Cover of Como eu atravessei Àfrica do Atlantico ao mar Indico, volume primeiro

Como eu atravessei Àfrica do Atlantico ao mar Indico, volume primeiro

Portuguese 99,417 words 1656h 57m read Feb 2, 2007

Excerpt

The Project Gutenberg EBook of Como atravessei Ąfrica (Volume I), by
Alexandre Alberto da Rocha de Serpa Pinto

This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
with this eBook or online at www.gutenberg.org

Read the Full Text

The Project Gutenberg EBook of Como atravessei Ąfrica (Volume I), by Alexandre Alberto da Rocha de Serpa Pinto This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org Title: Como atravessei Ąfrica (Volume I) Author: Alexandre Alberto da Rocha de Serpa Pinto Release Date: February 2, 2007 [EBook #20508] Language: Portuguese Character set encoding: ISO-8859-1 *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK COMO ATRAVESSEI ĄFRICA (VOLUME I) *** Produced by Rita Farinha, Joćo Miguel Neves, Carlo Traverso and the Online Distributed Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This file was produced from images generously made available by the Bibliothčque nationale de France (BnF/Gallica) at http://gallica.bnf.fr) [Mappa 2.--De Benguella ao Bihé] COMO EU ATRAVESSEI ĄFRICA DO ATLANTICO AO MAR INDICO, VIAGEM DE BENGUELLA Į CONTRA-COSTA. A-TRAVČS REGIÕES DESCONHECIDAS; DETERMINAĒÕES GEOGRAPHICAS E ESTUDOS ETHNOGRAPHICOS. Por SERPA PINTO. Dois Volumes. Contendo 15 mappas e facsimiles, e 133 gravuras feitas dos desenhos do autor. VOLUME PRIMEIRO. Primeira Parte--A CARABINA D'EL-REI. LONDRES: SAMPSON LOW, MARSTON, SEARLE, e RIVINGTON, EDITORES, CROWN BUILDINGS, 188 FLEET STREET. 1881. [_Tōdos os direitos sam reservados_.] LONDRES: NA TYPOGRAPHIA DE GUILHERME CLOWES E FILHOS (COMPANHIA LIMITADA), STAMFORD STREET E CHARING CROSS. A SUA MAGESTADE EL-REI D. LUIZ 1^o, COM PRČVIA LICENĒA OFFERECE ESTE LIVRO O AUTŌR. SENHOR, Nćo foi um sentimento de adulaēćo servil que me levou a pedir licenēa a Vossa Magestade para lhe dedicar este livro, foi o reconhecimento de uma dupla dģvida de justiēa e de gratidćo: de justiēa ao Monarcha intelligente e illustrado que firmou o decreto creando recursos para a primeira expediēćo scientģfica Portugueza d'este sčculo į Ąfrica Central; de gratidćo, ao prģncipe cujos dotes de coraēćo e de espģrito disputam primazias įs suas elevadas qualidades de um dos primeiros reis constitucionaes da Europa contemporąnea. Deu-me Vossa Magestade ensejo de prender indissoluvelmente o meu obscuro nome de soldado Portuguez, a uma das mais felizes e auspiciosas tentativas modernamente feitas por Portugal; por isso esse livro pertence a Vossa Magestade como legģtimo tģtulo da minha immensa gratidćo. Ouso rogar respeitosamente a Vossa Magestade queira aceitar a minha humilde offerta com a mesma benevolencia com que se dignou dar-me incitamentos para uma empresa, da qual, depois de realisada, fōram ainda os favōres de Vossa Magestade a mais sincera e nćo regateada recompensa. O Vosso ajudante de campo E o mais dedicado dos Vossos słbditos, Alexandre de Serpa Pinto. Londres, 61 Gower Street, _5 de Dezembro de 1880_. A SUA EXCELLENCIA, O CONSELHEIRO JOĆO D'ANDRADE CORVO. Ill^{mo.} e Ex^{mo.} S^{nr.}, Com propor o meu nome, em 1877, na Commissćo Central Permanente de Geographia, para fazer parte da expediēćo Portugueza ao interior d'Ąfrica, assumio Vossa Excellencia a responsabilidade da minha nomeaēćo. Foi para mim pensamento constante, dar a Vossa Excellencia satisfaēćo plena do encargo que tomou indigitando-me para tćo ąrdua tarefa. Este livro contem, de envolta com a narrativa das minhas aventuras, os resultados dos meus trabalhos e estudos. Nćo sei se corresponderį ao que Vossa Excellencia esperava de mim; como nćo sei se cumpri os deveres que Vossa Excellencia, em nome do paiz, me impoz. Tenho a consciencia de que trabalhei quanto pude, e que segui, tanto quanto em fōrēas humanas cabia, o pensamento e as instrucēões de Vossa Excellencia. A leitura da minha narrativa mostrarį a Vossa Excellencia, com quantas difficuldades lutei, e de qućo minguados recursos dispuz. Se, porem, os meus trabalhos corresponderem į confianēa com que Vossa Excellencia me quiz honrar, serį isso o maior prčmio a que pode aspirar, o mais respeitoso admirador do talento, vasto saber e elevadas qualidades de Vossa Excellencia, Alexandre de Serpa Pinto. Londres, 61 Gower Street, _28 de Novembro de 1880_. TRIBUTO DE GRATIDĆO. Vou citar nomes. É difficil e perigosa tarefa. Ha sempre o receio de ferir modestias, ou levantar susceptibilidades. Nćo importa; sigo avante. Serį grande a lista, por serem multiplicados os favōres; e posso bem peccar por omissćo, filha de memoria preguiēosa. Que me perdōem os que desejariam esconder źsses favōres na mais velada modestia, como aquelles a quem um lapso de reminiscencia deixasse no olvido. Seguindo a ordem chronolņgica dos factos, procurarei no profundo sentimento de gratidćo a lembranēa dos serviēos e favōres recebidos. Cabe į Commissćo Central de Geographia o primeiro logar no meu reconhecimento; por me ter distinguido com a sua escōlha para instrumento da exploraēćo que decidio fazer em Ąfrica. Proposto pelo S^{nr.} Conselheiro Andrade Corvo, fui unąnimemente aceito, e attendido nas propostas que apresentei para a organizaēćo da emprźsa. Falando da Commissćo Central de Geographia, nćo posso omittir de citar nomes; porque, recebendo obsčquios de tōdos, fui particularmente auxiliado por muitos. O D^{or.} Bernardino Antonio Gomes, Marquez de Souza-Hollstein, Antonio Augusto Teixeira de Vasconcellos, sam nomes que as lousas tumulares dos seus jazigos, nćo podem occultar į minha gratidćo. O D^{or.} Julio Rodriguez, Luciano Cordeiro, o D^{or.} Bocage, Conde de Ficalho, Carlos Testa, Pereira da Silva, Jorge Figaniere, e Francisco da Costa e Silva, fōram os cavalheiros que, no seio da Commissćo, mais se esforēįram por me encher de favōres. Outro, que só annos depois conheci pessoalmente (ausente em quanto se organizou a expediēćo), nćo deixou de concorrer com o sem consźlho abalizado para a parte scientģfica d'ella. Refiro-me ao S^{nr.} Brito Limpo. Fora da Commissćo, prestįram-me valiōso auxilio, os meus particulares amigos Marrecas Ferreira e Joćo Botto. Vem depois da Commissćo Central, a Sociedade de Geographia de Lisboa; e com ella mais em evidencia, os seus Presidentes, D^{or.} Bocage e Vizconde de S. Januario, e os seus Secretarios Luciano Cordeiro e Rodrigo Pequito. Segue-se o jornalismo Portuguez, a quem cordialmente agradźēo tōdos os favōres que me dispensou, e a maneira por que acolheu a minha nomeaēćo. Fora do paiz prestįram-me valiōso auxilio, o S^{nr.} Mendes Leal, Antonio d'Abbadie, e Ferdinand de Lesseps, em Paris; o Vizconde de Duprat e o Tenente Pinto da Fonseca Vaz, em Londres; sendo que į cooperaēćo d'estes cavalheiros, e só a ella, podémos eu e Capello ter dado conta do encargo que tomįmos de organizar em um mez o material da expediēćo. Antes de ter deixado Portugal, ha que citar ainda dois cavalheiros, que concorrźram poderosamente para a realizaēćo da nossa emprźsa. Sam o Conselheiro José de Mello e Gouvea, que entćo governava nos negocios do Ultramar, e Francisco Costa, o Director Geral do Ministerio das Colonias. Pedro d'Almeida Tito, e Avelino Fernandes, dispensįram-me taes favōres em viagem, que nćo posso deixar de escrever aqui os seus nomes. Vem, em seguida, o do Governador de Cabo Vźrde, Vasco Guedes, e o do Governador d'Angola, Caetano d'Albuquerque; que ambos me dispensįram innłmeras finezas. Em Loanda, José Maria do Prado, Urbano de Castro, o Consul Newton, a Associaēćo Commercial, e sōbre tudo os officiaes e Commandante da Canhoneira _Tāmega_, sam crčdores do meu mais profundo reconhecimento. Apparece agora um nome que n'esse tempo echoava por todas as partes do mundo, e assombrava com as suas faēanhas o orbe inteiro: Henrique Moreland Stanley. O grande explorador, o ousado viajante, que acabava de fazer a mais prodigiosa viagem dos tempos modernos, foi meu amigo, e meu conselheiro, e d'elle recebi proveitosas liēões. Melhor mestre nćo poderia ter. Que elle recźba n'estas curtas linhas o mais sincero tributo da grande admiraēćo que nutro por elle, e a mais franca expressćo da minha estima, e da gratidćo que lhe consagro. Em Benguella, Pereira de Mello e Silva Porto occupam o primeiro logar; e nem me detenho a falar d'elles, que mais alto falam por mim os seus actos narrados n'este livro. Antonio Ferreira Marquez, o Tenente Seraphim, o pharmacčutico Monteiro, e Vieira da Silva, sam outros tantos cavalheiros que nćo posso esqučcer. Santos Reis, o meu hospedeiro do Dombe Grande, e o Tenente Roza de Quillengues, sam mais dois crčdores į minha gratidćo. Vou dar um salto enorme, e sem me deter a falar do D^{or.} Bradshaw e da familia Coillard, transpņrto-me ao Bamanguato, a _Shoshong_ (Xoxon), onde os favōres do rei Kama, e sobre tudo os de M^{r.} e Madame Taylor, me obrigam a nćo olvidar os seus nomes. Vai comeēar para mim um embaraēo enorme. Estou em Pretoria; estou na primeira terra do mundo civilisado que encontro depois de Benguella; e ali sam tantos os favōres que se me prodigalizam, que nćo sei como sahir do embaraēo que elles me causam para os agradecer. M^{r.} Swart, o thesoureiro do Govźrno, foi o primeiro a obsequiar-me, e serį o primeiro citado. Vem em seguida os nomes de Fred. Jeppe, Secretario Osborne, D^{or.} Bissik, M^{r.} Kisch, Major Tylor e Capitćo Saunders, e tōdos os officiaes do Regimento 80. A Baronźza Van-Levetzow, Madame Imink e Madame Kisch, e emfim o Coronel Lanyan. Sir Bartle-Frere veio logo em meu auxilio, e nćo se demorou o nosso Consul Portuguez no Cabo, o S^{nr.} Carvalho. Se dźvo muita gratidćo ao Governador Inglez, nćo dźvo menos ao Consul Portuguez, que, por telegrammas immediatos, veio prestar-me a maior assistencia. Monseigneur Jolivet, o sabio Bispo de Natal, entćo residindo em Pretoria, nćo foi dos łltimos a encher-me de favōres. Em caminho para Durban, recebi um obsequio grande de M^{r.} Goodliffe, e em Maritzburgo multiplicįram-se os obsequios do Coronel Baker, Capitćo Whalley e Madame Saunders, e M^{r.} Furs. Em Durban, M^{r.} Snell, o Consul Portuguez, e M^{r.} e Madame B. H. de Waal, chefe da Handels Company em Ąfrica Oriental, muito se distinguķram em favōres prestados. Agora é que se torna verdadeiramente embaraēosa a minha missćo. Vou regressar į Europa, tendo terminado a minha viagem, e accumłlam-se os obsčquios que recźbo a cada momento. Em Lourenēo Marquez, sam Castilho, Machado, Maia e Fonseca. Em Moēambique, o Governador Cunha, Torrezćo e tōdos. Em Zanzibar, o D^{or.} e Madame Kirk, Widmar, e sōbre tōdos o Capitćo Draper do 'Danubio' da _Union Steamship Company_, que de Durban me transportou ali. No Cairo, ainda Widmar me presta grandes favōres. Em Alexandria, sobressįe a tōdos o Conde e a Condźssa de Caprara. Ainda antes de chegar a Lisbōa, recźbo um serviēo importante do Barćo de Mendonēa, em Bordeos. Em Lisbōa, o Govźrno, primeiro, e amigos velhos e conhecidos novos, porfiam em obsequiar-me. Estou ali apenas dez dias, em que mal tive tempo para receber favōres, e em que me nćo sobejou um minuto para os agradecer. Quizéram que eu fizesse uma conferencia, mal repousado ainda das fadigas da viagem; e sem o poderōso concurso que me prestįram Pequito, Sarrea Prado, Batalha Reis e D^{or.} Bocage, impossivel me seria fazel-a. Nćo querendo, nćo podendo mesmo, citar nomes, tantos seriam elles, nćo deixo de agradecer, com o mais sincero reconhecimento, į Sociedade de Geographia de Lisboa tudo o que por mim fez. Į Associaēćo Commercial e ao seu digno Presidente, o S^{nr.} Chamisso, que sempre tomou o maior interesse pela exploraēćo de que eu fiz parte. Sube em Lisbōa um facto que nćo posso deixar de consignar aqui com um nome. Agradźēo ao S^{nr.} Thomas Ribeiro as ordens que deu como Ministro da Marinha, para que me fōssem enviados soccorros de Moēambique para o interior d'Ąfrica. Ao Cōrpo Diplomątico residente em Lisbōa expresso os meus sentimentos de gratidćo, e sobre todos aos S^{nrs.} Morier, Barćo de P. Hegeurt, Laboulay, Marquez d'Oldoini, e Ruata. Į Associaēćo Commercial do Porto, aos bombeiros voluntarios d'aquella cidade, į Sociedade Euterpe e į Sociedade de Instrucēćo, aos municipios e mais instituiēões do paiz que me obsequiįram, consigno aqui um testemunho de agradecimento. Įs Associaēões Portuguezas no Brazil, aos meus conterraneos que longe da patria me saudįram, a elles que nada poupįram para mim em honras e distincēões, envio um fraternal protesto de immensa gratidćo. Sobre todos įquelles que formįram uma sociedade com o meu nome, e que de Pernambuco me offerecźram um mimoso presente, de tal distincēćo, que nunca os poderei esqučcer. Cabe agora, pela ordem dos factos, agradecer aos Soberanos estrangeiros as altas honras com que me distinguķram, sōbre tōdos ao Monarcha Belga, ao Illustrado e sabio Rei Leopoldo, ao grande impulsor do movimento geogrąphico Africano moderno, que, a par da mais alta honra com que me podia enobrecer, me dispensou a mais cordial estima, e me mostrou o mais affectuoso interesse. Įs Sociedades de Geographia da Franēa, principalmente įs de Paris, onde o Almirante La Roncičre le Noury, Ferdinand de Lesseps, MM. Daubré, Maunoir, d'Abbadie, de Quatrefages e Duveyrier, me enchźram de favōres; de Marselha, que me conferio uma subida distincēćo, e cujo Presidente, M^{r.} Babaut, muito me obsequiou; e į Commercial de Paris, onde distingo o seu digno Secretario Geral, M^{r.} Gauthiot. Ainda em Paris, tenho a nomear a Colonia Portugueza, e nella os S^{nrs.} Mendes Leal, Conde de S. Miguel, Camillo de Moraes, Pereira Leite, Garrido, e D^{or.} Aguiar, de quem nunca poderei olvidar os favōres recebidos. Įs Sociedades de Geographia Belga, e į de Anvers, nomeadamente aos seus Presidentes, o General Liagne e Coronel Wauvermans; e ąlém d'estes cavalheiros, nćo posso deixar de falar, em um paiz onde tōdos me obsequiįram, nos nomes dos S^{nrs.} du Fief, Bamps, e Coronel Strauch, e ainda mais alto no Conde de Thomar, cujos favōres repetidos e cordialidade de trato convertźram em verdadeira amizade a sincera estima das primeiras relaēões. Cabe, pela ordem dos factos, o łltimo lugar į Inglaterra, que seria talvez a primeira pźlo nłmero de favōres dispensados. Principiou nas colonias Inglezas da Ąfrica do Sul a ter juz į minha gratidćo este paiz, onde depois se me tinham de multiplicar os obsequios. Į Sociedade de Geographia de Londres, ao seu Presidente o Conde de Northbrook, aos seus Secretarios Clements Markham e Bates, aos seus Membros Sir Rutherford Alcock, Lord Arthur Russell, Visconde de Duprat, e muitos outros que impossivel seria nomear, deixo aqui escritos os meus sentimentos de reconhecimento. Ao S^{nr.} Frederico Youle, ao D^{or.} Peacock, aos S^{nrs.} M. d'Antas, Sampaio, Fonseca Vaz, Quillinan, Duprat, e Ribeiro Saraiva, a estes que alem de subidos favōres me dispensįram grandes serviēos durante a minha grave doenēa, nćo posso deixar de lavrar um bem płblico testimunho de gratidćo. Ainda me falta citar o nome de M^{r.} David Ward, o Mayor de Sheffield, e do meu particular amigo, o grande e eminente explorador Verney Lovett Cameron, para fechar a lista, que seria interminavel a nćo tomar a resoluēćo de a fechar aqui. Įs Sociedades Scientģficas dos outros paizes, e a tōdos aquelles que nćo posso citar, e que me cobrķram de favōres, agradźēo tudo quanto por mim fizéram, e agradźēo tanto mais sinceramente, quanto me custa nćo os poder personalizar. Major Alexandre de Serpa Pinto. Londres, _5 de Dezembro de 1880_. O LIVRO. Nćo tem pretenēões a obra de literatura este livro. Escrito sem preoccupaēćo da forma, é a fiel reproducēćo do meu diario de viagem. Cortei n'elle muitos episņdios de caēadas, e outros, que um dia no descanso, produzirįm um volume de caracter especial. Busquei sōbre tudo fazer realēar o que mais interessante se tornava para os estudos geogrąphicos e ethnogrąphicos, e se nćo me pude eximir a narrar um ou outro dos muitos episņdios dramąticos que abundįram na minha fadigosa empresa, foi quando a źsses episņdios se ligavam factos consequentes, de importancia, ja para alterar o itinerario projectado, jį determinando demoras, ou marchas precipitadas, que seriam incomprehensiveis sem a exposiēćo das causas determinantes. Į Europa, e em geral ao homem que nunca viajou nos sertões do interior d'Ąfrica, nćo é dado comprehender o que se soffre ali, quaes as difficuldades a vencer a cada instante, qual o trabalho de ferro nćo interrompido para o explorador. As narraēões de Livingstone, Cameron, Stanley, Burton, Grant, Savorgnan de Brazza, d'Abbadie, Ed. Mohr e muitos outros, estam longe de pintar os soffrimentos do viajante Africano. Difficil é comprehendel-o a quem o nćo o experimentou; įquelle que o experimentou difficil é descrevel-o. Nćo tento mesmo pintar o que soffri, nćo procuro mostrar o quanto trabalhei, que me faēam ou nćo a justiēa de que me julgo merecedor aquelles que examinarem os meus trabalhos, hōje é isso para mim indifferente; porque me convenci, de que só posso ser bem comprehendido pźlos que como eu pisįram os longģnquos sertões do continente nźgro, e passįram os maos tratos que eu por lį passei. Assim como só o homem que, sendo pai, pode comprehender a dōr pungente da pźrda de um filho, assim tambem só o homem que foi explorador pode comprehender as atribulaēões de um explorador. Ha sentimentos que se nćo podem avaliar sem se haverem experimentado. Os factos narrados n'este livro sam a expressćo da verdade. Verdade triste muitas vźzes, mas que seria um crime occultar. Procurei apresentar nźlle os resultados de um trabalho aturado de muitos mźzes, e garanto o que digo sōbre geographia Africana, porque só eu sou autoridade para falar n'ella na parte respectiva į minha viagem, em quanto outro nćo houvér seguido os meus passos atravéz d'Ąfrica, e nćo me convencer do contrario. As minhas opiniões genčricas sōbre um ou outro problema podem ser errņneas, sam sujeitas į crģtica, podem cahir por terra com uma demonstraēćo prątica das futuras viagens, como tem acontecido a asserēões de muitos dos meus antecessores os mais illustres; mas o que nćo tem nem pode ter contestaēćo, sam os factos que eu vi, sam aquelles que se referem aos paizes que percorri, e que descrźvo n'este livro com a consciencia que deve sempre dictar as acēões do explorador. Nćo fui į Ąfrica ganhar dinheiro. Tive a mesquinha paga de official do exčrcito e nćo quiz outra. Abandonei uma familia extremosamente querida; deixei a pątria e tudo para trabalhar, e só para trabalhar, em cooperaēćo com os outros paizes, na grande obra do estudo do continente desconhecido, e tenho a consciencia de que fiz tanto quanto podia fazer. Deixo aos homens de sciencia e įquelles que sam autoridades em tal materia o avalial-o. Ponho ponto n'este assumpto que parecerį filho de um orgulho que nćo tenho, mas factos insņlitos apparecidos no decurso dos primeiros mźzes da minha residencia na Europa, depois de ter completado a fadigosa jornada d'Ąfrica, dictįram as palavras que escrevi. Ha um anno que principiei a coordenar em livro os resultados dos meus trabalhos Africanos, mas uma pertinaz doenēa por vźzes interrompeu a vontade que nutria de dar į estampa esses trabalhos. Principiado em Londres em Setembro de 1879, o meu livro foi quasi tōdo escrito nos mźzes de Setembro e Outubro, de 1880, na Figueira da Foz, em Portugal. A pressa com que foi terminado contribuirį de certo muito para a incorrecēćo da forma. A publicaēćo d'elle é feita em Londres, onde encontrei na grande casa editora Sampson Low, Marston, Searle and Rivington, todas as facilidades que nćo pude obter fora d'ella. Estes cavalheiros nćo recuįram ante a enorme despesa a fazer com uma tćo difficil e custosa publicaēćo, e levįram a sua condescendencia a fazer imprimir em Inglaterra a ediēćo Portugueza; trabalho difficilimo, porque a differenēa das lģnguas dos dois paizes obrigou até į fundiēćo de typo, por causa dos signaes e accentos privativos do nossa idioma. Devo-lhes a maior gratidćo pźlo interesse que t[~e]m dedicado a esta publicaēćo, para o mčrito da qual, se é que ella tivér algum mčrito, elles de certo concorrźram muito. O S^{nr.} Antonio Ribeiro Saraiva, que, a pesar dos seus trabalhos e da sua avanēada idade, me quiz fazer o favor especial de rever as provas do livro; o S^{nr.} E. Weller, o cartņgrapho, que se encarregou da gravura das minhas cartas geogrąphicas; o S^{nr.} Cooper, que interpretou magnģficamente os meus esbocźtos de viagem nas gravuras que illustram a obra, concorrźram tambem de certo muito para o valor d'ella. Ahi vai, pois, o livro, e só desejo que elle corresponda e sirva į curiosidade de uns e ao estudo de outros; e venha dar novos incitamentos į grande e sublime cruzada do sčculo XIX., a cruzada da civilisaēćo do Continente Nźgro. Londres, 61 Gower Street, _5 de Dezembro de 1880_. O TĢTULO DO LIVRO. Hōje, depois de jantar, sahi a dar um passeio, e de volta a casa, encontrei sōbre a minha mźsa de trabalho, pregado com um alfinete, um pedacinho de papel, recortado nćo sei de que jornal, que dizia assim: "O _Athenaeum_ diz, que o Major Serpa Pinto, restabelecido da sua prolongada doenēa, chegou a Londres, para terminar a publicaēćo do livro descriptivo da sua jornada atravez d'Ąfrica. Dį-nos grande satisfaēćo o saber, que o tģtulo d'elle foi alterado, de 'Carabina d'El-Rei,' para o de 'Como eu Atravessei Ąfrica.' 'A Carabina d'El-Rei' pode ser um magnģfico tģtulo para um livro de aventuras de rapazes, por Mayne Reid ou Gustave Aimard; mas parece um pouco deslocado na pągina tģtulo de um livro sčrio de explorador Africano." É meia noute, e eu sinto necessidade de me deitar; mas antes d'isso nćo posso deixar de escrever duas palavras sōbre o assumpto. A consideraēćo tinha e nćo tinha razćo de ser. As viagens n'Ąfrica produzem sempre um romance, e algumas vźzes tambem um livro de sciencia. A minha, se, como todas, é um verdadeiro romance, nćo deixa por isso de conter trabalhos geogrąphicos de alguma importancia. Formei logo o projecto, que hōje executo, de misturar em a narrativa esses trabalhos com as minhas aventuras, como elles tinham sido misturados nos sertões Africanos. A respeito do tģtulo para o livro, nada me preoccupei d'isso. Sendo salva a expediēćo, e por isso tōdos os trabalhos que a ella se ligavam, pźla Carabina d'El-Rei, pensei em dar aquelle tģtulo į obra tōda. Nćo me davam cuidado juizos dos crģticos severos. A minha justificaēćo estaria no correr da narrativa. Veio porem uma consideraēćo modificar o meu projecto. Um homem, um łnico homem no mundo, incapaz de me increpar em płblico pźlo exclusivismo do tģtulo, de certo pensaria um momento em que eu tinha sido injusto para com elle em fazer sobressahir no meu livro o facto de ter sido salva a expediēćo pźla Carabina d'El-Rei, quando elle teria igual juz į minha gratidćo, tendo-me salvo por seu turno. Pesou-me aquelle primeiro tģtulo escolhido, como uma injustiēa que fazia a Francisco Coillard, quando esse tģtulo me tinha sido dictado sņmente por um sentimento de justiēa, porque sou pouco propenso a expressões de adulaēćo. Resolvi immediatamente conservar o tģtulo de Carabina d'El-Rei į primeira parte da minha narrativa, e dar į segunda o nome de Francisco Coillard, o homem que, salvando-me, salvou os trabalhos da expediēćo que eu dirigia. Cumpria um devźr. Mas desde esse momento, era preciso dar um tģtulo geral į obra, e esse nćo é nunca difficil de se encontrar quando se tem atravessado um continente de mar a mar. Eis porque o meu livro se chama hoje:--"Como eu atravessei Ąfrica." Sei que pouco deve importar ao płblico o tģtulo, qualquér, de uma obra d'estas. É preciso chamar-se-lhe alguma cousa, e eu chamei-lhe assim. Pesar-me-ha se elle desagradar a alguns, mas ainda assim nćo me preoccupo com isso a ponto de nćo me ir deitar jį, esperando ter um sono profundo durante a noite. Londres, 61 Gower Street, _12 de Dezembro de 1880, į meia noite_. CONTEÜDO. PRŅLOGO. I.--Como eu Fui Exploradōr II.--Como foi Preparada a Expediēćo CAPĢTULO I. EM BUSCA DE CARREGADŌRES. Chegada a Loanda--O Governador Albuquerque--Nćo ha carregadōres--Vou ao Zaire--O Ambriz--Chźgo ao Porto da Lenha--Os resgatados--Sei da chegada de Stanley--Vou a Cabinda--Tomo Stanley a bōrdo da _Tāmega_--Os officiaes da canhoneira--Stanley meu hņspede--O nosso itinerario--Chegada do Ivens CAPĢTULO II. AINDA EM BUSCA DE CARREGADŌRES. O Governadōr, Alfredo Pereira de Mello--A casa do Governadōr--Cousas de que nćo tem culpa o Governo da Metrņpoli--O que é Benguella--O commercio--Sou roubado--Outro roubo--A Catumbela--Obtenho carregadōres--Chegada de Capello e Ivens--Nova alteraēćo de itinerario--Outra difficuldade--Silva Porto, o velho sertanejo--Apparecem novos obstąculos--O Capello vai ao Dombe--Partida--O que é o Dombe--Novas difficuldades--Partimos emfim CAPĢTULO III. HISTORIA DE UM CARNEIRO. Nove dias no deserto--Falta de ągua--O ex-chefe de Quillengues--Eu perco-me nas brenhas--Dois tiros a tempo--Perde-se um muleque eu e uma prźta--Perde-se um burro--Quillengues emfim--Morte do carneiro CAPĢTULO IV. POR TERRAS AVASSALLADAS. Jornada a Ngola--O sova Chimbarandongo--Belleza do caminho--Chegada a Caconda--José d'Anchieta--Nada de correspondencia--Chegada do Chefe--Vamos aos carregadōres--Ivens vai ao Cunene e eu vou ao Cunene--Volta de casa do Bandeira--Falham os carregadōres--O meu juizo CAPĢTULO V. VINTE DIAS DE AGONIA. Parto de Caconda--O sova Quissembe--Quingola e o sova Cįimbo--40 carregadōres--Febre--O Huambo, o sova Bilombo e seu filho Capōco--80 carregadōres--Cartas e noticias--Quasi perdido!--Sigo avante--Grave questćo no Chaca Quimbamba--Os rios Calįe, Cahungamua e Cunene--Nova e séria questćo no Sambo--O Cubango--Chuvas e temporaes--Grave doenēa--Uma aventura horrivel--O Bihé finalmente! CAPĢTULO VI. PEREIRA DE MELLO, E SILVA PORTO. No Bihé--Doenēa--Melhoras--A casa de Belmonte--Decido ir ao alto Zambeze--Cartas ao Governo--Como se organiza uma expediēćo no Bihé--Difficuldades, e como se vencem--Noticia sōbre o Bihé--Os meus trabalhos--Novas difficuldades--Deixo Belmonte--Até ao Cuanza--Escravatura Rapido Golpe-de-Vista Retrospectivo CAPĢTULO VII. ENTRE OS GANGUELAS. Passagem do Cuanza--Os Quimbandes--O sova Mavanda--Os rios Varea e Onda--Fetus arbņreos--Atribulaēões--Escravos--O rio Cuito--Os Luchazes--Emigraēćo de Quibocos--Cambuta--O Cuando--Leopardos--Os Ambuelas--O sova Moem-Cahenda--Descida do rio Cubangui--Os Quichobos--Peripecias--Parto para o Cuchibi CAPĢTULO VIII. AS FILHAS DO REI DOS AMBUELAS. O Cuchibi--O sova Caś-eu-hue--Os Mucassequeres--Opudo e Capeu--Abundancia--Bondade dos indģgenas--Povoaēões e costumes--Um vao no Cuchibi--O rio Chicului--Caēada--Feras--O Rio Chalongo--Uma jornada atroz--As Nascentes do Ninda--O tłmulo de Luiz Albino--A planicie do Nhengo--Trabalhos e fome--O Zambeze a final LISTA DAS ILLUSTRAĒÕES. FIG. 1.--Mulheres Mundombes, vendedeiras de carvćo 2.--Mulheres e Donzellas, Mundombes 3.--Homens Mundombes (_De uma photo. de Monteiro_) 4.--Homem e Mulhér do Huambo 5.--Mulhér do Sambo 6.--O meu Acampamento entre o Sambo e o Bihé 7.--Ponte de Cassanha sōbre o rio Cubango 8.--O Secślo que me deu um Pōrco 9.--Mulheres Ganguelas das margens do Cubango 10.--Termites na margem do rio Cutato dos Ganguelas 11.--Monte termģtico, de 4 metros de altura, nas margens do Rio Cutato dos Ganguelas, coberto de vegetaēćo 12.--Sepultura de Secślo 13.--Ferreiros Caquingues 14.--1. Folles; 2. Bocal de Barro; 3. Bigorna; 4. Martello 15.--Objectos fabricados pelo gentio entre a Costa e o Bihé 16.--Casa de Belmonte 17.--Vista exterior da povoaēćo de Belmonte, no Bihé 18.--Planta da povoaēćo de Belmonte, no Bihé 19.--Mulhér do Bihé cavando 20.--Carregador Biheno em marcha 21.--Palissada sōlta; Palissada amarrada com Casca de ąrvore; Palissada travada com Forquilhas 22.--Planta de uma Libata de gentio no Bihé 23.--Fora da Porta das Libatas ha isto 24.--Objectos fabricados por Bihenos 25.--Quinda, cźsta de palha que nćo deixa passar a ągua; Peneiro para secar a farinha (fuba); Peneiro de peneirar; Cabaēa para tirar ągua į capata 26.--Uma Casquilha do Bihé 27.--Mulheres do Bihé pisando Milho 28.--Mulheres Ganguelas Luimbas e Loenas. Modo por que cortam os Dentes incisivos 29.--Montes termģticos, dos terrenos entre a Costa e o Bihé 29A.--Viagem ao Cunene 30.--Passagem do Cuanza 31.--Homem e Mulhér Quimbandes 32.--Raparigas Quimbandes 33.--Os Bihenos construindo as Barracas nos Acampamentos 34.--Esqueleto da Barraca 35.--Barraca concluida em uma hora 35A.--Ganguelas e Quimbandes 36.--O Sova Mavanda vem danēar mascarado ao meu Campo 37.--Mulhér Quimbande carregada 38.--1. Cachimbo; 2. Facas; 3. Cacźtes de guerra 39.--Ditassoa, peixe do rio Onda 40.--Fetus arbņreos das margens do rio Onda 41.--Mulhér de Cabango com o ferro de coēar a cabeēa 42.--Homem de Cabango 43.--Homem de Cabango 44.--O Lago Liguri 45.--Luchaze das margens do rio Cuito 46.--Mulhér Luchaze carregada 47.--Isqueiro dos Luchazes, Caixa da isca e Fuzil 48.--Atundo, Planta e Fruto 49.--Povoaēćo de Cambuta, Luchaze 50.--Mulhér Luchaze de Cambuta 51.--Homem Luchaze de Cambuta 52.--Objectos fabricados pelos Luchazes 53.--Mulhér Luchaze do Cutangjo 54.--Cachimbo Luchaze 55.--Capoeira dos Luchazes 56.--Urivi, Armadilha para caēa 57.--Luchaze do Cutangjo 58.--Objectos Luchazes 59.--O Cuchibi 60.--Fōlha e Fruto do Cuchibi 61.--O Mapole, Ąrvore e Fōlha 62.--Mapole, Fruto e disposiēćo dos Ramos 63.--Moene-Cahenda, Sova de Cangamba 64.--Chimbenzengue. Machado dos Ambuelas do Cangamba 65.--Cachimbo Ambuela 66.--O Quichōbo 67.--Ośco 68.--Opumbulume 69.--O Rato mencionado 70.--Songue; 70A.--Rasto do Songue 71.--Muene-Caś-eu-hue, Chefe dos Ambuelas 72.--Mulhér Ambuela 73.--Opudo 74.--Capźu 75.--Barco e Remo do Cuchibi 76.--Tambor das festas Ambuelas 77.--Caś-eu-hue 78.--O Irmćo do Sova 79.--Caēador Ambuela 80.--Chinguene 81.--Lincumba 82.--Chipulo ou Nhele 83.--O Vao do Cuchibi 84.--Azagaias dos Ambuelas 85.--Ferros de frechas dos Ambuelas 86.--Malanca 87.--1. Cornos vistos de frente; 2. Rasto da Malanca 88.--O Błfalo Africano 89.--Escudo dos Luinas 90.--O Chefe Cicota 91.--Termites do Nhengo 92.--1 e 2. Casas Luinas de 1^{m.} 5 de altura; 3. Celeiro; 4. Enxada do Lui 93.--Corte vertical de uma Casa Luina da aldea da Tapa * * * * * MAPPAS NO VOLUME PRIMEIRO. Mappa No. 1.--Africa Tropical e Austral " " 2.--De Benguella ao Bihé " " 3.--Entre Cubango e Cuanza " " 4.--O Paiz dos Quimbandes " " 5.--Disposiēćo da ągua em Cangala " " 6.--De Cambuta ao Cubangué " " 7.--Paśl da nascente do Cuando " " 8.--De Cangamba ao Cuchibi COMO EU ATRAVESSEI A ĄFRICA. Primeira Parte.--A CARABINA D'EL-REI. PRŅLOGO. I.--Como eu fui Explorador. No correr do anno de 1869, fiz parte da columna de operaēões que no baixo Zambeze sustentou cruenta guerra contra os indģgenas de Massangano. O S^{nr.} José Maria Latino Coelho, entćo Ministro da Marinha e Ultramar, dera ordem ao Governador de Moēambique, para que, finda a guerra, me proporcionasse os meios de subir o Zambeze, a fazer um detalhado reconhecimento do paiz, tćo longe quanto me fōsse possivel. A ordem foi dada, mas nćo foi cumprida; e depois de vćs instancias, e de um ligeiro passeio pelas terras Portuguezas d'Ąfrica Oriental, voltei į Europa, com mais desejo que antes, de estudar o interior d'aquelle continente, que mal tinha entrevisto. Razões particulares de familia fizéram adiar, se nćo aniquilįram, os meus projectos. Official do exčrcito, sempre de guarniēćo em pequenas terras de provincia, fazia das minhas horas de ņcio horas de trabalho; e ainda que mal antevia a possibilidade de ir į Ąfrica, era o estudo das questões Africanas o meu łnico e exclusivo passatempo. As sublimes questões de astronomia nćo eram por mim desprezadas, e o muito tempo que me deixava a vida da caserna era repartido entre o estudo da Ąfrica e do ceo. Servia em Caēadores 12 no correr de 1875, e ali tive por camarada um dos mais intelligentes homens que tenho conhecido, o Capitćo Daniel Simões Soares. Pouco depois de havermos feito conhecimento, čramos ligados por estreita amizade. O quarto mesquinho do illustrado official, na caserna da Ilha da Madeira, reunia-nos durante as horas em que o regulamento nos obrigava a viver ali; e quantas vezes, estando um de nós de serviēo, tźve a companhia do outro! Ąfrica, e sempre Ąfrica, era o nosso assumpto de conversaēćo. Apraz-me recordar esse tempo, essas horas que fazģamos correr velozes, debatendo questões, que eu mal pensava seria chamado a resolver um dia. Em fins de 1875, redigi uma memoria, que submetti į crģtica de Simões Soares, e de outro meu camarada, o Capitćo Camacho; memoria filha das nossas interminaveis palestras Africanas. Propunha eu um meio de estudar parcialmente o interior das nossas colonias de Ąfrica Oriental, e isso com a maior economķa para o Estado. Depois de muito debatida a questćo por nós tres, foi a memoria enviada ao Governo de Sua Magestade; mas sube depois que nunca chegara įs mćos do Ministro da Marinha. A esse tempo, eu pensava outra vez em voltar į Ąfrica, apesar de ser chefe de familia, e de me prenderem a Portugal interesses de subida importancia. Por fins de 1876 voltei a Lisboa, e conheci que as questões Africanas tinham ali tomado grande interesse com a creaēćo da Commissćo Central Permanente de Geographia, e com a fundaēćo da Sociedade de Geographia de Lisboa. Falava-se muito n'uma grande expediēćo geogrąphica ao interior d'Ąfrica Austral. Fui procurar immediatamente o Ministro das Colonias. Era o S^{nr.} Joćo d'Andrade Corvo. Se nćo é facil explorar a Ąfrica, nćo é menos difficil falar ao Ministro, e sōbre tudo se esse Ministro é o S^{nr.} Joćo d'Andrade Corvo. Sua Excellencia tinha a seu cargo duas pastas, Marinha e Estrangeiros, e o tempo nćo lhe sobejava para falar aos importunos. Persegui-o uns oito dias, e na včspera da minha partida de Lisboa, obtive uma audiencia do Ministro dos Negocios Estrangeiros. Sua Excellencia recebeu-me com secura, dizendo-me, que podia dispōr de pouco tempo, e perguntando-me, æo que eu queria? Travou-se entre nós o seguinte diąlogo:-- "Ouvi dizer, que V. Ex^{a.} pensa em enviar į Ąfrica uma expediēćo geogrąphica; e sōbre isto venho falar." O Ministro mudou logo de tom para comigo, e mandou-me sentar com toda afabilidade. "æJį estźve em Ąfrica?" me perguntou elle. "Jį estive em Ąfrica, conheēo um pouco o modo de viajar ali, e tenho-me occupado muito em estudar questões Africanas." "æQuer ir fazer uma longa viagem na Ąfrica Austral?" Declaro que hesitei um momento em responder. "Estou prompto a ir," disse por fim. "Bem;" me disse elle, "penso em enviar uma grande expediēćo į Ąfrica, bem provida de recursos; e quando tratar de organizar o pessoal, nćo esqučcerei o seu nome." "É verdade"; me disse, quando eu jį ia a sahir, "æque condiēões e que vantagens pede por esse serviēo?"--"Nenhumas," lhe respondi eu, e sahi. Fui do Ministerio dos Negocios Estrangeiros į Calēada da Gloria, N^{o.} 3, e procurei o D^{or.} Bernardino Antonio Gomes, Vice-presidente da Commissćo Central Permanente de Geographia. Tivémos larga conferencia, e o distincto sabio, entćo todo entregue a questões geogrąphicas, disse-me, que jį tinha pensado em um distincto Official da nossa Marinha de Guerra, Hermenigildo Capello, para fazer parte da expediēćo. No dia seguinte parti para o Norte. A viagem e os ares do campo fizéram arrefčcer um pouco o febril enthusiasmo que se apossara de mim em Lisboa, e pensando maduramente, resolvi nćo ir explorar em Ąfrica. Minha mulhér e minha filha eram laēos difficeis de romper, e cada vez que a idéa de me privar das caricias da meiga crianēa me passava pela mente, arrefčcia completamente em mim o ardor das exploraēões. De um lado, a familia, e do outro a Ąfrica, eram dois poderosos atractivos que me tinham perplexo. Encontrei um meio de resolver a questćo. Se eu fosse nomeado Governador de um districto, podia ir estudar uma parte d'Ąfrica, sem me separar da familia. Fui collocado no 4 de Caēadores, e na minha viagem para o Algarve, passei alguns dias em Lisboa. Nćo se falava mais em expediēćo exploratoria, e apenas um enthusiasta, Luciano Cordeiro, nćo tinha descrido de que ella se faria; e na sociedade de geographia, de que era Secretario, tinha levantado um alto brado a favor d'ella. O D^{or.} Bernardino Antonio Gomes, jį de idade provecta, tinha cedido ao peso do seu incessante labutar, e sentia jį os primeiros symptomas do mal que, pouco depois, arrancando-lhe a vida, devia arrancar a Portugal e ao mundo uma das maiores illustraēões Portuguezas do sčculo 19. Eu nćo conhecia a esse tempo o homem ardente e illustrado a quem hoje me prende verdadeira amizade--Luciano Cordeiro. Todos aquelles a quem falava de exploraēćo, me diziam ser cousa adiada. Ao passo que o estado em que encontrei as cousas em Lisboa me compungia, pois que via perder-se a luz que um momento brilhara, para dar um impulso harmņnico įs exploraēões Portuguezas em Ąfrica; por outro lado, sentia um certo prazer em ver-me, por esse meio, libertado do meu compromisso; compromisso que me separaria dos entes que me sam caros. Nutri entćo a idéa de ir governar, e de me estabelecer em Ąfrica, n'essa Ąfrica em que eu queria trabalhar, sem por isso me separar dos meus. Fui falar ao Ministro. D'essa vez fui logo cordialmente recebido. Estranhei o caso, nćo se falando jį de exploraēões. "æO que o traz por aqui?"--"Venho pedir a V. Ex^{a.} o governo de Quillimane, que estį vago." O S^{nr.} Corvo rio-se. "Tenho missćo de maior monta a confiar-lhe;" me disse; "preciso de si para cousa differente de governar um districto em Ąfrica; e por isso nćo lhe dou o governo de Quillimane."-- "æEntćo V. Ex^{a.} ainda pensa em fazer explorar a Ąfrica? Eu com franqueza digo, que hoje nćo creio que a idéa se realize."-- "Dou-lhe a minha palavra de honra," me disse o Ministro, "que ou hei de deixar de ser Joćo de Andrade Corvo, ou na prņxima primavera, uma expediēćo organizada como ainda se nćo organizou expediēćo alguma na Europa, ha de partir de Lisboa para a Ąfrica Austral."-- "æE conta comigo?"-- "Conto comsigo," me disse, "e em breve terį noticias minhas." Sahi aterrado do Gabinete do Ministro. Cheguei ao Hotel Central, e escrevi o seguinte: "Nćo tenho a honra de o conhecer, mas preciso falar-lhe, e peēo-lhe uma entrevista." Sōbreescritei, a "Hermenigildo Carlos de Brito Capello--Official de guarniēćo a bordo do couraēado _Vasco de Gama_." No dia immediato, recebi a seguinte resposta:--"Estou hoje no Café Martinho, įs 3 horas.--Capello." Įs tres horas entrava no Café Martinho, e vi que as mesas estavam completamente desertas. Só a uma dellas estava sentado um primeiro tenente de marinha, que eu nćo conhecia mesmo de vista. Devia ser o meu homem. Bebia pausadamente um grog, e tinha a cabeēa descoberta. Era de mediana estatura, tanto quanto eu pude avaliar estando elle sentado. Moreno, de olhar plącido; o cabello raro, e grisalho, o pequeno bigode jį esbranquiēado, davam-lhe um ar de velhice, que era desmentido pela tez desenrugada, e apresentando o lustre da juventude. "æÉ o S^{nr.} Capello?"-- "Sou; æé o S^{nr.} Serpa Pinto? jį o esperava, e sei que, provavelmente, vem falar-me d'Ąfrica."-- "É verdade. æEntćo estį decidido a fazer parte da expediēćo?"-- "Estou; e jį n'isso falei ao D^{or.} Bernardino Antonio Gomes."-- "Foi elle que me falou no S^{nr.}; æque compromissos tem?"-- "Nenhuns. Nćo sei bem o que o Governo quer; falei duas vezes com o D^{or.} Gomes; ainda nćo vi o Ministro, e apenas lhe posso dizer, que, se for į Ąfrica, escolherei para companheiro um meu amigo, e camarada na armada, Roberto Ivens. æConhece-o?"-- "Nćo o conheēo. Falei ao Ministro e elle disse-me, que contava comigo para a expediēćo."-- "N'esse caso, uma vez que jį tem compromissos com o Ministro, eu desisto de ir."-- "”Ora essa!... entćo desisto eu."-- "Mesmo, eu nćo creio que a cousa vį a effeito."-- "Nem eu creio muito; mas emfim, se for a effeito, æporque nćo havemos de ir ambos? Nćo nos conhecemos, é verdade; mas em breve travaremos ģntimas relaēões, e creio bem chegaremos a ser amigos."-- "æE porque nćo? Entćo, se a expediēćo for įvante, iremos juntos, e escolheremos para nosso companheiro ao meu amigo Roberto Ivens."-- "Esta dito. æPensa sčriamente que o Governo votarį uma tćo grande verba como a que é precisa para uma empresa d'estas?"