto de sapatos de liga e guardasol, jį sei que é branco, e
estou logo a tremer."
End of the Project Gutenberg EBook of Como atravessei Ąfrica (Volume I), by
Alexandre Alberto da Rocha de Serpa Pinto
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Como eu atravessei Àfrica do Atlantico ao mar Indico, volume primeiro
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Excerpt
The Project Gutenberg EBook of Como atravessei Ąfrica (Volume I), by
Alexandre Alberto da Rocha de Serpa Pinto
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— End of Como eu atravessei Àfrica do Atlantico ao mar Indico, volume primeiro —
Book Information
- Title
- Como eu atravessei Àfrica do Atlantico ao mar Indico, volume primeiro
- Author(s)
- Pinto, Alexandre Alberto da Rocha de Serpa
- Language
- Portuguese
- Type
- Text
- Release Date
- February 2, 2007
- Word Count
- 99,417 words
- Library of Congress Classification
- DT
- Bookshelves
- PT Navegações e Explorações, Browsing: History - General, Browsing: Travel & Geography
- Rights
- Public domain in the USA.
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