-- "Nćo sei, duvido; e agora łltimamente fala-se menos na expediēćo." Conversįmos largamente, e separįmo-nos; tendo a ģntima convicēćo de que a expediēćo nunca se realizarķa. Ainda me encontrei com Capello nos dias seguintes, e depois separįmo-nos. Elle seguio viagem no couraēado _Vasco da Gama_ para Inglaterra; e eu fui tomar o commando da minha companhia em Caēadores 4, no Algarve. Com o descanēo da vida de guarniēćo, voltei ao estudo, e tive a felicidade de encontrar um amigo no Algarve, Marrecas Ferreira, distincto official de Engenheiros, que, meu companheiro nas mesas do trabalho, tinha sempre um bom conselho a dar-me, nas questões mathemąticas, que elle maneja com intelligencia superior. Foi por seu intermedio que travei relaēões epistolares com Luciano Cordeiro, a quem depois me devia ligar estreita amizade. Por esse tempo, redigi duas pequenas memorias, que por intermedio de Luciano Cordeiro chegįram įs mćos do Ministro da Marinha, em que tratava do modo de organizar uma expediēćo de exploraēćo na Ąfrica Austral. Passįram-se mezes, e nćo mais me falįram de expediēćo. Recebi duas cartas do Capello, em que me mostrava a sua completa descrenēa em que a cousa fosse a effeito. Eu mesmo nutria igual descrenēa. Na Commissćo Permanente de Geographia discutiam-se varios projectos de expediēões; mas tudo ficava em discussões. Um dia, vi nos jornaes, que o Ministro, o S^{nr.} Joćo d'Andrade Corvo, apresentara no parlamento um projecto, pedindo um crčdito de 30 contos para uma expediēćo em Ąfrica; mas, pouco depois, cahio o Ministerio, e foi o S^{nr.} José de Mello Gouvea encarregado da Pasta das Colonias; quando o projecto ainda nćo tinha sido votado no parlamento. Tornava-se a falar da projectada exploraēćo; mas os jornaes davam por escolhidos exploradores que eu nćo conhecia, e įs vezes apenas falavam em Capello. Eu entćo estava em Faro, e se me nćo descurava dos meus estudos astronņmicos e Africanos, ouvindo os conselhos de Joćo Botto, distincto professor da escola de Pilotos de Faro, nćo nutria jį idéas de viajar. O meu tempo era passado entre as caricias da familia e os meus livros de estudo, e sentia-me muito feliz, nos conchźgos do lar domčstico, para pensar em trocar a minha vida plącida pelo bulicio e azares das viagens. Seguia com interesse nos jornaes as noticias de Lisboa, e vi que o nōvo ministro, José de Mello Gouvea, havia no parlamento apoiado a proposta de Joćo d'Andrade Corvo, e que fōra votada a somma de 30 contos para uma exploraēćo. A morte de Bernardino Antonio Gomes, vģctima, talves, do muito interesse que dedicou ao estudo das questões Africanas, n'uma idade em que as fadigas passadas lhe aconselhavam completo repouso de espģrito, a morte d'esse eminente sabio, veio produzir um grande vącuo na Commissćo Central de Geographia. Outros, é verdade, tomando grande interesse nas questões palpitantes, levantavam a voz no seio da commissćo; mas discussões repetidas iam adiando a prąctica urgente. Eu, apesar de se ter votado a verba no parlamento, jį nćo via possibilidade de se levar a effeito a expediēćo em 1877; e em vista do que sabia pela imprensa, nćo pensava que se lembrassem de mim, se aquella fosse a affeito; e devo dizel-o, dava-me isso um certo prazer. O Algarve é um paiz delicioso; reina ali uma atmosphera oriental, e as copas elegantes das palmeiras que se inclinam sōbre as casas em terraēos, faz-nos, įs vezes, esqučcer de que vivemos no prosaļsmo da Europa. Eu era ali o commandante militar, quer dizer, que afazeres poucos tinha. O convivio de uma sociedade escolhida; os carinhos da familia; os meus livros de estudo, e os meus instrumentos de observaēões, faziam-me passar horas bem felizes, d'essa plącida felicidade que a muitos nćo é dado conhecer. O lar caseiro, o xambre e os pantufos chegįram a ser para mim o ideal do bem-estar. Findara o mez d'Abril, e com o de Maio viera o calor, que se faz fortemente sentir em Faro; e eu fazia projectos para o verćo; quando, um dia, recebo um telegrama em que me ordenavam de me apresentar immediatamente ao General commandante da Divisćo; e ali achei uma ordem para me apresentar sem perda de tempo ao Ministro das Colonias. Adeos casa, adeos xambre, adeos pantufos, adeos vida tranquilla e plącida junto dos meus; ahi vōlvo a correr mundo. Quatro dias depois, em torno de uma grande mesa, n'uma grande sala do Ministerio da Marinha, uma duzia de graves personagens, uns d'ņculos, outros sem ņculos, uns velhos outros nōvos, todos conhecidos, ou pelas sciencias, ou pelas letras, ou pelos seus serviēos płblicos, tratavam de questões Africanas. Presidķa a esta solemne sessćo o Ministro José de Mello Gouvźa. Eram Secretarios D^{or.} José Julio Rodrigues e Luciano Cordeiro. Conde de Ficalho, Marquez de Souza, D^{or.} Bocage, Carlos Testa, Jorge Figaniere, Francisco Costa, o Conselheiro Silva, e Antonio Teixeira de Vasconcellos, lembra-me que estavam ali. Lį no fundo da mesa a um canto, encaixado na poltrona, estava um homem de basto cabello e basto bigode grisalho, a olhar para mim por entre os vidros da luneta de tartaruga. Era Joćo de Andrade Corvo, que me dizia com o olhar: "Eu bem lhe afiancei que a cousa se havia de fazer." Junto de mim estava Capello, e ao cabo de duas horas sahģamos d'ali, com as instrucēões precisas para a nossa viagem. Tģnhamos escolhido um terceiro socio, e esse era o tenente Roberto Ivens, o amigo de Capello, que eu nćo conhecia, e que a esse tempo estava em Loanda a bordo do seu navio de guerra. Estąvamos a 25 de Maio, e tomįmos o compromisso de partir a 5 de Julho. Era muito, porque tģnhamos que vir preparar a expediēćo a Franēa e Inglaterra, e só dispłnhamos de um mez para isso. Entćo Francisco Costa, Director Geral do Ministerio, tomou a peito desfazer todos os obstąculos que os indispensaveis caminhos burocrąticos nos podiam trazer; e andou de modo, que a 28 de Maio eu e Capello partģamos para Paris e Londres, a comprar o que se nos tornava necessario. Levąvamos um crčdito de oito contos de réis. II.--Como foi Preparada a Expediēćo. Em Paris fomos logo procurar a M. d'Abbadie, o grande explorador da Abissinia, e M. Ferdinand de Lesseps. D'elles ouvķmos conselhos e recebémos os maiores obsequios. Infelizmente, nćo encontrįmos no mercado, nem instrumentos, nem armas, nem artigos de viagem, taes como os desejįvamos. Foi preciso encommendar tudo. Com uma recommendaēćo especial de M. d'Abbadie, fomos procurar os constructores de instrumentos, e durante 10 ou 12 dias, Lorieux, Baudin e Radiguet trabalhąram para nós. Walker tinha-se encarregado dos artigos de viagem, Lepage (Fauré) das armas, Tissier do calēado, e Ducet jeune da roupa. Feitas as encommendas em Paris, seguimos para Londres, e ali comprįmos os chronņmetros, em casa de Dent, e alguns instrumentos em casa de Casella; uma boa provisćo de sulfato de quinino, e muitos objectos de cautchouc na casa Macintosh, entre elles dous barcos e algumas banheiras. Procurįmos de balde em Londres, como tģnhamos de balde procurado em Paris, um theodolito que tivesse as condiēões necessarias para uma viagem de tal ordem qual ģamos emprehender. Uns, ņptimos para observaēões terrestres, nćo tinham as condiēões precisas para as observaēões astronņmicas; outros, que reuniam as condiēões requeridas, eram intransportąveis, jį pelo peso, jį pelo volume. Nćo havia tempo para fazer construir um de propņsito, e de volta a Paris, tivémos de aceitar aquelle que jį antes nos tinha sido offerecido por M. d'Abbadie. Recolhémos, em Paris, tudo o que tģnhamos encommendado, e que tinha sido fabricado em nossa curta ausencia; e no dia 1 de Julho, desembarcąvamos eu e Capello em Lisboa, completamente preparados para a nossa viagem; podendo assim cumprir o nosso compromisso, de partir para Loanda no paquete de 5. Tģnhamos feito os preparativos em 19 dias. Quando eu estudava o modo de me preparar para uma longa viagem em Ąfrica, tinha procurado sem resultado em livros de viagens, o modo porque se haviam preparado outros viajantes. Em todas as narrativas havia escassez de informaēões a esse respeito, e lembra-me ainda o quanto isso me enfadou. Resolvi logo, se um dia chegasse a fazer uma viagem em Ąfrica, e se d'ella escrevesse a narrativa, nćo ser omisso n'essa parte, e dizendo quaes os objectos de que me provi, dizer quaes os que me prestįram serviēos reaes, e quaes os que me fōram carga inutil. A historia das exploraēões d'Ąfrica estį no seu comźēo. Muitos exploradores me succederįm em Ąfrica, como eu succedi a muitos, e creio fazer um bom serviēo įquelles que depois de mim se aventurarem no inhņspito continente, apresentando-lhes agora uma relaēćo dos objectos de que me provi; e logo, no correr da minha narrativa, as vantagens ou os inconvenientes que n'elles encontrei. Segundo as instrucēões que do Governo tinha recebido, podia demorar-me tres annos em viagem, e para isso me preparei. A experiencia tinha-me mostrado, o grave inconveniente de me sōbrecarregar de bagagens; e francamente declaro, que fiquei aterrado quando, em Lisboa, vi o enorme trem comprado em Paris e Londres. Só malas tģnhamos 17! todas das mesmas dimensões, 0^m,3 x 0^m,3 x 0^m,6. Uma era toucador perfeito, contendo um grande espelho, uma bacia, caixas para escovas e mais objectos competentes; outra continha um serviēo de meza e chį para tres pessōas; e uma terceira o trem de cozinha. Tres outras malas de forte sola deviam conter cada uma o seguinte:--4 frascos de quinino, uma pequena pharmacia, um sextante, um horizonte artificial, um chronņmetro, umas tąbuas logarģthmicas, umas ephemčrides, um aneroide, um hypsņmetro, um thermņmetro, uma błssola prismątica, uma błssola simples, um livro em branco, lapis, papél e tinta; 50 cartuxos para cada arma; um vestuario completo, e tres mudas de roupa branca; isca, fusil, pederneiras, e alguns pequenos objectos de uso pessōal. Cada uma d'estas malas tinha na parte superior um estojo de costura, escrivaninha e logar para papél. Eram pessōaes, e pertencia cada uma a um de nós. As outras 10 malas continham indistinctamente roupas, calēado, instrumentos, e outros objectos de reserva. Todas tinham fechaduras iguaes e abriam com a mesma chave. A nossa barraca era uma _tente marquise_ de 3 metros de lado por 2^m, 3 de alto. As camas eram de ferro, fortes e cņmmodas. As mesas de tezoura, os bancos e cadeiras de lona. Todos estes artigos fōram da fąbrica de Walker. Cada um de nós tinha uma carabina magnģfica de calibre 16, cujos canos, forjados por Leopoldo Bernard, tinham sido cuidadosamente montados por Fauré Lepage. Uma espingarda do mesmo calibre da fąbrica de Devisme, uma Winchester de 8 tiros, um revólver e uma faca de mato completavam o nosso armamento. Em Lisboa tinha eu encommendado na Confeitaria Ultramarina 24 caixas, das mesmas dimensões das malas, contendo, em latas cuidadosamente soldadas, chį, café, assucar, hortaliēas secas, e farinhas substanciaes. Hoje devo aqui lavrar um alto agradecimento ao S^{nr.} Oliveira, proprietario da mesma fąbrica, pelo escrłpulo que tźve na escōlha dos gčneros que nos forneceu, e que muito nos servģram no comźēo da viagem. Os instrumentos que levįmos fōram os seguintes: 3 sextantes, sendo um de Casella, de Londres; um de Secretan, e um de Lorieux, verdadeiro primor. Dois cģrculos de Pistor, fabricados por Lorieux, com dois horizontes de espelho, e os competentes nivéis. Um horizonte de mercurio de Secretan. Tres lunetas astronņmicas de grande fōrēa, duas de Bardou e uma de Casella. Tres pequenos aneroides, dois de Secretan e um de Casella; 4 pedņmetros, dois de Secretan e dois de Casella. 6 błssolas de algibeira; 1 błssola Bournier de Secretan; 3 outras azimutaes, duas de Berlin e uma de Casella; 2 agulhas circulares Duchemin; 6 hypsņmetros Baudin, 1 de Casella, 3 de Celsius de Berlin, dois mais muito sensiveis de Baudin; 12 thermņmetros de Baudin, Celsius e Casella; 1 barņmetro Marioti-Casella; 1 anemņmetro Casella; 2 binņculos Bardou; 1 błssola de inclinaēćo, e um apparelho de fōrēa magnčtica, que nos fōram obsequiosamente emprestados pelo Capitćo Evans, por entremedio de M^{r.} d'Abbadie. E finalmente, o theodolito universal d'Abbadie, que tem o nome de _Aba_, e que tćo cavalheirosamente nos foi cedido pelo seu inventor. Armas, instrumentos, bagagens, todos os artigos, enfim, tinham gravado o seguinte letreiro--_Expediēćo Portugueza ao interior d'Ąfrica Austral, em 1877_. Duas caixas, contendo o necessario para conservar exemplares zoolņgicos e botąnicos nos fōram enviadas pelos S^{nrs.} D^{or.} Bocage e Conde de Ficalho. Ferramentas dos diversos officios augmentavam este enorme trem, com que ģamos deixar Lisboa, para nos internarmos nos sertões desconhecidos da Ąfrica Austral. CAPĢTULO I. EM BUSCA DE CARREGADORES. Chegada a Loanda--O Governador Albuquerque--Nćo ha carregadores--Vou ao Zaire--O Ambriz--Chego ao Porto da Lenha--Os resgatados--Sei da chegada de Stanley--Vou a Cabinda--Tomo Stanley a bordo da _Tāmega_--Os officiaes da canhoneira--Stanley meu hņspede--O nosso itinerario--Chegada do Ivens. No dia 6 de Agosto de 1877, chegąvamos a Loanda, no vapor _Zaire_, do commando de Pedro d'Almeida Tito, a quem aqui lavro um testemunho affectuoso de muita gratidćo, pelos favores que me dispensou durante a viagem. Desde a minha saļda de Lisboa, uma preoccupaēćo constante me perseguia. A nossa bagagem era enorme, e tinha de ser ainda muito aumentada, com fazendas, missangas e outros gčneros, que seriam a nossa moeda no sertćo. Em todos os livros de viagens, n'esta parte do continente Africano, li eu as difficuldades em que se encontrįram muitos exploradores, por nćo poderem obter o nłmero sufficiente de carregadores para as cargas indispensaveis. æComo os obteria eu? Em Cabo-Verde sube, que uma carta que eu e Capello tģnhamos dirigido ao Ivens nćo fōra por elle recebida; pois que sube ali, por um telegrama, que Ivens estava em Lisboa, e por isso nćo podia ter satisfeito ao pedido que n'aquella carta lhe fazģamos, de estudar a questćo, e ver se nos obtinha em Loanda os auxiliares precisos. Uma tentativa feita em Cabo-de-Palmas ficou sem resultado, e apesar do apoio que nos prestou o Capitćo Tito, nem um só _keruboy_ podémos ajustar ali. Chegįmos finalmente a Loanda, e fomos hospedar-nos em casa do S^{nr.} José Maria do Prado, um dos primeiros proprietąrios e capitalistas da Provincia de Angola, que immediatamente poz į nossa disposiēćo, uma das muitas casas que possue na cidade; casa com accommodaēões bastantes para receber o enorme trem da expediēćo. Do S^{nr.} Prado recebemos innłmeros favores. Na noite do dia 6, fomos procurados por um dos ajudantes-de-campo de Sua Excellčncia o Governador-Geral, que vinha, em nome do S^{nr.} Albuquerque, fazer-nos os mais cordiaes offerecimentos. No dia 7, procurįmos o Ex^{mo.} Governador, que nos recebeu affectuosamente, mostrando a maior benevolencia em desculpar os meus trajos, que, ņptimos para a vida do mato, eram, a nćo poder ser mais, ridģculos para uma visita ceremoniosa. O S^{nr.} Albuquerque, depois de nos assegurar, que nos daria a maior assistencia nas terras do seu governo, concluio por nos mostrar a impossibilidade de obtermos carregadores. Creio que nada mais desagradavel pode haver para quem quer viajar em Ąfrica, e tem 400 cargas, do-que dizer-se-lhe: _Nćo ha carregadores_. Decidķ immediatamente ir ao Norte da provincia ver se por ali os poderia contratar; e n'esse sentido pedi ao S^{nr.} Albuquerque, me mandasse transportar ao Zaire. O só navio de guerra que podia ser posto į minha disposiēćo andava cruzando na foz do Zaire; resolvi d'ir procural-o, e no dia 8, parti n'um escalér, tripulado por 8 prźtos cabindas, que me foi fornecido pela capitanķa do Porto. Levava ordens do Governo para o commandante da canhoneira. Nćo ha nada mais desagradavel do-que fazer uma viagem de 120 milhas em um escalér. De Loanda ao Ambriz comi apenas umas sardinhas e bolachas. Tendo resolvido fazer a viagem no escalér no mesmo dia da partida, nćo tive tempo de fazer preparativos. No dia 9, ao anoitecer, chegava ao Ambriz, bonita villa assente no planalto de um cņmoro, cujas escarpas, de 25 metros, sam cortadas a prumo sōbre o mar. Fazia as vźzes de chefe, um empregado de fazenda, o S^{nr.} Tavares, que caprichou em obsequiar-me, assim como tōdos os habitantes da villa, mormente o S^{nr.} Cordeiro, em casa de quem estive hospedado. Esperava-me no Ambriz Avelino Fernandes. Tive a felicidade de conhźcer Avelino Fernandes a bordo do vapor _Zaire_, e relaēões ģntimas se estabelecźram entre nós. É filho das margens do Zaire, e tem grande paixćo por esse rico solo, onde as ąrvores gigantescas da floresta virgem lhe assombrįram o berēo. Tem 24 annos. A cōr morena e o cabello crespo indicam que nas suas veias, de envolta com o sangue Europźu, gira o sangue Africano. Rico, dotado de uma esmerada educaēćo, adquirida nos principaes centros da Europa, e que uma intelligencia superior soube desenvolver, é o verdadeiro typo do cavalheiro palaciano, que nćo se pōde conhźcer sem que a elle nos prenda logo verdadeira sympathģa. As muitas relaēões que elle tinha no Zaire podiam facilitar-me os meios de arranjar ali carregadores. Sube no Ambriz que a canhoneira _Tāmega_ devia chegar įquelle ponto dentro de dois dias; e por isso resolvi esperal-a. A viagem de Loanda no escalér nćo me tinha deixado recordaēões tćo fągueiras, para que eu persistisse em continuar para o norte da mesma forma. No dia 10, fui visitar a villa e seus suburbios, e em dois traēos vou narrar o que vi. Do planalto em que assenta a povoaēćo Europźa, desce-se para a praia por um caminho em zigzag, que estava sendo reconstruido por alguns grilhetas. Na praia, entre dois soberbos edificios, que sam armazens das casas commerciaes Franceza e Hollandeza, ostenta-se um albergue, meio-derrocado pźla velhice, meio-em-construcēćo recente nćo-continuada, que é a Alfąndega; Alfąndega sem depņsitos, onde as fazendas, arrumadas į porta sōbre o areal, pagam um irrisņrio tributo de armazenagem. A N.N.E. da villa, muitos hectares de terreno sam occupados por um pąntano, inferior de 3 metros e 12 centģmetros ao maior preamįr; e na encosta da escarpa que do planalto da villa desce ao pąntano, assentam as cubatas da povoaēćo indģgena, nas peiores condiēões de salubridade. Ao sul da villa, entre umas moitas de mato virgem, é o cemiterio--onde os cadąveres enterrados de dia, sam pasto das hyenas į noite. A ponte de desembarque, construida de ferro e madeira, estį prestes a ser inutilizada; porque a oxidaēćo do ferro em contacto com o ar e a ągua, produz-se cźdo; e a ponte nćo foi pintada, nćo ha verba para sua conservaēćo, nem alguem que por ella vigie. A casa do chefe é um pardieiro derrocado, onde ha verdadeiro perigo em habitar. O paio ameaēava ruina; e isso fźz-me impressćo, porque elle contém a pņlvora do commercio, que nćo rende menos de duzentos mil réis mensaes para o Estado. É bem de esperar, que nos dois annos decorridos depois da minha visita ao Ambriz, se tenham dado mais cuidados įquella bonita villa, cuja importancia é patente, sendo um grande centro de commercio. Um kilņmetro ao N. da ponte de desembarque, lanēa no Atląntico as suas ąguas o rio Loge, cuja foz é obstruida por um banco de areia, que lhe dį difficil accesso, mas que depois é navegavel por uns trinta kilņmetros. No dia 11, fui visitar a importante propriedade agrģcula, fundada pźlo cčlebre Jacintho do Ambriz, e hōje pertenēa de seu filho Nicolao. Esta propriedade representa um dos maiores esfōrēos feitos na provincia de Angola, para o desenvolvimento da agricultura. Jacintho do Ambriz foi levado į Ąfrica por uma desgraēa ģntima. Filho do povo, sem a menor instrucēćo, nćo sabendo mesmo ler ou escrever (mas dotado de uma razćo clara, de um espģrito fino, e de muita felicidade), chźgou a fazer uma grande fortuna. Jacintho casou no Ambriz com uma mulhér da sua igualha. Era a tia Leonarda, mais conhźcida por _tia Lina_, natural da Beira-Alta; e em 1877, a conhźci eu vestida sempre į moda das camponezas da Beira, falando a linguagem vulgar que fala o pōvo d'aquella provincia, como se de lį tivźsse chźgado. Na sua casa comi um jantar beirense, e por um momento julguei-me transportado a uma das hospitaleiras casas dos nossos lavradores do Norte. A tia Lina entrou muito na felicidade que levou Jacintho į riqueza. Jacintho fazia o commercio, e esse commercio, na Ąfrica, obriga a dois distinctos ramos: Adquirir dos brancos fazendas, e vender-lhes os productos do paiz; e adquirir dos prźtos esses productos, vendendo-lhes as fazendas. Era Jacintho que fazia o commercio com os brancos, e a tia Lina com os prźtos. Jacintho, dotado de uma alma generosa, era muitas vźzes vģctima da sua boa fé, e das extorēões de alguns chefes; o que provocava uma phrase į tia Lina, que eu muitas vźzes ouvi repetir: "Ah! Jacintho, os brancos esmagam-te; mas eu esmago os prźtos!" O verbo empregado pźla tia Lina nćo era precisamente o verbo _esmagar_, mas, por muito enčrgico, substituo-lhe outro algo semelhante. Um dia, Jacintho deu em ser lavrador. Era a costumeira de crianēa que puxava por elle. Comprou terreno, e lanēou os fundamentos d'essa vastissima propriedade que é digna de ser visitada; e į qual dedicou o seu trabalho e a sua bōlēa, até ao łltimo momento de vida que tźve. Era Jacintho conhecido por estropiar as palavras, e citam-se d'elle tolices engraēadissimas, pźlo mao emprego de um ou de outro vocąbulo que decorara, mas cuja significaēćo nćo conhecia bem; com tudo, tinha muito espģrito, e ha d'elle anecdotas engraēadas. Esta por exemplo: Jį elle se achava estabelecido na sua propriedade do Loge; mas, logo que ao porto chźgava navio de guerra Portuguez, ia a bordo fazer offerecimentos aos officiaes; que de genio era franco. Um dia que elle fōra a bordo, o commandante pediu-lhe um macaco. "æQuantos quizér?" lhe respondeu Jacintho; "mande įmanhć um escalér, pelo Loge até minha casa, buscal-os." No dia seguinte, um escalér, tripulado por seis homens, encostava ao muro do jardim de Jacintho. Fźz elle subir o escalér até dois kilņmetros mais, e chźgando į vertente de um monte coberto de gigantes baobabs, em cujos ramos horizontaes pulavam centos de macacos, disse aos marinheiros: "Tōdos estes macacos sam meus, vivem cį dentro da minha propriedade; tendes licenēa de apanhar quantos quizerdes e leval-os ao commandante." Os marinheiros encarįram com os cimos elevadissimos das enormes ąrvores, cujos troncos, de espantoso diąmetro, nćo lhes permitiam a subida; e depois de alguns vćos esfōrēos, retirįram desanimados, perseguidos pźla grita e pźlas caretas da macacaria. "Eu dei-lhos; se os nćo levam, nćo é culpa minha," dizia o Jacintho, rindo įs gargalhadas. Visitei a propriedade, e uma cousa que me impressionou foi ver, que, mąchinas, apparelhos, instrumentos, etc., tudo era de fąbrica Portugueza. Nada Jacintho admitia que nćo fōsse Portuguez, e, custassem-lhe o dōbro, fazia elle fabricar em Lisboa tōdos os seus artigos, jį para a agricultura, jį para a industria. A memoria d'esse homem obscuro--mais conhźcido pźlos disparates que dizia, do-que pźlas muitas cousas acertadas que fźz--dźve ser respeitada por tōdos os que se interessam pźlo desenvolvimento Africano; porque elle foi o homem que, nos modernos tempos, maior serviēo fźz, para desenvolver a agricultura em colonia Portugueza, empregando n'isso a sua immensa fortuna, e trabalhando até ao seu łltimo dia. Na margem esquźrda do Loge, assenta outra propriedade agrģcula, tambem importante, pertencente ao S^{nr.} Augusto Garrido. Nćo tive tempo de a visitar, porque, no dia que ali passei, nćo pude esquivar-me aos muitos favores de Nicolao e tia Lina, e tudo o tempo foi pouco para admirar o que ali, no brejo agreste, a vontade do homem tinha feito. No dia seguinte, chźgou a canhoneira _Tāmega_, e sube, indo a bordo, que se achava sem mantimentos, e com grande nłmero de praēas doentes; motivo por que combinei com o commandante, o S^{nr.} Marques da Silva, esperal-o no Ambriz, em quanto ia a Loanda refrescar. Trźs dias depois chźgou a _Tāmega_ de volta de Loanda; indo eu logo para bordo, com Avelino Fernandes, seguķmos viagem no mesmo dia para o Zaire. Eu tinha adoecido com uma bronchites aguda, de que felizmente melhorei logo que comźēou a viagem. Subķmos o Zaire até ao Porto da Lenha, onde desembarquei com Avelino Fernandes, que me apresentou aos seus amigos d'ali. Falei logo em carregadores. Disséram-me, que seria, talvźz, possivel obtel-os, se os chefes indģgenas me quizźssem auxiliar; mas que, o melhor meio para mim, era resgatar escravos, e em seguida contratal-os para o serviēo que eu exigia. Repugnou-me a idéa de comprar homens, embora fōsse para os libertar em seguida. E depois, æquem sabe se elles me quereriam acompanhar sendo livres? Resolvi immediatamente nćo proceder d'este modo, embora nćo obtivźsse um só carregador ali. Na casa em que estava sube que tinha chźgado a Boma, no dia 9, o grande explorador Stanley, que descera tudo o curso do Zaire. Stanley tinha seguido para Cabinda. Voltei a bordo e combinei com o Commandante irmos a Cabinda offerecer os nossos serviēos ao arrojado viajeiro. Partķmos, e logo que ancorįmos no porto, fui a terra, com Avelino Fernandes e alguns officiaes da canhoneira. Foi commovido que apertei a mćo de Stanley, homem de pequena estatura, que a meus olhos assumia proporēões de vulto colossal. Offereci-lhe os meus serviēos, em nome do Governo Portuguez, e disse-lhe, que se quizźsse ir a Loanda, d'onde mais facilmente poderia obter transporte para a Europa, o Commandante Marques lhe offerecia transporte a elle e aos seus a bordo da canhoneira. Em nome do Governo Portuguez puz į sua disposiēćo o dinheiro de que carecźsse. Stanley respondeu-me com um vigoroso aperto-de-mćo. Os officiaes da _Tāmega_ confirmįram os meus offerecimentos em nome do seu Commandante. Stanley aceitou, e desde esse momento, ficou a canhoneira į sua disposiēćo. Como bem se pōde calcular, eu e Avelino Fernandes nćo deixąvamos Stanley, e ąvidos de ouvir a narraēćo da sua viagem, o tempo que elle tinha preso, era por nós passado a questionar os seus homens. No dia 19, os officiaes da _Tāmega_ déram um soberbo banquźte ao intrčpido explorador, para o qual convidįram o Commandante Marques, Fernandes e a mim. No dia 20, partķmos para Loanda, levando a bordo tōda a comitiva de Stanley, que se compunha de 114 pessōas, entre ellas 12 mulhéres e algumas crianēas. Stanley, em Loanda, foi hospedar-se em minha casa; distincēćo a que eu fui muito sensivel, porque recusou, para isso, os muitos convites que tźve, e com elles commodidades que eu nćo podia offerecer-lhe, n'uma casa onde tinha por mobilia os meus utensilios de viajeiro. O Governador mandou logo comprimentar o ilustre Americano, e offereceu-lhe um banquźte, a que assisti. De volta a casa, perguntei a Stanley, æqual a impressćo que trazia do S^{nr.} Albuquerque? E elle disse-me apenas: "_He is a very cold gentleman_." ("É um cavalheiro mui frio.") O Consul Americano, o S^{nr.} Newton, deu-nos um almōēo, e muitos favores nos dispensou. Haviam festas e banquźtes; mas, a 23 de Agōsto, ainda nćo tģnhamos um só carregador; e na noite do jantar offerecido a Stanley pźlo Governador, me repetira sua Excellencia, que nćo me seria possivel obtel-os, sōbre tudo em Loanda; mostrando-me a difficuldade em que se encontrara o Major Gorjćo, que apenas tinha podido obter metade do nłmero de homens de que precisava, para estudar a linha ferrovial do Cuanza. É tempo de falar dos nossos projectos, segundo a lei, e as instrucēões do Governo. O Parlamento votara uma somma de 30 contos de réis para se estudarem as relaēões hydrogrąphicas entre as bacias do Congo e Zambeze, e os paizes comprehendidos entre as Colņnias Portuguezas de uma e outra costa d'Ąfrica Austral. Umas instrucēões subsequentes indicavam mais particularmente o estudar-se o rio Cuango, nas suas relaēões com o Zaire; o estudo dos paizes comprehendidos entre as nascentes do Cuanza, Cunene, Cubango, até ao Zambeze superior; indicando, que, se possivel fōsse, deveria estudar-se o curso do Cunene. O que fōra designado na lei do Parlamento, elaborada pźlo S^{nr.} Corvo, parece ao principio problema vasto de mais para uma só expediēćo, e uma verba de trinta contos de réis; mas a lei foi bem redigida. O S^{nr.} Corvo sabķa, que o viajante em Ąfrica, nćo só nem sempre é senhor dos seus passos, mas tambem, que no seu caminho pōde encontrar um nćo-previsto problema, que julgue de importancia superior į do que lhe foi designado; e por isso deixou a maior latitude aos exploradores. Quanto įs instrucēões, fōram ellas mais restrictas, mas ainda assim, deixavam bastante largos os movimentos da expediēćo. O ponto de entrada, como dependia essencialmente do logar onde obtivčssemos carregadores, ficou indeterminado. Tģnhamos eu e Capello pensado em entrar por Loanda, seguir a leste, até encontrar o Cuango; descer este rio por dois graos; passarmos ao Cassibi, que intentąvamos descer até ao Zaire; e finalmente, reconhźcer o Zaire até į sua foz. Com a chźgada de Stanley, tendo elle feito uma parte do trabalho que nós propunhamos fazer, e sōbre tudo a impossibilidade de obter carregadores em Loanda, tivémos de modificar completamente o nosso plano. Decidķmos, que fōsse eu ao Sul procurar carregadores em Benguella; e que, se ali os obtivźsse, entrąssemos pźla foz do rio Cunene, subindo-o até įs suas nascentes; e depois seguģssemos com os nossos estudos para S.E., até ao Zambeze. Como nćo podģamos ter grande confianēa na gente que ajustąssemos, lembrįmo-nos de pedir ao Governador um certo nłmero de soldados, que fōssem, por assim dizer, a escolta de vigia. Sua Excellencia accedeu e mandou saber aos regimentos, se alguns soldados nos quereriam acompanhar; porque, nćo sendo aquelle serviēo regular, nćo podia compellir os soldados a irem. Ficou, pois, decidido, que eu partisse para Benguella no vapor que no principio de Setembro devia chźgar de Lisboa. N'esse vapor veio o Ivens, que pźla primeira vźz eu via. Sympąthico, ardente, dotado de grande verbosidade, e muito enthusiasmado pźlas viagens difficeis, depressa me ligou a elle a amizade. Narrįmos-lhe tudo o que resolvźramos fazer, e as difficuldades que tģnhamos encontrado até entćo. Ivens concordou com-nosco, e ficou definitivamente resolvida a minha partida para Benguella, no dia 6. Preparei-me logo para partir, e fui dar parte d'isso ao Governador. Durante a minha ausencia os meus companheiros deviam preparar as bagagens, que estavam em grande desarranjo, com a nossa precipitada partida da Europa. Cabe aqui contar um episodio que me aborreceu bastante; porque poderia ter feito, que Stanley julgasse do caracter meu e dos meus companheiros, differentemente do que o devia fazer. No dia 5, ao almōēo, conversąvamos eu, Capello, Ivens, Stanley e Avelino Fernandes, a respeito da escravatura, e mostrąvamos a Stanley o espģrito das leis Portuguezas sōbre o infame trįfico; notando-lhe a falsidade de asserēões de estrangeiros a nosso respeito; e a impossibilidade de fazer entćo escravos onde o Governo tinha forēa. Discorrģamos įcerca do assumpto, quando Capello tźve de ir a Palacio falar ao Governador. Voltou uma hora depois, e logo em seguida recebia Stanley uma carta official do S^{nr.} Albuquerque, a pedir que lhe certificasse, æse nas terras do seu governo se fazia escravatura? Stanley veio sorprendido mostrar-me a carta, e nćo menos sorprendidos ficįmos eu, os meus companheiros, e Avelino Fernandes. Effectivamente, a nossa conversaēćo ao almōēo, e aquella carta depois de um de nós ir a Palacio, pareceria ao illustre viajante uma comedia habilmente preparada. Stanley podia certificar a sua Excellencia, que a bordo da _Tāmega_, em minha casa, em casa de sua Excellencia, e na do Consul Newton, nćo tinha visto fazer escravatura. Fora d'isto, Stanley, como sua Excellencia muito bem sabķa, só por informaēões nossas poderia falar, convivendo quasi exclusivamente com-nosco, e nćo tendo visitado ponto algum do paiz governado pźlo S^{nr.} Albuquerque. Era querer o S^{nr.} Governador viesse Stanley a pagar caro um jantar e os seus favores, pedir-lhe um certificado que elle Stanley nunca deveria ter passado. Stanley, creio eu, fźz-nos a justiēa de pensar que čramos estranhos įquella carta. No dia 6, parti para Benguella, levando cartas do S^{nr.} José Maria do Prado para alguns particulares, e nem uma recommendaēćo para o Governador do Districto, que eu nćo conhecia. Ia outra vźz į busca de carregadores, que eu, Portuguez, nćo tinha podido obter em Loanda, e que, 4 mezes depois, tinha ali obtido um estrangeiro, o explorador Schutt, que nćo encontrou as menores difficuldades, para seguir o primeiro caminho que nós tģnhamos tencionado seguir. Em viagem conheci um passageiro que me disse ser possivel obter alguns carregadores em Nōvo Redondo, e que se comprometteu a contratar ali uns 20 ou 30. Foi jį um pouco animado com esta promessa, que chźguei a Benguella, no dia 7 į noite; e ainda que levava cartas de recommendaēćo para alguns negociantes, fui procurar o Governador, e pedir-lhe hospedagem. CAPĢTULO II. AINDA EM BUSCA DE CARREGADORES. O Governador, Alfredo Pereira de Mello--A casa do Governador--Cousas de que nćo tem culpa o Governo da Metrņpoli--O que é Benguella--O commercio--Sou roubado--Outro roubo--A Catumbela--Obtenho carregadores--Chźgada de Capello e Ivens--Nōva alteraēćo de itinerario--Outra difficuldade--Silva Porto, o velho sertanejo--Apparecem nōvos obstąculos--O Capello vai ao Dombe--Partida--O que é o Dombe--Nōvas difficuldades--Partimos emfim. Alfredo Pereira de Mello,[1] Governador de Benguella, ao ouvir o meu pedido de hospedagem, mostrou um embaraēo que percebi, e disse-me, que nćo tinha meio de me receber em sua casa. Sorprendeu-me o caso, sabendo eu que o Governador era bizarro de genio e de natureza franco. Tive convites, logo į minha chegada, jį de Antonio Ferreira Marques, jį de Cauchoix; mas persisti no intento de hospedar-me em casa do Governador. Elle disse-me, que nćo tinha cama a offerecer-me, e eu mostrei-lhe a minha cama de viagem; porque fui logo pondo em casa d'elle a minha bagagem. Disse-me, que nćo tinha quarto; apontei-lhe para um canto da sala em que estąvamos, onde ficaria ņptimamente. Nćo havia mais que dizer, e fiquei. Aguēava-me a curiosidade a resistencia do Governador em negar-me a hospitalidade que pedia; mas cźdo desvendei o misterio. Alfredo Pereira de Mello era homem nōvo, ainda que tinha jį uma patente superior na armada. Sympąthico e intelligente, é estimado por tōdos aquelles que o conhźcem de perto; porque a uma finissima educaēćo, reune grande rectidćo de caracter, e a energķa peculiįr a tudo bom marinheiro. Serviu na marinha Ingleza, e tem de viagens larga prątica. Vio as Amčricas, e antes de ir para Ąfrica como Ajudante-de-Campo do Governador Andrade, tinha visitado a India, a China e o Japćo. O Governador, que jį me conhźcia de nome, ao ouvir o meu pedido, esqučceu que tinha diante de si o explorador, para só se lembrar do homem habituado a viver no meio do luxo e das commodidades. Pereira de Mello tźve vergonha de hospedar-me. Um Governador de Benguella, se é recto e probo, vive mesquinhamente com a paga que recebe. A casa do governo é arrendada. A mobilia, um pouco menos de modesta, guarnece a sala e um quarto. Na sala, destoa da mobilia, ricamente amoldurado, um retrato d'El-Rei, o melhor que tenho visto. E com-tudo a este porto, v[~e]m repetidas vźzes navios de guerra estrangeiros, cujos officiaes visitam o Governador, regalam-n-o a bordo; e elle nem um copo d'ągua lhes pōde offerecer em sua casa, porque a prźta ou o muleque tem de trazer o cōpo n'um prato velho. O serviēo de mesa era, creio eu, a espada de Damocles suspensa sōbre a cabźēa de Pereira de Mello, ao ouvir a minha teimozķa em ficar. Nćo tinha razćo. O asseio que presidķa a tudo, supprķa o vidrado da louēa gasto com o tempo, e os manjares simples, mas bem cozinhados, avivavam o appetite jį derrancado pźlos ares Africanos; e nćo se offenda o cozinheiro do Hotel Central em Lisboa, se eu lhe dizer, que comi melhór em casa do Governador de Benguella do que comia dos seus opģparos manjares, ainda que a prźta Conceiēćo, cozinheira do Governador, nunca ouvio falar do heroe das caēarolas, o cčlebre Brillat-Savarin. Pereira de Mello, logo ao primeiro dia de convivencia, abrio-me o seu coraēćo, mostrando-me a menos que singeleza da sua vida interior. Trźs officios dirigidos ao Governo da Provincia, em que pedia autorizaēćo para fazer algumas reformas caseiras, tinham ficado sem resposta. Isto nćo é de estranhar, porque foi sempre assim. Em um copiador de correspondencia, que existe nos archivos do Governo de Benguella, li eu uns officios datados de 1790, em que o Governador de entćo jį se queixava a El-Rei das mesmas faltas; por a ellas lhe nćo dar remedio o Governador Geral da Provincia, e entre outras cousas que pede com urgencia, figuram os reparos para duas peēas de bronze que designa, e que ainda hōje os carecem. Sam as mesmas de que fala Cameron; o que elle vai saber agora é, que os reparos jį fōram encommendados e nćo podem tardar em chegar; porque, sendo a encommenda d'elles feita em 1790, dźve estar quasi concluida a sua construcēćo. Benguella é uma bonita cidade, que se estende desde a praia do Atląntico até ao sopé das montanhas que formam o primeiro degrao do planalto da Ąfrica tropical. É cercada de uma espessa floresta, a Mata do Cavaco, ainda hoje povoada de feras; e isso nćo admira, que os Portuguezes, em geral, de caēadores nćo t[~e]m manhas. As habitaēões dos Europźos occupam uma grande ąrea, porque todas as casas t[~e]m grandes quintaes e dependencias. Os quintaes sam cuidados; produzem todas as hortaliēas da Europa, e muitos frutos tropicaes. Vastos pąteos cercados de alpendres servem para dar guarida įs grandes caravanas que do sertćo descem į costa em viagem de trąfico, e que repousam trźs dias na casa onde effeituam as permutaēões. Um rio, que na estaēćo estķa apenas é larga fita de ąrea branca, que se desenrola das montanhas ao mar, a travez da floresta do Cavaco, é ainda assim a grande fonte de Benguella, que os poēos ali cavados dam ągua boa philtrada pźlas ąreas calcąreas. Nas ruas da cidade, largas e direitas, crecem dois renques de ąrvores, pela maior parte figueiras sycņmoros, de pouco arraigadas, e por isso ainda pequenas. As praēas sam vastas, e em uma ajardinada, crescem bonitas plantas de vistoso aspecto. As casas, todas terreas, sam construidas de adōbes, e os pavimentos sam, em umas de tijolos, e de madeira em outras. A alfąndega é bom edificio, recentemente construido, e tem vastos armazens para as mercadorias do trąfico. Esta alfąndega, e o largo ajardinado, como outros melhoramentos de Benguella, fōram de um Governador, Leite Mendes, que de si deixou rasto. Uma ponte magnģfica de architraves de ferro, creio que encommendada pźlo mesmo Leite Mendes, mas muito posteriormente montada pźlo Governador Teixeira da Silva, é guarnecida por dois guindastes e carrķs, por onde, em vagonetes, se transportam as mercadorias das lanchas į alfąndega. Eu aqui commetti um erro de grammątica, escrevendo o verbo transportar no presente do indicativo, quando no condicional é que era. _Transportariam_, se houvesse pessōal para isso; mas nćo _transportam_, porque o nćo ha. Tem a cidade um templo decente, e um cemiterio bem collocado e murado. A povoaēćo Europźa é cercada, por todos os lados, de _senzalas_, ou povoaēões de prźtos, e mesmo entre a povoaēćo branca ha pequenas _senzalas_, em quintaes abandonados. O seu aspecto geral é agradavel e aceiado. Tem Benguella mį fama entre as terras Portuguezas de Ąfrica; e supõem muitos, ser aquillo um paiz infecto, que exhala de miasmąticos pąntanos a peste, e com a peste a morte. Nćo é assim. Eu nćo conhźci Benguella como ella fōra em tempos passados; mas hōje, nćo é nem melhor nem peior do que outros muitos pontos d'Ąfrica. O aceio e as plantaēões de arvoredo, de certo t[~e]m. modificado muito as suas anteriores condiēões hygičnicas, e com uma pouca de boa vontade, nćo seria difficil o seu saneamento; o que estou certo se farį, porque nćo pōde deixar de merecer verdadeira attenēćo um ponto de tćo subida importancia commercial, e em facil contacto com tćo ricas terras nos sertões. Os principaes productos que alimentam o commercio de Benguella sam cźra, marfim, borracha e urzella, que chźgam į cidade trazidos pźlas caravanas dos sertões. Estas caravanas sam de duas espčcies. Umas, dirigidas por agentes das casas commerciaes, trazem įs mesmas casas que os despacham os productos do seu trąfico no interior; outras, exclusivamente compostas de gentio, descem a negociar por canta propria, onde melhor ganho encontram. O trąfico com o gentķo faz-se por permutaēćo directa do gčnero por fazenda de algodćo, branco, riscado ou pintado. Os outros productos Europźos sam objecto de uma segunda permutaēćo pźla fazenda recebida; e assim, depois da primeira troca do marfim ou cźra pelo algodćo, é este trocado por armas, pņlvora, ągua-ardente, missanga, etc., į vontade do comprador; porque a fazenda de algodćo é, por assim dizer, a moeda corrente n'este trąfico. O commercio estį entre mćos de Europźos e crioulos, e felizmente jį ali encontrįmos muitos d'esses rapazes que, aventurosos, deixam patria e familia, para ir em terras longinquas buscar fortuna. Alguns deportados de menor importancia tambem negociam, jį por conta propria, jį como empregados de casa alheia. Os maiores criminosos do Reino, os condenados por tōda a vida, sam deportados para Benguella, do que resulta, encontrar-se ali quantidade de patifes, de que é bom resguardar-se; nćo os confundindo com a gente digna e capaz, que a ha. A policia é confiada į fōrēa militar, que um dos regimentos destaca para Benguella; sendo que de Benguella ainda sam espalhadas differentes fōrēas nos concźlhos do interior; desfalcando a guarniēćo da cidade, jį de si pequena. Nós temos dois exčrcitos, um na Metrņpoli, outro nas colonias, que nenhuma relaēćo t[~e]m entre si. O nosso exčrcito da Metrņpoli é bom, porque o Portuguez é bom soldado; o nosso exčrcito das colonias é mao, porque o prźto é mao soldado; e os brancos que ali servem de mistura com prźtos, sam peiores ainda do que estes. Deportados por crimes que os excluķram da sociedade, fazendo-lhes perder na Europa o fōro de cidadćos, vam desempenhar em Ąfrica o posto nobre do soldado; sendo a nossa autonomķa Africana, e a seguranēa płblica e particular, confiada į defeza de homens, que dam por garantķa um detestavel passado. Dahi as contģnuas scenas de caracter vergonhoso que se presenceiam ali. Durante a minha permanencia em Benguella, houve um grande roubo com arrombamento, no cofre militar. O Governador houve-se com a maior energķa na maneira porque procedeu para descobrimento dos culpados, sendo muito coadjuvado pźlo seu Secretario, o Capitćo Barata, que conseguio descobrir os ladrões, e haver o dinheiro roubado. Fōra o roubo planeado pźlo proprio sargento do destacamento, e levado a effeito por elle e alguns soldados!!! Se o nosso exčrcito Metropolitano nćo se presta į censura do homem mais pichoso, as nossas fōrēas coloniaes sam vģctimas das merecidas chufas de tōdos os estrangeiros, que as observam. Por mais que tenha cogitado, nunca pōde attingir ao prčstimo de tal exčrcito em nossas colonias, que para policia nćo serve; servindo menos para a guerra, que da minha lembranēa tenho visto ser feita por cōrpos voluntarios, levantados no reino, e que ąlém vam servir por certo praso. Hōje mesmo, em Lisboa, trźs batalhões estam sempre prontos a marchar para as colonias, e jį lį t[~e]m ido; o que prova sabermos nós, que o ter exčrcito no ultramar, tal como elle é, nćo passa de velha costumeira. Na noite da minha chegada a Benguella, fiz o conhźcimento do Juiz de Direito Caldeira, que se associou ao Governador para me certificar, que, como elle, empregaria tōda a sua influencia para que eu nćo tivźsse vindo de balde a Benguella, e assim o fźz. O Governador convocou os moradores importantes a uma reunićo em sua casa, e expondo-lhes os motivos da minha viagem, e o meu projectado itinerario, pediu-lhes que o coadjuvāssem na empresa de arranjar carregadores; para que eu podźsse levar a cabo a expediēćo. Todos assim o prometźram. O Governador Pereira de Mello, e o Juiz Caldeira, fōram incansaveis, e no dia 17, dia em que este łltimo se retirou para Lisboa, tinha eu o nłmero de carregadores que pedira, cincoenta, que, com trinta esperados de Nōvo Redondo, prefaziam um total de oitenta; tantos quantos eu havia julgado precisos para subir da foz do Cunene ao Bihé. O velho sertanejo, Silva Porto, encarregara-se de fazer transportar ao Bihé o grōsso das bagagens, que nós encontrarģamos n'aquelle ponto; onde deverģamos contratar mais carregadores para seguir įvante. N'esse dia mudei eu para a casa que antes occupava o juiz, continuando a ir jantar com o Governador, ou com Antonio Ferreira Marques, da Casa Ferreira e Gonēalves, que porfiavam em obsequiar-me. No dia seguinte, um prźto meu serviēal furtou-me uns 75 mil réis, e desappareceu, sem que d'elle mais se soubesse. A 19 chegįram os meus companheiros na canhoneira _Tāmega_, e n'esse mesmo dia resolveu-se, que nćo irģamos į foz do Cunene, mas sim entrarķamos directamente ao Bihé. Esta nōva resoluēćo que tomįmos, alterava o que havia contratado com os carregadores, e ąlém d'isso, a gente de Benguella, que, transportada a paiz distante, nćo pensarķa em desertar, nćo me inspirava garantķa, viajando logo no comźēo em paiz de que conhźcia a lķngua e os costumes. Comźēou nōva campanha. Eu tinha presentes as narraēões de Cameron e Stanley a respeito dos embaraēos causados por deserēões, e até as do proprio Livingstone, que foi abandonado por trinta homens na viagem de Tete com o D^{or.} Kirk. Logo depois da chźgada dos meus companheiros, combinįmos em ser o Ivens encarregado dos trabalhos geogrįphicos, o Capello de Meteorologia e Sciencias Naturaes, e eu do pessōal auxiliar da expediēćo, coadjuvando-nos mutuamente. Assim, pois, tive de me pōr logo em campo, e o primeiro passo que dei, foi ir tomar consźlho de Silva Porto. Narrei-lhe a nōva decisćo que havģamos tomado, de seguir directamente ao Bihé, e expuz-lhe o meu embaraēo. Silva Porto veio a Benguella comigo, pois que a sua casa da Bemposta dista 6 kilņmetros da cidade, e precorrémos as casas onde haviam caravanas de Bailundos, sem que elles quizźssem annuir a levar as cargas ao Bihé. Į casa Cauchoix tinha chźgado uma grande caravana, e este cavalheiro chźgou a offerecer uma avultada gratificaēćo ao chefe, e paga dupla aos carregadores, se quizźssem conduzir as nossas bagagens, mas nada conseguķo. Cabe aqui narrar um facto muito curioso. Os Bihenos sam os primeiros viajantes d'Ąfrica, e nenhum outro pōvo estende mais longe as suas correrias, nem se lhe iguala em arrojo e robustez de caminheiros; mas os Bihenos viajam só do Bihé para o interior como assalariados; e se de maravilha v[~e]m į costa, é por conta propria. Os Bailundos alugam os seus serviēos entre a costa e o Bihé, e nćo vam ao interior para leste; mas ao norte estendem suas viagens até ao Dondo e Loanda. Assim, pois, os negociantes sertanejos fazem transportar as mercadorias de Benguella ao Bihé por Bailundos, e d'ali aos pontos remotos do interior por Bihenos, que voltam, com os productos permutados, ao Bihé. D'este ponto į costa tornam a servir-se dos Bailundos. Depois de informado d'isto, só me restava mandar assalariar Bailundos, para me virem buscar as cargas; e d'isso se encarregou Silva Porto, despachando logo cinco prźtos ao Bailundo, a ir buscar a gente. O velho sertanejo disse-me logo, que elles teriam muita demora, porque os enviados levavam 15 dias a chźgar ao paiz, e outro tanto tempo, pźlo menos, gastariam a reunir os carregadores, e estes, 15 dias para vir; fazendo uma somma de 45 dias; afianēando-me elle, que antes nćo os teria. Nós estąvamos em fins de Setembro, e por isso só poderģamos partir por meado de Novembro.[2] Vim participar isto aos meus companheiros, e depois de conferenciar com elles, resolvémos nćo perder tanto tempo em Benguella; e entregando as cargas a Silva Porto, para que nol-as enviasse pelos Bailundos, partirmos immediatamente com as cargas indispensaveis, indo esperar no Bihé; tempo que aproveitarģamos no arranjar de carregadores ali para seguir įvante. Dos carregadores contratados em Benguella apenas uns 30 mereciam alguma confianēa para seguir tal caminho; e estes, com 36 de Nōvo Redondo, faziam um total de 66 homens. Tģnhamos, ąlém d'isso, 14 soldados; os meus muleques pequenos de serviēo; uns Cabindas de serviēo de Capello, e Ivens; e 2 chefes prźtos, um contratado por mim na Catumbella, o prźto Barros, e outro por Capello, em Nōvo Redondo, o Catćo. Em tōda esta gente nćo tģnhamos um só homem de confianēa. Tratįmos de separar as cargas julgadas indispensaveis, e conhźcémos que eram 87; isto é, tģnhamos 21 cargas mais do que carregadores. Foi de balde que trabalhei para os haver, nćo me foi possivel obter um só. Os prźtos, nćo comprehendendo o que ģamos fazer, ao sertćo, estavam receiosos, e com a sua desconfianēa natural, imaginavam loucuras e recusavam-se. Chźgou o fim de Outubro sem nada termos adiantado. Resolvi, por consźlho de Silva Porto, ir ao Dombe, experimentar se os Mundombes farķam menos difficuldades, do que a gente de Benguella; mas, sentindo-me incommodado, pedi ao Capello ali fōsse por mim. No dia 29, partio o Capello, e voltou no dia 3 de Novembro. Nada fźz. Os Mundombes prestam-se com facilidade a ir a Quilengues por caminho conhźcido d'elles; mas, fora d'isso, nćo fazem outras viagens; e recusįram as pagas avultadas que lhes offerecģamos para irem ao Bihé. Tornava-se necessario tomar uma resoluēćo, e essa foi logo tomada; seguirģamos sempre para o Bihé, mas tomarģamos por Quillenges e Caconda. O Governador Pereira de Mello deu logo ordem ao chefe do Dombe, que tivesse prontos 50 carregadores, para seguirem com-nosco para Quillengues. Silva Porto encarregou-se das cargas que deviam ser mandadas ao Bihé, e eram umas 400. Poz o Governador į nossa disposiēćo uma lancha, para transportar por mar ao Cuio (Dombe Grande) as cargas que d'ali deviam ser carregadas até Quillenges, e alguns carregadores de Benguella que estavam doentes. No dia 11 de Novembro, estąvamos prontos a deixar a costa, e fixįmos a partida para o dia 12. Nesse dia fugķram 4 carregadores de Nōvo Redondo, e no seguinte 5 de Benguella. Emfim, no dia 12 deixąvamos a Cidade, depois das mais cordiaes despedidas dos amigos, que se reunķram para nos dizer adeos. Pouco antes tinha eu ido į praia, e por muito tempo tive os olhos fixos na vastidćo do Atląntico, d'esse mar enorme que ia perder de vista; e mal cogitava entćo, que só o volveria a ver dois annos depois, na Franēa, em Bordeos. Nćo sei se a outros tem acontecido o mesmo; eu, no momento da partida, senti uma pungente mįgoa, uma indefinivel saudade, uma dōr profunda, que me produzķram como que uma embriaguez, e confesso que nćo tenho muito a consciencia de ter deixado Benguella. A bandeira das Quinas estava desenrolada, e afastavase da cidade ao passo cadenciado da caravana; seguķ-a. No dia 13, chegąvamos ao Dombe, tendo feito uma jornada de 64 kilņmetros. Tģnhamos com-nosco 69 pessōas, e seis jumentos, que fōram, homens e burros, alojados na fortaleza. Nós trźs, com os nossos muleques de serviēo, fomos obsequiosamente hospedados em casa de Manuel Antonio de Santos Reis, distincto cavalheiro que porfiou em obsequiar-nos. Dois dias depois, chegįram as cargas que tinham vindo por mar, e inventariando tudo, conhźci, que para seu transporte precisava de 100 homens, ąlém dos effectivos que comigo tinha. Isto proveio de termos abusado da facilidade que nos offereceu a lancha, mettendo a bordo mais cargas do que tģnhamos julgado absolutamente necessarias. Decidķmos partir a 18, depois de recebermos cartas da Europa, porque o paquete, de costume, estį em Benguella a 14; mas a 18 nem o vapor tinha ainda chegado, nem o chefe tinha tambem assalariado um só homem. A 21 chźgou a mala, mas de gente só tģnhamos a trazida de Benguella. O chefe declarou-nos, que no dia 26 poderģamos partir; mas, precisando nós de 100 homens, apenas nos mandou n'esse dia 19. No seguinte dia aparecźram mais 27; e eu, receioso que elles viessem a debandar se os fizesse esperar, despachei-os logo para Quillengues, acompanhados por dois soldados dos que comigo tinha. O chefe declara-me que lhe é impossivel conseguir mais gente. Faēo reunir na fortaleza os trźs Sobas do Dombe, no dia 28, e fui eu mesmo tratar com elles. Sam trźs typos magnģficos. Um chama-se Brito, nome que tomou de um dos Governadores de Benguella, que o restaurou no poder; outro, Bahita; o terceiro é Batara. Os meus companheiros perdem o assistir a esta scena joco-seria, porque desde o dia 24 estam com febre. O Soba Brito apresenta-se com trźs saias de chita, pintada de ramageus, muito enxovalhadas; veste uma farda de capitćo de infanteria, desabotoada, deixando ver o peito nś, porque camisa nćo usa; e na cabźēa, sōbre um barrete de lć vermelha, põe nobremente um chapéo armado de estado-maiór. O Bahita traja saias de lć de vistosas cōres, uma rica farda de Par do Reino, quasi nōva, e na cabźēa, sōbre o indispensavel barrete, uma barretina de caēadores 5. O Batara estį literalmente coberto de andrajos, e traz į cinta um espadćo enorme. Estes illustres e graves personagens estam rodeados dos séculos e altos dignitarios das suas negras cōrtes, que tomam assento no chćo em torno da cadeira do soberano. O Bahita era acompanhado de um menestrel, que tirava de uma marimba, monņtona toada. Esta marimba é formada de dois paos de 1 metro de comprido, ligeiramente curvos, em que assentam em cordas de tripa taboinhas pequenas de madeira, cada uma das quaes é uma nota da escala. O som é reforēado por uma fila de cabaēas collocadas inferiormente, sendo a que corresponde į nota mais baixa da capacidade de 3 a 4 litros, e į mais alta 3 a 4 decilitros. Os Sobas portįram-se com grande seriedade, e eu fingi tambem que os tamava a sério. Depois de me prometterem carregadores, viéram acompanhar-me a casa, que distava uns dois kilņmetros da fortaleza; e como eu desse uma garrafa de ągua-ardente a cada um, mandįram elles danēar a sua fidalgaria, e o Bahita mandou entrar na danēa umas raparigas que haviam ficado de parte. Eu pedi-lhes que danēassem elles; mas respondéram-me, que a sua dignidade lh'o nćo permittia; sendo isso contra as pragmąticas estabelecidas. Eu ardia em desejo de ver o Bahita danēando, de saias e farda de Par; e conhźcedor do imperio da ągua-ardente nos prźtos, mandei dar outra garrafa aos sobas. Foi o bastante. Atropelįram as suas leis, e eil-os saltando em brutesēa danēa no meio do seu pōvo, que enthusiasmado por tal honra, redobra de contorsões e momices, que chegam a atingir o delirio. O Bahita é magnģfico, e com certeza o typo do rei Bobeche foi creado sobre este molde. Fala continuamente em mandar cortar cabźēas, sentenēas estas que os seus escutam com a maior submissćo, mas de que interiormente se riem, porque bem sabem o Governo Portuguez lh'o nćo consente. O Dombe Grande é um fertilissimo valle, que se estende primeiro do Sul ao N., e depois a Oeste, quasi em ąngulo recto, até ao mar. É enquadrado por dois systemas de montanhas, um por oeste, que borda a costa, e outro por leste, em cujo sopé corre o rio _Dombe_, _Coporolo_, ou _Quiporolo_, e até rio _de S. Francisco_--que todos estes nomes tem. [Figura 1.--Mulhéres Mundombes, vendedeiras de carvćo. (De uma photographia do pharmaceutico Monteiro.)] É rio que de inverno traz muita ągua, mas de verćo é sźco; sendo que, mesmo nas maiores estiagens, ągua se encontra cavando poēos; o que acontece em tudo o valle do Dombe, onde nćo é preciso profundar mais de 3 metros para a obter. Junto das montanhas de Oeste na parte em que o valle se estende N. S., ha uma lagōa, de 50 metros de largo por 1 kilņmetro de extenēćo, e da forma de S. Esta lagōa é curiosa, porque nćo é formada por depņsitos pluviaes, mas sim alimentada por uma forte nascente subterranea, por nunca alterar o seu nivel, e produzir infiltraēões, que, um kilņmetro abaixo, vam formar nascentes, que sam aproveitadas na rega de uma propriedade. Dizem que tem peixe bagre, tainha e muitos crocodilos. Tenho-a visitado muitas vźzes, e nunca vi ali crocodilos ou peixe; mas é certo que os ha, porque m'o afianēou o meu hospedeiro, dizendo-me mesmo, que sam muito vorazes; e que, tendo sido, em 1876, a sua propriedade atacada por um bando de salteadores de Quilengues, estes, rechaēados pźlos seus prźtos, tentįram na fuga atravessar a nado a lagōa, nćo logrando um só atingir į outra margem, porque tōdos fōram prźsa dos vorazes amphibios. Nas montanhas de oeste junto į lagōa, montanhas formadas de carbonato calcąreo e algum sulfato de cal, existem algumas grutas, uma das quaes nos afianēou o nosso hospedeiro, nunca ter sido visitada, ser enorme, e parecer, tanto quanto por fóra se podia observar, que contém extensas galerias. Fomos visital-a, eu, Capello, e o nosso hospedeiro Reis, e verificįmos nćo ter ella merecimento. É um salćo prņximamente circular, de 14 metros de diąmetro, architectado pźla natureza na immensa mole de calcąreo, que forma a montanha. Parece ser guarida habitual de feras, que o dį a entender o ar saturado do fedōr almiscarado de certos animaes, bem como as traēas de lećo impressas no pó impalpavel que cobre o chćo, onde encontrįmos alguns espinhos do Hystrix Africano. No valle do Dombe ha algumas feitorias agrģcolas importantes, sendo as principaes a do Loache, a de Paula Barboza, e a do nosso hospedeiro Santos Reis. Esta łltima conta apenas trźs annos de existencia, e produz cana de aēucar de que extrahe para cima de 40 mil litros de ągua-ardente; e note-se, que o terreno era antes mato, e foi desbravado ha só trźs annos. É uma feitoria que comeēa, tudo ali estį ainda em construcēćo; mas pźlo resultado jį obtido se pōde aquilatar a riqueza do solo ali. Tudo o valle é cultivado de mandioca, pźlos indģgenas, e tćo fertil é, que depois de trźs annos de falta de chuva, nćo tem deixado de ter producēćo regular, exportando cerca de 70 mil decalitros de farinha por anno. É o celeiro de Benguella. Os indģgenas ali nćo permutam as fazendas, mas sim vendem a dinheiro, cujo valor jį conhźcem. [Figura 2.--Mulhéres e Donzellas, Mundombes. (De uma photo. de Monteiro.)] A demora que ali tivémos foi prejudicialissima į ordem, e disciplina da minha gente. Tōdos os dias apresentavam nōvas exigencias, tōdos os dias levantavam querellas entre si; e eu nćo podia ser demasiado severo, de receio que me desertassem tōdos. Vendéram os pannos para comprar ągua-ardente, e chegįram a vender as raēões de comida para se embriagarem. Os soldados eram os peiores. Os sobas nćo mandįram gente, e eu principiei a ver a repetiēćo das scenas de Benguella. Nćo podģamos seguir. [Figura 3.--Homens Mundombes. (De uma photo. de Monteiro.)] No dia 1 de Dezembro, chegįram ao Dombe 30 homens mandados de Quillengues pźlo chefe militar, a buscar bagagem sua; mas eu lancei mćo d'elles, e decidi com os meus companheiros partirmos no dia 4. Tinha havido mais trźs deserēões, dois homens de Nōvo Redondo e um de Benguella. Os nossos burros eram muito manhosos, e nćo havia ensinal-os; todavia resolvźmos conserval-os. CAPĢTULO III. HISTORIA DE UM CARNEIRO. Nove dias no deserto--Falta de ągua--O ex-chefe de Quillengues--Eu perco-me nas brenhas--Dois tiros a tempo--Perde-se um muleque e uma prźta--Perde-se um burro--Quillengues em fim--Morte do carneiro. A 4 de Dezembro deixei o Dombe, pźlas 8 horas da manhć, e segui para Quillengues. O Capello e o Ivens ficįram ainda, para enviar algumas cargas; deviam ir encontrar-me į noite. Foi consźlho dos guias, que nćo tomąssemos o caminho das caravanas, mas sim um atalho conhźcido d'elles, para evitarmos as passagens do Rio Coporolo, que jį entćo levava muita ągua; dando difficeis vaos, e que aquelle caminho corta em diversos pontos. Depois de duas horas de jornada na planicie, chegįmos ao sopé da serra da Cangemba, que borda por leste o valle do Dombe. Descanēįmos um pouco, e įs 11 horas, emprehendémos o subir da serra pźlo leito de uma torrente, entćo sźco. Foi difficil trabalho. Os homens iam muito carregados; porque, ąlém das cargas da expediēćo, do peso de 30 kilogrammas, levavam para si raēões para nove dias, em farinha de mandioca e peixe sźco. A differenēa de nivel era de 500 metros apenas; mas o leito da torrente, formado de rochas calcąreas, offerecia obstąculos enormes ao caminhar por elle. Em muitos pontos, era preciso com as mćos ajudar o cōrpo na subida, e o passar ali os seis jumentos, deu grande canceira. Tģnhamos comprado no Dombe dois carneiros, para matar em caminho; um dos quaes facilmente seguiu a comitiva, mas o outro deu trabalho, porque se recusava a andar, e a sua teimosķa em volver ao Dombe era constante. Fōram trźs horas de fadigosa marcha; que tanto gastįmos para transpor um espaēo que nćo passava de mil metros, e isto por um sol abrasador, deixou-nos extenuados de fadiga. Acampįmos logo junto a um poēo cavado no leito arenoso de um ribeiro que ia sźco; ribeiro a que os Mundombes chamam Cabindondo. O logar era ąrido, e apenas vegetavam aqui e ąlém alguns espinheiros brancos, rachģticos e ressequidos pźlo sol, que n'esta čpoca do anno queima. O nosso horizonte era formado pźlas cumiadas das montanhas que correm norte-sul. Pźla tarde chegįram Capello e Ivens, e fomos logo comer; que eu estava ainda em jejum. No dia 5 de manhć, seguķmos a S.E., e depois de 4 horas de marcha, em que vencémos um espaēo de 20 kilņmetros, assentįmos campo em um logar que os guias chamįram Taramanjamba; valle extenso, cercado de cźrros pouco altos. A altitude é de 600 metros; mostrando que apenas estąvamos elevados 100 metros acima do nosso campo de hontem. A vegetaēćo continśa pobre, e a falta de ągua é grande. Para beber e cozinhar, apenas obtivémos pouca, de depņsitos fluviaes nas cavidades das rochas; depņsitos que fōram logo esgotados pźla nossa sedenta caravana, sendo que į noite jį se fazia sentir a sźde. Durante a marcha, se os jumentos continuįram a ser incņmmodos, nćo o foi menos o carneiro, que era bravissimo, e mais teimoso que os burros. Decidi matal-o, e tendo combinado isso com os meus companheiros, dei as ordens n'esse sentido aos muleques, e fui dar um passeio aos arredores. De volta ao campo, vi que os muleques nćo tinham comprehendido a minha ordem, e em logar de matarem o carneiro bravo, haviam morto o manso. No dia seguinte partķmos de madrugada, e depois de cinco horas de marcha, acampįmos no logar chamado Tine, onde nos afianēįram os guias haver ągua. Contra o que eu esperava, o carneiro, nćo só deixou de ser teimoso, mas poz-se a seguir-me, fazendo-me constante companhia, jį em marcha jį no campo. A marcha n'esse dia foi difficil; porque, nćo só a sźde abrasava a gente, mas ainda por uma hora andįmos no leito sźco do rio Canga, pedregoso e desnivelado, o que nos fatigou muito. O terreno é jį granģtico, e a vegetaēćo arborescente luxuriante. Ągua, como na včspera, foi da chuva, recolhida nas cavidades das rochas; mas era melhor ao paladar e mais lģmpida į vista. Tģnhamos alguns homens com feridas nos pés, que só chegavam tarde ao campo, porque se lhes difficultava o andar; e ainda outros que, por fracos, se atrazavam, e por preguiēa muitos. N'esse dia, entre os retardatarios figuravam os carregadores do rancho; fazendo isso que só tarde comźssemos. O Capello, de si pouco communicativo, nćo se queixava dos incņmmodos que soffria; mas Ivens, loquaz e de gčnio alegre, nćo se calava e nos fazia rir a cada passo, com os seus ditos engraēados. O appetite era jį grande, quando chegįram os carregadores, e elle nćo desfitava os olhos de uma perna de carneiro que um muleque volteava junto da fogueira em espeto de pao, e de repente disse: "Se meu pai podesse ver como eu olho para aquella carne até chorava." Desde o Dombe apenas tģnhamos comido uma vźz no dia, e assim, a nossa gente; com a differenēa, porem, que elles comiam sem interrupēćo desde o acampar até dormir: o que me fazia receiar, que as raēões distribuidas para nove dias, depressa fossem gastas, e em seguida viesse a fome, em paiz onde era impossivel obter vģveres. Avanēįmos 25 kilņmetros no dia seguinte, a E.S.E., e fomos acampar em uma floresta chamada a Chalussinga; sendo o piso d'esse dia relativamente melhor, sempre por terrenos granģticos, e por entre vegetaēćo mais vigorosa que até ali. N'essa floresta encontrįmos os primeiros baobabs que desde a costa temos visto. Ągua continuava a ser escassa, e sempre de depņsitos pluviaes. Pźlas trźs horas d'esse dia, fomos avisados de que uma caravana se dirigia ao nosso campo, vindo do interior; e saindo logo ao seu encontro, soubémos ser o ex-chefe de Quillengues, Capitćo Roza, que ia doente para Benguella. Convidįmol-o į nossa barraca, onde jantou; partindo em seguida, depois de se prover de medicamentos, que gostosamente lhe offerecźmos. Logo que elle partiu, fui avisado pźlos muleques, de que em torno do campo se viam traēas frescas de caēa; e sahi a ver se a encontrava. Segui um rasto de grandes antģlopes, e tćo longe me levou elle, que veio a noite, e com ella as trevas, sem que podesse atinar com caminho para o campo. Uma montanha elevada projectava o seu vulto sombrio contra um ceo nebuloso, onde nem uma estrella brilhava. Tive idéa de subir a ella, para do cume, vendo o clarćo dos fōgos do meu campo, dirigir ali meus passos; idéa que executei com bom resultado, porque effectivamente enxerguei ao longe um clarćo que tratei de alcanēar, tendo marcado pźla błssola a sua direcēćo. Nćo se imagina o que seja caminhar em noite escura por entre as sįrēas de uma floresta virgem, e quanto tempo se leva a transpor um curto espaēo; deixando aqui e ąlém farrapos da roupa, senćo tiras da pelle. Chźguei por fim, jį guiado pelo vozear do gentio; mas ”qual nćo foi a minha decepēćo, vendo, que pźlo meu tinha tomado o campo do Capitćo Roza, que devia estar a 6 kilņmetros longe d'elle! Porem, como um caminho ligava os dois campos, porque uma caravana que passa deixa trilho, endireitei n'elle, e depois de uma hora de jornada, jį ouvia o som das businas que os meus tocavam, e dos tiros que disparavam, para guiar meus passos. Foi extenuado de fadiga e molestado dos espinhos, que chźguei į minha tenda, onde Capello e Ivens nćo estavam livres de cuidados. Ali tive uma noticia inquietadora, mas que nćo foi sorpresa. Jį se sentia falta de vģveres, e sōbre tudo os soldados jį tinham em 5 dias comido a raēćo de 9. No seguinte dia forēįmos a marcha um pouco mais, e percorrémos em 6 horas 30 kilņmetros a E.S.E. O caminho era bom, marchando no trilho da caravana do Capitćo Roza. Nas florestas que atravessįmos continuįram apparecendo baobabs gigantescos. Depois de passarmos o rio Calucśla, acampįmos na sua margem direita. O rio leva pouca ągua, mas esta é lģmpida e bōa. Continuąvamos a comer só uma vźz ao dia, e a hora da refeiēćo variava entre a 1 e 3, conforme įs marchas. Era preciso poupar os vģveres. Ressentido da fadiga da včspera nćo sahi a caēar n'esse dia, e fiquei na barraca. O Ivens foi desenhar, como costumava; e o Capello apanhar insectos e réptiz. Os soldados terminįram as raēões, e comeēįram a queixar-se de fome, falando em matar o carneiro. Eu tinha-me afeiēoado ao animal, que de bravo que era se tinha tornado manso e meigo, acompanhando-me nas marchas e nćo me abandonando um momento. Opuz-me a que fōsse morto, e o Ivens deu aos soldados um pouco de arroz do nosso. A 9, levantįmos campo, įs 5 horas, e sustentįmos a marcha até į uma; hora a que acampįmos nas faldas da serra da Tama. Das 8 įs 9 horas seguķmos ao sul, na margem esquźrda do rio Chicśli Diengui, que vai ao N., provavelmente ao Coporolo. A vegetaēćo é cada vźz mais luxuriante, e n'esse dia o nosso caminhar foi por entre floresta espźssa. Logo que se estabeleceu o campo, renovįram-se as representaēões dos soldados famintos, e com ellas a idéa de matar o carneiro. O Ivens deu nōva raēćo de arroz aos soldados, e isto, ainda que contemporizava, nćo era uma positiva salvaēćo para o pobre animal. Ainda que extremamente fatigado, resolvi ir caēar, para salvar a vida do meu carneiro. Durante uma hora percorri a floresta sem resultado, e jį voltava ao campo, quando avistei, n'uma pequena clareira, duas gazellas que pastavam. Aproximei-me, mas a mais de cem metros fui presentido. O macho saltou para sōbre uma rocha, e d'ali comźēou a espiar a floresta com a sua vista experimentada; em quanto a fźmea, de orelha į escuta, investigava os arredores. Era grande a distancia, mas nćo hesitei, e atirei ao macho, que vi cair fulminado para ąlém do rochźdo. A fźmea, ouvindo o estampido do tiro, saltou ligeira sōbre o penhasco e su disparei-lhe o meu segundo tiro, vendo-a em seguida pular, em salto elegante, e desapparecer no mato. O meu muleque correu logo a buscar o antģlope mōrto, mas eu vi que, em logar de parar junto do rochźdo, seguiu sempre; eu dirigi-me para ali com o coraēćo palpitante, porque suppuz que me tinha enganado julgando ver cair o primeiro antģlope. Torneei a rocha, e tive um grande alvorōēo. O lindo animal (_Cervicapra bohor_) estava estendido sem vida. Mal tinha tido tempo de o contemplar, quando do mato sahio o muleque curvado ao peso de grande carga. Era o segundo antģlope, que elle tinha levantado mōrto, a poucos passos na floresta. Ambos tinham sido feridos no peito, mas ao passo que o macho cahiu sem vida, a fźmea pōde effeituar uma pequena carreira. Estava salvo o carneiro, e como em dois dias devģamos chegar a Quillengues, e ali terģamos recursos, estava salvo para sempre. No seguinte dia, depois de marcha de 35 kilņmetros, e de termos passado a vao os rios Umpuro, Cumbambi e Comooluena, fomos acampar na margem direita do Vambo--que tōdos correm ao N., a unir as suas ąguas (quando as t[~e]m), ao Coporolo, que aqui jį se chama Calunga, nome que conserva até į sua nascente. Na jornada d'esse dia comeēįmos a encontrar gramģneas enormes, nas clareiras do mato. Tćo grandes, que era impossivel ver nada com ellas, e difficil o caminhar. Durante a marcha desappareceu um meu muleque pequeno, e uma prźta, mulhér do muleque Catraio do Capello; e ainda que despachei gente a buscal-os, nćo fōram encontrados. A escaēez dos mantimentos era grande, e nćo eram jį só os soldados a queixarem-se de fome, tōdos faziam representaēões, e nćo attendiam razćo. Tivémos de seguir. No dia 11, depois de passarmos dois riachos que as chuvas tornam caudalosos, o Quitaqui e o Massonge, fomos acampar na margem direita do rio Tui, muito prņximo de Quillengues. Dos muleques perdidos nćo havia noticia, e faltava desde a včspera um jumento, que nćo appareceu. Em quanto se estabelecia o campo, eu segui para a fortaleza de Quillengues į busca de vģveres, com que voltei įs 8 da noite. Estava decididamente salvo o meu carneiro. N'essa noite apparecźram o muleque e a prźta perdidos, e isso deu-me um verdadeiro prazer; porque, fōrēados a marchar, pela fome, nćo tģnhamos podido demorar-nos a procural-os. O logar onde acampįmos era baixo e pantanoso, fōra de recursos, é isolado; e por isso resolvémos ir acampar na libata do chefe de Quillengues, onde entrįmos no dia 12, pelas 11 horas. Paguei e despedi os carregadores do Dombe e Quillengues contratados até ali; e pedi-ao chefe, o Tenente Roza, para me obter outros até Caconda; o que elle me certificou ser facil, dizendo-me logo, que sabia como os rios entre aquelle ponto e Caconda iam cheios, e por isso nćo davam passagem; o que nos impedia de partir immediatamente. N'esse dia jį comémos bem, e tivémos duas comidas, almōēo e jantar. Alguns dias depois, appareceu o jumento que se tinha perdido no mato, trazido por um indģgena, que o tinha encontrado. Gratifiquei bem o prźto, para o encorajar a ser honesto; pois que nunca julguei ver mais o pobre animal, que, se escapasse das feras, nćo escaparia į ladroagem dos naturaes, pensava eu. Quillengues é um valle regado pźlo Calunga (rio que eu supponho ser o curso superior do Coporolo), valle fertilissimo, e coberto de povoaēões indģgenas. O estabelecimento Portuguez occupa uma ąrea de 45,500 metros quadrados; por ser um rectąngulo de 250 metros por 182. Este rectąngulo, cercado de palissada, tem quatro baluartes de alvenaria, a um meio de cada face; e dentro uns abarracamentos, que sam morada do chefe militar, e quartéis dos soldados. Algums baobabs e figueiras sycņmoros crescem ali, assombrando com seus ramos gigantescos um terreno coberto de gramģneas indģgenas, onde pastam os rebanhos do chefe. Se a importąncia de Quillengues é grande como ponto productivo, e facilmente colonisavel, nćo o é menos como posiēćo estratčgica; pois que pōde ser considerado uma das chaves do sertćo interior, com respeito a Benguella. Os sobetas do paiz reconhźcem a autoridade Portugueza; mas, de natureza salteadores, atacam sem cessar outros pōvos indģgenas, para lhes furtarem o gado. Sam mais pastores do que lavradores, mas, ainda assim, cultivam a terra, que de ubčrrima suppre o pouco trato; produzindo milho, massambala, e mandioca, em quantidade grande. As suas habitaēões sam cubatas circulares, de 3 a 4 metros de diąmetro, construidas de grossos troncos de madeira, revestidas de barro. A porta é bastante alta, para dar entrada a um homem sem curvar-se. Os Quillengues sam de estatura elevada, e robustos, atrevidos e guerreiros. Sam pouco industriosos, e apenas fabricam o ferro, fazendo azagaias, ferros de frechas, e machados, jį de guerra, jį de cortar madeira. As enxadas nćo as forjam, e sam por elles compradas no Dombe, ou em Benguella. Os seus curraes sam, como as povoaēões, cercados de forte palissada; sendo esta revestida exteriormente de abatises espinhosos, para evitar o assalto nocturno de feras. Os campos de mandioca sam igualmente cercados de espinheiros; porque ali abundam corēas pequenas (_Cephalophus mergens_), que das folhas sam ąvidas, e causam damno grande įs plantaēões. A ągua-ardente é gčnero muito estimado pźlos Quillengues, e sam elles tćo dados į embriaguez, que, durante trźs mezes no anno, tanto quanto dura o fruto do gongo, fazem d'elle uma bebida fermentada, com que estam continuamente embriagados; nćo sendo possivel obter d'elles o menor serviēo. Quando um homem quer casar-se, envia ao pai da escolhida um presente, que dźve ser pźlo menos de 4 metros de panno da costa, e duas garrafas de ągua-ardente; e logo com o portador vem a noiva e seus parentes comer, em grande brņdio, um boi, que dźve offerecer-lhes o noivo. O adulterio é coisa de grande estimaēćo para os maridos; sendo que por lei fazem pagar ao amante multa, que se traduz em gado e ągua-ardente. A mulhér que nćo tem commettido algum adulterio é mal vista do marido, que nćo augmenta o seu haver por esse meio. Logo que alguma commette a falta, vai ao marido queixar-se de que foi seduzida, e entre elles faz prova a accusaēćo da mulhér. Entre o pōvo, os cadąveres sam enterrados em logar escolhido, e conduzidos į cova n'uma pelle de boi, cobertos de panno de algodćo branco. Os dias de nōjo, sam dias de grande festa em casa do finado. Os sobetas t[~e]m sepultura reservada, e sam ali conduzidos dentro de uma pelle de boi preparada em ōdre, depois de lhe vestirem as melhores roupas. Nas festas d'ņbito ha mortandade enorme de gado, porque o herdeiro tem obrigaēćo de matar todo o rebanho, para regalar o seu pōvo, e contentar a alma do finado. No dia 22, houve um desastroso acontecimento no nosso campo. Um dos meus muleques furtou-me uma bala explosiva do systema Pertuisset; e de companhia com dois outros, decidķram repartil-a de modo que a cada um tocasse seu pedaēo de chumbo. Armįram-se de uma faca, e pōsta a bala sōbre uma pedra, deu-lhe elle um golpe, estando os outros dois acocorados para melhor ver a partilha; quando słbito a bala faz explosćo, ficando os trźs feridos, e sōbre tudo o muleque de Silva Porto Calomo, que recebeu treze estilhaēos, produzindo alguns feridas profundas. Mandįmos uns prźtos reconhźcer, se jį dariam vao os rios; e por elles soubémos, que se conservavam altos; o que bem soppłnhamos, porque, durante a nossa estada ali, nćo cessou de chover. Resolvémos entćo seguir outro caminho, o qual, ainda que mais longo, era mais euxuto de ąguas; e por isso, pedķmos ao chefe nos tivesse prontos os carregadores; o que elle fez, distribuindo eu as cargas no dia 23; mas n'esse dia senti-me muito mal, e ainda que fiz seguir as cargas, fiquei eu, e os meus companheiros por meu respeito. Lutei com violenta febre por trźs dias, e nćo tenho consciencia de ter passado o dia 25; dia duplamente festivo para mim, porque, sendo o de Natal, é o anniversario de minha filha. Tivéram cuidado de mim Capello e Ivens, o Chefe Roza e sua esposa; e no dia 28, pude levantar-me e sair, decidindo logo partir no 1^{o.} de Janeiro de 1878, isto é, trźs dias depois. A esposa do Tenente Roza fźz-me dois presentes, que eu mal sabia entćo estavam destinados a representar um papél, ao diante, na minha viagem. Fōram elles um serviēo de chį de porcelana de Sčvres, e uma cabrinha muito meiga, de raēa pequena, a que puz o nome de Córa. A esse tempo succedeu um desastre, que de véras me contristou. O meu carneiro, por causa de quem eu tive de sustentar tantas lutas com os carregadores famintos, foi mōrto por uma cadella perdigueira, que eu levara de Portugal, e dera ao Capello. Perseguido pźla cadella, na fuga quebrou uma perna ao passar por entre a paliēada do campo, e em breve se finou. Foi o meu primeiro grande desgosto n'esta viagem, tćo abundante d'elles. CAPĢTULO IV. POR TERRAS AVASSALLADAS. Jornada a Ngola.--O Sova Chimbarandongo.--Belleza do caminho.--Chegada a Caconda--José d'Anchieta.--Nada de correspondencia.--Chegada do Chefe.--Vamos aos carregadores.--Ivens vai ao Cunene e eu vou ao Cunene.--Volta de casa do Bandeira.--Falham os carregadores.--O meu juizo. No dia 1^{o.} de Janeiro de 1878, deixįmos Quillengues, tendo ali feito provisćo de vģveres, e comprado bastante gado para matar, bois e carneiros. O chefe, Tenente Roza, acompanhou-nos uns 7 kilņmetros, e voltou į sua residencia, seguindo nós sempre a S.E., até įs faldas da serra de Quillengues, onde acampįmos junto į povoaēćo do Secślo Unguri. Tģnhamos um companheiro de viagem, que em Quillengues nos tinha pedido, o deixąssemos ir até ao Bihé em nossa companhia. Era elle Verģssimo Gonēalves, filho de um conhźcido sertanejo do Bihé, mōrto havia pouco, que em Quillengues era empregado de um ex-criado de seu pai. Este rapaz, mulato e de mesquinha educaēćo, como era de cōrpo acanhado, cheio de vicios, dos proprios a tal gente, tinha alguma cousa de bom, e era intelligente. Tem de figurar no correr d'esta narrativa, e por isso o menciono mais particularmente. Era acanhado e tģmido, mas nćo covarde, e debaixo de uma apparencia fraca, possuia uma forte organizaēćo e młsculos de ferro. Sabķa apenas ler e escrever, mas era um soffrivel atirador de segunda ordem, e manhoso caēador. Durante a demora em Quillengues, consegui domesticar dois dos jumentos, que n'esta nōva jornada jį me servķram de cavalgaduras. No seguinte dia, logo į saķda, comeēįmos a ascensćo da serra de Quillengues, que n'esse ponto se chama Serra Quissčcua. A subida foi difficģlima, e durante trźs horas lutįmos com as agruras da montanha, elevando-nos a 1740 metros do nivel do mar, ou 836 acima do planalto que termina em Quillengues. Em um desfiladeiro da serra passįmos um pequeno ribeiro, que os indģgenas chamam _Obaba-tenda_, o que quer dizer ągua fria, fomos acampar na margem de outro chamado _Cuverai_, affluente do Cśe. Estes dois ribeiros sam permanentes, e sam ąguas que correm ao Cunene. O terreno continśa granģtico, mas a vegetaēćo muda completamente de aspecto--de certo devido isto į altitude. O baobab desappareceu, e jį se encontram fetos į sombra das innłmeras e variadas acacias que povōam as matas. A flōra apresenta riqueza maior em plantas herbąceas, e nas gramģneas sōbre tudo nota-se uma fōrēa de vegetaēćo vigorosissima. Notei que atravessįmos regiões onde se nćo encontra uma só ave, e de repente entra-se em zonas onde milhares de passarinhos fazem uma chiada enorme. Caēa vi ali pouca, mas os rastos anunciam havel-a. Na noite do seguinte dia aconteceu-nos uma aventura curiosa. Estąvamos acampados junto do ribeiro Quicśe, que corre a S.E., em leito granģtico, e vai, provavelmente, engrossar o Cśe; quando sentķmos a cadella do Capello ladrando e arremettendo furiosa, contra alguma cousa que se aproximava da barraca. Ao mesmo tempo sentģamos um forte ruminar perto de nós; o que nos fez suppor, que os jumentos se tinham soltado e pastavam dentro do campo, que era cercado de abatises espinhosas. Falįmos į cadella e adormecémos. Ao alvorescer ouvķmos grande rumor no campo, e saindo logo, soubémos, que os prźtos, que ao principio tinham julgado, como nós, que os burros andavam į sōlta, percebźram depois que se enganavam, e que um animal estranho se tinha introduzido no campo. Fōra effectiva menta um błfalo enorme que nos dera a honra da sua companhia durante a noite. O caso era notavel e de explicaēćo difficil, a nćo serem os repetidos rugidos dos leões que se tinham ouvido; fazendo com que o błfalo viesse buscar guarida entre nós. No seguinte dia fomos acampar prņximo da povoaēćo de Ngóla, e eu fiz logo annunciar a minha visita ao Sova. Depois do almōēo, fui į libata procural-o. Fiz-me acompanhar dos meus muleques, levando uma cadeira para mim, e dois guardasóes. O Sova appareceu-me logo, armado de dois cacetes e uma azagaia. Trajava tanga comprida de panno da costa, e sōbre ella uma pelle de leopardo. Tinha o peito nś pendendo-lhe do pescōēo um sem-nłmero de amuletos. Recebeu-me fōra da sua barraca, por um sol abrasador; e eu offereci-lhe um guardasol, que levava para isso, de panninho encarnado; favor a que elle se mostrou muito grato. Disse-lhe o que andava por ali a fazer, cousa que elle nćo percebeu muito bem; comprehendendo com-tudo perfeitamente, que lhe offerecia um pequeno barril de pņlvora, 50 pederneiras e uma duzia de guizos de latćo, sem nada lhe pedir em troca--o que sōbre modo o espantou. Convidei-o a vir ao nosso campo ver os meus companheiros; e elle accedeu a isso acompanhando-me; coisa muito de notar, que os chefes indģgenas sam desconfiados. Dizendo-lhe, que mandasse uma vasilha em que eu lhe podesse dar ągua-ardente, foi elle buscar uma botija de litro. Mostrei-me admirado de que um chefe quizesse tćo pouco, e convidei-o a procurar vasilha maior. Mandou entćo buscar uma cabaēa que levaria o duplo da botija, e eu pedi-lhe que juntasse outra igual. O Rčgulo nćo podia dissimular a sua admiraēćo pźla minha generosidade. Partķmos a pé, acompanhados por trźs das mulhéres, as filhas, e muito pōvo, tōdos sem armas, para me mostrarem a confianēa que eu lhes havia inspirado. Chegįmos ao campo quando Capello fazia observaēões meteorolņgicas, e o Sova ficou admirado diante dos thermņmetros e dos barņmetros. O Ivens veio logo para junto de nós, e depois de grandes comprimentos, mostrįmos ao Rčgulo as armas de Snider e de Winchester, que lhe causįram verdadeiro assombro. Este _Chimbarandongo_, que tal é o nome do sova de Ngóla, é intelligente, e sabe viver com o seu pōvo. Offereceu-nos um boi, e tendo eu pedido licenēa para o matar, por haver necessidade de provisões, consentio n'isso, pedindo-me para lhe atirar eu. O boi estava estranho, e fugio para o mato, a uns oitenta metros de nós. Indiquei ao Sova o sitio em que o ia ferir, e disparei. O boi cahio. Chimbarandongo foi ver o animal, e attentando na ferida, da qual corria o sangue, aberta entre os olhos, no sitio que eu indicava, ficou tćo maravilhado, que me deu repetidos abraēos no meio do seu enthusiasmo. Pźlas 4 horas, formou-se sōbre nós tempestade violenta, que se desfez em raios e copiosa chuva, durando até įs 6 horas. O Sova e as mulhéres recolhéram-se į nossa barraca, assim como alguns dos macotas. Chimbarandongo fez um discurso aos seus macotas, tendente a provar-lhes, que nós tģnhamos trazido a chuva, e com ella um grande beneficio ao paiz, ressequido pźlos calores do estķo. Tentįmos explicar-lhe, que nćo tģnhamos tćo grandes poderes, e que só Deus governava nos grandes phenņmenos da natureza; levando o Ivens a questćo a ponto de lhe explicar como e porque chovķa. Ouvindo isto, fez o Sova sair os seus macotas e mais pōvo que escutava a liēćo meteorolņgica. Depois d'isso, tendo-se de novo reunido o pōvo, elle disse, que se deixasse de chover, indagaria qual dos seus słbditos tirara a chuva, e o castigaria de morte. Nōvo discurso da nossa parte contra a pena capital; e nōva ordem de despejo da parte d'elle, que, a pesar do meio embriagado, tinha tino bastante para nćo comprehender que as nossas theorķas nćo quadravam ao seu systema governativo. Ao anoitecer retirou-se do modo o mais cņmico, indo acavallo em um dos seus conselheiros, que levava as mćos nos hombros de outro; e como estivessem tōdos embriagados, a cada passo perdiam o equilibrio, ameaēando com a queda partir a cabźēa ao seu soberano. Este rčgulo é sensato e homem de bom juizo. Nćo acredita em feitiēos; nem acreditava que nós lhe tivessemos trazido a chuva; mas convem-lhe apparentar que o crź, para nćo perder o prestigio entre os seus, que só assim querem ser governados. No seguinte dia, vindo elle despedir-se de nós, me disse, que a sua polģtica era ser amigo dos brancos; pois que das bōas relaēões com elles provinha a roupa com que se cobria, e as armas e a pņlvora com que continha em respeito os seus inimigos. "Sem os brancos," me disse elle, "nós somos mais pobres que os animaes; porque a elles temos de tirar as pelles para nos cobrirmos; e sam bem loucos os prźtos que nćo cultivam a amizade dos filhos do Puto." A libata ou povoaēćo de Ngóla é fortemente defendida por uma dupla palissada feita com arte, que tem até uma das faces dentada para cruzamento de fogos. É tćo vasta que pōde conter tōda a povoaēćo do paiz, que ali se recolhe, em caso de guerra, com seus rebanhos. O ribeiro Cutóta corre dentro d'ella, fazendo que possa resistir a longo assedio sem receiar a sźde. Deixando Ngóla, caminhįmos por duas horas a N.E., e encontrįmos o Cśe, o maior dos rios, que corre entre Quillengues e Caconda. No sitio em que tentįmos a passagem tinha elle 15 metros de largo por 3 a 4 de fundo, nćo dando por isso vao. A chuva torrencial da včspera, augmentando-lhe o volume d'ągua, tinha tornado impetuosa a corrente. Uma ponte de finos troncos de arbustos, offerecia uma perigosa difficil passagem aos homens carregados; mas os bōis e os jumentos só a nado podiam passar. Depois de grande trabalho, os bōis nadįram para a outra margem; os burros porem recusįram seguil-os. Só a grande custo conseguio o prźto Barros, ajudado de mais dois, fazel-os nadar, nadando ao seu lado, e obrigando-os a tomar pé na outra margem; o que era perigoso, que ali abundam crocodilos. Depois de uma hora de trabalho, avanēįmos para E.N.E., encontrando o ribeiro Usserem, d'ali marquei, a N.N.O., o monte Uba, onde assentam as povoaēões de Caluqueime. Passįmos depois o rio Cacurocįe, que corre a S.S.E. ao Cśe; e meia hora depois o rio Quissengo, que corre a S.E., e vai affluir ao Cśe; acampando na margem d'este łltimo, pźlas 4 horas da tarde, junto da povoaēćo de Catonga, onde tem a sua libata um tal Roque Teixeira. A marcha foi de 30 kilņmetros, o que muito nos fatigou. O caminho foi sempre por planicie, onde a altitude varķa apenas entre 1450 e 1500 metros. A vegetaēćo arbņrea apresenta um certo rachitismo; mas a herbącea continśa a ser variada e rica. No dia 6, seguķmos sempre a N.E., passando logo o Cśe, em ponte feita pźlo gentķo. Este ribeiro tem 5 metros de largo, por 1 de fundo, e corre a S.E. ao Catįpi. Alcanēįmos o Cośngi ou Catįpi, įs 11 e meia, e acampįmos na sua margem esquźrda. O Cośnge, que a montante toma o nome de Catįpi, tinha ali 10 metros de largo por um de fundo, com violenta corrente, e dirigindo-se a S.E. vai lanēar-se no Cunene prņximo do Lucéque. N'esse dia matei uma grande gazella (_Cervicapra bohor_), a maior do gčnero que vi em tōda a minha viagem, tćo grande que fōram precisos 4 homens para a transportar ao campo. Ao fechar da noite, a cadella ladrou muito, arremettendo com o mato; verificando nós ser contra as hyenas que nos rondavam as barracas, e por noite fōra tivémos młsica, em um duźto de baixo e contra-baixo, pela voz clara de um lećo, na mata, e pźla ronquenha de um hippopņtamo, no rio. O aspecto do paiz continśa o mesmo. Nas lombadas matas rachģticas, de uma vegetaēćo que mais se pōde chamar arborescente do que arbņrea, pźla maior parte. Leguminosas, nas depressões; vastas clareiras, verdadeiros prados de gramģneas diversas, por entre as quaes serpea um ribeiro ou um rio. O terreno continśa granģtico, apresentando as rochas aspectos variados; mas sendo pouco abundantes em mica. Continuįmos caminho ao N.E., passando junto da libata de Cuassequera, fortificada entre enormes rochźdos granģticos, e rodeada de gigantescos sycņmoros, produzindo um aspecto muito pintoresco. Depois de passar o ribeiro Lossóla, que corre ao S. para o Catapi, fomos acampar na margem do Nondumba, riacho que, como o antecedente, afflue ao Catįpi, mas correndo ao N. O planalto jį é mais elevado, e caminhąvamos entćo n'uma altitude de 1600 metros. D'esse ponto seguķmos a Caconda, tendo atravessado trźs ribeiros, que correm a N.N.O. ao Catapi, e sam, por sua ordem, o Chitequi, o Jamba, e o Upanga; encontrando em seguida o Catapi, que corre a O.S.O., e que jį no dia 6 tģnhamos atravessado com o nome de Cośnge. No ponto em que o passįmos tem 10 metros de largo por 1 de fundo, e pequena corrente. Algumas das clareiras que n'esse dia atravessįmos eram cobertas de junco, pantanosas e de difficil accesso. A passagem do rio levou tempo, e os meus companheiros precedźram-me na chegada a Caconda. Alcancei depois d'elles a fortaleza, e fui recebido į porta pźlo chefe interino, mulato e rico proprietario do consźlho, sargento da guerra prźta; o qual me disse, que o chefe tinha ido para Benguella, deixando-lhe a _espiga_ de nos receber (textuaes palavras). Depois de me ter dito esta amabilidade, o S^{nr.} Matheus convidou-me a entrar na fortaleza. Logo que passei o recinto das fortificaēões, vi entre os meus companheiros um homem de estatura mais que mediana, aspecto macilento, testa ampla e elevada, olhar pouco fixo, trajando casaca e gravata branca, que o Capello me apresentou, dizendo-me, "Aqui tem José d'Anchieta." Estava diante de mim o primeiro explorador zoologista d'Ąfrica, esse homem que tinha passado 11 annos nos sertões d'Angola, Benguella, e Mossąmedes, enchendo as vitrinas do museu de Lisboa com valiosissimos exemplares. Tive depois occasićo de presenciar o seu viver, que é digno de ser descrito. Anchieta estava estabelecido nas ruinas de uma igreja, a 200 metros da fortaleza. A casa no interior era em forma de T, e tōda cercada de estantes, onde haviam, de mistura, livros, instrumentos mathemąticos, mąchinas photogrąphicas, telescopios, microscopios, retortas, pąssaros de mil cōres, vidros variados, louēa, pćo, frascos cheios de lģquidos multicolores, estojos de cirurgia, montes de plantas, medicamentos, cartuxeiras, roupa, etc. A um canto, um feixe de espingardas e carabinas de differentes systemas. Junto į casa, um cercado, aprisionando umas vacas e uns porcos. Į porta algumas prźtas e prźtos esfolando pąssaros e preparando mamģferos; e d'entro, a uma grande mesa, Anchieta, sentado em velha poltrona, que attesta longos serviēos. Sōbre a mesa é impossivel dizer o que ha. Pinēas, escalpellos e microscopios ha muitos. De um lado, um monte de bocados de pąssaros mostra que elle acabou de se entregar ao estudo da anatomia comparada. Em frente d'elle, uma flōr cuidadosamente dissecada, attesta que elle acaba de ler na disposiēćo das suas pčtalas, no nłmero de seus estames, na forma do seu receptąculo, no arranjo das sementes, no pistilo, os nomes da familia, do gčnero e da especie em que a dźve collocar. De escalpello na mćo e microscopio no ōlho, passa elle as horas que pōde tirar ao trabalho de colleccionador, e é jį a planta, jį a ave, o ponto de mira do seu estudo. A momentos, é interrompido por um doente que chega, a quem elle dispensa os cuidados de mčdico, e ao mesmo tempo os remedios da cura, quando lhe nćo dį tambem a gallinha da dieta. Anchieta professa um respeito sem limites ao Doutor Bocage, director do Museu Zoolņgico de Lisboa, e fala d'elle com essa respeitosa amizade que é difficil encontrar onde nćo existem estreitos laēos do mesmo sangue. Isso comprehende-se. Anchieta, que tem a consciencia dos serviēos que tem prestado įs sciencias zoolņgicas, conhźce que tem no D^{or.} Bocage o homem que lhe faz justiēa, e sabe aquilatar esses serviēos; o homem que completa na Europa o trabalho que elle comeēa em Ąfrica; o homem, emfim, que sabe quantas fadigas, quantas febres, quantos incņmmodos custįram cada um d'esses exemplares, que descreve, descrevendo com elles nōvas especies. José d'Anchieta é um d'esses nomes que merece o respeito dos homens de sciencia, e o respeito dos Portuguezes seus compatriotas; porque, trabalhador infatigavel, tem sabido honrar o seu paiz, conservando-se elle mesmo honrado e pobre, no meio do vicio e da desmoralizaēćo que lavra nas terras em que vive, e de que poderia tirar proveito se fōsse menos escrupuloso. Basta de falar d'elle, que nćo ha elogios que lhe nćo caibam; falando mais alto do que eu as suas obras, e o seu nome, ligado para sempre aos seus trabalhos, que nćo morrem. Soubémos que o Chefe Castro tinha sido exonerado do commando, e fōra nomeado outro official do exčrcito de Ąfrica para o substituir. Dois dias depois da nossa chegada, chegįram tambem a Caconda o nōvo chefe e o Alferes Castro, e por elles a nossa correspondencia da Europa, que lemos com avidez. Falei logo em carregadores, e o Alferes Castro promptificou-se a acompanhar-me a casa de José Duarte Bandeira, o primeiro potentado de Caconda, onde me disse que se arranjariam, pźla grande influencia de que dispunha o tal Bandeira. Partķmos para Vicéte no dia 13 de manhć, e n'esse mesmo dia o Ivens seguio para casa de Matheus, a fazer um reconhecimento ao Cunene, no logar da sua confluencia com o Quando. Eu tambem devia ir fazer uma visita ao mesmo rio para o sul. O Capello ficou em Caconda atacado por uma ligeira febre, e entregue aos cuidados de Anchieta. Seguķ a S.S.E., passando logo os rios Secula-Binza, Catapi, e Ussongue, que afflue a leste, correndo a O.N.O., com 3 metros de largo por 1 de fundo, dando-lhe por isso grande contribuiēćo d'ągua. Depois de caminhar a S.E. umas 26 milhas, chźguei pźla noite a Vicéte, libata fortificada entre rochas, no cume de um outeiro que domina vasta planicie. Fui recebido por José Duarte Bandeira, que, depois de bōa ceia, me proporcionou ņptima cama, de que bem precisava. Logo na manhć seguinte, o Alferes Castro falou nos carregadores, e Bandeira prontamente se offereceu para obter 120, que tantos nos eram precisos para seguirmos ao Bihé. Mostrei o desejo de ir ao Cunene, e ficou decidido que partģssemos no seguinte dia. Caminhįmos nove milhas a Leste, e encontrįmos o rio no Porto do Fende. Logo į chegada, matei um grande hippopņtamo, que tźve a imprudencia de vir resfolgar a meio rio ao alcance da minha carabina. Passei ali dois dias. O rio tem ahi 100 metros de largo por 6 a 7 de fundo, com uma corrente de 1 milha por hora. O seu eixo no Fende é N.O. a S.E. por espaēo de 2 milhas, sendo a montante de N.E. a S.O., e ainda acima E.O. a jusante inclina-se para S.S.O. por 26 milhas, até ao Luceque. Por vźzes toma uma largura de 200 metros e mais. Abundam n'elle hippopņtamos e crocodilos. 1 milha a jusante do Porto do Fende, ha uns rąpidos a que chamam Da Libata Grande; meia milha abaixo, outros, as Mupas de Canhacuto; e 10 milhas mais a jusante, as cataractas de Quiverequete, łltimas que tem no seu curso superior; sendo depois navegavel até ao Humbe. A margem direita é, nos pontos em que a visitei, montanhosa e coberta de mato virgem; į esquźrda, vasta planicie, de 4 a 5 kilņmetros de largo, que encosta ao sopé dos montes, que formam um pouco elevado systema, correndo N.S.; em cujas vertentes oeste assentam as povoaēões do Fende. Pźlas 11 horas da noite do dia 15, formou-se sobre nós uma tormenta, que despedio innłmeras faļscas e copiosa chuva, deixando-nos completamente molhados. A 17 voltįmos para Caconda, com a promessa de termos os carregadores dentro de 8 dias; tendo de mandar, logo no dia seguinte, um barril de ągua-ardente para a _convocaēćo_. Nesta parte de Ąfrica, a ągua-ardente desempenha para com os homens o mesmo papél, que na Europa o azeite para com as mąchinas. Sem ella nćo se movem. O nosso hospedeiro, que bem nos regalou em sua casa, esqučceu-se de que tģnhamos a gastar o dia em jornada; e saindo nós ao alvorecer, só į noite alcanēarģamos Caconda. Partķmos com o alforje vazio, e pźlo meio-dia jį o appetite degenerava em fome. Parįmos n'uma clareira, e eu disse ao Alferes Castro, que ia ver se matava caēa para comer; mas apenas avistei uma codorniz, que nos servio a ambos de almōēo e jantar, cozinhada n'uma marmita de soldado. Confesso que jį tenho almoēado e jantado melhor do que n'esse dia. Os meus prźtos, vendo a minha avidez em roer os ossos da codorniz, que a cadella de balde devorou com os ōlhos, fazendo-me mil negaēas com a cauda, déram-me uma raiz de mandioca, que partilhei com o Alferes. Chźguei, į noite, a Caconda, e depois de uma bōa ceia, dei fé que Ivens ainda nćo tinha chegado, e que Capello jį estava bom. O Ivens chegou a 19, e n'esse dia mandįmos o tal barril de ągua-ardente ao Bandeira, pedindo-lhe a maior urgencia na convocaēćo dos carregadores. No dia 23, chegįram de Benguella uns artigos que tinham sido requisitados; e para mim um presente de 6 latas de biscoito, que me offerecia Antonio Ferreira Marques. N'esse dia despachei outro portador a Vicéte, pedindo ao Bandeira os carregadores, que jį se demoravam. Nćo appareciam os homens promettidos, e eu pedi ao chefe para que fōsse a Vicéte, e usando da sua influencia como autoridade, visse se dava pressa ao Bandeira em nos mandar a gente precisa. O chefe partio, e escreveu-me logo, dizendo jį estarem promptos 61 homens, e em breve haver os mais. Levara elle logo fazenda para os pagamentos, que ali só querem algodćo branco, mas disse serem precisas mais 50 peēas, que nós nćo tģnhamos, mas que o Bandeira ficou de emprestar. No dia seguinte, nōva carta do chefe, dizendo, que os carregadores iam ser pagos e viriam logo; dois dias depois, terceira carta, dizendo, jį lį ter 94 homens; e finalmente, no dia 5 de Fevereiro, outra carta, dizendo, que nćo havia nem um carregador, e que nenhum se arranjaria. Imagine-se o nosso desapontamento. Eu a esse tempo ainda nćo tinha formulado e arraigado no meu espģrito um principio, que mais tarde me sugerio a experiencia, e que entrou depois, de parelhas com a carabina d'El-Rei, no feliz resultado da minha viagem. O principio formulado e depois profundamente arraigado no meu espģrito, traduzio-se n'esta sentenēa:-- "Desconfiar, no sertćo d'Ąfrica, de tudo e de tōdos, até que provas repetidas e irrefutaveis nos permittam confiar um pouco em alguma cousa ou alguem." Ora, para mim, essas provas sam tćo difficeis de se apreciarem, como o sam as de um amor eterno, ou as da sņlida fortuna do commerciante, embrulhado em transacēões de vulto. Creio que, ao tomarmos conhecimento da carta do chefe, cada um de nós propoz alvitre qual d'elles mais disparatado. O desapontamento era grande. Socegados os espģritos, decidķmos ir eu procurar os carregadores fōsse onde fōsse, e se longe ou perto os nćo podesse encontrar, seguirmos para o Bihé, e mandarmos d'ali buscar as cargas. Julgąvamos isso possivel. O chefe voltou de Vicéte, e nćo me deu explicaēćo plausivel do facto. Acordįmos em ir eu ao Huambo, a ver se do Soba d'ali obtinha carregadores; porque, nćo só o Alferes Castro, como o chefe, e Anchieta mesmo, nos mostravam a impossibilidade de os ajustar mais perto. Pouco antes, Anchieta tinha encontrado grandes embaraēos para fazer uma remessa de productos zoolņgicos para Benguella, o que era relativamente mais facil. O que nos estava acontecendo é digno de notar-se. Nćo só Bandeira, mas um tal Mathias, o sargento Matheus e outros, enviam grandes caravanas a sertões longģnquos; ”e todos elles nćo podéram obter um só carregador para nós! Eu comeēava de antever um propņsito firme de nos embaraēarem o passo, e mal cuidava entćo que esse propņsito fōsse tćo longe como infelizmente tive occasićo de experimentar depois. O correr d'esta narrativa mostrarį, quam habilmente me fōram levantados obstąculos, que só uma decidida protecēćo de Deos me fez vencer. Deixemos este assumpto por enquanto, e antes que continśe com a narraēćo das minhas aventuras, que comeēam aqui a tomar um caracter mais extraordinario, cabe-me dizer duas palavras a respeito de Caconda. A fortaleza de Caconda, o ponto mais interior onde hōje no districto de Benguella tremula a bandeira Portugueza, é um quadrado de 100 metros, cercado de um profundo fosso e de um parapeito, onde aqui e ąlém se pōdem ver as linhas distinctas de uma fortificaēćo passageira, construida outrora com arte. Uma palissada forma segunda fortificaēćo no interior, resguardando umas casas arruinadas, que fōram habitaēćo do chefe, quartčis e paiol. Algumas bōas peēas de bronze, montadas a barbete, deixam ver por sōbre o plano de tiro, deformado pźlo tempo, as suas bōcas verde-negras e oxidadas. A 200 metros ao Sul da fortaleza, as ruinas de uma igreja. Ao norte, uma reunićo de pequenas cubatas, morada dos soldados. O paiz é agradavel, e sem ser, como se pertende, isento de febres, é certo que ellas ali sam mais benignas do que em outros pontos. A povoaēćo é pouquissima, e tem-se retirado muito da fortaleza. O solo é ubčrrimo, e muitas plantas Europźas facilmente se aclimam ali, produzindo espantosamente. No trigo, feijćo e batata vi eu isso, em pequenissimas plantaēões. O ribeiro Secula-Binza é uma fonte de ągua cristallina correndo em leito de granito. Junto da fortaleza ha poucas ąrvores; que as necessidades dos habitantes t[~e]m despovoado as matas que dźvem ter existido outrora, como ainda hōje existem mais longe. O commercio é pouco, e esse mesmo é feito muito longe no interior. A mesma pégada de decadencia que se nos revela em Quillengues, é ainda mais patente aqui. A importancia de Caconda é igual, senćo superior, į de Quillengues; mas tem menos seguranēa ainda para o commercio; que o caminho de Benguella é infestado de salteadores. CAPĢTULO V. VINTE DIAS DE AGONIA. Parto de Caconda--O sova Quipembe--Quingolo e o sova Cįimbo--40 carregadores--Febre--O Huambo, o sova Bilombo e seu filho Capōco--80 carregadores--Cartas e noticias--Quasi perdido!--Sigo avante--Grave questćo no Chaca Quimbamba--Os rios Calįe, Canhungamua e Cunene--Nōva e séria questćo no Sambo--O Cubango--Chuvas e temporaes--Grave doenēa--Uma aventura horrivel--O Bihé finalmente! Parti de Caconda a 8 de Fevereiro de 1878, levando em minha companhia 10 homens de Benguella, o meu muleque Pepeca, Verissimo Gonēalves, de quem jį falei, e o chefe de Caconda, o Tenente Aguiar, que quiz por fōrēa acompanhar-me n'esta expediēćo, que tinha por łnico fim o arranjar carregadores; querendo mostrar assim a sua bōa vontade em nos auxiliar, e que era estranho aos acontecimentos de Caconda. Cumpre-me dizer, que eu nunca duvidei da sinceridade do Tenente Aguiar; porque a esse tempo nćo tinha ainda arreigado no meu espģrito o principio que formulei no capģtulo anterior, e hōje mesmo creio que elle foi enganado como eu, apesar da sua muita experiencia dos sertões avassallados. Depois de uma jornada de 17 kilņmetros a N.E., alcanēei a libata de Quipembe, onde fui recebido pelo sova Quimbundo, que me deu hospitalidade. Passei um pequeno ribeiro o Carungolo, junto a Caconda; e depois o Catapi, que ali corre a S.O. O sova mandou-me logo um porco pequeno, e nćo tendo eu podido comprar gallinhas, mandou-me uma. Ą tarde veio į minha barraca, e depois de larga conversa, disse-me, que, ainda que os seus antepassados fōram sempre avassallados a El-Rei de Portugal, elle nćo o era; porque as muitas arbitrariedades commettidas pźlos chefes contra elle e os seus, tinham quebrado os compromissos antigos; que o _Mueneputo_ ja lhe nćo fazia justiēa, e narrou-me muitos dos acontecimentos em que baseava as suas accusaēões aos chefes, falando com modo muito atilado. O chefe estava presente į entrevista, e nćo podia responder įs accusaēões dirigidas aos seus antecessores, tćo claramente eram ellas formuladas. Este velho era homem de tino, e falou-me na polģtica dos Portuguezes em Caconda com um juizo difficil de encontrar em prźto boēal. Procurei desfazer a mį impressćo que o soba tinha dos chefes de Caconda, mas creio que nada alcancei n'esse sentido. Mais uma vźz tive occasićo de apreciar o mao resultado dos minguados estipendios que se conferem aos chefes dos consźlhos do interior; causa primordial da decadencia do nosso poderio e influencia ali. O sova de Quipembe é muito idoso, e soffre de gota, que lhe embaraēa o caminhar. A sua libata é vasta, bem fortificada e muito bem situada. Desde a minha chegada muitas dezenas de prźtos e prźtas pequenos olhavam pasmados para mim, fugindo em debandada ao menor movimento que eu fazia. Tentei fazer-lhes perder o mźdo que manifestavam, dando-lhes alguns guisos e bagos de coral; mas só mui receosos se chegavam a mim, fugindo logo que recebiam o presente. Fōram objecto de grande admiraēćo, os meus ņculos e o meu cobertor, em que se desenhava um enorme lećo em fundo vermelho. No dia 9 deixei a libata, seguindo a N.E.; passei logo o ribeiro Utapaira, e uma hora depois alcanēava o Cuce, affluente do Quando. Este rio tem ali 3 metros de largo por 2 de fundo, dando difficil passagem, por serem as suas margens escarpadas e lodoso o fundo. A margem direita é montanha suave e pouco elevada, e a esquźrda campina de 1 kilņmetro de largo. Passei ao sul da libata de Banja, magnificamente situada no tōpo de um outeiro, e depois de atravessar trźs ribeiros, o Canata e Chitando, que vam ao Cuce, e o Atuco ao Quando, alcancei este łltimo rio, um dos grandes affluentes do Cunene. O Quando corre ao Sul, com uma largura de 20 metros por dois a trźs de fundo. No sitio de Pessange, em que acampei, desapparece o rio por baixo de massas enormes de granito, para reapparecer um kilņmetro a jusante. Este ponto offerece uma das mais bellas paisagens que tenho visto. As margens do rio, um poco elevadas, sam cobertas de luxuriante vegetaēćo, onde as palmeiras elegantes se destacam do verde-negro dos gigantescos espinheiros. Os rochźdos denegridos sobressaem aqui e ąlém por entre os tufos de mato, mostrando os cabźēos puļdos do bater das tempestades. Nuvens de passarinhos chilram nas įrvores e innłmeras rōlas esvoaēam sōbre os espinheiros. De quando em quando ouve-se o resfolgar dos hippopņtamos nos pegos do rio. É a belleza selvagem em tōda a sua forēa, mas a par d'ella ha ali alguma cousa de horrivel, que sam venenosissimas serpentes que a cada passo se arrastam junto de nós. Matei algumas, que me certificįram os prźtos serem de mortal peēonha. Apparecéram alguns Hyrax, e eu, internando-me no mato virgem da margem esquźrda, em sua busca, deparei com as ruinas de uma muralha de pedra, que pźla extensćo parecem ter sido muro de povoaēćo antiga. Foi este o primeiro dia na minha viagem em que de noite tive por tecto o ceo estrellado, mas por isso nćo foi menos profundo o meu sono. Ao alvorecer matįmos, entre a minha cama e a do tenente Aguiar, uma cobra venenosa. Seguķmos a N.E., e para ąlém da povoaēćo de Pessange, encontrįmos a de Canjongo, governada por um secślo, que nos offereceu capata e vendeu algumas gallinhas a trōco de panno de algodćo ordinario, e depois de passarmos o rio Droma, affluente do Calae, que corre a S.E., descanēįmos algumas horas na margem esquźrda, e caminhando depois a N.N.E., chegįmos, įs 5 horas da tarde, į libata grande de Quingolo. O sova deu-me hospitalidade, e mandou logo comida para a minha gente. Sabendo o motivo da minha viagem, disse-me, que se a elle tivessemos recorrido com tempo, nos teria arranjado os carregadores, mas que os chefes de Caconda nćo faziam caso d'elle, e faziam mal n'isso; que ainda assim, me ia dar 40 carregadores que enviaria a Caconda, e fōsse eu ver se obtinha os outros ao Huambo. Fui atacado de uma ligeira febre. No dia 11, logo de manhć, o sova veio visitar-me e confirmou o seu offerecimento de 40 homens, que me disse partiriam no seguinte dia para Caconda. Quiz fazer algumas compras de vģveres, mas nada me quiséram vender; sabendo isto o sova Caimbo, enviou-me um grande porco. Eu fiz-lhe um presente de 3 peēas de riscado e duas garrafas de ągua-ardente. O chefe Aguiar decidio voltar a Caconda, no que me deu um verdadeiro prazer. Ao meio dia apparecéram os chefes dos carregadores que partiam, para receberem os pagamentos. Esta libata grande de Quingolo é situada sōbre um outeiro granģtico que domina uma enorme planicie. Por entre as rochas crecéram sycņmoros enormes, que lhe dam uma frescura constante. Estas rochas combinadas com as palissadas formam uma temivel fortificaēćo, rodeada de um fosso meio obstruido. No tōpo do outeiro dois rochźdos enormes de elevadas proporēões formam uma especie de mirante, d'onde se goza um dos mais sorprendentes panoramas que tenho visto. Semelhante ao golpe de vista da cruz alta do Bussaco, se a mata, em vez de limitada na estreita cinta de muralhas, se estendesse dos cabos Carvoeiro ao Mondego até į beira-mar, apenas interrompida aqui e ąlém por verdejantes clareiras, o paiz que se avista do alto de Quingolo é talvez, mais vasto e grandioso, sendo limitado em tōrno por um perfil azulado de longķnquas montanhas que de distantes mal se avistam. No dia 12, ainda que me recresceu a febre, decidi partir, e tendo feito as mais cordiaes despedidas ao sova e ao chefe Aguiar, segui įs 8h. 30m., acompanhado de 3 guias que me deu o sova Caimbo, com quem fiquei nos melhores termos de amizade. Logo į saida passei o ribeiro Luvubo, que corre ao Calae, e pźlas 10 horas alcancei a libata do secślo Palanca, onde pedi agasalho, por me ser impossivel caminhar com febre que recrescia a cada momento. Apesar do meu estado de saude, fiz observaēões astronņmicas, para determinar a minha posiēćo; e falo n'isso, por ser este o primeiro d'essa sčrie de pontos que eu devia determinar através d'Ąfrica. Foi a povoaēćo de Palanca o primeiro ponto determinado por mim, n'essa linha que marca o meu caminho do mar Atląntico ao Indico. Tres gramas de quinino que tomei durante a apyrexia produzķram-me rąpidas melhoras que me permitķram seguir no dia immediato. Eu viajava acavallo em um possante bōi, e tinha um outro de reserva, bōis muito bem domesticados e que offereciam bōa commodidade ao andar, podendo obter d'elles um aturado trote e mesmo um galope curto. Segui perto das 8 horas e passei logo o rio Dōro, a que chamam das mulhéres, onde foi muito difficil a passagem dos bōis, por ser de fundo lodoso. O calor era intenso, e eu comecei a sentir-me mais doente, pźlo que resolvi deitar-me a descanēar um pouco. Nćo haviam arvores no sitio, e ao sol ardente sōbre uma terra ardente adormeci. Foi curto o meu sono, e ao despertar, senti que estava fresco e tinha sombra. Eram os meus prźtos que, de motu proprio estavam em tōrno de mim segurando um panno para desviar do meu cōrpo as ardencias de um sol a prumo. Tocou-me tal prova de cuidado. Segui įvante e passei um riacho--o Dōro, a que chamam dos homens, que se une ao primeiro e corre depois ao Calae, nćo sei se com o mesmo nome. Duas horas depois encontrava o rio Guandoassiva, que tem 5 metros de largo por 1 metro de fundo, em cuja margem descancei. É affluente do Calae e abunda em peixe miudo, que muito ali pescįmos. Eu sentia-me bastante doente. Į febre que tinha reapparecido unia-se uma extrema fraqueza, pois que, havia dois dias, apenas tinha tomado alguns caldos de gallinha. Aproveitei o descanēo para mandar fazer um caldo de frango, que nćo levou sal, por se me ter acabado a pequena provisćo trazida de Caconda. Depois de duas horas de repouso, seguķmos sempre a N.E., e meia hora depois passąvamos o rio Cuena, que tem ali 6 metros de largo por 1,5 de fundo, e corre ao Calae. Este rio corre entre as vertentes suaves de montanhas mui pouco elevadas, mas cavou um leito fundo, cujas escarpas verticaes de 2 metros, tornįram difficil a passagem dos bois. Trabalhįmos ali duas horas. Duas horas depois, jį ao cahir da noite, alcancei a libata do Capōco, o poderoso filho do sova do Huambo. O Capōco recebeu-me muito bem, deu-me a sua propria casa para habitar, offereceu-me logo um grande porco, e sabendo-me doente mandou-me duas gallinhas. Falei-lhe em carregadores, que elle me prometeu arranjar. Fiz-lhe um presente de duas peēas de riscado e duas garrafas de ągua-ardente. Pouco depois, um grande rancho de virgens, que se conhźcem pelas muitas manilhas de verga de pao, que lhe sobem dos artelhos, trouxeram em cestas abundante comida aos meus prźtos. Depois de tomar alturas da lua, deitei-me, feliz, apesar de doente, por ver coroada de čxito a minha excursćo. No dia seguinte deveriam chegar ali os meus companheiros, e com elles, nćo só a amizade e a companhia dos meus conterraneos, mas ainda os recursos que jį me faltavam completamente. Adormeci sorrindo. ”Quam longe estava eu de pensar que adormecia na včspera de uma agonia, immensa agonia que devia durar por 20 dias! No dia 14 fui a casa do pai do Capōco, o sova das terras do Huambo. A libata d'este sova, que se chama Bilombo, dista 3 kilņmetros da do filho, e estį assente na margem esquźrda do rio Calae. Bilombo esperava-me. Rodeado do seu pōvo, trajava soberbamente uma casaca escarlate, cobrindo-lhe a cabźēa uma barretina de caēadores. Entreguei-lhe o meu presente, que consistia em 3 peēas de riscado ordinario e duas garrafas de ągua-ardente, a que se mostrou muito grato. Ficou muito sorprendido vendo a minha carabina Winchester, e pedio-me para eu atirar com ella, ficando admiradissimo de me ver metter algumas balas n'um pequeno alvo a 200 metros, e muito mais quando lhe quebrei um ōvo a 50 metros. Este sova governava em tudo o paiz do Huambo: mas estį hōje reduzido a dominar apenas em parte d'elle. A sua historia é curta, mas vulgar. Elle era casado com a filha do sova do Bihé, que entretinha relaēões amorosas com um dos seus secślos. Tremiam os criminosos da cņlera do rei se viesse a saber a sua falta. Houve rompimento entre Bilombo e um rčgulo vizinho, e a guerra foi declarada. Bilombo tomou o commando do seu exčrcito e partio, ficando a governar na sua ausencia o amante da sua mulhér. Conspirįram ambos e Capussocśsso fźz-se acclamar sova. Retirou-se Bilombo para esta parte do paiz banhada pźlo Calae, onde o pōvo se lhe conservou fiel, e į epocha da minha passagem, me disse, estar preparando uma terrivel vinganēa į adłltera e ao seu amante o traidor Capussocśsso. De volta a casa do Capōco, despedi os trźs guias, que me acompanhįram desde Quingōlo, e por elles escrevi a Capello e Ivens, dizendo-lhes, que os esperava, e que nćo abandonassem as cargas, por ser o paiz pouco seguro. Fui de tarde dar um passeio įs margens do Calae, e sorprendeu-me a quantidade de caēa que encontrei, que nunca tanta tinha visto, mas nada matei por nćo ir prevenido para isso. O sova Bilombo mandou-me um presente de farinha de milho e um grande bōi, presente mui valioso, por ser escaēo o gado bovino n'aquelle paiz. Os carregadores estavam preparando os mantimentos para seguirem no dia immediato para Caconda, e eu escrevia aos meus companheiros, quando chegįram trźs portadores do sova de Quingōlo, com cartas d'elles, e uma cesta contendo sal e um pequeno saco de arroz. Abri pressuroso as cartas; eram ellas duas officiaes e uma particular, assignadas por Capello e Ivens. Diziam-me, que tinham resolvido seguir sós, e que pźlos 40 carregadores enviados por mim de Quingōlo, me mandavam 40 cargas, acompanhadas pźlo guia Barros, para eu as conduzir ao Bihé. Só o pouco ou nenhum conhecimento do sertćo Africano, que entćo tinham os meus companheiros, podia desculpar um tal proceder. Eu achava-me n'um paiz hostil, e se até ali tinha sido respeitado, fōra só porque o gentio me julgava a vanguarda de uma grande comitiva capitaneada por elles, e o receio das represalias tinha até entćo sostido a rapacidade dos indģgenas. Eu estava no paiz onde Silva Porto, o velho sertanejo, que percorrera impunemente os mais longinquos sertões Africanos, tivera de sustentar cruento combate com um gentio ąvido de rapina. æQue seria de mim logo que se soubesse que tōda a minha forēa consistia em 10 homens? Encarei a minha posiēćo e achei-a um pouco séria. Capello e Ivens tinham sido enganados por alguem, que a sua lealdade nćo lhes consentiria de certo o deixarem-me em tal posiēćo, se elles conhźcessem bem essa posiēćo. æQue fazer? Em trźs dias podia alcanēar Caconda, e voltar d'ali a Benguella. Tinha, por outro lado, diante de mim uma jornada de vinte dias ao Bihé, jornada em que teria de arriscar cada dia e a cada hora a vida e as bagagens. æQue fazer? A noite de 17 de Fevereiro foi passada em uma agitaēćo febril indescriptivel. æDevia seguir įvante? æTinha o direito de arriscar as vidas dos dez homens que me cercavam, e que dormiam tranquillos junto de mim? æTeria o direito de arriscar a minha propria vida em imprudente passo? æDeveria voltar a Benguella? æQuem comprehenderia na Europa o obstąculo quasi insuperavel que me fazia recuar? Ninguem, a nćo ser um ou outro explorador infeliz como eu. ”Que noite horrivel! e a febre a desvairar-me a mente, e o cuidado a augmentar-me a febre. A aurora do dia 18 encontrou-me de pé, e havia momentos que uma phrase estava gravada no meu pensamento e eu repetia machinalmente aquella phrase. _Audaces fortuna juvat_. Era a velha sentenēa dos fortes Romanos, era a lei que dicta as acēões dos aventureiros. Decidi seguir įvante, eu que nćo tinha ido a Ąfrica para só visitar o paiz do Nano, que, digamos a verdade, nćo deixa de ser muito interessante, sōbre tudo para nós os Portuguezes. Descrevi aos meus 10 homens a nossa posiēćo precaria e a resoluēćo tomada de caminhar para o Bihé; elles protestįram-me a sua dedicaēćo e a intenēćo de sempre me acompanharem. D'esses dez homens 3, Verissimo Gonēalves, Augusto e Camutombo estivéram em Lisboa depois de terem atravessado comigo a Ąfrica; 4 seguķram do Bihé Capello e Ivens, por minha ordem; 1, o prźto Cossusso, enlouqueceu, junto ao Quanza, e foi por mim entregue ao aviado de Silva Porto, Domingos Chacahanga, para d'elle ter cuidado; e os dois restantes, Manuel e Catraio grande, cahiram aos meus pes varados pźlas azagaias Luinas, e cumprindo a sua promessa formulada rudemente n'este dia, morréram defendendo-me, quando eu mesmo defendia a bandeira das Quinas. Ao tempo em que vai a minha narrativa, eu mal os conhźcia, e nćo tivera até entćo logar de experimentar o seu valor. Eu estava em casa do Capōco, que até entćo me tinha dispensado os maiores favores; mas Capōco era o cčlebre salteador do Nano, que chegara a ir atacar Quillengues, um anno antes. æO que faria elle, logo que conhźcesse a minha fraqueza? D'elle dependia o čxito da minha empresa. Capōco é homem de vinte e quatro annos, sympąthico e de maneiras agradaveis. Muitas vźzes me dizia Verissimo Gonēalves, que lhe parecia impossivel ser elle o homem cujo nome era tćo temido, e que tćo longe dirigia as suas correrias de devastaēćo e morte. Entre as suas escravas conhźceu Verissimo algumas raparigas roubadas em Quillengues, no ataque do anno anterior. Uma mesmo, com quem falei, era filha de um dos sovas de Quillengues, e Capōco pedia por ella grande resgate. Capōco é intelligente, parco no comer e beber, e ainda que possue grande nłmero de escravas, as que formam o seu harem sam mui poucas. Ha no seu fundo alguma cousa de justo por entre a barbaria do seu viver e dos seus principios. Por exemplo: eu vi que a escrava, a que acima me referi, filha do sova de Quillengues, trazia nos artelhos as manilhas de pao, signal infallivel de virgindade, a pesar de ser muito bonita e elegante. Admirou-me isso, e perguntei ao Capōco æporque nćo havia feito d'ella sua amante? "Porque nćo dźvo," me respondeu elle, "é minha escrava pźlo direito da guerra, mas em quanto seu pai manifestar o intento de a resgatar, dźvo respeital-a e serį respeitada, porque a dźvo entregar como a tomei." Um dia Capōco disse-me, que, estando Benguella d'aquelle lado (apontava para o oeste), o sol passava primeiro pźlo Huambo antes de ir a Benguella. Disse-lhe eu ser isso verdade, e elle quiz saber quanto tempo depois de nascer ali, nascia elle em Lisboa. Procurei fazer-lhe comprehender, que hora e meia; dizendo-lhe o tempo que um homem leva a percorrer tal caminho, elle mostrou-se admirado; porque julgava, me disse, ser o nosso paiz muito mais longe. Os costumes entre os pōvos do Nano e do Huambo sam os mesmos que entre os Quillengues, assim como falam a mesma lingua. Trabalham o ferro, de que fazem setas, azagaias e machadinhas; mas nćo enxadas, que v[~e]m do norte. Como jį incidentalmente notei, as raparigas, em quanto virgens, usam nos artelhos de ambas as pernas ou só na esquźrda, umas manilhas de verga de pao, e é grande crime para a familia, conservar as manilhas įquellas que jį nćo t[~e]m direito de as usar. Uma cousa curiosa nos costumes d'estes pōvos, é haver em tōdas as povoaēões uma especie de kiosques para conversaēćo. [Figura 4.--Homem e Mulhér do Huambo.] Sam como uma cubata, mas os prumos que sustentam o tecto de cōlmo, sam bastante separados. No meio arde a fogueira, socia constante do gentio Africano, e em tōrno tomam assento os habitantes da povoaēćo em toros de pao. É o sitio da palestra, sōbre tudo quando chove; ali narram-se episodios de guerra ou de caēa, fala-se tambem de amor, e muito menos de vidas alheias do que na Europa. No paiz do Huambo comźēa na costa de oeste o grande luxo nos penteados, tanto em homens como em mulhéres, e tenho visto alguns que difficilmente seriam executados pelos melhores cabelleireiros da Europa. Ha penteados que levam dois e trźs dias a fazer, e que se conservam por muitos mezes. Os penteados das mulhéres sam profusamente enfeitados com umas contas de vidro que no commercio em Benguella tem o nome de coral branco ou encarnado, e é este gčnero muito procurado no paiz. Eu infelizmente nćo levava nenhum. A pņlvora, armas e o sal de cozinha sam ali gčneros de grande valia. Nada d'isso eu tinha, em quantidade de que podesse dispensar, o que tornava mais embaraēosa a minha posiēćo. Fui falar ao Capōco e expuz-lhe que os meus companheiros tinham seguido por Gallangue, e que só viriam 50 cargas, nćo precisando eu por isso mais de 40 homens e esses só para irem d'ali ao Bihé. Despedķmos por isso os 80 carregadores que a essa hora jį estavam reunidos, e que se retirįram muito descontentes. Capōco prometeu-me que teria os 40 de que precisava até ao Bihé. N'esse dia chegou o prźto Barros com as 40 cargas, e trouxe-me nōva carta dos meus companheiros, confirmando o que diziam as primeiras. Por elle sube que elles tinham saļdo de Caconda para o Bihé; acompanhados pźlo ex-chefe, Alferes Castro, e pźlo degradado Domingos, que me tinham mostrado a impossibilidade de obter gente em Caconda, e que a obtivéram no dia em que eu sahi d'aquelle ponto. A elles, talvez, devia eu a crģtica posiēćo em que me achava, porque os meus companheiros, pouco conhźcedores d'Ąfrica, e nada d'aquelle paiz, nćo podiam julgar das difficuldades que me creavam, ao passo que aquelles dois senhores, de sobra as conheciam. Nćo os accuso de um crime, mas culpo-os de uma leviandade. Nćo lhes quero mal, porque a ningem quero mal, e um mez depois de se passarem os successos que estou narrando; espantado ainda dos perigos a que tinha conseguido escapar; prostrado no leito, onde me tinha prendido com garras de ferro a doenēa, proveniente de 20 dias de cruel agonia, a que elles déram causa; vi-os entrar, famintos e sem recursos, na casa de Silva Porto, que eu occupava no Bihé; e esqučcendo tudo o mal que me haviam feito; e nćo me lembrando de que um estava privado dos direitos de cidadćo por uma sentenēa infamante; reparti com elles o pouco de vģveres que eu tinha, dando-lhes os meios de voltarem com relativa commodidade a Caconda. É que eu vi n'elles, nćo só dois brancos, dois Portuguezes, perdidos no jį longinquo sertćo do Bihé, mas vi mais os homens que me fizéram ter de mim uma opinićo de que me sentia orgulhoso, os homens que em 20 dias de agonia que me déram, em mil perigos a que me lanēįram, com que me fizéram lutar e que eu venci, me retemperįram a alma para commettimentos maiores. A elles devia a confianēa que tinha em Deos e em mim mesmo; e repartindo com elles o pouco que tinha, julgava pagar uma dģvida de gratidćo, onde outros, succumbindo ao soffrimento, só veriam, talvez, um motivo de vinganēa. Nćo antecipemos factos. Capōco veio dizer-me, que no dia seguinte teria os 40 homens que queria, mas só até ao Sambo, porque elles se recusavam a ir mais ąlém; por estarem despeitados pźla despedida dos 80 que se haviam reunido para ir a Caconda e ao Bihé, e que eu tinha dispensado. Ąlém d'isso, elles exigiam um pagamento muito superior; porque eu os havia contratado por 10 pannos de Caconda ao Bihé, e estes exigiam só do Huambo ao Sambo 8 pannos. Acertei tudo, para poder partir. No dia seguinte de manhć, reunķram-se os 40 homens; mas de repente surgio uma nōva difficuldade. Quando em Caconda fomos enganados pźlo Bandeira, o Ivens tinha tirado a tōdos os fardos sortidos o algodćo branco; porque os prźtos que esperąvamos do Bandeira nćo queriam pagamento em outro gčnero. Esqučceu esta circunstancia, e eu, levando dois fardos sortidos, nćo levava nem uma só peēa de algodćo branco. A gente do Capōco declarou-me logo, que nćo queriam receber senćo algodćo branco, e nćo pegariam nas cargas se eu lho nćo désse. Recusįram-se a receber o riscado, e jį se iam, quando appareceu o Capōco, e nćo sem custo os decidio a receberem metade em riscado, metade em zuarte. Havia grande descontentamento entre elles quando įs 10 horas os fiz seguir acompanhados pźlo guia Barros. Eu devia partir dentro de uma hora; mas fui atacado de tćo violento accesso de febre, que tive de deitar-me. Desde a včspera chovia torrencialmente, e sōbre tudo a noite foi tempestuosa. A febre comźēou a declinar įs 4 horas da tarde, e a chuva cessou. Pźlas 5 horas, precisei sahir da libata e fui a um mato prņximo, os meus passos eram vacilantes e apoiava-me pesadamente no meu bordćo. Precavido sempre, disse ao meu prźto pequeno Pépéca, que me acompanhasse e trouxesse uma das minhas carabinas. Ia a entrar no mato, quando a vinte passos de mim surge um enorme błfalo a olhar desvairado, resfolgando estrondosamente. Tomei das mćos do pequeno a espingarda, e qual nćo é o meu desespźro, vendo que, em logar de carabina, elle tinha trazido uma simples arma de caēa, carregada de chumbo! Senti-me perdido e vi a morte inevitavel, terrivel caminhando para mim n'aquella fera, que mugia surdamente. Lembrei-me de Deos, de minha mulhér e de minha filha. A fera avanēava aos saltos, n'esse irregular galope que elles tomam para o ataque. A 8 passos de mim, disparei-lhe o primeiro tiro de chumbo, elle parou meio segundo, para seguir logo. Ao dispararar-lhe o outro tiro nćo havia mais distancia entre a bōca da espingarda e a cabźēa do błfalo do que alguns decģmetros. Atirei e fiz um enorme salto para o lado. O błfalo seguio sempre, passando a tomar uma carreira vertiginosa, e desappareceu no mato. O meu Pépéca ria a bandeiras despregadas, e inconsciente do perigo, batia as palmas gritando, "O bōi fugio, o bōi fugio, tźve mźdo de nós." Voltei a casa do Capōco; e passei a noite mais socegado. Quiz escrever, e para isso improvisei uma luz de manteiga de porco em uma velha caixa de sardinhas de Nantes. Era a 21 de Fevereiro de manhć. Despedi-me do Capōco, e febril ainda, segui caminho do Sambo. Antes de chegar ao Calae, recebi un bilhete. Era elle do guia Barros, dizendo-me, que na včspera į noite, os carregadores tinham fugido tōdos, deixando as cargas na libata do secślo Quimbungo, irmćo do sova Bilombo. Parei, e mandei chamar o Capōco. Contei-lhe o occorrido, e elle disse-me, que seguisse para a libata do tio, que tudo ia remediar. Segui įvante, e pouco depois passei o Calae, que corre N.S. para o Cunene, tendo ali 30 metros de largo por l,5 de fundo, com violenta corrente. As margens sam vastas planicies levemente accidentadas e cobertas de gramģneas, por entre as quaes surge aqui e ąlém um solitario dragoeiro. O solo é de formaēćo animal, que tudo o terreno é coberto por um mundo infinito de termites, ou antes o cobre. Uma ponte, construida toscamente de troncos de ąrvore, une as duas margens do rio. 100 metros a montante da ponte, recebe o Calae um affluente importante, o Cuēuce, que traz volume d'ągua igual ao seu. Caminhei a E.N.E., e pźlas 10 horas passei junto į libata do secślo Chacaquimbamba, em cuja frente havia grande ajuntamento de gentio. Passei sem nada me dizerem; mas tinha andado uns 50 metros, quando senti um grande barulho do lado da libata. N'esse momento Verissimo correu a mim e disse-me, que havia questćo com um carregador nosso. Voltei a traz e vi o prźto Jamba, carregador da minha mala, a quem tinham tirado a espingarda, o que conseguķram facilmente, porque elle a largou com receio de deixar cair a mala, que continha os chronņmetros e outros instrumentos delicados. Ąlém da arma, elles tinham mettido para a libata uma cabra e um carneiro, que me tinham sido dados pźlo Capōco. Intimei-os a que me entregassem o roubo; mas apenas me respondéram com um murmurio ameaēador. Calculei rąpidamente as circunstancias, e vi-me com 10 homens, cercado por 200 que me ameaēavam furiosos. Esqučci por um momento tōda a prudencia e bom senso, e quiz experimentar o que valiam esses 10 homens, que no futuro teriam de ser meus socios em perigos maiores, e caminhando para a porta da libata, armei o revólver e ordenei-lhes que entrassem e me trouxessem o roubo. O meu prźto de Benguella, Manuel, um mōēo de que eu nunca fizera caso, soffreu uma transformaēćo słbita, e armando a carabina, de um salto entrou na libata. Foi logo seguido por Augusto, Verissimo e Catraio grande. Os outros seguķram, e eu, estudando os meus homens, esqučci-me de mim, e podia ter sido vģctima do furor da populaēa que me cercava; mas a nossa audacia espantou-os, e recuįram, vendo sahir da libata Verissimo com a cabra, o Augusto com o carneiro, e os outros de carabina prompta cobrindo-lhes a retirada. A arma, mais facil de esconder do que os animaes, nćo foi encontrada, mesmo em uma segunda busca mais minuciosa do que a primeira; que o successo desta tinha autorizado. Os meus prźtos, animados pźla indecisćo dos gentios, só proferiam palavras de morte, e custou-me a contel-os para que nćo fizessem fogo sōbre os indģgenas. Consegui acalmal-os, e prometi-lhes que em breve teriamos satisfaēćo plena. Eu dizia isto fiado no Capōco, em quem jį confiava um pouco. Seguķmos, uma hora depois, e a 1.30 passava o rio Põe, affluente do Calįe, que tem 5 metros de largo por 1 de fundo, cujo leito lodoso e molle dį difficil passagem. Įs 3 horas chegava į libata do secślo Quimbungo, irmćo do sova do Huambo, onde estavam as cargas abandonadas e o prźto Barros. O Quimbungo recebeu-me muito bem, e disse-me que me daria carregadores até ao Sambo, e sabendo do occorrido de manhć, pedio-me que nćo fizesse mal ao secślo Chacaquimbamba, que elle me faria entregar a arma roubada, e dar plena satisfaēćo do insulto. Pźlas 6 horas, chegou ali o Capōco, trazendo alguns carregadores dos que tinham fugido, e as fazendas apprehendidas aos outros, fazendas dos pagamentos que eu havia feito adiantados. Disse-me, que no seguinte dia me faria entregar a arma roubada, e poria į minha disposiēćo o chefe da povoaēćo para eu o castigar. Que nćo receasse eu mais fuga de carregadores, porque elle mesmo, ou o tio, me acompanhariam até ao Sambo. Fui deitar-me ardendo em febre, e passei uma noite horrivel. No dia seguinte reunķram-se mais carregadores; mas nćo ainda os sufficientes. Capōco tinha partido logo de madrugada para casa do Chacaquimbamba, e ao meio dia appareceu-me com a arma roubada e aquelle secślo, a quem perdoei a offensa da včspera. O delinquente deu-me mil satisfaēões, e melhor do que as satisfaēões, dois magnģficos carneiros. Capōco, esse homem selvagem e ferōz, que é o terror do Nano, esse homem que eu consegui dominar completamente e que tantos serviēos me prestou, despede-se de mim e volta į sua libata, recommendando-me instantemente ao tio. De tarde desencadeou-se sōbre nós uma horrivel tempestade, e į chuva torrencial misturava-se o raio e o trovćo da tormenta perpendicular. Recresceu-me a febre. Durante a noite nōva tormenta; mas com chuva moderada. O secślo Quimbungo, logo de manhć cźdo, me veio dizer estarem promptos os carregadores; mas exigirem o pagamento adiantado. Recusei positivamente, porque, ąlém da experiencia adquirida com o mao resultado dos pagamentos adiantados, foi consźlho do Capōco, nunca fazer taes pagamentos. Os homens recusįram-se a seguir e fōram-se. Quimbungo reune a gente da sua povoaēćo, e ordena-lhe que sigam comigo; elles obedecźram, mas sam mui poucos e reunidos aos que me trouxe o Capōco, deixam ainda 27 cargas, que eu entrego ao Barros, e que o Quimbungo promette mandar-me įmanhć para o Sambo, para onde eu decidi seguir immediatamente. Parti įs 10 horas a Leste, e uma hora depois, passei o rio Canhungamua, de 30 metros de largo por 4 a 5 de fundo, que correndo ao Sul vai unir as suas ąguas įs do Cunene. Uma ponte de troncos de ąrvore, de construcēćo nōva, deu-me facil passagem e į comitiva, que na margem esquźrda do rio se recusou a ir mais longe n'aquelle dia, sendo-me preciso empregar a maior energia para os fazer seguir até as 3 horas, hora a que acampei n'uma espźssa floresta de acacias. O mao tempo continuava sempre, e a febre resistia ao muito irregular tratamento que eu lhe podia fazer. Durante a noite uma trovoada horrivel, correndo de S.O. a N.E., passou junto de mim, despedindo raios e chuva torrencial. Levanto campo no dia seguinte įs 6 horas, e duas horas depois, passava o Cunene, em ponte construida, como tōdas n'esta parte d'Ąfrica, de troncos grosseiros. O rio tem ali 20 metros de largo por 2 de fundo, e corre ao Sul. As margens sam levemente accidentadas, cobertas de gramģneas, e pouco arborizadas. Duas fileiras de ąrvores, mui semelhantes aos salgueiros da Europa, desenham duas linhas tortuosas, por entre as quaes o rio se deslisa com veloz corrente em leito de areia branca e fina. Descancei um pouco, depois de ter feito as observaēões precisas para determinar a altitude, e segui ao meio dia, alcanēando, pźlas 2 horas, a libata do sova Dumbo, no paiz do Sambo. Este sovźta é vassallo do sova do Sambo, é homem rico e tem muita gente nas povoaēões que governa. Recebeu-me muito bem, e quiz que me hospedasse na libata, o que aceitei. Prometteu-me carregadores para o dia seguinte, ainda que me disse ter eu chegado em mį occasićo, por ter muita gente fōra em guerra. Paguei e despedi os carregadores do Quimbungo, e fiquei certo de seguir no dia immediato. Pouco antes de mim tinha chegado ao Dumbo um secślo rico, que mora na margem do Cubango, chamado Cassoma, e vinha visitar o sovźta de quem era amigo. Este Cassoma, com quem nćo sympathizei, veio fazer-me mil protestos de amizade, offerecendo-se para me acompanhar ao Bihé. De tarde mandei ao sovźta 3 garafas de ągua-ardente, e fiz lembrar-lhe que me nćo faltassem os carregadores na manhć seguinte. Ao contrario dos usos da hospitalidade do gentio n'estas paragens, o sovźta nada me mandou para comer, e eu e os meus tivémos fome, porque ninguem nos vendeu farinha. Seriam 8 horas da noite, quando eu, de muito mao humor e estōmago vazio, me ia deitar, senti bater į porta e logo entrarem o sovźta Dumbo, o tal Cassoma e um secślo chamado Palanca, amigo e principal conselheiro do sovźta, e cinco das mulhéres d'este łltimo. Conversįmos um pouco sōbre a minha viagem; mas de repente o Cassoma, interrompendo a conversa, disse ao sovźta, "Nós nćo viémos aqui para conversar, queremos ągua-ardente, e diga a esse branco que nol-a dź jį." O sovźta animado pela arrogancia do Cassoma, disse-me, que lhe desse ągua-ardente a elles e įs mulhéres. Eu respondi-lhe que jį lhe tinha dado trźs garrafas, que elle nada me tinha offerecido, que era esta a primeira hospedagem que eu recebia de um chefe em que me deitava com fome, e por isso nćo lhe daria nem mais uma gota de ągua-ardente. O Cassoma meteu-se logo na questćo, animando o sovźta contra mim, e entre nós comźēou uma controversia que durou mais de uma hora, em que eu fiz prova de uma prudencia e paciencia sem limites. Por fim elles concluiram dizendo-me, que pois eu lh'a nćo queria dar por bem, m'a iam tirar į fōrēa. Eu entćo, perdendo a paciencia, empurrei com o pé o barril, e armando o revólver, perguntei-lhes qual era o primeiro que bebia. Elles vacilįram um momento, mas o Cassoma disse ao sovźta: "Tu es rei, vae, bebe primeiro." Dumbo, tirando o cobertor que o envolvia, entregou-o ao Palanca, dizendo-lhe: "Guarda-o, para que o branco m'o nćo furte," e caminhou ao barril. Eu levantei o revólver į altura da cabźēa do sovźta e fiz fogo; mas Verissimo Gonēalves, que estava junto a mim, empurrou-me o braēo e a bala, desviando-se da pontaria, foi cravar-se na parźde. Os trźs nźgros, transidos de mźdo, recuįram até į parźde, e as 5 mulhéres fizéram um berreiro horrivel. Eu ouvi entćo junto į porta uma estrepitosa gargalhada que me chamou a attenēćo, e devisei na sombra dois homens encostados įs carabinas, que riam como riem prźtos. Eram os meus Augusto e Manuel, que se tinham aproximado, ao ouvirem a discussćo, e que, acompanhados dos outros 8 homens, guardavam a porta. O Verissimo disse entćo ao sovźta e aos seus companheiros, que se fōssem deitar, e nćo me dissessem mais nada, porque, se eu me zangasse outra vez, elle nćo lhes poderia salvar a vida como ha pouco. Elles tomįram o prudente consźlho, e retirįram-se, ficando tudo em silencio. Sem o empurrćo que me deu o Verissimo, eu teria mōrto um homem, e na situaēćo em que nos achąvamos, estarģamos completamente perdidos. Foi elle que salvou tudo. Com a excitaēćo que me produziu a cņlera, recresceu a febre, e cahi sem fōrēas nas pelles que estendidas no chćo me serviam de leito. Os meus prźtos deitįram-se atravez da porta, e disséram-me, que dormisse descanēado, que elles velariam por mim. Havia quatro dias, que por um momento estive quasi perdido em trźs occasiões differentes: 1^o com o błfalo no Huambo, 2^o na libata do Chacaquimbamba, e 3^o ali n'aquella noite. Depois de um sono agitado, acordei ao som da tempestade que bramia lį fora. Pensei nos acontecimentos da noite e nćo fiquei tranquillo. æO que succederia de manhć? Eu estava só com 10 homens, dentro de uma povoaēćo fortificada, d'onde nćo era facil sahir; e ainda que se me abrissem as portas æonde iria eu obter carregadores, agora que me tinha indisposto com o rčgulo? Pōde bem julgar-se da anciedade com que esperei o raiar da aurora. Ao alvorecer a febre tinha abrandado um pouco. Apromptei-me para partir, e mandei chamar o sovźta, que appareceu logo. Disse-lhe que ia seguir, e ali deixava as cargas sōb sua responsabilidade, e que depois as mandaria buscar; mas elle pedio-me que o nćo fizesse, que me ia dar os carregadores; e dando-me mil satisfaēões do occorrido na včspera, disse-me, que o culpado fōra o Cassoma, que elle jį tinha posto fōra de casa; o que era falso, porque eu ali o vi depois. [Figura 5.--Mulhér do Sambo.] Įs 10 horas, apresentou-me os carregadores precisos. Verdadeiramente nćo eram só carregadores, que no grupo devisei 6 raparigas, ainda de manilhas nos artźlhos; tal cuidado poz elle em servir-me, que, para nćo me demorar, mandando ir homens das povoaēões distantes, me deu os que na sua tinha disponiveis, e ainda seis das suas escravas, para completar o nłmero pedido. Agradeci muito e mostrei-me sensivel a tal prova de cuidado, declarando-lhe logo, que nćo tinha comigo presente digno, de offerecer-lhe, e que querendo dar-lhe uma espingarda lhe pedia mandasse um homem da sua confianēa recebel-a no Bihé, mostrando-lhe desejos de que esse homem fōsse o secślo Palanca seu conselheiro ģntimo. Exultei de alegria (que me abstive de deixar transparecer) ao ver o meu pedido satisfeito, e o Palanca nomeado para me acompanhar. O sovźta Dumbo entregava nas minhas mćos um preciōso refem, que me responderia jį pźla minha seguranēa, jį pźla das cargas que deixei dois dias antes entregues ao Barros, a quem preveni e acautelei em carta deixada ao Dumbo. Deixei a povoaēćo įs 11 horas, į frente da estranha comitiva, formada dos meus dez bravos de Benguella, dez salteadores do Sambo, e seis virgens escravas do sovźta Dumbo. A chuva era torrencial; mas eu, apesar d'isso, segui sempre, tanto me tardava de ver longe a povoaēćo onde passei tćo horrivel noite. Quatro horas depois, tendo andado a N.E., fui acampar junto da povoaēćo de Burundoa, completamente molhado e tiritando de frio e febre. Nćo aceitei a hospitalidade offerecida pźlo chefe da povoaēćo, porque, depois do que se passou na včspera, recordei-me de um bom consźlho que me deu Stanley, e protestei nćo mais em Ąfrica pernoitar em casa de gentio. [Figura 6.--O meu Acampamento entre o Sambo e o Bihé.] Viéram ao meu campo muitas raparigas vender capata, milho, fuba e batatas magnģficas, em nada inferiores įs da Europa. A chuva continuava mais moderada, mas persistente, e eu sentia-me muito doente. Junto do meu campo corria um pequeno riacho, cujas ąguas iam a um ribeiro affluente do Cubango, sam as ąguas que este łltimo rio recebe mais de Oeste. Durante a noite houve chuva moderada, mais forte das 4 įs 5 da manhć, hora em que parou. Ha grande abundancia de ņptimo tabaco n'este paiz, onde me vendźram muito e baratissimo. Ali poucos prźtos fumam, mas tōdos cheiram tabaco em pó, que preparam torrando a fogo brando o tabaco de fumo, e reduzindo-o a pó no mesmo tubo que lhe serve de caixa, com um pao, especie de mćo-de-almofariz, que a elle anda prźso com uma correa fina. Parti as 7^{h.} 40^{m.} a N.E., atravessando uma regićo muito cultivada e muito povoada. Įs 8^{h.} 30^{m.} passei junto da grande povoaēćo de Vaneno, e įs 10 parei para descanēar junto da aldea de Moenacuchimba. Segui įs 10 e meia sempre a N.E., įs 11 passei junto da povoaēćo de Chacapombo, muito populosa, e meia hora depois parei perto de Quiaia, a mais importante de tōdas. O chefe d'esta aldea veio ao caminho comprimentar-me e offerecer-me um grande porco. Dei-lhe em algodćo riscado o valor do porco, e elle retirou-se satisfeito, mandando em seguida muitas cabaēas de capata para a minha gente. Segui no mesmo rumo, e duas horas depois fui acampar no mato prņximo da povoaēćo do Gongo. Esta łltima parte da marcha d'aquelle dia foi trabalhosa, porque choveu muito, e o vento S.O. era rijo e frio. Pźla tarde chegou um enviado do sova grande do Sambo, cuja povoaēćo me ficava uns 15 kilņmetros a N.O., mandando-me pedir alguma cousa, e dizendo-me o portador do recado, que se eu houvera passado į porta do sova, elle me daria um bōi. Agradeci a bōa intenēćo, e resolvi dar-lhe no dia seguinte alguma cousa, receoso que o enviado, se eu o despedisse sem dar nada, influisse nos carregadores a abandonarem-me, o que seria facil porque jį o tinham querido fazer, e foi preciso tōda eloquencia do Verissimo para os convencer a seguirem įvante. O secślo Capuēo, chefe da povoaēćo prņxima, mandou-me comprimentar por trźs das suas mulhéres (tōdas feias), e por ellas um presente de uma gallinha e trźs cabaēas de capata. Mandei-lhe seis cōvados de riscado e dei algumas missangas įs mulhéres. Junto į noite viéram algumas mulhéres vender farinha, milho e mandioca. Usam ellas ali os mais extravagantes penteados, e a carapinha é enfeitada com coral branco e reluz da grande profusćo de oleo de ricino, que ellas prodigalizam na sua _toilette_. Os homens do sovźta Dumbo eram verdadeiramente insobordinados, querelavam-se com a gente de Benguella, e durante a noite só houve tranquillidade na barraca onde dormiam as seis virgens nźgras, as minhas gentķs carregadoras. A noite foi tormentosa de chuva e vento. Ao alvorecer o secślo Capuēo, veio agradecer os 6 cōvados de riscado que lhe dei, e em logar das trźs mulhéres feias que me enviou na včspera, trouxe-me um lindo porco e uma gorda gallinha. O enviado do sova veio receber o presente que lhe tinha promettido; e que foi muito insignificante, sendo como era em trōco da intenēćo de me dar um bōi, se eu passasse junto da libata d'elle. Segui pźlas 8 horas, e įs 9 passei junto das povoaēões de Chacįhōnha, primeiras da raēa (Ganguela) na Ąfrica de Oeste. Passei o riacho Bomba, cuja margem esquźrda segui por dois kilņmetros, quando os carregadores pousįram as cargas, recusando seguir įvante, e pedindo os seus pagamentos para voltarem. Eu estava a dois kilņmetros do Cubango, e querendo passar o rio, instei com elles a que andassem mais aquelle curto espaēo, e que logo que estivesse na outra margem lhes daria os seus pagamentos e os despediria. Recusįram-se formalmente, dizendo, que eu tinha sido muito offendido na sua libata, pźlo sovźta Dumbo, e por isso nćo iam para diante, sendo certo que, logo que eu os tivesse na outra margem do rio, fōra do seu paiz, me vingaria n'elles das offensas recebidas. Fōram baldados os meus esfōrēos e tudo foi eloquencia perdida. Recusei-me a pagar-lhes se elles nćo passassem o Cubango; responderćo-me que se retiravam sem pagamento, e logo chamįram as seis raparigas e ordenįram-lhes que os seguissem. Eu estava no desespero; ali perto era a povoaēćo do Cassoma, e eu vi ser aquillo plano combinado de antemćo para me entregarem a elle, que me havia precedido no caminho. As cargas abandonadas n'aquelle ponto eram cargas perdidas. Calcule-se com que ōlhos eu vi partirem os carregadores, abandonando-me. Olhei para as cargas e estremeci de prazer. Sentado em uma d'ellas estava um homem alto e magro, de figura impassivel, com a longa carabina atravessada sōbre os joźlhos. Era o secślo Palanca, que eu havia esqučcido. Saltar sōbre elle e derrubal-o foi obra de um momento. Mandei-o amarrar de pés e mćos, e dei ordem a Augusto e Manuel que o enforcassem no ramo de uma acacia que se estendia sōbre as nossas cabźēas. Ao ver que a ordem ia ser cumprida, elle, transido de mźdo, gritou-me, "Nćo me mates, os carregadores vam passar o Cubango," e logo soltou um grito agudo que fźz reunir os carregadores jį dispersos. Ordenou-lhes que pegassem nas cargas e seguissem, e elles obedecźram. Mandei que lhe desamarrassem os pés, e prometti-lhe um tiro na cabźēa į menor excitaēćo dos carregadores. Meia hora depois passava o Cubango n'uma bem construida ponte, e acampava na margem esquźrda junto das povoaēões de Chindonga. [Figura 7.--Ponte de Cassanha sōbre o Rio Cubango.] Entre o rio e o meu campo ficavam umas minas de ferro, d'onde o gentio extrae abundante minerio. Estava finalmente em terras de Moma, e livre dos paizes do Nano, Huambo e Sambo, de que guardarei eterna memoria. O Cubango corre ali a S.S.E., e tem 35 metros de largo por 2 a 4 de fundo. Fiz observaēões para determinar a posiēćo e altitude, e logo corri į barraca, que uma trovoada vinda de N.N.E. descarregou sōbre nós copiosa chuva. Paguei e despedi os carregadores do Sambo, dando-lhes dois cōvados de riscado a cada um, que tal tinha sido o ajuste. Chamei as 6 raparigas, e disse-lhes, que a ellas nada daria, porque as mulhéres tinham obrigaēćo de trabalhar e nćo mereciam paga. Ellas retirįram-se tristes; mas achando natural o meu modo de proceder, tćo aviltada é a mulhér n'aquelles paizes. Quando jį se mettiam a caminho para voltarem ao Sambo, mandei-as chamar e dei 4 cōvados do mais brilhante zuarte pintado que possuia a cada uma, e algums fios de missangas differentes. É impossivel descrever o contentamento d'aquellas desgraēadas ao receberem tćo valiosa paga. Os homens roiam-se de inveja, e eu convenci-os de que, se nćo tivessem querido voltar para casa na outra margem do Cubango lhes pagaria do mesmo modo. Foi a minha vinganēa, e ao mesmo tempo proveitosa liēćo. [Figura 8.--O Secślo que me deu um Porco.] N'essa noite veio procurar-me um secślo da povoaēćo de Chindonga, que me trouxe de presente um porco. Este secślo prometeu-me carregadores para o dia seguinte, a um cōvado de riscado por dia, dizendo-me, que elles só iriam até ao paiz de Caquingue, onde eu facilmente obteria gente para o Bihé. A minha febre tinha cedido a fortissimas doses de quinino; mas completamente molhado havia trźs dias, eu sentia jį os primeiros symptomas do terrivel ataque de rhčumatismo que depois ia compromettendo a minha viagem. A noite foi tempestuosa e o dia seguinte continuou chuvoso. O secślo veio logo de manhć com os carregadores; mas eu tinha resolvido descanēar ali um dia, e por isso convoquei-os para o dia seguinte. Disse-me elle, que os meus companheiros tinham passado na včspera, vindos do Sul. O secślo Palanca, do Sambo, continśa bem vigiado, mas livre. Eu na včspera tinha mandado dizer ao sovźta Dumbo, que a cabźēa do seu amigo me respondia pźlas cargas que vinham escoltadas pźlo prźto Barros, resoluēćo que Palanca achou muito justa e natural, por ser lei do paiz. Talvez o meu procedimento, que eu confesso francamente, me seja censurado, mas eu rogo aos censores, que pensem um pouco na posiēćo de algum, acompanhado só de dez homens, n'um paiz em que tudo lhe é hostil, desde o clima até ao homem. Se eu nćo professo o principio de que os fins justificam os meios, nćo sou tambem bastante virtuoso para apresentar uma face į mćo que me esbofeteou a outra. Longe das vistas do mundo civilisado, fōra d'esses dois cģrculos de ferro que apertam a humanidade culta, a que chamam o cņdigo penal e as conveniencias sociaes, cģrculos que, apesar de estreitos, deixam ainda bastante latitude ao crime e į infamia; o explorador d'Ąfrica, perdido no meio de pōvos ignaros, cujos cņdigos differem essencialmente dos nossos; tendo por łnica testemunha dos seus actos a Deos, por łnico censor das suas obras a sua consciencia, precisa ter uma fōrēa sublime para se conservar honrado e digno, quando muitas vźzes as paixões travam no seu ģntimo uma luta infrene. Por mim o digo, que tōdas as ovaēões que me tem dispensado o mundo civilisado, pźla felicidade que tive de vencer os obstąculos materiaes no meu caminho, seriam talvez mais justamente applicadas, se se soubesse quantas lutas, e que terriveis lutas sustentei para me vencer a mim mesmo. Vencer as suas paixões indņmitas, vencer os seus hąbitos materiaes e moraes da vida civilisada, sam os dois grandes trabalhos do explorador. Aquelle que o conseguiu, attingirį o seu fim, cumprirį a sua missćo. Eu, no principio da minha viagem, receei muito de mim mesmo. Tive lutas ingentes, lutas terriveis, por serem surdas e ignoradas, de que sahi sempre vencedor. O meu genio indņmito tźve de ceder į vontade inquebrantavel, e na falta de tempo para escrever um cņdigo, tomei um que accommodei ao meu uso. Os meus principios fōram os do direito natural; a minha lei, curta mas ņptima, resumiu-se nos dez preceitos do Decąlogo. Nćo se julgue que quero fazer jus į canonizaēćo, nem mesmo que pretendo ter seguido į risca os preceitos gravados no vigčsimo capģtulo do livro sublime do Čxodo, de certo o mais bello do Pentateuco; mas fiz o que pude para nćo me afastar muito d'elles, e fiz bem. Esta divagaēćo fica aqui, nćo como narrativa de ąguas passadas, mas como consźlho a exploradores futuros, que nćo sejam missionarios, que a esses Deos me defenda de falar em materia da sua competencia. É verdade que eu encontrei alguns em Ąfrica que me fizéram lembrar o velho rifćo, "Em casa de ferreiro, espeto de pao." Passemos adiante. Durante o dia, viéram muitas prźtas vender alimentos, e entre outras cousas vulgares, trouxéram uma mui extraordinaria. Era uma grande cesta cheia de lagartas, mui semelhantes įs do _Acherontia Atropos_, e da mesma grandeza. Este gigantesco Lepidņptero no seu primeiro estado vive nas gramģneas, e é facil ali colher grande provisćo. Os Ganguelas sam ąvidos de tal manjar, que os meus prźtos recusįram. [Figura 9.--Mulhéres Ganguelas das margens do Cubango.] No dia seguinte logo de manhć, viéram offerecer-se muitos mais carregadores, que recusei, por me serem inuteis. Parti depois das 10 horas, hora a que a chuva abrandou. No momento da sahida quebrei os meus ņculos, que usava desde Lisboa. Andei a N.E., e cinco horas depois, acampava na margem esquźrda do rio Cutato das Ganguelas, rio que passei em umas alpondras sōbre uma pequena cataracta. No caminho passei um pequeno ribeiro, chamado Chimbuicoque, affluente do Cutato. O rio corre n'aquelle ponto a Leste, voltando em seguida ao N., e depois pźlo Leste para o Sul. Este S gigantesco é uma serie de rąpidos, em que o rio se precipita com fragor enorme, pōr sōbre as rochas de granito que formam o seu leito. [Figura 10.--Termites na margem do Rio Cutato dos Ganguelas.] No sitio das alpondras naturaes, mede 80 metros de largo, e a montante e jusante 27 metros com 4 a 5 de fundo. Vai afluir ao Cubango, dizem os naturaes que 15 dias de caminho ao sul d'este ponto. [Figura 11--Monte termģtico, de 4 metros de altura, nas margens do Rio Cutato dos Ganguelas, coberto de vegetaēćo.] A margem direita é occupada pźlas plantaēões da povoaēćo de Moma, que occupam um espaēo que avaleei em mais de mil hectares de terreno. Sam as maiores que tenho visto em Ąfrica. A cultura entre estes pōvos consiste principalmente em milho, feijćo e batata, mas o que mais se vź sam campos de milho. Antes de chegar įs plantaēões, atravessei uma floresta de acacias enormes, de sorprendente belleza. O aspecto das margens do Cutato é muito original. Onde termina o granito do leito do rio comźēa um solo de formaēćo termģtica, e o terreno coberto de milhares de montģculos, uns cultivados, outros cobertos de vegetaēćo silvestre, tōdos ligados, formando como que systemas de montanhas, ferem a vista, admirada ao contemplar um tćo estranho systema orogrąphico artificial. Marquei a grande povoaēćo de Moma, trźs kilņmetros a O.S.O., e depois de ter determinado a altitude do rio ali, retirei-me, molhado da incessante chuva, e atacado de nōvo accesso de febre. Os ameaēos de rheumatismo continuavam. Durante a noite a chuva foi torrencial, e como sempre, dormi molhado, porque, n'esta čpoca do anno, as gramģneas de que cobria a minha barraca improvisada, nćo tinham mais comprimento que 50 centimetros, e com herva tćo curta é difficil, senćo impossivel, vedar a ągua em uma barraca. A chuva só abrandou no dia seguinte ao meio dia, e eu, apesar de abrazado em febre, segui įs 2 horas, tinha 144 pulsaēões. Caminhei a pé, por me ser impossivel segurar-me a cavallo no bōi; mas, depois de uma hora de marcha, as pernas recusavam-se a continuar. Acampei. Os meus prźtos e os proprios carregadores Ganguelas dispensavam-me os maiores cuidados. O logar em que acampei foi junto de umas povoaēões a que chamam Lamupas, por estarem perto das cachoeiras do rio, que em lingua do paiz t[~e]m o nome de _Mupas_. É logar muito povoado e muito cultivado, sendo estes pōvos grandes cultivadores. Encontrei no caminho algumas sepulturas de secślos, que sam cobertas de barro, com uma forma semelhando algumas da Europa. Estas sepulturas sam cobertas por um alpendre de cōlmo, e sam sempre debaixo de uma ąrvore grande. Sōbre ellas vi cacos de pratos e panellas, que ali sam depostos pźlos parentes do defunto, como nós depomos nos tłmulos das pessōas queridas, as saudades e as perpčtuas. De noite a chuva moderou, e o dia seguinte amanheceu nublado mas estio. A febre abrandou muito, mas as dōres rheumąticas comźēavam a fazer-se sentir atrozmente. Segui įvante, e meia hora depois de ter deixado o meu campo, passei junto da grande povoaēćo de Cassequera. Logo que passei um pequeno riacho que fica para ąlém da povoaēćo, deparei com umas clareiras enormes cobertas de gramģneas, que me prenderam a attenēćo pźlo seu enorme e completo desenvolvimento, em uma čpocha do anno em que as plantas d'esta familia estam em principio desse desenvolvimento. [Figura 12.--Sepultura de Secślo.] O meu muleque Pépéca foi atacado de tćo violento e repentino accesso de febre, que cahio inerte. Tive de parar e mandar contratar um homem, na povoaēćo de Cassequera, para o levar įs costas. Ao meio dia, passei junto da libata do Capitćo do Quingue, primeira povoaēćo do paiz de Caquingue. Fui hospedar-me em casa de Joćo Albino, mestiēo de Benguella, filho do antigo sertanejo Portuguez Luiz Albino, mōrto por um błfalo nos sertões do Zambeze. Joćo Albino mora na libata de Camenha, filho do Capitćo do Quingue. Camenha estava ausente, por ter ido tomar o commando das fōrēas do sova de Caquingue, que ia fazer a guerra a uns sovźtas do Cubango. O tempo melhorou, e a minha febre cessou de tudo, mas o rheumatismo continuava a ameaēar-me. A noite foi sem chuva, e o dia seguinte amanheceu claro e sem nuvens. Fui visitar o velho capitćo do Quingue, a quem levei de presente uma peēa de lenēos. Elle deu-me um bōi, que mandei logo matar, porque hį muito que tģnhamos só carne de porco para comer. O capitćo era muito velho e doente. Conversou muito comigo a respeito do motivo da minha viagem, e nćo comprehendeu o que eu andava fazendo. Quando eu ia a retirar-me, disse-me elle, "Eu sei o que tu fazes, tu és secślo de Moeneputo, e elle mandou-te ver estas terras e estudar os caminhos; por aqui fazem-se muitas cousas que nćo sam bōas, e o Moeneputo hade querer pōr termo a isso; peēo-te, que quando isso aconteēa, te lembres de que eu te dei um bōi, e te tratei como meu irmćo; eu pouco viverei, mas entćo lembra-te de meus filhos, e nćo lhes faēas mal." Comovéram-me estas palavras do ancićo. Os seus secślos viéram acompanhar-me respeitosamente até į libata do filho onde estava hospedado, e poucos deixįram, no correr do dia, de me trazer pequenos presentes, jį gallinhas, jį ōvos e jį canna de assucar. Na libata do capitćo vi uma pequena plantaēćo de cana de assucar, tćo viēosa como nćo vi no litoral, e em que esta enorme gramģnea tinha um desenvolvimento descommunal. Notei esta circunstancia, por ter julgado até entćo, que a uma tćo grande altitude, cerca de 1700 metros, nćo vegetaria tal planta. De volta į libata, encontrei ali Francisco Gonēalves (_o Carique_), irmćo do Verissimo, que, sabendo da minha chegada, vinha visitar-me. Este _Carique_, filho do sertanejo Guilherme, como o Verissimo, é comtudo filho de outra mće, e a elle pertence por heranēa materna o throno de Caquingue. Vive junto do sova, seu tio, e é casado com uma filha do futuro sova do Bihé. Foi educado em Benguella, e possue alguma instrucēćo e bastante intelligencia. Elle trazia com-sigo alguns prźtos que fōram escravos de seu pai, e que logo se offerecéram para me acompanharem na viagem do Bihé para Leste. Assim, pois, jį antes de chegar ao Bihé, arranjei alguns carregadores. Carique, Albino, o filho do Capitćo, e outros que fazem commercio sertanejo, sahem d'aquelle ponto para o Mucusso e Sulatebelle, descendo o Cubango até ao Ngami, sempre pźla margem direita, e vam tambem negociar ao Cuanhama, paiz a leste do Humbe, na margem esquźrda do Cunene. O artigo principal do trąfico é o escravo, que em caminho trōcam por bōis, e estes e fazendas, por cźra e marfim. Resolvi demorar-me ali um dia, nćo só para descanēar e enxugar, mas tambem para me informar sōbre este paiz, cujos usos jį differem muito dos dos povos que tinha encontrado até ali. De tarde, o Carique e Joćo Albino déram-me largas informaēões sōbre o paiz, das quaes transcrevo do meu diario as mais curiosas. O paiz de Caquingue limita ao N. com o Bihé, a oeste com o paiz de Moma, a leste e ao sul com pōvos confederados de raēa Ganguela. A raēa Ganguela occupa n'esta parte d'Ąfrica um vasto territorio, e estį dividida em 4 grandes grupos, os quaes soffrem ainda subdivisões. A lģngua e usos sam os mesmos; mas a sua organizaēćo polģtica differente. No paiz de Caquingue tomam os Ganguelas o nome de Gonzellos, estam constituidos em reino, tendo um łnico chefe. Nas suas outras divisões formam confederaēões, muito vulgares em Ąfrica, sendo cada povoaēćo governada por um chefe independente. Os que demoram a S.E. de Caquingue chamam-se Nhembas, os do sul Massacas, e aquelles que vivem a leste do Bihé, Bundas. D'estes łltimos terei de falar detidamente no correr d'esta narrativa. Os Gonzellos, Ganguelas de Caquingue, sam cultivadores e negociantes, e sam, de tōdos os pōvos da Ąfrica Austral, aquelles que mais se aproximam dos Bihenos, em commettimentos de exploraēćo commercial. No paiz trabalham muito em ferro, e esta industria estabelece entre elles e outros pōvos activas relaēões de commercio. Nćo tem a menor idéia de uma religićo qualquer, e vivem com os seus feitiēos, nćo pensando na existencia de um Ente Supremo que tudo dirija. [Figura 13.--Ferreiros Caquingues.] Nos mezes mais frios, Junho e Julho, os ferreiros Gonzellos deixam as suas libatas, e vam estabelecer grandes acampamentos junto das minas de ferro, que sam abundantes no paiz. Para extracēćo do minerio cavam poēos circulares de trźs a quatro metros de diąmetro, que nćo profundam mais de dois metros; de certo por lhe escacearem os meios de elevarem com facilidade o minerio a maior altura. [Figura. 14.--1. Folles. 2. Bocal de Barro. 3. Bigorna. 4. Martello.] Visitei muitos d'esses poēos junto ao Cubango. Extraido que é o minerio que elles julgam sufficiente para o trabalho d'aquelle anno, comźēa a separaēćo do ferro, que elles fazem em cōvas pouco profundas, misturando o minerio com carvćo vegetal, e elevando a temperatura por meio dos seus instrumentos de insuflaēćo, que consistem em dois cylindros de pao, cavados de 10 centģmetros, com 30 de diąmetro, e recobertos por duas pźlles de cabra curtidas, įs quaes estam ligados dois paos, de 50 centģmetros de comprido por 1 de diąmetro. É por meio d'estes paos que um rąpido movimento dado įs pźlles produz a corrente de ar, que é dirigida sōbre o carvćo por dois tubos de pao ligados aos cylindros, e terminados por um bocal de barro. Depois comźēa um incessante trabalhar, noite e dia, até que tudo o metal é transformado em enxadas, machados, machadinhas de guerra, ferros de frecha, azagaias, pregos, facas e balas para as armas, e até mesmo fuzis para ellas, de ferro temperado com unha de bōi e sal. Vi muitos d'esses fuzis darem fogo tambem como os do melhor aēo fundido. Durante tudo o tempo que duram os trabalhos é expressamente prohibido a qualquer mulhér aproximar-se do campo dos ferreiros, porque dizem elles que se estraga logo o ferro. Eu creio que isto foi estabelecido para que os homens se nćo distraiam do trabalho, em que empregam, como jį disse, noite e dia. [Figura. 15.--Objectos fabricados pźlo gentio entre a Costa e o Bihé. 1. Machado de Trabalho. 2. Ferro de Frecha para a Guerra. 3. Frechas. 4. Ferro de Frecha para Caēar. 5. Pé das Frechas. 6. Machado de Guerra. 7. Enxada. 8. Azagaias.] Findo que é o metal e transformado em obra, voltam os ferreiros a suas casas carregados com a sua manufactura, que vendem em seguida depois de terem reservado o necessario para seu uso. Tōdos estes pōvos nćo admittem causas naturaes de doenēa ou de morte. Sempre que adoece ou morre alguem, ou fōram as almas do outro mundo (uma certa é designada) que produzio o mal, ou entćo foi algum vivo que fźz feitiēo ao doente ou ao mōrto. Logo que morre alguem, se os parentes nćo estam na localidade, mandam-n-os prevenir, e no entanto penduram o cadaver em um grande pao a 200 ou 300 metros da porta da povoaēćo, e esperam que elles venham para fazer o enterro. Logo que elles chegam ou se estam na localidade, procede-se immediatamente į devinhaēćo para saber a causa da morte. Para isso amarram o cadaver a uma vara comprida, e pegando dois homens nas extremidades, levam o cōrpo ao logar destinado įs adevinhaēões, onde o espera o adevinho e o pōvo formado em duas alas. O adevinho tomando na mćo direita um coral branco, comźēa a adevinhaēćo. Depois de fazer mil momices e grande grita e de ter feito mexer o mōrto, que o pōvo acredita que mexeu sem intervenēćo estranha, o adevinho declara que foi a alma de fulano ou de fulana que o matou, ou entćo que foi feitiēo dado por alguem que elle designa. No primeiro caso, o enterro faz-se em paz, abrindo uma cōva no mato, em qualquer logar indistinctamente, e lanēando n'ella o cadaver que cobrem de pedras, paos e terra; mas no segundo caso, a pessōa designada pźlo adevinho como feiticeiro é agarrada, e, ou paga ao mais prņximo parente a vida do mōrto, ou lhe cortam ali a cabźēa, indo dar parte do occorrido ao sova, a quem tem de levar de presente uma cabra para elle escutar o caso. Comtudo pōde dar-se o caso de um accusado negar firmemente a sua culpabilidade na morte, e entćo tem direito de defesa. Para isso, vai elle buscar um cirurgićo que vem, na presenēa do pōvo proceder įs provas da innocencia ou culpabilidade do accusado. O cirurgićo chega į presenēa dos parentes e do pōvo, e compõe uma bebida venenosa de que tomam quantidades iguaes o accusado e o mais prņximo parente do mōrto. A beberagem produz uma especie de loucura temporaria, e é n'aquelle dos dois em que ella se manifesta com mais intensidade que recae a culpa da morte.[3] Se é no accusado, ou paga a vida do defunto, ou morre; se é no parente, tem este de indemnizar o accusado pźla accusaēćo feita, dando-lhe logo um porco para lhe pagar o trabalho de ir buscar um cirurgićo, e depois tem de lhe dar o que o accusado exigir, sejam dois bōis, dois escravos, um fardo de fazenda, etc. etc. Antes de continuar, dźvo fazer sentir uma grande differenēa que existe de trźs entidades importantes, nos pōvos da Ąfrica Austral, e que muitas vźzes sam confundidas. Sam ellas o cirurgićo, o adevinho e o feiticeiro. Effectivamente, estas trźs entidades que parecem į primeira vista ter pontos de contacto, nenhum t[~e]m na realidade. O cirurgićo fica definido pźla palavra. É um curandeiro, tem conhecimento de um certo nłmero de plantas e raizes, que empega sempre empģricamente, bem como as ventosas sarjadas, de que faz grande uso; sendo bem certo que a sciencia de curar estį muito em atrazo n'aquelles paizes. O cirurgićo, que nunca faz diagnņstico da molestia, faz sempre o prognņstico. A dosagem das plantas medicamentosas é sempre empģrica, e nas suas polypharmacias entram os mais absurdos e inuteis componentes. É verdade que entre nós ainda nćo vai longe o uso da Triaga. O cirurgićo, que é ao mesmo tempo pharmacčutico, emprega durante a preparaēćo das suas drogas, um certo nłmero de ceremonias e de palavras sem as quaes ellas perderiam a virtude. Fazem grande segrźdo das plantas que empregam, e dam-se ares de sabios pedantes quando a esse respeito sam interrogados. O cirurgićo é pessōa muito importante, e muitos actos solemnes requerem a sua presenēa. Elle decide altas questões, porque a sua opinićo prevalece į do adevinho (Ditangja), sendo que o cirurgićo nunca a emitte sem fazer antes um certo nłmero de remedios e ceremonias, jį com plantas, jį com sangue do homem ou dos irracionaes, a que chamam, _fazer os curativos_. O adevinho só adevinha, e mais nada. No caso de doenēa, o adevinho é sempre chamado para adevinhar se sam almas do outro mundo ou feitiēos, e só depois d'elle, vem o cirurgićo. Estes dois sujeitos entendem-se sempre. O adevinho nćo é só consultado em caso de doenēa ou morte, é ouvido em tudo e por tudo, e nada se faz sem que elle adevinhe primeiro. Para a consulta, coloca-se elle no centro de um cģrculo formado pźlo pōvo, que dźve estar sentado. Arma-se de uma cabaēa e um cesto. A cabaēa contem missanga grossa e milho sźco, o cesto é cheio das cousas mais disparatadas, ossos humanos, legumes sźcos, pedras, paos, caroēos de frutas, ossos de aves, espinhas de peixes, etc. Comźēa por sacudir frenčticamente a cabaēa, e durante a chocalhada que faz invoca os _espģritos malignos_, ao mesmo tempo sacode o cesto, e nos objectos que vam apparecendo na parte superior, vai lendo o que se quer saber do passado, do presente, ou do futuro. Este uso encontrei eu desde a costa, mas nćo tćo seguido como aqui. Falei em _espģritos malignos_, e é preciso dizer, que ali os _espģritos malignos_ emparelham em malignidade com as almas do outro mundo (_Cassumbi_) e com os feiticeiros. Įs vezes entram no cōrpo de alguem, e custa muito fazel-os sahir. Outras vźzes, fazem tropelias maiores, tomando conta de uma povoaēćo, onde durante a noite nćo deixam socegar ninguem, sendo preciso que o cirurgićo faēa grandes _curativos_ para os expulsar. Estava ali um adevinho, e eu calculei o partido que podia tirar d'elle. Chamei-o em particular, e fiz-lhe alguns presentes, mostrando por elle grande respeito, e fingindo acreditar na sua sciencia. Pedi-lhe para adevinhar o meu futuro, e elle logo convocou o pōvo da libata, e muito da povoaēćo do capitćo, para assistirem į adevinhaēćo. A ceremonia fźz-se com grande apparato, e elle comźēou a ler nas trapalhadas do cesto as cousas mais lisongeiras a meu respeito. Eu era o melhor dos brancos, passados, presentes e futuros; a minha viagem seria feita com grande felicidade, e felizes seriam aquelles que fossem comigo. Este vaticinio produzio o melhor effeito, e tźve grande influencia no resultado da minha partida do Bihé. Jį falei do cirurgićo e do adevinho, e vou dizer o que é feiticeiro. Esta palavra tem uma significaēćo que, tendo alguns pontos de contacto com a que lhe damos na Europa, nćo é comtudo a mesma cousa. Ali qualquer é, ou pōde ser feiticeiro, e feiticeiro é mais o envenenador do que homem que governa nos espģritos. Effectivamente, o _feitiēo_ ali é veneno, e dar _feitiēo_ a alguem, é dar veneno, que determine, ou doenēa, ou morte, ou loucura. Esta é a rigorosa accepēćo da palavra, mas ainda assim o feiticeiro pōde causar grandes prejuizos, e como tudo se atribue a _feitiēo_, a perda de um combate, a epidemia nos gados, as tempestades, etc., tudo provem da sua malevolencia. Nćo se julgue porem que se pōde designar o feiticeiro; nćo pōde. O feiticeiro apparece como causa do effeito, e como essa causa é logo destruida, o feiticeiro é como um meteoro que se desvanece logo depois de apparecer. Esta prątica dį logar a terriveis vinganēas, como bem se pōde suppor. Ąlém d'estas trźs entidades, duas das quaes sam definidas e uma indefinida, ha ainda um sujeito que tem certa importancia entre estes pōvos bąrbaros. É elle o homem que dį e tira a chuva. Ha um certo nłmero de indivģduos que se atribuem o poder de governar nos meteoros aquosos. Possuindo um espģrito observador, attentįram em que com taes ventos em certa čpocha do anno chove, e que com outros estia. E servindo-se d'esses signaes, que sam tćo vulgarmente observados na Europa, e mesmo recommendados por homens de sciencia, como Fitz-Roy e outros, que se observam na vida dos animaes, sōbre tudo das aves, elles que podem com certa probabilidade fazer um prognņstico do tempo, atribuem a si o poder, de dar e tirar chuva, tendo previamente annunciado que a vam dar ou tirar. Estes sujeitos sam vulgares, mas acreditam n'elles muito, porque raras vźzes se enganam. Estas prąticas que nos causam estranheza, eram ha dois sčculos vulgares na Europa, e ainda hōje existem entre nós no baixo pōvo dos campos. Nćo é preciso ir į idade media para se encontrarem os Reis consultando os seus astrņlogos, e mesmo em Portugal existe um livro, impresso, _com tōdas as licenēas necessarias_, em 1712, que o seu autor _Gaspar Cardozo de Sequeira_, mathemątico da villa de Murēa, intitulou Thesouro de Prudentes, livro acrescentado pźlo engenheiro Gonēalo Gomes Caldeira, que ensina as cousas mais estupendas e maravilhosas, aos homens cultos d'essas eras, porque o pōvo de entćo nćo sabia ler. Desculpemos pois os ignaros prźtos d'Ąfrica Austral. Uma lei engraēada d'aquelle paiz, é a respeito das mulhéres que morrem de parto. Logo que uma mulhér morre de parto, o marido tem obrigaēćo de a enterrar elle só, levando o cadaver įs costas até į sepultura, e fazendo sózinho o trabalho da inhumaēćo. Em seguida, tem de pagar a vida d'ella aos parentes, e se nćo tem com que, constitue-se escravo d'elles. As sepulturas dos proletarios nćo t[~e]m signal algum que as indique, e sam feitas em qualquer logar indistinctamente entre o mato. Quando eu falar do Bihé, serei mais minucioso em certos costumes que sam communs a estes paizes, e que tive depois occasićo de estudar detidamente, sōbre tudo aquelles que se referem aos sovas e aos grandes. Um costume que é privativo de Caquingue é o que elles chamam _tratar as mulhéres_. Logo que uma mulhér estį grąvida, um sujeito pede ao marido em casamento a filha que ella vai ter, e desde logo é obrigado a _tratal-a_, isto é, dar-lhe vestuario e satisfazer as suas exigencias de _toilette_. Este costume vigora só entre gente rica. Logo que nasce a crianēa, o noivo redobra de presentes į mće, e tem o dever de vestir a filha até į pubredade, isto é, į čpocha do casamento. Se acontece nascer um varćo, a obrigaēćo de vestir mće e filho subsiste, e este, logo que chega a ser homem, fica para Quissongo do que o _tratou_. Mais adiante direi o que é um Quissongo. Este costume nćo é tćo extraordinario como parece į primeira vista, e se em Ąfrica só o encontrei no paiz de Caquingue, cį na Europa é elle vulgar, nćo na forma, mas na essencia, e na phrase polida dos salões chama-se a isso, creio eu, _casamentos de conveniencia_. Amanheceu o dia 5 de Marēo, depois de uma noite tormentosa em que a chuva foi diluvial. Eu estava melhor da febre; mas as dōres rheumąticas eram mais persistentes e estendiam-se dos joelhos aos artelhos. O meu Pépéca estava melhor, e por isso resolvi partir. Receiando porem do meu rheumatismo, fui pedindo uma maca e carregadores para ella, que me fóram obsequiosamente cedidos por Francisco Gonēalves (_o Carique_). Depois de cordiaes despedidas, parti įs 10 e meia ao N., e uma hora depois, passei o ribeiro Cassongue, que corre a S.E. para o Cuchi. Tem 6 metros de largo por 2 de fundo. Ao passar o rio, o meu boi cavallo (Bonito) embaraēou-se em umas sarēas, perdeu o ąnimo, e foi ao fundo; custou muito salval-o, e só pude seguir ao meio dia. Į 1^{h.} e 15^{m.} passei o riacho Govźra, de 3 metros de largo por 50 centģmetros de fundo, e į 1 e 45 acampava a S.S.O. da povoaēćo de Chindśa. Passei no caminho junto de duas grandes povoaēões, a de Cacurura, e a de Cachota. Jį estava em terras que prestam obediencia ao sova do Bihé. O paiz continśa ali a ser muito povoado e cultivado. Durante a noite, chuva torrencial e forte trovoada de leste. A minha febre tinha desapparecido completamente, mas as dōres rheumąticas recresciam n'uma progressćo assustadora, e jį ameaēavam estender-se a tudo o cōrpo. Logo de madrugada, o dono da ponte sōbre o Cuchi mandou-me avisar para passar a ponte sem demora, porque estas pontes, dando passagem só a um homem de cada vez, leva ella muito tempo, e é lei, que quando uma comitiva toma conta da ponte, ninguem ali pōde passar sem terminar a passagem da gente que primeiro chegou, e constava que uma grande comitiva de gentio se dirigia para ali em sentido inverso ao meu. Agradeci o aviso, e parti immediatamente, tomando conta da ponte meia hora depois. O rio Cuchi tem ali 25 metros de largo por 5 de fundo, e corre ao sul ao Cubango. Da ponte avista-se, 2 kilņmetros ao N., a grande cataracta do Cuchi, de sorprendente belleza, cujo ruido chźga até nós. Demorei-me um pouco para determinar a altitude, e segui depois a E.N.E., passei o pequeno ribeiro Liapźra, que cōrre ao Cuchi, e mudando de rumo para N.N.E., passei o ribeiro Caruci, que cōrre a N.E. para o Cuqueima; indo acampar, pźlo meio dia, nas matas do Charo, a S.O. da povoaēćo de Ungundo. Estes dois pequenos riachos, o Liapźra e o Caruci, marcam a separaēćo das ąguas para o Cubango e Cuanza. O secślo Chaquimbaia, chefe da povoaēćo de Ungundo, veio comprimentar-me, e trouxe-me um porco e umas gallinhas; retribui o presente, e elle deu-me guias para me acompanharem no dia seguinte. Durante o dia, nćo só em caminho encontrei muitos ranchos de gente armada que vam reunir-se įs forēas do sova de Caquingue, mas ainda depois que acampei, passįram innłmeros prźtos armados que levavam o mesmo destino. Das 7 įs 9 da noite houve moderada chuva, e ouvia-se a N.E. uma trovada longinqua; mas, įs 9 horas, formįram-se trovoadas em muitos pontos do horizonte, e pareciam tōdas convergir sobre o meu campo, que era situado em um alto. Įs 10 horas, 5 trovoadas encontravam-se em choque immenso sōbre o campo, e a mais horrivel tormenta que até entćo tinha presenceado se desencadeou sōbre mim. Os raios succediam-se com intervallos de trźs a cinco segundos, e o estalar sźco dos trovões era incessante. Havia perfeita calma e apenas algumas grossas gōtas de chuva cahiam aqui e ąlém. O barņmetro apenas desceu dois milimetros, e o thermņmetro conservava uma temperatura de 16 graos Cent. As agulhas magnčticas desnorteavam, e conservavam um oscillar constante. Uma błssola circular Duchemim, chegou a voltear rąpidamente. Durou este estado de cousas até įs 11 horas, hora a que soffreu modificaēćo mais terrivel ainda. Um vento fortissimo, um verdadeiro tufćo, comeēou a soprar de leste, e n'um momento correu os quadrantes pźlo norte até S.O., onde se fixou com a mesma intensidade. Copiosa chuva comeēou a cahir entćo. O vento, no seu passar furioso, soprou aos ares as barracas do meu campo, e nós ficįmos expostos į chuva torrencial que cahio até įs 4 horas, em que a tempestade comeēou a abrandar. Quem o nćo presenceou nćo avalia o que seja uma tempestade, de noite, no meio das florestas d'Ąfrica Austral, quando ao rebombar dos trovões se une o grito multģsono das feras, que nos vem ferir os ouvidos com acordes terriveis. A chuva apagou os fōgos do campo, o vento soprou longe os frageis abrigos, e o raio descendo em luminoso zig-zag, torna mais escuras as trevas, depois do seu rąpido fulgor. Muitas vźzes, ao estalido do raio succede outro estalar medonho. Foi a ąrvore, que levou sčculos a crescer, e que n'um momento, ferida por elle, voou em rachas e baqueou no solo. ”O espectąculo é horrivel, mas grandioso e sublime! Amanheceu finalmente, e de tudo aquelle pelejar dos elementos, só restavam para o lembrar, innłmeras ąrvores derrubadas e um terreno encharcadissimo. ”A mim restava mais alguma cousa! O ataque de rheumatismo tinha-se declarado com grande intensidade, e estendendo-se a tōdas as articulaēões, tolhia-me os movimentos. Soffria muito. Parti ao meio-dia na maca, e fazia esforēos enormes para calar na garganta os gritos arrancados pźlo soffrimento que infligia o movimento da maca. Uma hora depois, envolvi-me em um pąntano extenso, onde a ągua dava pźla cintura aos homens que me carregavam. O terreno, encharcado pźla chuva da noite, estava transformado em pąntano enorme. Alcanēįmos um outeiro, quando, įs 2 horas, nōva tempestade, vinda de leste, cahio sobre nós. Da maca, onde gemia dōres atrozes, animei a minha gente a seguir sempre, com intenēćo de alcanēar as povoaēões de Bilanga, onde queria pernoitar. Sei que, no dia seguinte, me achei, n'uma cubata, e me disse o Verissimo, estar eu n'aquellas povoaēões, na libata do Vicente; mas nćo tenho a menor idéia, nem do caminho andado, nem da noite velada, que me disséram os prźtos ter sido horrivel. Ao rheumatismo viera juntar-se a febre e o delirio. A cabźēa estava livre, mas o ataque e as dōres recrescéram, se era possivel isso. Nćo podia fazer o menor movimento nem mesmo com as phalanges das mćos. Verissimo e os meus prźtos dispensavam-me os maiores cuidados. Sube que o rio Cuqueima levava uma cheia enorme, e nćo dava passagem no vao; mas, sabendo que existia uma pequena canōa a jusante da cataracta, resolvi seguir e passar o rio ali. Chegados ao rio, tratou-se de calafetar com musgo a canōa jį muito velha, e que apenas podia soportar o peso de dois homens. O rio, que trazia uma enorme cheia, ia caudalosissimo. Resaltando por sōbre as rochas da cataracta, divide-se, formando uma pequena ilha, e logo depois, une as suas ąguas em um só canal, largo de 100 metros. Era ali que ģamos passar. Eu fui collocado dentro da canōa com mil cuidados, porque o menor movimento que me davam, me arrancava um grito doloroso. Um habil barqueiro tomou o remo e a canōa deixou a margem. Tģnhamos de atravessar 100 metros de ągua, mas de ągua animada de violenta corrente, e encrespada por ondas furiosas produzidas pźlos baldões da cataracta. O barqueiro dirigio a canōa para a ilha, e até chegar į juncēćo das ąguas tudo foi bem; mas ali o fragil barco preso nos enormes rodomoinhos nćo quiz seguir įvante, apesar da pericia do habil nźgro. Eu via a ągua, em ondas espumantes ainda do salto de ha pouco, referver em volta de mim, e comecei a comprehender o grande perigo em que estava. Tentei mover um braēo e apenas consegui soltar um grito de dōr! Julguei-me perdido, porque, se a canōa afundasse, eu nćo poderia nadar. Sempre presa no rodopiar das ąguas, nćo seguia įvante, e de repente comeēou a rodopiar ella mesma. O prźto receiou que nos afundasse-mos, e decidio saltar ao rio para alijar o barco. Prevenio-me, e saltou. Alliviada d'aquelle peso, a canōa fluctuou melhor, mas nćo deixou o sitio em que estava presa pźlas fōrēas desencontradas da ągua. De repente um baldćo entrou na barca e molhou-me. Tive um momento de verdadeira imbecilidade, e nćo sei o que se passou; só me lembra, que de repente me achei nadando com tudo o vigor, só com um braēo, sustentando fōra d'ągua com o outro um dos chronņmetros que trazia comigo, para que nćo lhe chegasse a ągua. Sentia um verdadeiro prazer em nadar, e cortava rąpido os remoinhos das caudalosas ąguas, o que me era facil a mim, que desde crianēa aprendi a lutar com os rąpidos do meu patrio Douro. Os prźtos, sempre tendentes a admirar a destreza physica, prodigalizavam-me da margem fervorosos applausos. Tinham desapparecido as dōres, a febre cessou de repente, e eu sentia-me bem disposto e forte. Ao submergir-se a canōa, do meio de 100 homens que assistiam į scena, e que ficįram boquiabertos e indecisos, um arrojou-se valorosamente į ągua para me salvar. Menos perito nadador do que eu, nćo alcanēou a margem senćo depois de mim, e de nenhum auxilio me foi, mas a sua dedicaēćo ficou gravada no meu coraēćo para sempre. Era o meu prźto Garanganja, que enlouqueceu depois, nćo tendo uma alma assįs forte para sopportar as miserias que experimentįmos. Quando me firmei em terra andei, sem dōres, sem febre. Despi-me immediatamente; mas nćo tinha roupa para mudar, porque as bagagens estavam ainda na outra margem; e tive de estar exposto a um sol abrasador em quanto a elle enxuguei a roupa que trazia. Voltįram as dōres e a febre, e só sei que no outro dia, estava estendido em um leito na libata da Annunciada, morada que tinha sido do sertanejo Guilherme Gonēalves, pai do Verissimo. Cheio de dōres e ardendo em febre, mas um pouco melhor, decidi partir e ir encontrar os meus companheiros. Parti įs 11 horas, e durante uma grande parte do caminho, atravessei uma planicie coberta de fetos herbaceos enormes, e vi muitas ąrvores feridas do raio. Vi tambem uma planta que ali abunda, e que é, ou a nossa urze das altas montanhas do norte de Portugal, ou a ella mui semelhante. Os meus ōlhos, pouco afeitos įs subtilezas das observaēões que demanda o estudo do reino vegetal, nćo sam bastante penetrantes para differenēar especies, gčneros e familias, quando ellas nćo se differenēam por si mesmo. Chźguei ao sitio do Silva Porto (Belmonte) pźla uma hora, e fazendo um supremo esfōrēo, fui a casa dos meus companheiros. Elles, confirmando o que me tinham escrito, disséram-me que iam continuar sós, e que me deixariam uma terēa parte de fazendas e material, salvo as cousas indivisiveis que guardariam. O Ivens offereceu-se para me acompanhar a Benguella, visto o meu precario estado de saude, se eu quizesse voltar į Europa. Manifesto-lhe aqui a minha gratidćo, por tćo generosa offerta. CAPĢTULO VI. PEREIRA DE MELLO E SILVA PORTO. No Bihé--Doenēa--Melhoras--A casa de Belmonte--Decido ir ao alto Zambeze--Cartas ao Governo--Como se organiza uma expediēćo no Bihé--Difficuldades, e como se vencem--Noticia sōbre o Bihé--Os meus trabalhos--Nōvas difficuldades--Deixo Belmonte--Até ao Cuanza--Escravatura. Depois de 20 dias de cruél agonia e grandes soffrimentos, estava emfim no Bihé, muito doente é verdade, mas cheio de fé e contente de mim mesmo. Logo que falei aos meus companheiros, deixei a casa de Belmonte, e fui em maca para a libata prņxima do Magalhćes, onde cahi sem fōrēas sōbre as pelles do meu leito. Os primeiros symptomas de uma meningite declarįram-se, ao passo que redrobravam as dōres rheumąticas. No dia seguinte, fóram ver-me o Capello e Ivens, que me levįram medicamentos. Peiorei, e veio o delirio. Quando despertei, julguei sonhar. Achava-me deitado em magnģfico leito, despido e entre lenēoes de fina bertanha. O leito era coberto de elegante cortinado de reps cōr-de-rosa e franjado de branco. Disséram-me, que Capello viera durante o meu delirio, e me mandara aquella cama; que as havia assim no Bihé, em Belmonte, em casa de Silva Porto. Tinham-me coberto de sanguesugas, e o muito sangue que me tirįram os prźtos, deixara-me em um estado de fraqueza indescriptivel. As dōres tinham cedido um pouco, mas continuava a febre. De tarde, viéram os prźtos de Nōvo Redondo procurar-me, e eu recebi-os diante de Magalhćes, Verissimo e Joaquim Guilherme José Gonēalves, irmćo mais velho do Verissimo. Vinham elles dizer-me, que nćo queriam seguir com os meus companheiros, e que ou iam comigo, ou voltavam. Depois de um grande trabalho, convenci-os a voltarem para elles, e a acompanhal-os. Sube entćo, que Capello e Ivens estavam construindo um abarracamento a 5 kilņmetros d'ali, e jį lį tinham as bagagens, devendo em breve mudarem-se de Belmonte. Dois dias depois, veio procurar-me o Ivens, com quem tive larga conversa. Dei-lhe tōdas as cartas de recomendaēćo que Silva Porto me havia dado em Benguella para obter carregadores, e comprometi-me a nćo pedir gente ao sova Quilemo, ficando-lhe o campo completamente livre a elles. Ivens disse-me, que iam mudar para o abarracamento que tinham, e que em casa de Silva Porto me deixavam o que me pertencia na partilha. Eu mandara-lhes entregar tōdas as cargas que trouxera comigo, e as que acompanhou o prźto Barros, que jį tinham chegado. O prźto Barros declarou-me, que nćo queria continuar a viagem, e por isso despedi-o, bem como a alguns prźtos de Benguella, que manifestįram igual intenēćo. Escrevi poucas linhas a Pereira de Mello, que o meu estado de saude nćo me permitia ser extenso. Quando, fatigado de determinar tanta cousa, eu ia embrulhar-me nos lenēoes e procurar no sono um pouco de descanēo, surgio diante de mim, como um espectro, um homem alto e magro, de physionomia enčrgica e distincta. Era o meu prisioneiro que eu havia olvidado, era o secślo Palanca, o conselheiro ģntimo do sova Dumbo do Sambo. "Jį despachaste tōda a tua gente, me disse elle, uns despediste-os, outros ficaste com elles, æo que determinas de mim, e qual é a minha sorte?" "Tu vais voltar a tua casa, lhe respondi, levarįs ao Dumbo a espingarda que lhe prometti, e alguma pņlvora, e para ti terei alguma cousa tambem. Dźvo-te uma indemnizaēćo por aquella corda que tiveste ao pescōēo prņximo do Cubango, e pźlos sulcos que te fizéram nos pulsos as cordas com que te amarrei." Chamei o Verissimo, e dei-lhe as minhas órdens n'esse sentido. Palanca, sempre impassivel diante da liberdade e dos presentes, como o tinha sido diante da prisćo e da morte, retirou-se, e deixou logo o Bihé. Dois homens seguķram-se no meu quarto į sahida do secślo do Sambo. Estava escrito que eu nćo descanēasse no primeiro dia das minhas melhoras. Estes dois prźtos eram Cahinga e Jamba, os dois homens de confianēa de Silva Porto, que elle me mandava de Benguella. Depois de lhes ouvir mil protestos de dedicaēćo, muitas vźzes repetidos, consegui ficar só. Só, nćo! Junto de mim estava a łnica, a grande dedicaēćo que tive na minha viagem a travez d'Ąfrica. Córa, a minha cabrinha, em pé, com as patas pousadas sōbre o leito, berrando e lambendo-me as mćos, pedia-me uma caricia, que eu nćo lhe fazia ha muito. No dia seguinte, os meus companheiros avisįram-me de que deixavam a casa de Silva Porto, e eu em uma maca mudei para ali. Encontrei 7 cargas de fazenda, 6 caixas de rancho, uma mala com instrumentos, e trźs carabinas Snider, que elles me haviam deixado. A libata de Silva Porto, ou povoaēćo de Belmonte, estį situada sōbre a parte mais elevada de um outeiro, cuja vertente norte desce suavemente até ao leito do rio Cuito, que corre a leste para o Cuqueima. A posiēćo da libata é muito bonita, e forte como ponto estratčgico. [Figura 16.--Casa de Belmonte (Bihé).] Tem dentro um laranjal, onde as larangeiras estam sempre em fruto e flōr, o que nćo acontece a outras algumas no Bihé. O laranjal é cercado de uma sebe de roseiras, que attingem uma altura de tres metros, e estam sempre floridas. [Figura 17.--Vista exterior da povoaēćo de Belmonte, no Bihé.] Sycņmoros enormes assombram as ruas e rodeam a povoaēćo, defendida por uma forte palissada de madeira. Debaixo d'essas larangeiras, cuja sombra perfumada me abrigava do sol ardente, quantos dias e quantas horas passei scismando na minha posiēćo, e elaborando projectos mais ou menos sensatos! Foi ali, que, arrastando ainda os membros tolhidos de dōres, que, queimado da febre, concebķ, e organizei na minha mente o plano que havia realizar depois. Se de alguma cousa me orgulheēo na minha viagem, é d'esse tempo. Mais tarde joguei muitas vźzes a vida, fui de certo mais de uma vez temerario, mas era obrigado a isso para me salvar. Ali nćo! Estava doente, quasi ančmico, e sem recursos. Uma facilidade relativa me abria o caminho de Benguella e da Europa. Mil difficuldades, que provinham da minha separaēćo dos meus companheiros, apresentavam-me uma barreira quasi impossivel de transpor, para emprehender uma exploraēćo qualquer. O desąnimo reinava na minha pouca gente. [Figura. 18.--Planta da povoaēćo de Belmonte, no Bihé. * Sycomoros. * Forte palissada de pao. * Palissada da horta coberta de roseiras sempre floridas. * Romeiras. * Larangeiras. * Hortas. * Cemiterio. * Casas dos prźtos. 1. Entrada da povoaēćo. 2. Entrada da casa de Silva Porto. 3. Casa. 4. Pateo interior. 5. Cusinha e dispensa. 6. Casas de criados. 7. Armazem.] Entrčvado e sem fōrēas, nćo pensar um só momento em voltar face ao desconhecido que se erguia ante mim como um abysmo attrahente; desfazer uma a uma as difficuldades que surgiriam; reconstruir muitas vźzes o trabalho feito, que se esvaļa como cahe um castello de cartas; criar recursos onde os nćo havia; conseguir organizar uma expediēćo sōbre as ruinas de outras que se haviam desmembrado; é, aos meus ōlhos, a parte mais difficil da minha viagem, e de que mais me orgulheēo, se é que me orgulheēo de alguma cousa. Comecei por contratar Verissimo Gonēalves para me acompanhar, e consegui fazer-me obedecer por elle cégamente. Depois de muito estudar o caminho a seguir, resolvi ir direito ao alto Zambeze, seguindo a cumiada do paiz onde nascem os rios d'aquella parte d'Ąfrica. Chegado ao Zambeze, queria seguir a leste, estudar os affluentes da margem esquerda, e descendo ao Zumbo, ir d'ali a Quilimane por Tete e Senna. Os mais prąticos sertanejos, sabedores do meu projecto, diziam-me, que eu nćo chegava a meio caminho do Zambeze, e creio que me tinham por tōlo. Eu deixava-os falar e prossegui sempre na organizaēćo do pessoal e confecēćo do material necessario aos meus planos. No dia 27 de Marēo, primeiro em que pude escrever livremente, escrevi ao Governo da Metrņpoli, e ao Pereira de Mello, e Silva Porto. Dava-lhes parte do occorrido até entćo, e pedia-lhes auxilio e consźlho, submettendo į sua crģtica os meus projectos. Despachei portadores para Benguella com as cartas, e fui trabalhando, mais confiado em mim do que em outrem. A esse tempo, uma grande parte das cargas deixadas em Benguella, em Novembro ”havia 5 mezes! ainda nćo tinham chegado. Apparecéram-me na libata o ex-chefe de Caconda, Alferes Castro, e o degradado Domingos, que iam para Caconda. Contįram-me que, chegados ao Bihé, tinham sido encarregados por Capello e Ivens de ir construir o abarracamento, e de fazer transportar para ali as cargas que estavam em Belmonte. O Alferes Castro voltava sem nenhum confōrto, e eu, das 6 caixas de rancho que me tinha deixado o Ivens, dei-lhe o assucar, chį, café, etc., necessario para a viagem. Creio que aquelle senhor, depois de ter sido a causa de tanto soffrimento que tive, de tantos riscos que corri, nćo terį motivo de queixar-se do modo por que o recebi no Bihé; se quizér ser justo e verdadeiro. Quanto ao degradado Domingos, se bem me recordo, dei-lhe uma carta de recommendaēćo para o Governador de Benguella, de quem ia solicitar um favor. Foi assim que tratei os dois homens que mais me fizéram soffrer em Ąfrica, porque quando déram causa a isso, eu ainda nćo estava habituado ao soffrimento. No principio de Abril, eu jį bastante melhor, tinha promptos 60 carregadores, e esperava apenas a chegada das cargas de Benguella, para receber mais alguma fazenda e partir. A minha vida era um trabalhar incessante, e ao mesmo tempo compilava um livro de lembranēas, para ter į mćo as fņrmulas que me eram necessarias para os meus cąlculos; fazia umas tąbuas de raizes quadradas e raizes cłbicas, que calculei para os nłmeros de 1 a 1000. Deduzia com trabalho immenso algumas fņrmulas trigonomčtricas, porque na Europa, para tornar mais portateis as minhas tąbuas logarģthmicas, as tinha feito encadernar, supprimindo a parte explicativa; e por um engano deploravel, n'uma remessa de objectos que de Loanda fiz para Portugal, fōram incluidos os meus livros mathemąticos. Nćo se riam os sabios, da singeleza com que lhes narro as difficuldades com que lutei no Bihé para poder ter escritas n'um livrźte algumas fņrmulas vulgares. Quem nćo é explicador de mathemątica, vź-se muitas vźzes embaraēado para resolver uma questćo mui simples, quando lhe falte um livro que lhe avive a memoria priguiēosa. No Bihé faltavam-me tōdos os livros, e por isso eu fazia um, para meu uso, e ou se riam ou nćo, declaro-lhes que nćo me foi facil. Tōda a minha bibliotheca consistia em trźs almanacs para 1878, 1879, e 1880, as tąbuas de logarithmos, como jį disse, sem texto, tąbuas somente, o Eurico de Herculano, as poesias de Casimiro d'Abreu, e um livrinho de Flamarion, _As Maravilhas Celestes_. Em tudo isto nćo tinha muito onde refazer a memoria para as questões de _x_ e _y_. Depois havia ainda outra difficuldade. Eu tinha de fazer e de pensar em muitas cousas ao mesmo tempo, e cousas um pouco incompativeis entre si. Įs vźzes tinha conseguido quasi reconstruir uma das fņrmulas de Neper para resolver triąngulos esphčricos, quando entrava o muleque, e me exigia que dizesse, se a gallinha para o jantar devia ser cozida ou assada (durante a minha estada no Bihé, comi cento e sessenta e nove gallinhas). Logo, entrava outro pedindo sabćo para lavar a roupa; depois, eram carregadores que me vinham falar; em seguida, enviados do sova, que me queriam extorquir mais algumas jardas de fazenda. Um inferno, um verdadeiro inferno. Eu tinha feito e fazia um grande nłmero de observaēões meteorolņgicas. Os meus chronņmetros estavam perfeitamente regulados, e a minha posiēćo determinada. Algumas excursões que fiz no paiz com a błssola na mćo, permitķram-me fazer uma carta, de certo grosseira, mas tćo aproximada quanto se pōde exigir de um trabalho d'estes em viagem de exploraēćo. Apesar dos meus trabalhos, ou talvez por causa d'elles, eu estava satisfeito, e mal pensava nas tribulaēões porque tinha de passar ainda nas terras do Bihé. Antes porem de continuar a narrativa das minhas aventuras, abro um parenthesis para falar um pouco d'este paiz, tćo importante e rico quanto pouco conhecido entre nós, a quem interessa mais o seu conhecimento do que a ninguem. O Bihé limita ao Norte com o sertćo do Andulo, a N.O. com o Bailundo, a Oeste com o paiz de Moma, a S.O. com os Gonzellos de Caquingue, ao S. e L. com os pōvos Ganguelas livres. O rio Cuqueima é quasi um limite natural do Bihé por Oeste, Sul e Leste, mas, na realidade, a autoridade do sova do Bihé ainda se exerce para ąlém d'aquelle rio em alguns pontos. O paiz é pequeno, mas muito povoado. Eu avalio grosseiramente a sua ąrea em 2500 milhas quadradas, e um cąlculo ainda mais grosseiro fźz-me estimar a sua populaēćo em 95 mil habitantes; o que nos dį apenas 38 habitantes por milha quadrada; e ainda que este nłmero nos pareēa mui pequeno, por ser menos de um terēo do que se dį entre nós, é consideravel para a Ąfrica Austral, onde a populaēćo estį muito pouco accumulada. Em tempo, como se verį, pouco distante, estas terras do Bihé eram povoadas de matas densas, onde abundavam elefantes, e onde assentavam raras povoaēões de raēa Ganguela. O rio Cuanza, depois da sua confluencia com o Cuqueima, divide o paiz do Andulo do paiz de Gamba, que lhe fica a leste. Era sova de Gamba um tal Bomba, que possuia uma filha de grande formosura, chamada Cahanda. Este sova Bomba vivia na margem esquźrda do rio Loando, affluente do Cuanza. A formosa e nźgra princesa Cahanda, pediu ao pai para ir visitar umas parentas que eram senhoras da povoaēćo de Ungundo, łnica de alguma importancia no Bihé de outrora. Estando a filha do sova Bomba n'esta povoaēćo de Ungundo a visitar as parentas, aconteceu chegar ao paiz um ouzado caēador de elefantes chamado Bihé, filho do sova do Humbe, que com grande comitiva tinha passado o Cunene e estendido as suas excursões venatorias até įquellas remotas terras. Um dia o selvagem discģpulo de Santo Huberto tźve fome, e estando perto da povoaēćo de Ungundo, dirigio-se ali a pedir de comer. Foi entćo que vio a formosa Cahanda, e é preciso dizel-o, que vel-a e amal-a foi obra de um momento. Estas questões de amor em Ąfrica sam muito semelhantes įs questões de amor na Europa, e pouco depois do encontro dos dois jovens, Cahanda era raptada, e Bihé plantava a estacada da grande povoaēćo que ainda hōje é a capital do paiz, paiz a que deu o seu nome, fazendo-se acclamar sova. As dispersas tribus Ganguelas fōram por elle submettidas, e o pai da primeira soberana do Bihé reconciliando-se com a filha, permittio uma grande immigraēćo do seu pōvo para ali. Ao casamento do sova succedéram-se muitos outros entre as mulhéres do norte e os caēadores do seu sčguito, e esta é a origem do pōvo Biheno. Assim os Bihenos sam Mohumbes, nome que na Ąfrica Austral de oeste dam aos descendentes da raēa do Humbe, os quaes nćo se encontram só no Bihé, mas estam tambem espalhados em outros pontos, sōbre tudo frente da costa entre Mossąmedes e Benguella, misturados com os Mundombes, que sam a verdadeira raēa d'aquelle paiz. Hōje a verdadeira raēa Mohumbe no Bihé é representada pźla nobreza e gente rica do paiz, os descendentes dos caēadores do primeiro sova, e ainda assim, fōra da familia reinante, estį ella misturada com sangue de raēas muito differentes; porque, sendo o Bihé desde o seu comźēo um grande emporio de escravatura, e tendo sido colonizado em grande parte por escravos de raēas diversas, o baixo pōvo provem de uma mistura inexplicavel, e a nobreza mesmo, nas suas bastardias numerosas, tem trazido įs suas descendencias sangue dos paizes mais remotos da Ąfrica Austral. Da unićo de Bihé e da formosa Cahanda nasceu um łnico filho varćo, que tźve o nome de Jambi, e succedeu no governo a seu pai. Este Jambi tźve dois filhos, dos quaes o primogčnito se chamou Giraśl, e o segundo Cangombi. Giraśl herdou o poder por morte de seu pai, e receiando de seu irmćo, que tinha grande influencia no pōvo, o fez prender secretamente de noite, e o vendeu como escravo, a um prźto que ia levar uma leva de escravos a Loanda. Cangombi, por acaso, em Loanda foi comprado pźlo Governador Geral, de quem foi escravo. Tempos depois, os despotismos e as arbitrariedades de Giraśl fizéram-n-o detestado do seu pōvo; houve conspiraēćo, e alguns nobres partķram secretamente para Loanda, com muito marfim, para resgatar seu irmćo, e acclamal-o, depois de deporem aquelle. O governador de Angola de entćo, vendo o partido que podia tirar d'esta questćo, para a corōa Portugueza, nćo só entregou Cangombi sem resgate, mas ainda o encheu de presentes, e lhe deu auxilio contra seu irmćo; e por isso Cangombi se apresentou no Bihé com grande comitiva, que veio por Pungo-andongo e subio o Cuanza, entre a qual se contavam muitos Portuguezes. Declarada a guerra, Giraśl foi vencido, sendo traido pźlos seus, e entregou as redeas do governo a seu irmćo mais nōvo, que lhe deu uma povoaēćo e um pequeno dominio para viver. Quatro annos depois, Giraśl revoltava-se e vinha pōr cźrco į capital. Novamente vencido e prisioneiro, foi entregue por seu irmćo aos Ganguelas de ąlém Cuanza para o comerem; nćo que estes Ganguelas sejam positivamente canibaes, mas, de vez em quando, nćo desgostam de comer um bocado de homem assado. Eu nćo pude saber o nome do governador que prestou mćo-forte ao filho segundo do Jambi para lhe dar o poder, mas estou certo que a esse respeito alguma cousa dźve existir no Ministerio da Marinha e Ultramar, porque um passo d'aquelles nćo podia deixar de ser communicado ao governo da Metrņpoli. Cangombi foi grande sova, e tźve oito filhos, dos quaes seis fōram sovas do Bihé; o que nćo é para admirar, porque ali herda o poder o mais prņximo da ascendencia. Assim, em quanto existem filhos de um sova, os netos nćo vam ao poder, e o neto primogčnito do filho primogčnito só toma as rčdeas do governo quando nćo existe nenhum dos seus tios, irmćos mais nōvos de seu pai. Por esta lei herdou o poder Cahueue, filho mais velho de Cangombi, e por mortes successivas, seus irmćos Moma, Bandśa, Ungulo, Leamśla e Caiangśla. Os dois filhos de Cangombi que nćo fōram sovas, fōram Calali e Óchi, por terem morrido cźdo. Este Óchi era immediato ao mais velho Cahueue, e deixou um filho que foi sova por morte de seu tio Caiangśla, por nćo ter deixado filhos o irmćo mais velho de seu pai. Este sova chamava-se Muquinda, e por sua morte foi o governo a seu primo Gubengui, filho mais velho do sova Moma immediato a seu pai. A este Muquinda seguia-se outro irmćo chamado Quitungo, que morreu quando ia ser acclamado, jį dentro da capital. De tōdos os oito filhos de Cangombi, só existia um descendente legģtimo, filho do sova Bandśa, que foi acclamado. É elle Quillemo, o actual sova do Bihé. Ha contudo um filho bastardo de Moma, chamado Canhamangole, que estį indigitado para succeder a Quillemo; em seguida passarįm ao poder, os filhos d'este łltimo, que sam muitos. Por este breve resumo da historia do Bihé se vź, que aquelle paiz é de fundaēćo recente, e que desde o seu comźēo quasi, existķram relaēões ģntimas entre os Portuguezes e Bihenos, pźla intervenēćo tomada pźlo Governador Geral de Angola, na acclamaēćo do sova Cangombi, avō do actual sova Quillemo, e neto do fundador da monarchia Bihena. Assim, pois, o Bihé, desde a sua fundaēćo tem sido governado por treze sovas em cinco gčraēões, que vam representadas no seguinte quadro:-- Bihé (sova fundador)........... 1^a gčraēćo. | Jambi (sova).................... 2^a " | +------------+---------+ | | Giraśl (sova) Cangombi (sova)......... 3^a " | +----------+---------+--------+--+-------+ | | | | | Caueue Óchi Moma Bandśa Ungulo (sova).. 4^a " (sova). (nćo reinou). (sova). (sova). Liambula (sova). | | | Caiungula (sova). | | | Calali (nćo reinou). | | | Muquinda Gutungui Quillemo ............ 5^a " (sova). (sova). (sova actual). Quilungo (nćo reinou). Na carta de Angola, de Pinheiro Furtado, jį vem, indicado o Bihé, mas a sua origem nćo dźve ir muito ąlém da coordenaēćo d'aquella carta. [Figura 19.--Mulhér do Bihé cavando.] Os Bihenos sam pouco agricultores e pouco industriosos, e ali tudo o trabalho é feito pźlas mulhéres, que só ellas cultivam a terra. Os homens sam dados a viajar, talvez de origem, que o seu primeiro rčgulo de longe veio, e atrevem-se a ir commerciar nos remotos sertões onde vam traficar em marfim e escravos. Aproveitando estas disposiēões, alguns homens ousados, taes como Silva Porto, Guilherme (o Candimba), Pernambucano, Ladislao Magiar, e outros negociantes sertanejos, comeēįram a dirigir os Bihenos nas suas excursões, e fizéram n'isso um grande serviēo ao mundo; porque, abrindo nōvos mercados ao commercio, abrķram nōvos horizontes į civilisaēćo. Nćo foi só o seu trąfico que veio augmentar o movimento commercial da praēa de Benguella, mas, ainda animado por elles, e perdido o receio dos brancos, o gentio dos mais remotos paizes, desceu a vir permutar directamente os seus gčneros nas casas commerciaes de Benguella. [Figura 20.--Carregador Biheno em marcha.] Nas viagens sertanejas, aos brancos seguķram-se os prźtos, e obtendo, primeiro alguns, depois muitos, um certo crčdito na praēa de Benguella, fōram ao Bihé organizar expediēões, d'onde partem a procurar a cźra e o marfim nos sertões mais distantes. Muitos prźtos conhźēo eu que negoceiam com um crčdito de 4 e 5 contos de réis, e alguns com mais, como o prźto Chaquingunde, que foi escravo de Silva Porto, que, durante a minha permanencia no Bihé, chegou do sertćo, onde tinha negociado por sua conta uma factura de 14 contos de réis! Nćo é difficil no Bihé encontrar um branco Portuguez, escapado dos presidios da costa, secretario de um prźto commerciante rico. Para o Biheno, em questões de viagens de trąfico, nada é impossivel, e tudo lhe parece natural. Se elles soubessem dizer onde t[~e]m estado e descrever o que t[~e]m visto, os geņgraphos da Europa nćo teriam em branco grande parte da carta de Ąfrica Austral. O Biheno deixa com o maior desapźgo o lar, e carregado com trinta kilogrammas de fazendas, vai para o sertćo, onde se demora 2, 3, e 4 annos, voltando em seguida a casa, onde é recebido com a naturalidade de quem volta de uma viagem de trźs dias. Silva Porto, ao passo que se dirigia ao Zambeze, enviava prźtos seus em outras direcēões, e negociava ao mesmo tempo no Mucusso, na Lunda e no Luapula. A fama dos Bihenos tinha chegado longe, e Graēa quando intentou a viagem ao Matianvo, foi ali procurar carregadores. É mui raro que um Biheno deserte da comitiva, e roube algum fardo; o que acontece frequentemente com os Zanzibares. Ąlém d'isso, os Bihenos t[~e]m outra grande vantagem sōbre os Zanzibares. Ainda que muito dados ao commercio de escravos, nćo promovem elles mesmos no interior guerras para os haverem; comprando-os a quem os vende, mas nunca tratando de os obter por fōrēa. Isto quando em viagem de trąfico sertanejo, que, nas guerras com paizes circunvizinhos, fazem o que podem, e sam dotados de inaudita crueldade. Os Bihenos, apesar das suas grandes qualidades, coragem e hąbito de viajar, possuem grandes defeitos, e nćo conhźēo em Ąfrica pōvo mais profundamente viciado, mais abertamente depravado, mais duramente cruel, e mais sagazmente hypņcrita. Tem esta gente uma certa emulaēćo entre si como viajantes, e muitos conhźēo eu que se ufanam de ter ido onde outros nćo fōram, a que elles chamam _descobrir terras nōvas_. Elles sam educados na vida de caminheiros, e tōdas as comitivas levam innłmeras crianēas, que, com cargas proporcionaes įs suas forēas, acompanham os pais ou parentes nas mais longģnquas correrias; e é por isso que nćo causa estranheza encontrarmos ali um homem de 25 annos que tenha estado no Matianvo, no Niangué, no Luapula, no Zambeze, e no Mucusso, se elle viajou desde os 9 annos. Ao homem que chega ao Bihé para seguir em viagem sertaneja, offerecem-se dois meios de obter carregadores. Um é por meio de presentes ao sova e aos potentados, obtel-os, pedindo-os; o outro é annunciar a viagem, e esperar que elles se venham offerecer. O primero é mao, porque, ąlém do grande dispendio feito com os presentes que é preciso dar įs pessōas a quem se pedem os carregadores, estes sam obrigados a ir, e o que os pedio é responsavel pela vida d'elles para com as familias ou senhores. Ąlém d'isso, as pessōas a quem se pedem, com o intłito de extorquir mais presentes, vam demorando quanto podem a partida, e quando se estį na sua dependencia as exigencias crescem. O segundo meio é bom, porque os que se v[~e]m offerecer sam prźtos livres, v[~e]m por sua vontade, e se algum morre, segundo a lei do paiz, como foi elle que se offereceu, nćo tem o que o aceitou a menor responsabilidade do facto. É occasićo de falar em Quissongos e Pombeiros. Os carregadores, nćo só os Bihenos mas sim tōdos em geral, formam grupos pequenos debaixo do commando de um d'elles que é chefe do grupo. Este chefe, desde a costa até a Caquingue chama-se _Quissongo_, e no Bihé e Bailundo _Pombeiro_. Sam estes Pombeiros que se v[~e]m offerecer, trazendo uns 10, outros mais, outros menos carregadores. Estes grupos sam de differentes naturezas. Uns sam constituidos por parentes que escolhéram um para Pombeiro, e n'estes sam tōdos livres. Outros sam formados por gente livre, que combinam ir debaixo das ordens de um certo Pombeiro em quem t[~e]m confianēa. Outros ainda, sam grupos de escravos dos Pombeiros que os commandam. A obrigaēćo do Pombeiro é vigiar pźla sua gente, e responder por ella ante o chefe da comitiva. Come e dorme com elles, é emfim o cabo de esquadra da caravana. O Pombeiro nćo leva carga, mas, em caso de doenēa ou morte de algum dos seus, substitue-o como carregador temporariamente. Durante a marcha o seu logar é no couce da comitiva, e logo que um seu carregador se atraza, elle fica para o acompanhar. O pagamento dos carregadores nunca é feito adiantado, e nas viagens de trąfico regulares é diminutissimo. Assim, um carregador, para ir do Bihé į Garanganja (Luapula), recebe 12 pannos ou valor de 2400 réis, e na volta uma ponta de marfim escravelho, talvez de 4000 réis, ao tudo 6400 reis, comida į parte, porque o chefe da comitiva tem obrigaēćo de sustentar tōda a sua gente durante a viagem, excepto nos primeiros trźs dias de sahida do Bihé, para os quaes cada um leva de comer. Esta regra tem ainda uma excepēćo. Muitos sertanejos, ao sahirem do Bihé, destinam um certo nłmero de pombeiros para destacarem em caminho, ou no termo da sua viagem, para differentes pontos. A estes Pombeiros dam um certo nłmero de fazendas, pźlas quaes elles lhes devem trazer um certo producto. Estas fazendas dos Pombeiros que vam traficar livremente, chamam-se _banzos_, e d'ellas comem o Pombeiro e carregadores desde o comźēo da jornada. Afora este caso, em tōdos os mais o chefe sustenta Pombeiros e carregadores. Os Pombeiros nćo sahem nunca por tempo determinado, e tanto ganham demorando-se pouco como muito. É sabido que os nźgros em Ąfrica nćo dam valor ao tempo. Os costumes Bihenos sam aproximadamente os mesmos de Caquingue, e o contacto com brancos nćo tem trazido o menor adiantamento a essa gente. Nćo t[~e]m a menor idéa de uma religićo qualquer, nćo adoram nem sol, nem lua, nem ģdolo, e vivem com os seus feitiēos e advinhaēões. Todavia, parecem acreditar na immortalidade da alma, ou antes no desassocego d'ella em quanto nćo cumprem certos preceitos ou vinganēas em favor do morto. A forma do governo é monąrchica absoluta, e tem muito do feudalismo. Cada um é, muitas vźzes, juiz em causa propria, e quando eu falar dos _mucanos_ direi como ali se faz justiēa. Os maiores acontecimentos entre os Bihenos sam aquelles que se ligam aos sovas, e sōbre tudo į sua morte e į acclamaēćo do nōvo rčgulo. Antes porem de descrever estes dois grandes acontecimentos, preciso é falar da sua cōrte. O sova é rodeado de um certo nłmero de sujeitos, a que chamam _Macotas_, que muitos julgam corresponderem aos ministros entre nós, mas que assim nćo é. Os Macotas formam apenas uma especie de consźlho a que o sova submette sempre as suas deliberaēões, mas de cuja opinićo poucas vźzes faz caso. Sam secślos e favoritos do sova, e nada mais. Secślo é o fidalgo, filho de nobre, ou enobrecido pźlo sova. Muitos secślos que possuem libatas, dentro d'ellas t[~e]m o tratamento de sovas, e os seus pōvos, quando lhe dirigem a palavra, dizem _Nį cōco_, o que quer dizer Vossa Magestade. Ąlém dos Macotas, ha trźs prźtos que rodeiam o sova, e que, quando elle dį audiencia, se sentam no chćo junto d'elle, e apanham da terra os escarros do regłlo para os irem deitar fora. Ha ainda o que leva a cadeira, e o Bōbo, figura indispensavel em tōdas as cōrtes de sova, e mesmo dos secślos ricos e poderosos. O bōbo tem obrigaēćo de limpar a porta da casa do sova e a rua em tōrno d'ella. As libatas sam defendidas por uma forte palissada de madeira, quasi sempre coberta de sycņmoros enormes, e dentro d'ellas uma segunda palissada defende e fecha a morada do sova. Este segundo recinto chama-se o _lombe_. Dados estes esclarecimentos, vamos ver o que se passa pźla morte ou acclamaēćo dos rčgulos. Logo que morre o sova, o acontecimento é sabido dos Macotas, que guardam o maior segrźdo. Dam parte ao pōvo de que o sova estį doente e por isso nćo apparece. O cadaver é deitado na cama, na cubata, e coberto com um panno; isto em Caquingue, porque no Bihé, é dependurado pźlo pescōēo ao tecto da cubata. O cōrpo ali jaz até que a putrefacēćo e os insectos deixam a ossada nua, no paiz de Caquingue; no Bihé, até que a cabźēa se separa do corpo. É entćo que anunciam a morte do rčgulo, e que se procede ao enterro. Os ossos sam metidos em uma pelle de boi e enterrados em uma cubata que existe no Lombe, sarcņphago de tōdos os sovas. A cubata em que apodreceu o cadaver é demolida, e tudo o material é transportado fōra da libata, e abandonado no mato. Serį desnecessario dizer, que a morte de um sova é sempre produzida por feitiēo, e que um desgraēado paga com a vida, nćo o feitiēo, que nćo fez, mas a vinganēa particular de um dos Macotas. Logo que se anuncķa a morte do sova, o pōvo sahe furioso, e durante alguns dias, sam roubados tōdos os que passam prņximo da capital, sendo que se apossam das pessōas mesmas, que escravizam para venderem depois. Os Macotas vam buscar o herdeiro, e acompanham-n-o até į Libata Grande (capital); mas ali elle nćo entra no Lombe, e fica vivendo na povoaēćo como qualquer do seu pōvo. Em seguida į entrada do herdeiro na Libata, sahem dois bandos de caēadores, um em busca de uma malanca (_Catoblepas taurina_), e outro em procura de uma creatura humana. Do grupo que vź o antģlope, se adianta um caēador que lhe atira, fugindo logo, e sam os outros que lhe vam cortar a cabźēa, porque, se fōr o que lhe atirou, é logo assassinado, e nunca pōde dizer que foi elle que o matou. O bando que procura a creatura humana, apossa-se da primeira que encontra (homem ou mulhér), e arrastando-a para o mato, cortam-lhe a cabeēa, que trazem com tudo o cuidado, abandonando o cōrpo. Chegados į libata, esperam pźlo bando que foi caēar o antģlope; porque mais facil sempre é encontrar e matar um homem do-que encontrar e matar uma malanca. Reunidas em uma cesta as duas cabeēas, a do homem e do antģlope, vem o cirurgićo, e comźēa a fazer _os curativos_ precisos para que o nōvo sova possa tomar as redeas do governo, e quando acaba a sua magķa, declara que elle pōde entrar no Lombe. Acompanhado dos Macotas, o sova entra no Lombe, no meio de grande grita e muita fuzilaria. O primeiro passo que dį o sova no seu governo, é escolher entre as suas amantes uma que apresenta como sua mulhér, a qual fica morando com elle, e toma o nome de Inįcślo, e o governo caseiro; as outras ficam vivendo no Lombe, mas fōra do recinto do rčgulo. No Bihé, como em tōda a Ąfrica Austral, estį estabelecida a polygamia. Os crimes no Bihé sam sempre julgados em primeira instancia pźlo lesado, e só se o culpado se nćo sujeita ao pagamento da multa, é que, algumas vźzes, sobe a causa ao conhecimento do sova, porque em outras a justiēa é feita pźlo lesado. A palavra terrivel no Bihé, o vocąbulo _Mucano_, nćo exprime simplesmente o crime, mas designa uma idéa que involve ao mesmo tempo o crime e o pagamento da multa. Ali tōdos os crimes sam remiveis a dinheiro, isto é, ao pagamento de multas; e nćo ha penalidades intermediarias entre a multa e a pena de morte. Se alguem rico sōbre quem pesa um mucano, se recusa a pagar, e o lesado é poderoso, faz presa ao culpado em valor muito superior į multa, ficando a presa em depņsito, para ser vendida, ou ficar pertencendo ao que a fez. Aquelle que faz uma presa injusta é obrigado pźlo sova į restituiēćo, e a dar um porco ao prejudicado. Este systema é įzado a roubos, e tōdos os dias apparecem mucanos os mais estupendos. Um dos mais vulgares é o do adulterio das mulhéres, a quem os maridos mandam que se faēam seduzir por este ou aquelle homem que possue alguma cousa, para lhe fazerem depois pagar o mucano. O chefe de uma comitiva é obrigado a pagar os mucanos dos seus prźtos, e responsavel pźlo comportamento d'elles. Quando um branco responsavel pźlos mucanos dos seus prźtos, tem por seu lado forēa bastante e se recusa a pagar, elles esperam, įs vźzes, annos até poderem atacar outro branco mais fraco, e fazerem-lhe presas, dizendo-lhe, que é por causa do outro, e que se entenda com elle. Se o que tźve um mucano é fallecido, o desgraēado que vem habitar a sua povoaēćo paga por elle. O modo por que se _faz justiēa_ no Bihé, é a causa do grande transtorno que soffre o commercio, e das grandes perdas das casas de Benguella. Durante a minha estada em casa do Silva Porto, viéram ali uns prźtos que traziam uma gallinha para fazer uns _curativos_, e o hortelćo vendo-a disse, que tinha uma muito parecida com ella. Fōram estas palavras objecto de um mucano, em que o hortelćo tźve de pagar 16 cōvados de algodćo ao dono da gallinha. Logo que chega alguem ao Bihé e traz fazendas, procuram arranjar-lhe innłmeros mucanos, e roubam-lhe assim uma grande parte d'ellas. Os sertanejos, quando chegam ao Bihé, sam tćo defraudados pelos mucanos, que muitas vezes nćo lhes fica para ir negociar no interior mais do que a terēa-parte das facturas trazidas. Guilherme (o Candimba), pai do Verissimo, a łltima vez que ali foi em viagem de trąfico, foi obrigado a dar fazendas no valor de 600 mil réis, por um mucano que lhe arranjįram, de um seu prźto ter comprado um bocado de carne de carneiro por trźs cartuxos de pņlvora, e nćo os ter dado no dia aprasado, mas sim no seguinte, em que jį nćo fōram aceites. Durante a minha estada no Bihé, Silva Porto tźve de pagar um mucano de 700 mil réis por uma bagatela ainda maior. É o mucano, esse roubo infame, porque é legal e autorizado, a causa principal do estōrvo ao commercio, e da decadencia do Bihé. Foi o mucano que expulsou do Bihé a Silva Porto e aos sertanejos honrados. Supprima-se o mucano, segure-se o caminho de Benguella, organize-se e legisle-se para as comitivas sertanejas, e dentro em pouco triplicarį o commercio de Benguella, e novas fontes de riqueza, atrofiadas hōje pela pouca seguranēa, virįm alimentar as industrias Europeas. O pōvo do Bihé é įzado a grandes commettimentos. Esmague-se no seu seio a vģbora da ignorancia que o corróe; levantem-se esses brutos ignaros į altura de homens, dź-se-lhes uma direcēćo, e elles caminharįm na via do progresso e chegarįm onde difficilmente chegarį outro pōvo Africano. Os prźtos d'Ąfrica sam como os cavallos de fina raēa, quanto mais fogosos e bravos, mais promptamente se tornam doceis e obedientes. Aquelles em que predomina a inercia e a cobardia, difficilmente se poderįm civilizar; aos outros nćo serį difficil tarefa trazel-os ao caminho do bem. Os Bihenos, como tōdos os povos d'esta parte de Ąfrica, sam muito dados į embriaguez. Ali ainda chega a ągua-ardente, e na falta d'ella fabrica-se muita capata. A Capata, Quimbombo ou Chimbombo, que lhe chamam de qualquer destes modos, é uma especie de cerveja feita de milho. Nas terras onde cultivam o lłpulo (_Humulus lupulus_), servem-se das cņnicas sementes d'esta trepadeira para confeccionarem a bebida. Para isso, reduzem as sementes a pó, e misturado este pó com fuba de milho, em uma enorme panella, ferve por espaēo de oito ou dez horas em muita ągua, e logo, retirada do fōgo e fria, é a capata, que se bebe immediatamente. N'este preparado a fermentaēćo acčtica predomina, e é tćo pequena a fermentaēćo alcohņlica, que nćo embriaga senćo em grande quantidade. Como a bebida nćo é filtrada, fica cheia de farinha em suspensćo, e é mais massa muito flłida, do que puramente um lģquido. É muito substancial, e ha prźtos que passam um e mais dias sem comer, bebendo só capata. Nas terras onde nćo ha lłpulo é este substituido por uma farinha feita de milho em estado de germinaēćo, que elles fazem produzir, jį enterrando o milho, jį deitando-o em ągua por alguns dias. No tempo do mel, fazem produzir na capata uma grande fermentaēćo alcohņlica, addicionando-lhe mel, que no fim de alguns dias estį em parte transformado em alcohol. Esta bebida assim preparada embriaga muito, e tem o nome de Quiassa. Preparam ali ainda outra bebida que apenas pode considerar-se refresco, mas que é agradavel e muito nutriente. É ella feita com a raiz de uma planta herbącea, que os meus poucos conhecimentos botąnicos nćo me permitķram classificar, a que os prźtos chamam _imbundi_. Uma forte decocēćo da raiz do imbundi, depois de fria e de uma ligeira fermentaēćo em uma grande cabaēa, e addicionada, a frio, į fuba fervida como para a capata. A raiz do imbundi contem grande quantidade de materia sacharina. Esta bebida chama-se Quissangua. A alimentaēćo do pōvo do Bihé é quasi toda vegetal, e tendo elles poucos gados, que nunca matam para comer, apenas uma ou outra vez comem carne de pōrco, animaes estes que abundam ali no estado domčstico. Creio que fōram introduzidos por Silva Porto. No paiz, muito povoado, escaceia a caēa, e a pouca que hį sam pequenos antģlopes (_Cephalophus mergens_), difficeis de matar por muito esquivos. Os Bihenos comem toda carne que encontram, e a preferem no estado de putrefacēćo. O lećo, o chacal, a hyena, o crocodilo, e tōdos os carnģvoros, sam para elles finos manjares, mas sōbre tudo o que mais amam sam os cćes, que engordam para comerem. Isto talvez provenha da falta de alimentaēćo animal que t[~e]m no seu paiz. Elles nćo sam positivamente canibaes, mas comem de tempos a tempos um bocado de homem cozido. Preferem os velhos, e um ancićo de cabelleira branca é ņptimo presente que recebe o sova, ou algum rico secślo, para um banquete. Os sovas do Bihé fazem repetidas vezes uma festa, na sua libata, a que chamam a festa do Quissunge, em que sam immoladas e devoradas 5 pessōas, sendo 1 homem e 4 mulheres, desta sorte:--1 mulhér que faēa panellas, 1 do primeiro parto, 1 que tenha papeira (é vulgar ali), 1 cesteira, e 1 caēador de cōrēas. Presas as vģctimas, sam degolladas, e as cabeēas lanēadas no mato. Os corpos entram de noite para o Lombe da libata grande, onde sam esquartejados, e morto um boi, a sua carne é cozida com a carne humana, parte da qual é tambem fervida na capata; sendo que tudo o que apparecer no banquete deve levar sangue humano. Logo que estį prompta a sinistra e repugnante ceia, o sova manda participar que vai comeēar o Quissunge, e todos os habitantes da povoaēćo correm pressurosos ao festim. Os Bihenos gostam muito das termites, e destroem as suas habitaēões para as comerem cruas. O Biheno é altamente ladrćo, e furta sempre que pode algum objecto, logo que estį no seu paiz; fóra d'elle, nćo só se abstem de roubar, mas, como carregador, respeita a carga que lhe confiįram. Quando uma comitiva acampa no mato, no Bihé, é preciso logo dar parte d'isso ao secłlo dono da terra, mandando-lhe um pequeno presente; sem o que, ficam autorizados os prźtos da povoaēćo vizinha a roubarem quanto possam. Logo que se dį o presente ao dono da terra, é elle o responsavel por qualquer roubo que haja. É tambem necessario mandar um presente, ou antes um tributo, ao sova; ao que se chama dar a _Quibanda_. Elles nunca ficam satisfeitos, e exigem sempre mais do que se lhes manda. As libatas ou povoaēões fortificadas (que todas o sam, desde a costa ao Bihé) t[~e]m as mesmas condiēões, salvo pequenas modificaēões, devidas į disposiēćo do terreno. Sam grupos de cubatas feitas de madeiras e cobertas de cōlmo, cercadas por uma palissada, que varķa entre 2 a 3,5 metros de altura. Esta palissada é formada por estacas de pao-ferro de vinte centģmetros de diąmetro, umas apenas cravadas no terreno, outras amarradas com travessas e cascas de leguminosas, e outras amparadas por travessas encaixadas em forquilhas enormes. [Figura 21A.--Palissada Solta.] [Figura 21B.--Palissada amarrada com Casca de arvore.] [Figura 21C.--Palissada travada com Forquilhas.] Outra palissada igual į exterior, senćo mais forte, rodea o Lombe, ou morada do chefe da povoaēćo. Em muitas vi grupos de casas rodeadas de palissada. As libatas, e sōbre tudo as antigas, sam cobertas de frondosas ąrvores, e estam junto de rio ou ribeiro, sendo que em algumas lhes fazem passar a ągua por dentro. Sam quasi todas rectangulares, mas muitas ha ellģpticas ou circulares, e outras formando polygonos irregularissimos. Nćo ha a menor ordem nas construcēões, e em geral é a disposiēćo do terreno que as determina. [Figura 22.--Planta de uma Libata de gentio no Bihé. A. Entrada. B. Cubata onde se enterram os sovas. C. Trophéu de cornos. _c c c_. Casas das amantes do sova. O O. Casa do sova. _a a a_. Lombe ou morada do sova. _d d d_. Casas dos prźtos.] [Figura 22C.--Trophéu de Cornos de caēa, em quasi todas as libatas.] [Figura 23.--Fora da porta das libatas ha isto.] As povoaēões sam fortificadas com o receio dos ataques do homem, que feras nćo abundam muito no paiz, e nćo é mesmo isso necessario para feras, porque no interior, onde as ha em bandos, as povoaēões sam abertas. As guerras dos prźtos ali sam, a maior parte das vezes, sem causa, e basta a riqueza de um pōvo para que elle seja atacado. Sam verdadeiros ataques de salteadores. Logo que um rčgulo decide ir fazer a guerra a outro, ou a um pōvo qualquer, manda emissarios seus aos sovas e secślos circumvizinhos, convidando-os a tomar parte na campanha, e estes, como na Europa no tempo do Feudalismo, sahem com os seus guerreiros a reunirem-se ao que os convoca. Alguns povos fazem periņdica e systemąticamente a guerra, e no Nano, por exemplo, vam, de tres em tres annos, roubar os gados ao Mulondo, Camba e Quillengues, e dizem, que estes povos criam gados para elles, e sam os seus pastores. Uma circunstancia muito notavel das guerras n'esta parte de Ąfrica, é a de ser sempre vencedor o que ataca. Ha excepēões, mas muito raras. Uma das excepēões foi o ataque dirigido por Quillemo, o actual sova do Bihé, contra o paiz de Caquingue, em que os Bihenos fōram derrotados pelos Gonzellos, e em que o proprio sova Quillemo foi prisioneiro do sova de Caquingue, onde seria degollado, se por elle nćo pagassem um grande resgate Silva Porto e Guilherme José Gonēalves (o Candimba). Nas guerras entre os povos d'estes paizes, pode contar-se, que apenas um quinto dos combatentes sam armados de espingardas, e os outros 4-quintos de arcos e frechas, machadinhas e azagaias. Dizem, que uma guerra vai muito poderosa e forte, quando leva trinta tiros por espingarda. As armas de que usam sam as chamadas no commercio Lazarinas, sam muito compridas, de pequeno adarme, e de silex. Estas armas sam fabricadas na Bčlgica, e tiram o seu nome de um cčlebre armeiro Portuguez que viveu na cidade de Braga, no principio d'este sčculo, cujos trabalhos chegįram a adquirir grande fama, em Portugal e Colonias. Nas armas fabricadas na Bčlgica para os prźtos, que sam uma imitaēćo grosseira dos perfeitos trabalhos do armeiro Portuguez, lź-se nos canos o nome d'elle--Lazaro--Lazarino, natural de Braga. Os Bihenos nćo usam balas de chumbo, que sam, dizem elles, muito pesadas, e fabricam-n-as de ferro forjado. Os cartuxos, que elles fabricam tambem, levam 15 grammas de pņlvora, e t[~e]m 22 centģmetros de comprido. As balas de ferro sam de diąmetro muito inferior ao adarme, pesando apenas 6 a 7 grammas. Como sam forjadas, sam mais polyedros irregulares do que espheras. As armas assim carregadas, de nenhuma precisćo, como se pode bem julgar, t[~e]m um alcance de cem metros apenas. O alcance da frecha é de 50 a 60 metros, mas a grosseira precisćo do tiro de frecha, entre os prźtos, nćo vai ąlém de 25 a 30 metros. As azagaias sam todas de ferro, curtas e ornadas de pello de carneiro ou de cabra, nćo sam de arremźsso, e o Biheno em combate nunca as deixa da mćo. Talvez haja reparo em eu escrever _pello_ de carneiro, mas cabe dizer, jį que falei n'isso, que os carneiros ali nćo t[~e]m lć. Existem no paiz duas differentes especies, que os prźtos em Hambundo designam pelos nomes de Ongue e Omźme. O ongue tem um pello grosso e curto; e o omźme, que tem o pello mais longo, differe muito da lć. Estes carneiros, de raēas exņticas, degenerįram de certo por effeito do clima e das pastagens. T[~e]m os Bihenos cabras de uma raēa muito inferior, e o seu gado bovino é pouco, e de raēa muito pequena e fraca. As gallinhas abundam, mas, sam, como todos os animaes domčsticos no Bihé, de pequeno corpo. Deixo aqui o que nos meus apontamentos encontrei de mais curioso a respeito d'este paiz, cujas posiēões e condiēões climatčricas se encontrarįm em um capģtulo especial; e retomo o meu diario no dia 14 de Abril de 1878. As łltimas chuvas tinham cahido das 6 įs 9 da noite do dia primeiro de Abril, produzindo apenas 17 milimetros d'ągua, o que mostra terem sido jį muito fracas. O tempo estava esplčndido, e alguns cirrus alvissimos que em seguida įs chuvas tinham pairado nos ares a enorme altura, desapparecźram, para deixar logar a um firmamento lģmpido, esclarecido de dia por um sol brilhante, e į noite constellado d'estrellas, que dardejavam sōbre a terra escura d'Ąfrica essa luz melancņlica e scintillante, que ellas só t[~e]m nas regiões tropicaes. Era o bom tempo de viajar, era jį o dia 14 de Abril, e eu estava ainda no Bihé! Eram 14 de Abril, e eu nćo partia, porque ainda nćo tinham chegado as fazendas e as cargas que deixįmos em Benguella, em Novembro de 1877, isto é, uma grande parte d'ellas, que outras tinham chegado em principio de Marēo. Esta demora estava sendo de grande prejuizo para mim. Dos sete fardos de fazendas que me deixįram Capello e Ivens, quatro tinham sido gastos, com a sustentaēćo da minha gente de Benguella e com a minha. Ainda nćo tinha dado presente ao sova, que teimava em m'o pedir, e comecei a ver um sombrio futuro na minha empresa. Reduzi as minhas despesas pessoaes, e por isso tive de dispor de duas horas por dia para caēar. Na falta de caēa grossa, tinha, na margem esquerda do rio Cuito, nas terras cultivadas de Silva Porto, muitas perdizes. Chamei-lhe a minha capoeira, e todos os dias ia ali matar uma ou duas, nćo excedendo nunca esse nłmero para nćo destruir a provisćo. Semelhante ao jogador que faz da banca meio de vida, e que sopeando os impulsos do vicio, se levanta com um pequeno ganho que lhe assegura a sustentaēćo diaria; assim eu, contendo os instinctos de caēador, deixei muitas vezes a caēa que podia matar; fazendo sōbre mim supremo esfōrēo, para nćo proseguir n'um prazer, que destruiria ao mesmo tempo as muniēões pouco abundantes, e a caēa necessaria ao meu sustento futuro. Nćo eram só as bandas de perdizes dos campos de Silva Porto que forneciam um prato į minha modesta mesa. Centenares de rolas Africanas, esvoaēavam continuamente sōbre as ąrvores das margens do Cuito, e vinham beber ao rio de manhć e de tarde. Os meus muleques pequenos, por meio de armadilhas caēavam algumas, que vinham figurar na minha mesa a par das perdizes e de um prato de massa, feita com farinha de milho cozida em ągua, que me servia de pćo. Assim pude reduzir a minha despesa, que era pźlo menos de quatro jardas de algodćo branco por dia, custo de duas gallinhas. A demora e com ella o decrescimento rąpido dos meus recursos, fez modificar o meu plano de viajar. O _mucano_ aterrava-me, e se eu tivesse de pagar algum, ficava impossibilitado de sahir do Bihé. A demora da minha gente, tinha, com a ociosidade, feito despertar n'elles os vicios adormecidos pelas fadigas e pelos trabalhos da jornada. O perigo pairava sōbre mim, e estava suspenso por um fio, como a espada sōbre a cabeēa de Damocles. Resolvi, depois de muito cogitar, colocar-me em circunstancias de ter a forēa de meu lado, e de defender a tōdo o trance a minha propriedade. Para isso precisava armar-me, e depois de ter armas precisava ainda de muniēões de guerra. Eu tinha 10 carabinas Snider, que me tinham dado Capello e Ivens; pude obter mais 11 das deixadas por Cameron no fim da sua viagem, e para estas armas tinha quatro mil cartuxos. Ąlém d'estas, possuia umas 20 espingardas de silex, das łltimas d'esse systema usadas pelos exčrcitos na Europa. Para estas nćo tinha muniēões. Fiz correr a noticia de que comprava tōdas as armas inutilizadas que me trouxessem. Principiįram a affluir ellas, e eu ia comprando as que poderia concertar, o que me nćo era difficil, por ter aprendido o officio de serralheiro e espingardeiro, com meu pai, que é habil artģfice, e que ainda hōje emprega as horas de ņcio trabalhando na sua officina, mais bem montada que as d'aquelles que as t[~e]m por profissćo. Lembra-me aqui uma anecdota engraēada. Um dia, entra na nossa quinta do Douro um cavalheiro que ia procurar meu pai, e ouvindo um martellar estridente n'uma casa prņxima į de habitaēćo, dirigio-se para ali. Era uma vasta forja, onde dois homens, de tamancos nos pés, carapuēas vermelhas na cabeēa, largos aventaes de couro pendentes do pescōēo e justos į cintura, a cara e mćos negras do carvćo e do ferro, estendiam em enorme bigorna uma grossa barra, que projectava em todas as direcēões chispas ardentes, ao bater cadenciado de dois pesados martellos, puxados por braēos nus até ao cotovelo. O cavalheiro parou į porta e perguntou: "æO Senhor Doutor estį em casa?" Meu pai, que era elle um dos ferreiros, respondeu-lhe com uma pergunta: "æQue lhe quer o Senhor?" O cavalheiro, que nćo era de genio brando, nćo gostou da pergunta do ferreiro, que tomou por insolencia, e respondeu pouco convenientemente, dizendo, que vinha procurar sua Excellencia, e que nćo admittia que um ferreiro que trabalhava em sua casa respondesse com perguntas a elle. Meu pai quiz explicar o caso, dizendo, que o ferreiro e o Doutor eram a mesma pessōa, o que mais fez exasperar o seu interlocutor, que julgou lhe juntavam a zombaria į insolencia. Ambos de genio irritavel, iam ter uma desagradavel contenda, quando o outro ferreiro, que era eu, entreveio e fez cessar a guerilha; dando o visitante as suas desculpas logo que se convenceu da nossa identidade. Esta pequena circunstancia de ter aprendido um officio, servio-me de grande auxilio, e foi um dos pequenos ribeiros que veio engrossar o rio dos felizes resultados da minha tentativa. Assim, pois, mais um trabalho se veio juntar ao meu incessante labutar de tōdos os dias, e dentro em pouco pude aproveitar umas vinte-e-cinco espingardas que o gentio julgava inutilizadas. Faltavam as muniēões, e era preciso fazel-as. Em casa de Silva Porto encontrei uma colecēćo completa da _Gazeta de Portugal_, e n'ella o papel necessario aos cartuxos. Nas cargas que esperava de Benguella devia vir muita pņlvora, e por isso apenas me faltavam as balas. Obter chumbo era impossivel, e decidi logo fazer balas de ferro forjado. Faltava o ferro é verdade, mas esse era possivel obter-se. Annunciei que comprava tōdo o ferro velho que me trouxessem, e nćo tardou a apparecer grande quantidade de enxadas inutilizadas, e sōbre tudo de arcos de barris de ągua-ardente. Só suspendi a compra de ferro quando tinha uns duzentos kilogrammas. Mandei chamar 4 ferreiros do paiz, estabeleci duas forjas indģgenas no pateo interior, com grande escąndalo da prźta Rosa, administradora da povoaēćo de Belmonte, e em quanto, fora da libata, os meus prźtos faziam carvćo queimando os restos de uma paliēada de pao ferro, de uma libata abandonada, comeēou no pateo um forjar contģnuo. O primeiro trabalho a fazer era reduzir tōdo aquelle ferro a varćo cylģndrico do diąmetro das balas. Os ferreiros haviam-se com grande destreza. Dobravam os arcos em molhos de 20 centģmetros de comprido por 4 de espessura, e levando-os ao rubro, mergulhavam-n-os em uma massa de caliēa e ągua. Depois de frios voltavam į forja, e chegados į tempera da fusćo eram facilmente caldeados, tornando-se em massa łnica e homogčnea. Depois d'isso o trabalho era facil. A compra das armas e do ferro tinha deminuido consideravelmente o meu haver. Eu nćo possuia missangas, porque um sacco que me mandįram os meus companheiros nćo tinha curso nos sertões para onde me dirigia. Tratei de procurar alguma no Bihé, e pude comprar aos prźtos aqui e ąlém uma pequena porēćo, que me fez a carga de um homem. Esta compra veio dar um nōvo golpe na minha fazenda de algodćo, e por 17 de Abril, possuia apenas um fardo. [Figura 24.--Objectos fabricados por Bihenos. 1. Folle. 2. Folle preparado para servir. 3. Bocal de barro em contacto com a chama. 4. Tenaz. 5. Martello grante. 6. Um bocado de cano de espingarda encabado em pįo que serve ao ferreiro para levar įo lume pequenas peēas. 7. Martello pequeno. 8. Panellas de cozinha. 9. Panella para capata. 10. Tambores dos batśques.] Sentia desde a minha chegada ao Bihé uma grande falta, e era ella a de um despertador. Foi olvido que me custou no correr da viagem muitos incņmmodos e algumas febres. Sempre que tinha de fazer observaēões depois da meia noite, tinha de estar acordado até į hora precisa; e asseguro que é triste passar uma noite a lutar com o sono, sem luz, e por isso sem nada poder fazer para matar o tempo. No dia 19, o Ivens veio ver-me, e causou-me funda impressćo o seu estado. Estava muito magro, de uma palidez cadavčrica, e accusava nas feiēões um soffrimento constante. Eu pedi-lhe para vir jantar comigo no dia immediato, que era o dia dos meus annos. Elle disse-me, que talvez nćo podesse vir pźlo seu estado de saude. Dois dias depois, fui ao acampamento dos meus companheiros pagar a visita ao Ivens. Capello estava ausente, pois tinha ido determinar a posiēćo da nascente do Cuanza. No dia 25, tinha eu dez mil balas, ou antes dez mil bocados de ferro, toscamente forjados, com pertenēões a terem uma forma esphčrica. Era o que me bastava, e despedi os ferreiros. N'esse dia chegįram os primeiros Bailundos com as cargas de Benguella, e nos seguintes dias fōram apparecendo novas levas com cargas. Estes Bailundos eram insolentes, e iam fazendo uma grande desordem em Belmonte, que teria tomado sčrias proporēões se eu nćo interviesse. Tirei das cargas 10 fardos de fazenda, trźs barris de ągua-ardente, e dois saccos de caurim. Faltava-me a pņlvora e o sal, que tinham ficado atraz. Tratei logo de mandar o presente ao sova, e de me preparar para partir, porque, tendo os cartuxos promptos e embalados, em dois ou trźs dias os carregaria de pņlvora. Mandei emissarios a reunir os carregadores, que tōdos estavam justos e promptos. No dia 29 de Abril, os prźtos de Silva Porto fizéram-me um pequeno furto, e eu zanguei-me muito com elles, e ameacei-os de os mandar para Benguella. Elles, para entrarem nas minhas bōas graēas, viéram denunciar-me, que sabiam onde estavam 4 espingardas que tinham sido roubadas į expediēćo no caminho de Benguella. Uma d'ellas fōra furtada pelo S^{nr.} Magalhćes, dono da povoaēćo onde primeiro estive no Bihé. Pude havel-as todas. [Figura 25A.--Quinda, cesta de palha que nćo deixa passar a ągua.] [Figura 25B.--Peneiro para seccar a Farinha (fuba).] [Figura 25C.--Peneiro de peneirar.] [Figura 25D.--Cabaēa para tirar Ągua a capata.] A esse tempo eu mal tinha occasićo de comer. Arranjava as cargas, e era preciso estar presente a tudo, para nćo ser roubado, porque tōdos os prźtos, os de Silva Porto e os meus, eram uma quadrilha de ladrões. Havia uma excepēćo, uma łnica. Era o meu prźto Augusto, que me deu sempre prova da maior fidelidade. Quando contratei os carregadores em Benguella, contratei entre elles o Augusto, de quem nunca fiz caso, porque elle se nćo distinguia dos outros, a nćo ser talvez por ser um pouco mais dado a embriaguez. Na distribuiēćo das armas, os prźtos fizéram repugnancia em receber as de Snider, e só o Augusto me pedio logo uma. Foi a primeira vez que attentei n'elle. Um dia, no Dombe, fiz um exercicio ao alvo, e vi que elle era um soffrivel atirador. Depois, em Quillengues, sube, que elle dissera entre os prźtos, que me nćo deixaria nunca, e como, pźla sua forēa herculea, e pźla sua coragem, elle tinha tomado um grande ascendente sōbre os outros prźtos, chamei-o a mim. Ao tempo em que vai a minha narrativa elle tinha subido de posiēćo, e de simples carregador, estava chefe da comitiva. Alguns eram seus amigos, outros respeitavam-n-o, e muitos temiam-n-o. Augusto é o melhor prźto que eu tenho encontrado em Ąfrica; mas ninguem é perfeito n'este mundo, e Augusto nćo quer ser excepēćo į regra. Entre os seus defeitos avulta um, que eu sou propenso a desculpar, e que sendo um grande defeito em viageiro Africano, fora d'ali poderia passar por virtude. Augusto é louco pźlo bello sexo. Forte como um błfalo, corajoso como um lećo, entende que deve protecēćo e apoio įs creaturas frageis que encontra no seu caminho. Jį nćo tinham conta as suas aventuras galantes desde Benguella ao Bihé. Casado em Benguella, casou de nōvo no Dombe, em Quillengues, Caconda, no Huambo, e desde a sua chegada ao Bihé, jį tinha feito ali trźs ou quatro casamentos. É um verdadeiro D. Juan de cōr prźta. Obediente em tudo o mais, desprezava completamente as minhas admoestaēões n'esta parte. Um dia, como as queixas das mulhéres fossem muitas, chamei-o e reprehendi-o severamente, ameaēando de o abandonar se elle continuasse. Chorou muito, lanēou-se de joźlhos aos meus pés, fez mil protestos de emenda, e pedio-me para lhe dar uma peēa de fazenda, que com isso iria contentar as mulhéres, e só ficaria com Marcolina, a sua mulhér de Benguella. Dei-lhe a peēa de pano, e fiquei satisfeito de tćo sincero arrependimento. [Figura 26.--Uma Casquilha do Bihé.] Na tarde d'esse dia, ouvi grande batuque para um canto da povoaēćo, e cantos e festas que anunciavam um acontecimento desusado. Tive curiosidade de saber o que era, e mandei alguem a ver. ”Qual nćo é o meu espanto, sabendo que o Augusto festejava o seu nōvo casamento com uma rapariga da libata de Jamba! Vi que o furor de casar-se era superior įs suas forēas, e decidi nćo mais me importar com os seus negocios galantes, mesmo porque elle nćo compromettia ninguem, e casava sempre legalmente. Estąvamos a dois de Maio, e ainda nćo tinha podido reunir os carregadores, e ainda nćo tinham chegado do Bailundo, nem a pņlvora nem o sal vindos de Benguella. O Verissimo andava por lį reunindo a gente; mas ainda nem um só se tinha apresentado. Na manhć do dia trźs, estando eu em casa, ouvi fora da porta os acordes de uma rabeca, onde se tocavam arias muito melodiosas, coisa mui differente da młsica monņtona dos prźtos. Mandei chamar o menestrel, e appareceu-me um prźto alto e magro, quasi nu, de physionomia triste e expressiva. Tocava em uma rabeca fabricada por elle, que dava sons tam melodiosos e fortes como o melhor Stradivarius. Este instrumento, mui semelhante em forma įs nossas rabecas, era cavado em uma só peēa de pao, que formava a caixa e o braēo, sendo o tampo de uma tabua fina da mesma madeira. Tinha tres cordas de tripa, fabricadas pźlo młsico, e o arco era guarnecido de duas cordas iguaes, em logar de clina. Era de certo uma imitaēćo das rabecas da Europa, e nćo um instrumento primitivo. A madeira de que era feita chama-se no paiz _Bóle_, e abunda nas matas da Ąfrica de Oeste. Nćo seria talvez para desprezar o ensaio d'esta madeira na fabricaēćo de instrumentos de corda. O bąrbaro młsico cantou uma aria em meu louvor, a _mezzo petto_, com voz muito agradavel, acompanhando-se na tōsca mas harmoniosa rabeca. Foi muito applaudido pelos prźtos que tinha attraido em volta de si, e eu mesmo gostei d'aquella młsica original. Chegįram į libata uns prźtos do sertćo do Andulo, que vinham vender tabaco muito bom, que n'aquelle paiz cultivam em quantidade. É este tabaco do Andulo que os Bihenos compram e mandam para Benguella, vendendo-o ali com o nome de tabaco do Bihé. Eu comprei grande provisćo, e calculei que me ficou por 500 réis o kilogramma. Os preēos dos differentes gčneros no Bihé nćo sam aquelles que me t[~e]m forēado a pagar, e sam os seguintes: Uma gallinha, uma jarda de fazenda de algodćo; seis ovos, uma jarda; um cabrito de dois annos, oito jardas; um porco de 5 a 6 arrobas (75 a 90 kilogrammas), uma peēa de algodćo branco e outra de zuarte; o alqueire de farinha de milho, duas jardas; o de farinha de mandioca ou de feijćo, trźs jardas. Isto sam jardas de fazendas das mais ordinarias, cujo prźēo no Bihé nćo se dźve calcular superior a 200 réis. Uma jarda de fazenda chama-se no Bihé um _Pano_, 2 jardas uma _Béca_, 4 jardas um _Lenēol_, 8 jardas uma _Quirana_. As fazendas de negocio proprias para o Bihé e sertões explorados pelos Bihenos, sam, algodćo branco, zuarte, zuarte pintado, lenēos de zuarte pintado, lenēos finos, lenēos cangengos, fazendas de lei e riscados, tudo da mais inferior qualidade. As peēas de algodćo branco tem 28 jardas umas, e outras de melhor qualidade 30. Os zuartes e riscados 18 jardas, os lenēos pintados 8 jardas, os lenēos cangengos 6, e a fazenda de lei 12 jardas. As fazendas boas sam muito inconvenientes ao viajante que percorre esta parte de Ąfrica, porque, nćo tendo muito mais importancia para o gentio, sam consideravelmente mais pesadas. Eu tinha dois fardos de fazenda que tinha preparado ali, cada um dos quaes continha 624 jardas, e os outros, de algodćo fino, t[~e]m apenas 180 jardas, e sam mais pesados.[4] Jį se deduz d'aqui a inconveniencia das fazendas de bōa qualidade, que ąlém de ser grande o seu custo, é grande tambem a difficuldade do seu transporte, pois que trźs homens carregam d'ellas tanto quanto um carrega de fazenda ordinaria. E sōbre tudo para o viajante explorador, como o seu dispender de fazenda é em trōco de alimento, tantas jardas de fazenda bōa tem de dar por um objecto, como de jardas de mį fazenda darį pelo mesmo objecto. O algodćo branco de inferior qualidade e o zuarte sam o melhor dinheiro que pode levar o viajante n'aquellas paragens. Nas missangas jį se nćo dį o mesmo caso, e a que é moda aqui, nćo é recebida ąlém, įs vezes em pontos pouco distantes, por ex.: no Bailundo querem muito a missanga preta, que jį no Bihé nćo tem curso. Ha contudo uma missanga que é quasi geralmente bem recebida em toda a Ąfrica Austral. É ella uma missanga miuda encarnada, de ōlho branco, a que no commercio em Benguella dam o nome de Maria 2^a. O buzio miudo (caurim) serve ąlém Cuanza até ao Zambeze, mas o graüdo nćo é recebido. O arame de latćo ou de cobre vermelho é estimado para manilhas; mas, n'estas paragens, nćo dźve ter mais de 3 a 5 milimetros de espessura. Os barretes vermelhos, sapatos de liga, fardas de soldados, etc., sam frandulagens, que, sendo muito estimados presentes para sovas e secślos, sam pčssima moeda. Os cobertores, e sōbre tudo aquelles vistosos que na Europa usamos para embrulhar as pernas em viagem, sam muito cubiēados do gentio; estando porem no caso das fardas e barretes, que, sendo ņptimo presente, nćo sam bōa moeda. Os realejos, caixas de młsica, e outros objectos d'este gčnero, estam no mesmo caso. Prestigiaēões, sortes de physica e chģmica, produzem certa impressćo no gentio, mas nćo tanta como se julga na Europa. Nćo comprehendendo as causas que determinam certos phenņmenos, lanēam a cousa į conta de feitiēaria, com que explicam tudo que nćo sabem explicar de outro modo. Įs vezes até podem ser contraproducentes, e prejudicarem aquelle que as fizér. De tudo o que eu vi fazer impressćo em pretos, aquillo que mais os admira é verem um bom atirador. Mźtta qualquer, diante de um ajuntamento de pretos, 6 balas em alvo pequeno e distante, corte o pequeno fruto de uma ąrvore, mate um passarinho, e fique certo de que ganha logo a maior consideraēćo, e serį objecto das conversaēões por muito tempo. A este respeito vou narrar um facto que se deu na libata, comigo. Um dia, um cirurgićo Biheno appareceu ali trazendo um remedio que era preservativo contra as balas, įquelle que o tomasse. Isto é crenēa geral entre Bihenos, e muitos ha que gastam tudo o que t[~e]m para adquirirem aquelle abenēoado remedio, que os torna mais invulneraveis do que Achilles, porque nem mesmo lhes deixa a possibilidade de receberem a morte por um calcanhar. Um mestiēo civilizado, e educado em Benguella, encontrei eu, que se ria de mim quando eu lhe dizia que se lhe desse um tiro furava-o de lado a lado, apesar do remedio contra as balas de que elle fazia uso. Mas vamos ao conto. O cirurgićo Biheno trazia uma panellinha de meio litro cheia do precioso preservativo, e apregoava que aquelle que o tomasse seria depois tćo invulneravel como o era a panella que continha o lģquido, panella a que tōdo o mundo, no seu dizer, tinha atirado sem que as balas lhe fizessem o menor damno. Quiz elle dar ao płblico uma prova irrefutavel, e desafiou-me de atirar į panella; tendo previamente o cuidado de me marcar a distancia (uns 80 passos) a que elle julgava ser impossivel acertar em tćo pequeno alvo. Tomei a carabina, atirei, e fiz a panella em cacos, derramando-se o precioso licor. Nunca vi applaudir mais phrenčticamente alguem, do que eu fui applaudido entćo pźlo gentio entusiasmado. O pobre cirurgićo foi completamente corrido no meio de geral assuada. Este pobre homem foi ali buscar o seu descrčdito. Os melhores atiradores do sertćo sam grandes mediocridades, e sam bem mais para temer pretos de frecha e azagaia, do que de arma carregada. O Verissimo partio a reunir os carregadores, voltando a 5 de Maio com alguns, e dizendo que outros chegariam no dia seguinte. N'esse dia recebi cartas e cargas de Benguella, enviadas para mim por Pereira de Mello e Silva Porto. Fizéram-me uma tal impressćo aquellas cartas, que no meu diario escrevi entćo, na cabeēa do capģtulo em que falo do Bihé, aquelles dous nomes, e hōje ainda os conservo, como preito e homenagem įquelles dous cavalheiros. Enviava-me Pereira de Mello 16 espingardas, 30 kilogramas de sabćo, um relogio e uma carga de sal, tudo objectos de subido valor para mim. Nćo é todavia esta valiosa remessa que me dictou a immensa gratidćo para com o governador de Benguella; foi a sua carta e fōram as expressões dos seus sentimentos a meu respeito. Dizia-me o Governador, que nćo hesitasse em seguir a minha viagem, que contasse com todo o apoio que elle me podia dar como autoridade, e se acaso ordens superiores coarctassem o Governador, que podia contar com o homem, com Pereira de Mello. Dizia-me elle, que nćo tinha recebido de superior autoridade ordem alguma para nćo me fornecer os meios de que eu carecesse; mas que, se tal ordem viesse a receber, elle e os negociantes de Benguella estavam promptos a enviar-me tudo o que eu pedisse. Vinha depois a carta de Silva Porto, que nćo menos valiosa era. Dizia-me o velho sertanejo, que nćo partisse sem recursos. Que requisitasse para Benguella o que eu julgasse necessario, e que elle se encarregaria de me fazer chegar ao Bihé aquillo que eu pedisse. Terminava o honrado ancićo por estas palavras: "Estou velho, mas rijo e forte; se o meu amigo se vir n'um d'esses trances, vulgares no sertćo, em que a esperanēa se perde, sustente-se no ponto em que estivér, e dź tudo ao gentio para me fazer chegar įs mćos uma carta sua. Nćo hesite em o fazer, e tenha esperanēa; porque no mais curto espaēo possivel eu serei com-sigo, e comigo irįm todos os recursos, todos os socorros. Sabe que eu nćo uso fazer offerecimentos vćos, quando precisar escreva, e eu irei logo." A estas palavras nćo preciso eu de fazer commentarios, e nem mesmo aqui lhe juntarei uma palavra de agradecimento, que seria ridģcula. Aquella remessa que recebi de Benguella foi-me trazida por um irmćo do Verissimo, Joaquim Guilherme, que me disse deverem chegar no dia seguinte o resto das cargas da expediēćo, e com ellas a pņlvora por que eu almejava. Como sempre que chegava um portador de Benguella, Joaquim Gonēalves trazia-me uma lembranēa de Antonio Ferreira Marques. Eram sempre alguns regalos para a pobre mesa do sertanejo. Chegou finalmente o 6 de Maio, e comeēou logo grande tarefa de encher cartuxos, porque de manhć recebi a pņlvora. Durante 4 dias empreguei entre 36 e 40 homens no encher dos cartuxos, que estavam promptos, e só era deitar-lhes pņlvora e dobral-os. Ficou tudo prompto a 10 de Maio, e no dia 11 tinha eu reunidos todos os carregadores prompto a seguir no dia immediato. Fiz a distribuiēćo das cargas, e dei as ordens para a partida. Na manhć de 12, quando esperava pōr-me a caminho, vejo que só tinha uns trinta homens, tendo fugido todos os outros. Sube entćo, que na tarde da včspera, tinha andado o prźto Muene-hombo de Silva Porto, com uns pretos desconhecidos, dizendo aos Bihenos, que eu os queria levar para o mar, e que aquelles que fossem comigo nćo voltariam mais, porque eu os venderia. O prźto Muene-hombo fugira com os Bihenos, e d'elle nćo havia mais noticia. Esta nova deu-me um profundo golpe de desąnimo. Os carregadores, que eu a tanto custo tinha reunido, que eu com trabalho imenso tinha contratado, a quem fōra preciso desfazer uma a uma todas as aprehensões que tinham contra a minha empresa, fugiam-me, convictos de que eu os ia encaminhar į perdiēćo. Era um golpe terrivel. Breve se espalharia no Bihé a noticia do facto; breve se arreigaria entre os pretos aquella convicēćo, mal destruida pelos meus reļterados argumentos, e entćo seria impossivel obter um só carregador mais. Quasi desanimei. Pela primeira vez, depois que em Lisboa tinha pensado em ser explorador, entrou no meu ąnimo o desalento. Eu sabia que lutar com uma convicēćo de pretos era baldado esfōrēo. æQuem seria aquelle que levou o prźto Muene-hombo a trair-me? æQuem seriam os pretos que com elle estivéram na libata no dia anterior? æQual seria a mćo occulta que moveu aquella intriga? Fazia a mim mesmo estas perguntas, įs quaes, nem entćo nem depois, encontrei resposta que fosse ąlém de suspeita muito vaga. Perdi a esperanēa, e fiquei possuido de um verdadeiro desalento. Meditei todo o dia, e veio o pensamento de voltar a Benguella, mas de repente lembrou-me a carta de Silva Porto recebida dias antes, e lembrou-me a carta de Pereira de Mello em que me dizia "Avante!" æPorque nćo aceitaria eu o offerecimento de Silva Porto? Se elle viesse ao Bihé elle me obteria carregadores. Decidi escrever-lhe no dia seguinte, e esta idéa tranquilizou um pouco o meu ąnimo alquebrado. Com a noute veio a reflexćo, e eu escudado no łltimo recurso, o pedir o auxilio do velho sertanejo, resolvi jį forte com aquelle apoio, trabalhar, lutar ainda, antes de recorrer a elle. Na madrugada de 13, fiz marchar o Verissimo e alguns pretos de confianēa do Silva Porto a procurarem contratar nova gente. Voltįram elles dando-me algumas esperanēas, e entćo comeēou de nōvo o trabalho de organizar nova comitiva, trabalho mais difficil entćo do que antes. Aconselhįram-me sahir de Belmonte e ir acampar no mato a alguma distancia; porque me diziam, que uma comitiva em marcha, despertava nos Bihenos vontade de se alistar n'ella. A 22 de Maio jį eu tinha podido obter alguns carregadores, ainda que poucos, e resolvi com os meus Quimbares, aquelles carregadores e gente de ganho, seguir no dia 23 para um acampamento, idéa que levei a effeito indo estabelecer o campo nas matas do Cabir. N'esse dia ao escurecer, apparecéram uns 11 carregadores trazidos por um prźto Antonio, homem jį velho, natural de Pungo Andongo, que estivera ao serviēo de dois sertanejos de nomeada, Luiz Albino, e Guilherme Gonēalves. Durante a noute houve muito frio, forēando-nos a passar a maior parte d'ella despertos junto įs fogueiras. O soveta de Cabir veio visitar-me no dia immediato, trazendo-me um pōrco de presente, que eu retribui, ficando nós nos melhores termos. Emprestou-me elle alguns pilões, e mandou mulhéres para fazerem farinha de milho. [Figura 27.--Mulhéres do Bihé pisando Milho.] Indo agradecer-lhe į sua povoaēćo, passei pelas plantaēões, onde andavam algumas mulhéres cavando, completamente curvadas, empunhando as enxadas pelos seus dous cabos. De volta ao acampamento, encontrei um prźto dos de Nōvo Redondo, que nćo tinha podido seguir com Capello e Ivens, pźlo seu estado de saude. Nćo se sustinha em pé, e uma ardente febre o devorava. Vi que o seu estado era melindroso e que pouco poderia viver; mas elle pedio-me que o nćo abandonasse, e eu agasalhei-o no campo, entregando-o aos cuidados do doutor Chacaiombe. Veio visitar-me Tiberio José Coimbra, filho do Coimbra, Major do Bihé, o qual me obtźve alguns carregadores de gente da sua povoaēćo. N'esse dia aparecźram mais uns 12 carregadores com que eu jį nćo contava, e eram capitaneados pźlo prźto Chaquiēonde, irmćo da mće de Verissimo. Ia renascendo a esperanēa, e de nōvo se ia organizando a nova comitiva. Resolvi partir no dia 27, e ir acampar junto da casa de José Alves, com esperanēa de completar ali o nłmero de gente que carecia. Obtive do soveta de Cabir alguns homens para me transportarem as cargas que nćo tinham carregador, e tambem 4 homens e uma maca para o doente de Nōvo Redondo. Pude seguir no dia marcado, parando, meia hora depois de ter sahido, na povoaēćo de Cuionja, de Tiberio José Coimbra, onde me esperava um ņptimo almōēo, com ņptimo chį. Até havia guardanapos! Depois de duas horas que ali me demorei, segui avante, chegando į povoaēćo de Caquenha, com 4 horas de caminho. Ali parei para ver o velho Domingos Chacahanga, dono da povoaēćo. Este Chacahanga, antigo escravo de Silva Porto, fōra o chefe da cčlebre expediēćo que Silva Porto mandou do Bihé a Moēambique, e que conseguio alcanēar Cabo Delgado, na costa do mar Indico. É elle o łnico dos homens d'aquella expediēćo que hōje vive. O velho recebeu-me muito bem, e deu-me um alentado cabrito. Conversei muito com elle; mas a pesar de todos os meus esforēos foi-me impossivel colher d'elle dados com que podesse marcar com alguma seguranēa o seu trajecto. De que foi muito mais ao norte do que vem indicado nas cartas nćo me restou a menor dłvida, porque ha trźs pontos que elle precisa perfeitamente. Um é ter, no Zambeze, deixado ao sul o paiz dos Machachas; outro ter atravessado o Luapula; e terceiro ter contornado pelo norte o Lago Nyassa. Duas horas depois de ter deixado o velho Chacahanga, acampava nas matas do commandante, dois kilņmetros a S.E. da libata de José Alves. Era jį noute, e por isso guardei-me para ir no dia seguinte ver este personagem, que Cameron tornou conhecido de todo o mundo. Effectivamente, a 28 de Maio estava eu em presenēa do tćo falado sertanejo. José Antonio Alves é um prźto (_pur sang_) de Pungo Andongo, que, como muitos d'ali e de Ambaca, sabe ler e escrever. No Bihé chamam-lhe branco, porque ali todo o prźto que usa calēas e sapatos de liga e guardasol, é tratado assim.[5] Em Benguella levam a condescendencia a chamarem-n-o mulato, um pouco escuro; mas a verdade é, que nas suas veias nćo ha uma gōta de sangue Europeu, e que elle é prźto nćo só na cōr como na ascendencia, e quiēį na alma. Veio para o Bihé em 1845, onde foi empregado de um sertanejo, e depois comeēou a negociar por conta propria, abonado pela casa Ferramenta de Benguella, que hōje faz avultado commercio sob a firma J. Ferreira Gonēalves. José Alves é homem de 58 annos, jį um pouco grisalho, de corpo franzino, e soffrendo de uma affecēćo pulmonar. Vive como prźto, tendo todos os costumes e crendices do gentio ignaro. Quando cheguei a casa de José Alves, estava elle decidindo um _mucano_. Informado da questćo, sube que um empregado mulato do José Alves seduzira uma das amantes d'este, e como o rapaz nada tinha de seu, elle fez-lhe um mucano į familia da mće, que possuia alguma cousa, exigindo, em paga do delicto, um boi, ou uma _cabecinha_, para ficar limpo o seu coraēćo. Isto me disse elle, passando a palma abranqueada da mćo nźgra por sobre a parte da caixa thorącica onde se alberga aquella vģcera, nos que a tem para cousa differente de alimentar a vida physica com os seus movimentos de sģstole e diąstole. Que a elle servia para ser limpa de vez em quando com um _mucano_, percebi eu. Depois de decidido o _mucano_, falei-lhe da minha viagem, que elle duvidou podesse levar a effeito com os pequenos recursos de que dispunha. Combinou ceder-me uma pouca de missanga, e falando-lhe em carregadores, evadio-se a responder-me, dizendo-me, sabia que Capello e Ivens estavam junto ao Cuanza lutando com falta de gente; mas que, se elles lhe quizessem pagar bem, nćo teria difficuldade em os arranjar. Era o mesmo que dizer-me, que lhe pagasse bem para os ter. Retirei-me lastimando pela primeira vez a Cameron, por ter sido forēado a tal companhia, por tanto tempo. Nesta parte do Bihé a vegetaēćo arbņrea comeēa a ser mais vigorosa, e junto ao rio Cuito, apresenta o terreno a mesma disposiēćo termģtica que descrevi na margem do Cutato dos Ganguellas. Com uns carregadores que me chegįram no dia 29, enviados pelo irmćo de Verissimo, Joaquim Guilherme, tinha eu a gente sufficiente para seguir viagem, e dei as ordens n'esse sentido para o dia 30. Quem rege as cousas d'este mundo tinha decidido porem de outro modo. Na tarde d'esse dia, alguem espalhou entre os meus carregadores as mesmas atoardas de Belmonte, e viéram muitos d'elles declarar-me, que voltavam a suas casas, e nćo me seguiriam. Fiz esforēos de eloquencia para os convencer a seguirem-me, mas poucos me escutįram. Era a segunda vez que, em včspera de partida, no Bihé, ficava eu sem gente. Ali ficįram contudo alguns Bihenos, e decidido a prescindir de todas as commodidades, e a abandonar toda a alimentaēćo que levava, com poucos mais poderia seguir. Era preciso arranjar esses poucos mais, e eu nćo desanimei na empresa. Um estranho episodio, acontecido no dia 30, veio coroar de resultado feliz a minha esperanēa. No Bihé andam a monte muitos degradados e desertores, escapados dos presidios da Costa. Um d'estes honrados cidadćos veio procurar-me, e pronunciou uma estudada arenga, que, pela profusa troca da primeira consoante pela dčcima-sčtima, e repetido emprźgo de termos só usados na minha provincia, me denunciou n'elle um conterraneo. Se a forma do discurso era picaresca, a sua essencia mostrava, que a alma do orador era sentina de todas as podridões, em decomposiēćo n'um clima tropical, trascalando fedores em cada phrase evaporada d'aquelle espģrito immundo. Depois de me aconselhar a dispor das armas e muniēões que tinha, n'uma empresa abjecta, a que elle me fazia a honra de se ligar, terminou por me dizer positivamente, que, ou eu o associava a mim, fōsse para o que fōsse, ou elle, empregando manhas que tinha de geito para o gentio, faria que todos me abandonassem, e me poria na impossibelidade de dar um passo. Terminada esta peroraēćo, que o homem julgou ser argumento triumphante nas minhas decisões, exigio immediata resposta. Eu dei-lh'-a logo. Chamei os meus Quimbares, e mandei amarrar o sujeito, a quem mandei applicar logo cincoenta aēoutes, para fazermos maior conhecimento; porque, se eu o conheci įs primeiras palavras, elle nćo me conhecia ainda. Depois de castigado, fiz-lhe um pequeno discurso, em que lhe disse, que o constituia meu prisioneiro, durante o tempo que estivesse em terras do Bihé, com raēćo de comida e de chicote todos os dias. Reuni toda a minha gente, e mostrei-lhe, que a alma d'aquelle branco era mais nźgra do que a pelle d'elles ouvintes. A nova da minha justiēa espalhou-se nas povoaēões circumvizinhas, e deu-me crčdito entre os pretos, que tinham em mį conta o meu prisioneiro. No dia seguinte, alguns pombeiros do sitio viéram offerecer-me carregadores, e que m'-os traziam dentro de dois dias. Todos os dias tinha promessas, mas os carregadores nćo chegavam, e a 5 de Junho, jį no maior desespźro, decidi abandonar muitas cargas e seguir įvante. Reuni os meus pombeiros, e communiquei-lhes a minha decisćo. Tivémos um longo conselho, em que eu sustentei a minha resoluēćo, dando ordem para que os carregadores me acompanhassem ao rio Cuito com as cargas que eu tinha decidido abandonar, para as lanēar ao rio. Jį se ia executar esta deliberaēćo, quando o doutor Chacaiombe tomou a palavra, e me pedio para adiar de alguns dias a execuēćo d'ella, dizendo-me, que obtivesse nas povoaēões vizinhas gente de ganho que transportasse tudo até ao Cuanza; que elle ia tentar um esfōrēo junto de um sova seu amigo, e me iria encontrar no Cuanza. Discutido este alvitre, decidi, partir no dia 6, e demorar-me no Cuanza até 14; por isso, concedi 8 dias a Chacaiombe, declarando-lhe positivamente, que nćo esperaria um só dia mais. Os meus pombeiros mostravam-me a maior dedicaēćo, e depois de uma proposta de Miguel (o caēador de elefantes), decidķram pegar tambem elles em cargas, ainda que isso seja nćo só contra os usos, mas tambem inconveniente em marcha, onde elles t[~e]m o seu serviēo especial a desempenhar. Obtida a gente de ganho, preparei tudo para seguir no dia immediato. N'esse dia morreu o homem de Nōvo Redondo que eu tinha recolhido no Cabir. Levantei campo įs 9 horas do dia 6, tendo muita gente de ganho į razćo de 1 panno por dia. Segui a Leste, e duas horas depois acampei junto da povoaēćo de Cassamba. Fica esta povoaēćo no meio de grande e espessa floresta, onde fui caēar, encontrando apenas algumas _pintadas_ que matei. Quando, a 7 de Junho, levantei campo, saķo-me ao encontro o soveta de Cassamba, que me vinha comprimentar, e trazer um boi de presente. Desculpei-me de nćo lhe dar immediatamente um presente, por estarem os carregadores em marcha, e pedi-lhe, que mandasse gente sua ao meu nōvo acampamento, d'onde lhe enviaria uma lembranēa. Depois de trźs horas de marcha, e de ter nas duas łltimas atravessado grandes planicies pantanosas, alcancei a margem esquerda do rio Cuqueima, que ali corre ao norte, tendo 80 metros de largo por trźs de fundo, com uma velocidade de 12 metros por minuto. Armei o meu bote Macintosh, e n'elle se effeituou a passagem da gente e cargas com grande morosidade, porque a pequena embarcaēćo nćo tinha capacidade para mais de cinco pessōas, ainda que o poder de fluctuaēćo da sua caixa de ar era muito superior. Terminada a passagem, e achando-me na margem direita em terreno apaülado, e nu de arvorźdo, mandei pedir ao sova do Gando, para me dar algumas cubatas onde eu podesse pernoitar com a minha gente. Elle veio ao meu encontro, dizendo-me que punha į minha disposiēćo o lombe da sua povoaēćo, que aceitei e onde me fui estabelecer. Chegįram uns prźtos de mando do soveta de Cassamba, a reclamar o presente que eu lhe havia promettido, e para se fazerem reconhecer como vindo da sua parte, traziam a azagaia do sovźta, que de manhć eu lhe vira na mćo. É costume entre estes povos, onde a ignorancia da leitura e escrita existe, o mandarem um objecto conhecido pelo portador de uma mensagem, para que nćo se duvide que elles vam da parte de quem os envia. Mandei o promettido presente. O sova Iumbi, do Gando, conversou muito comigo, e era para elle motivo de espanto tudo quanto eu trazia. Deu-me um magnģfico boi, ficando muito satisfeito com uma peēa de algodćo riscado e algumas cargas de pņlvora que lhe dei. No dia immediato levantei campo logo de manhć, e duas horas depois, fui acampar 1 kil. a Oeste da povoaēćo de Muzinda. Antes de partir, mandei soltar, e pōr na outra margem, o meu prisioneiro branco, jį impossibilitado de me fazer mal, porque, passando o Cuqueima, eu estava fora das terras do Bihé. [Figura 28.--Mulhéres Ganguellas Luimbas e Loenas. Modo por que cortam os Dentes incisivos.] Viéram ao meu acampamento muitas mulhéres da povoaēćo de Muzinda, algumas das quaes traziam a cara pintada de verde, sendo dois riscos transversaes sōbre a testa, de orelha a orelha, e outros dois, descendo d'esses, cruzando-se entre os olhos, passando aos lados do nariz, ligados por um sōbre o labio superior. Os penteados d'essas Ganguelas sam originalissimos, e alguns, a certa distancia, arremedam um chapéo de dama Europea. Tōdos os homens cortam em triąngulo os dois incisivos da frente na maxila superior, formando uma abertura triangular com o včrtice apoiado na gengive. Esta operaēćo é feita com uma faca em que vam batendo pequenas pancadas. Deu-me um indģgena uma cana sacharina de 2 metros e 30 cent. de comprido por 50 milimetros de diąmetro, affirmando-me que a producēćo d'aquella rica gramģnea é abundante ali. Sahio de Muzinda uma pequena comitiva que ia para ąlém do Cuanza comprar cźra a trōco de peixe sźco do Cuqueima. Estes indģgenas andam quasi nus, tendo por łnico vestuario duas pequenas pelles, que pendem de um estreito cinto de couro. As mulhéres, essas andam ainda um pouco menos cobertas! O sovźta de Muzinda veio visitar-me, e trouxe-me um boi, que eu retribui com presente igual ao que dei ao sova Iumbi do Gando. A 9 de Junho, fui acampar na margem esquerda do rio Cuanza, a E.N.E. da povoaēćo de Liuķca. N'aquelle ponto o Cuanza é mais modesto do que o Cuqueima, porque tem 50 metros de largo por 2 de fundo, com uma corrente de 15 metros por minuto. O seu leito é de area branca e fina, e notavel a transparencia das suas ąguas. O rio serpea n'uma vasta planicie de dois a trźs kilņmetros de largo, que encosta de um e outro lado a pequena elevaēćo de vertentes dōces, cobertas do arvorźdo. Na planicie vegetam gramģneas altissimas, tćo bastas que difficil é romper por entre ellas. O terreno da planicie é mais ou menos pantanoso. Como eu devia esperar ali 5 dias pelo cirurgićo Chacaiombe, tinha, logo que cheguei, mandado construir um acampamento mais vasto do que aquelles que construia só para uma noute. Veio ali visitar-me o sova de Quipembe, a quem obedecem os sovetas de entre Cuqueima e Cuanza, e que é elle mesmo tributario do sova do Bihé, a quem só obedece quando lhe faz conta; porque nćo teme os seus ataques, sendo-lhe facil defender a linha do Cuqueima, e sendo a maior parte, senćo tōdos, os barcos que navegam ali, das povoaēões Ganguelas. Trouxe-me um carneiro de presente, desculpando-se de me nćo dar um boi, por ser a sua povoaēćo muito distante. Recebi tambem a visita do sovźta de Liuķca, que me offereceu um boi. Este sovźta, homem de boa feiēćo, frequentou muito o meu campo durante a minha permanencia na sua vizinhanēa. Um dia que elle me tinha visto atirar ao alvo, e que admirava a justeza dos tiros, passou o seu grande rebanho bovino por ali. Eu propuz-lhe dar-me elle um boi, se o meu muleque Pépéca o matasse com um tiro. Elle olhou para a crianēa e aceitou. O Pépéca, sofrivel atirador ensinado por mim, tomou a carabina, e fez fōgo a um boi que ia mais separado dos outros, e que cahio fulminado. Ouve espanto geral da parte dos Ganguelas, e o sovźta disse-me que mandasse tomar conta do boi, e lhe desse a pelle, e um bocado de carne para elle comer, o que eu fiz logo. Entre Cuqueima e Cuanza os Ganguelas, que sam de differente raēa dos outros povos designados pelo mesmo nome, chamam-se Luimbas junto ao Cuqueima, e Loenas junto ao Cuanza. No dia 12, aconteceu-me uma aventura extraordinaria, que nćo posso deixar de narrar aqui. Andava eu fora, quando alguns dos meus prźtos viéram encontrar-me com um mulato, desconhecido para mim, que me disséram ser chefe de uma comitiva, que me vinha procurar, para me pedir licenēa de ir comigo até įs margens do rio Cuito, e deixal-o acampar nos meus acampamentos, para seguranēa sua. Consenti no pedido, ainda que nćo de bom grado. N'essa noute, demorei-me a conversar com os meus pombeiros até tarde, e sentados į porta da minha barraca, discursąvamos sōbre as probabilidades que haveria de ser bem succedido o meu cirurgićo Chacaiombe na sua empresa, quando eu senti para uma parte do campo um tinido singular. Era como o bater de martello em safra. Tive curiosidade de saber o que era aquillo, e mandei lį o meu Augusto. Voltou elle a dizer-me, que na parte do campo occupada pelas barracas do pombeiro Biheno que me pedira agasalho, se acorrentava uma leva de escravos chegados n'essa noute do Bihé. Nas barracas dos meus tudo dormia, excepto trźs ou quatro pombeiros que estavam junto de mim. Contive a cņlera que me dominou por um momento, e mandei chamar o meu hņspede. Elle compareceu logo, e veio sentar-se junto da fogueira defronte de mim. Perguntei-lhe æo que era aquelle bater de ferro? Respondendo-me elle, que era a acorrentar umas _cabecinhas_ que levava para vender no sertćo. ”No meu acampamento! onde tremulava a bandeira Portugueza, acorrentava-se uma leva de escravos! Continuei a fazer um grande esforēo para me conter, e disse ao pombeiro, que fosse soltar tōdos aquelles desgraēados e m'os trouxesse livres. Elle negou-se a fazel-o, e respondeu-me com uma gargalhada de riso alvar. Perdi entćo a paciencia, e a raiva contida a custo transbordou violenta. Cego de furor, lancei-me por sōbre a fogueira įquelle boēal mulato, e jį a minha faca o ia ferir de morte, quando vi, que algumas espingardas dos meus Quimbares lhe ameaēavam a cabeēa, e por um d'esses reviramentos tćo vulgares como rąpidos no meu espģrito, só pensei em salvar-lhe a vida. Ao meu grito de raiva, e ao barulho da luta, tinha-se levantado tōda a minha gente, e ameaēavam exterminar tōda a comitiva Bihena. Eu, que conhźēo a ferocidade dos negros logo que se sentem fortes, tremi pela vida dos inocentes que podiam ser immolados. Era uma balburdia em que ninguem se entendia, e į excepēćo de 5 dos meus pombeiros que assistķram ao comźēo da scena, tōdos ignoravam o que era aquillo, e só proferiam palavras de morte. Consegui dominar o tumulto e fazer me ouvir. Mandei o meu Augusto soltar os escravos, e trazel-os į minha presenēa, assim como tōdas as correntes e prisões que encontrassem nas barracas onde elles estavam. Mandei lanēar ao rio Cuanza as prisões de ferro, reservando só aquellas com que prendi os prźtos, guardas da leva. Declarei aos escravos, que podiam ir-se, se quizessem, porque teria os seus guardas presos o tempo sufficiente para os nćo poderem alcanēar. Desapparecźram tōdos, excepto uma pequena, que quiz ficar comigo, por nćo saber onde ir; e só na occasićo de deixar o meu acampamento soltei e dei liberdade aos chefes e guardas d'aquelle rebanho de escravos. Passou-se o dia 13 sem haver noticias do meu cirurgićo, e na noute d'esse dia distribui eu as cargas que pude distribuir, umas 87, separando ainda umas 12 que me custava a abandonar, e pondo em pilha aquellas que estavam irremediavelmente condenadas. Declaro que é difficil tal escolha. Creio que um dos peores problemas a resolver por um explorador, é escolher entre as cargas, indispensaveis tōdas, aquella que hade dispensar. Se nćo é mais difficil, é pelo menos tanto como achar o modo de determinar uma boa longitude. Ali abandonei tudo o que de commodidades eu tinha, tōda a alimentaēćo que para mim levava, e parte da que levava para a minha gente, e algumas cargas de missanga que os meus companheiros me haviam cedido, e que, comprada em Loanda, era de valor problemątico nos sertões em que me ia internar. Se no dia 14 de manhć nćo tivesse novas do Chacaiombe, as cargas condenadas seriam destruidas, queimando umas e lanēando outras ao Cuanza. æPara quź? me perguntarįm os meus leitores. Eu lhes respondo. O chefe de uma comitiva em marcha nos sertões da Ąfrica, onde tivér de empregar carregadores, tem de inutilizar e tornar inaproveitaveis tōdos os objectos que fōr forēado a abandonar, e isto por duas razões, uma que diz respeito į sua propria gente, e outra ao gentio dos paizes que atravessa. Se consentio que os seus proprios carregadores aproveitem alguma cousa da carga abandonada, tōdos os dias terį carregadores doentes, que o obrigarįm a abandonar cargas, para d'ali retirarem objectos em proveito proprio; organizando assim um industrioso roubo permanente. Por outro lado, sabendo o gentio da terra, que lhe deixam cargas por falta de carregadores, nćo deixarį de ministrar įs comitivas futuras, na muita capata que lhe offerecem, um tņxico qualquer, que, se nćo matar, os torne doentes; obrigando assim o chefe a abandonar cargas em seu favor; o que nćo fazem, sabendo que nada aproveitam, porque tudo o que houvér de ser abandonado é inutilizado. Foi isto liēćo de Silva Porto, de que sempre fiz uso. No dia 14 de manhć, nćo tendo noticia do Chacaiombe inutilizei 61 cargas! RAPIDO GOLPE DE VISTA RETROSPECTIVO. O Mappa junto mostra o meu caminho de Benguella ao Bihé. Procurei designar n'elle tudo o que em viagem de exploraēćo se pode colher de dados geogrąphicos e topogrąphicos. Muitos dos pontos marcados sam determinados astronņmicamente, sendo os intermediarios, achados grosseiramente pelos rumos da agulha e projecēćo das distancias percorridas, distancias avaliadas pelos pedņmetros e pelo tempo gasto a percorrel-as. As posiēões do Benguella, Dombe, Quilengues, Ngola e Caconda, que empreguei na carta, sam determinadas por Capello e Ivens, e como eu apenas tinha os resultados dos cąlculos, ahi os designo taes como m'os deu o Ivens, sem as observaēões iniciaes. De Caconda ao rio Cuanza as posiēões astronņmicamente determinadas por mim vam precedidas das observaēões iniciaes. ------------------------------------------------------------------------- Resultado das observaēões de Capello e Ivens, da Costa a Caconda. ------------+-------------+-------------+----------+----------+---------- Nome dos |Longitude E. |Latidude Sul.|Declinaēćo|Inclinaēćo| Altitude Logares. |de Greenwich.| |da Agulha.|da Agulha.|em metros. ------------+-------------+-------------+----------+----------+---------- | ° ' " | ° ' " | ° ' | ° ' | Benguella | 13 25 20 | 12 34 17 | 23 30 O.| 39 37 | 7 Dombe Grande| 13 7 45 | 12 55 12 | 23 26 | 39 44 | 98 Quilengues | 14 5 3 | 14 3 10 | 23 3 | 40 40 | 900 Ngola | 14 39 1 | 14 16 46 | --- | --- | 1,410 Caconda | 15 1 51 | 13 44 0 | 22 30 | --- | 1,676 ------------+-------------+-------------+----------+----------+---------- Tendo-me separado dos meus companheiros em Caconda, prossegui nos trabalhos que tģnhamos comeēado, nćo podendo fazer observaēões de inclinņmetro e fōrēa magnčtica, porque os łnicos instrumentos que para isso levąvamos ficįram em poder de Capello. Comeēarei a expor os meus trabalhos pela determinaēćo das coordenadas geogrąphicas de Caconda į margem esquerda do Cuanza, onde pįra a minha narrativa no precedente capģtulo. No seguinte quadro procurei compendiar os necessarios dados para se poderem verificar os resultados que designo. Todas estas observaēões calculadas em Ąfrica fōram recalculadas em Londres pelo 1^o tenente calculador da marinha ingleza, Selwyn Sugden. *Quadro das Observaēões Astronņmicas feitas pelo Major Serpa Pinto entre Caconda e o rio Cuanza*. +--------------+---------------------------+---------------+-------------+ | Anno de | Logares onde | Hora dos | Estado para | | 1878. | observei. | Chronņmetros. | Greenwich. | +--------------+---------------------------+---------------+-------------+ | | | H. M. S. | H. M. S. | a| Janeiro 14 | Vicete (junto ao Cunene) | 8 10 24 |+ 1 0 15 | b| " " | " | 10 27 44 |+ 3 23 2 | c| " 16 | Fende (Cunene) | 5 10 2 |+ 3 23 16 | d| Fevereiro 12 | Libata do Palanca | 7 55 0 |- 1 0 0 | e| " " | " | 10 30 56 |+ 3 27 18 | f| " 13 | Libata do Capōco | 9 3 0 |- 1 0 0 | g| " " | " | 9 57 15 |+ 3 27 27 | h| " 18 | " | 10 18 14 |+ 3 28 8 | i| Marēo 16 | Belmonte (Bihé) | 10 25 0 |- 1 4 0 | j| " 18 | " | 5 6 10 |+ 3 31 43 | l| | | { 5 3 1} | | m| " 22 | " | { } | --- | n| | | { 9 51 41} | | o| Abril 2 | " | --- | --- | p| " 3 | " | --- | --- | q| " 4 | " | --- | --- | r| " 5 | " | --- | --- | s| " " | " | 4 53 40 |+ 3 34 29 | t| " 6 | " | --- | --- | u| " 7 | " | --- | --- | v| " " | " | 0 8 32 |- 0 57 43 | x| " " | " | 10 50 54 | --- | z| " " | " | 10 55 6 |+ 3 34 54 | 0| " 23 | " | 9 4 25 | --- | 1| " " | " | 9 38 16 |+ 3 37 26 | 2| Maio 24 | Matas do Cabir (Bihé) | --- | --- | 3| " " | " | 9 38 55 |+ 3 42 47 | 4| " 31 | Matas do Commandante | 9 12 5 |+ 3 43 56 | 5| Junho 1 | " | --- | --- | 6| " 9 | Liuķca (margem do Cuanza) | 6 22 33 |+ 3 45 52 | 7| " " | " | 6 6 53 | --- | 8| " 10 | " | --- | --- | 9| " " | " | 9 17 21 |+ 3 45 57 | +--------------+---------------------------+---------------+-------------+ +----------------+-----------+-----+-----+-------+-----+-----------------+ | Natureza | Dupla | | | | | | | da | altura do | [A] | [B] | [C] | [D] | Resultados. | | Observaēćo | astro. | | | | | | +----------------+-----------+-----+-----+-------+-----+-----------------+ | | ŗ ' " | ŗ '|H. M.| ' " | | ŗ ' | a| Alt. Mer. [-)] | 101 3 0 | --- | --- |- 3 30 | 1 | Lat. 14 2 S.| b| Chron. [*-] | 101 2 0 |14 2| --- | " | 1 | Long. 15 14 E.| c| " | 104 31 0 | " | --- | " | 1 | " 15 25 E.| d| Alt. Mer. [-)] | 97 3 10 | --- | --- |- 0 50 | 1 | Lat. 13 20 S.| e| Chron. [*-] | 99 6 30 |13 20| --- | " | 1 | Long. 15 27 E.| f| Alt. Mer. [-)] | 98 30 30 | --- | --- | " | 1 | Lat. 13 9 S.| g| Chron. [*-] | 115 5 30 |13 9| --- | " | 1 | Long. 15 30 E.| h| " | 104 15 30 | " | --- | " | 1 | " 15 28 E.| i| Alt. Mer. [-)] | 131 38 30 | --- | --- | " | 1 | Lat. 12 22 S.| j| Chron. [*-] | 104 58 40 |12 22| --- | " | 1 | Long. 16 51 E.| l| | | | | | | | m| Alt. | 103 21 10 | " | --- | " | 2 | Estado | | iguaes | | | | | | 3^h.31^m.54^s.| n| | | | | | | | o| Alt. Mer. [*-] | 144 49 0 | --- | 1 8|- 3 30 | 1 | Lat. 12ŗ23'S.| p| " | 144 4 0 | --- | " | " | 1 | " 12 23 S.| q| " | 143 20 0 | --- | " | " | 1 | " 12 22 S.| r| " | 142 32 0 | --- | " | " | 1 | " 12 23 S.| s| Azimuth | 93 34 20 |12 22| --- |- 1 0 | 1 | Variaēćo 21 11 | | 266-30 [*-] | | | | | | Oes.| t| Alt. Mer. [*-] | 141 47 0 | --- | 1 8|- 3 30 | 1 | Lat. 12 22 S.| u| " | 141 3 0 | --- | " | " | 1 | " 12 22 S.| v| Alt. prox. | 140 14 0 | --- | --- | " | --- | " 12 22 S.| | do Mer. [*-] | | | | | | | x| Eclipse do 1^o | --- | --- | --- | --- | 1 | Long. 16 46 E.| | sat. de Jłp. | | | | | | | z| Chron. [*-] | 65 48 0 |12 22| --- |- 1 0 | 1 | Diff p^a o logar| | | | | | | | 4^h.42^m.23^s.| 0| Eclipse do 1^o | --- | " | --- | --- | 1 | Long. 16ŗ49'E.| | sat. de Jłp. | | | | | | | 1| Chron. [-)] | 71 31 40 | " | --- |- 0 30 | 1 | Atrazado | | | | | | | | 4^h.44^m.56^s.| 2| Alt. Mer. [*-] | 113 10 40 | --- | 1 7|- 1 25 | 1 | Lat. 12ŗ22'S.| 3| Chron. [*-] | 79 22 50 |12 22| --- | " | 1 | Long. 16 53 E.| 4| " | 86 38 10 |12 28| --- | " | 3 | " 17 9 E.| 5| Alt. Mer. [*-] | 110 26 40 | --- | --- | " | 1 | Lat. 12 28 S.| 6| Chron. [)-] | 63 59 30 |12 35| 1 9| 35 | 1 | Diff p^a o logar| | | | | | | | 4^h.54^m.34^s.| 7| Eclipse do 2^o | --- | --- | --- | --- | 1 | Long. 17ŗ25'E.| | sat. de Jłp. | | | | | | | 8| Alt. Mer. [*-] | 108 15 20 | --- | 1 9|- 0 40 | 1 | Lat. 12 35 S.| 9| Chron. [*-] | 82 43 23 |12 35| --- | " | 3 | Long. 17 25 E.| +----------------+-----------+-----+-----+-------+-----+-----------------+ *Legenda*: [A] Latitude Sul. [B] Longitude em tempo. [C] Erro do instrumento. [D] N^o. de Obs. [-)] sķmbolo da lua debaixo da barra [*-] sķmbolo do sol por cima da barra [)-] sķmbolo da lua por cima da barra *Trąnsito de Mercurio a través do Sol em 6 de Maio de 1878*. +------+----------+----------+-----------+--------------+----------------+ | | Logar | | | Hora do | Altura do Sol. | | Data | da | Latitude | Longitude | Chron. para | Erro do sext | | |Observaēćo| | | a hora local | - 1' 25". | +------+----------+----------+-----------+--------------+----------------+ | 6 | | | | Média de 4 | Média de 4 | | Maio | | ŗ ' " | ŗ ' " | H. M. S. | ŗ ' " | | 1878 | Belmonte | 12 22 40 | 16 49 24 | 10 6 50 | 74 36 55 | +------+----------+----------+-----------+--------------+----------------+ +------+-------------+----------------+------------+ | | Estado | Hora do | | | Data | atrazado de | 1^o contacto | Longitude. | | | Greenw. | interno. | | +------+-------------+----------------+------------+ | 6 | | No chronņmetro | | | Maio | H. M. S. | H. M. S. | ŗ ' " | | 1878 | 3 39 39 | 11 35 29 | 16 50 15 | +------+-------------+----------------+------------+ É muito notavel que a primeira longitude que determinei em Belmonte pelo chronņmetro é muito prņximo da verdadeira obtida pelo trąnsito de Mercurio. Esta longitude muito pouco differe tambem da obtida pelo eclipse do 1^o Satčlite de Jłpiter a 23 de Abril. Nćo inclui n'este quadro as innłmeras observaēões feitas para estudar as marchas dos chronņmetros, que publicarei em separado um dia. Nos estados dos chronņmetros a grande differenēa que se nota entre alguns provém do pertencerem a differentes chronņmetros. Como se vź, o instrumento empregado por mim foi o sextante com o horizonte artificial de mercurio, que outro nćo tinha, tendo ficado em poder dos meus companheiros o Abba, łnico theodolito universal que possuģamos. Os meus sextantes eram: um de Casela, de Londres, contando 5"; e outro de Lorieux, de Paris, contando 30". As minhas błssolas azimutaes eram fabricadas em Berlim, e tinham pertencido ao infeliz Barćo de Barth. Os meus chronņmetros eram de Dent, de Londres, sendo dois de algibeira, e um, que, depois, de Benguella me enviįram ao Bihé, de marinha, tambem de Dent. Este łltimo era mao; mas os primeiros excellentes, sobre tudo o que eu designo com a letra S, nos cąlculos. Das altitudes muitas sam determinadas pelo hypsņmetro, e outras pelo aneroide, cotisado com o hypsņmetro. Essas altitudes vam marcadas na carta em metros. A carta do paiz do Bihé, muito grosseira e incompleta de certo, foi levantada į błssola, nas minhas excursões venatorias; mas, ainda assim, possue a sufficiente exactidćo para se julgar do paiz, e prouvera a Deus que as cartas de pontos muito mais prņximos da costa em que dominamos, estivessem tćo prņximas da verdade como ella. Ponho ponto aqui nos detalhes das minhas cartas, para falar rąpidamente do paiz que ellas representam. De Benguella ao Dombe, como se vź, costeei o mar, em terreno calcąreo, abundante de minčrios diversos. As ąguas faltam ali na estaēćo sźca, e apenas o valle do Dombe Grande tem a sufficiente para ser enormemente productivo. A vegetaēćo, sem ser pobre, nćo tem, todavia, a opulencia peculiar aos paizes intertropicaes. Entre Benguella e o Dombe apenas se encontra ągua potavel n'um pequeno charco na Quipupa. [Mappa 3.--Entre Cubango e Cuanza] O paiz é abundante de caēa, e encontra-se n'elle grande variedade de antģlopes, sendo os mais vulgares o _Strepsiceros kudu_, o _Cephalophus mergens_, o _Cervicapra bohor_, e o _Oreas canna_. Nas rochas de carbonato de cal que formam o systema orogrąphico do Dombe Grande, abundam os _hyrax_, e na planicie, entre as grandes e pomposas plantaēões de mandioca, vivem muitos _hystrix_, maiores um pouco do que os da Europa, e que causam ali grande estrago nas terras cultivadas. O valle do Dombe Grande é de certo a melhor porēćo de terreno da provincia de Angola. As suas condiēões de salubridade nćo sam mįs, e o solo é de grande fertilidade. Um porto de mar, o Cśio, dista apenas alguns kilņmetros do maior centro de producēćo. As montanhas que enquadram o valle, sam cheias de minerio, e jį tem estado em exploraēćo, sempre em pequena escala, por falta de capitaes. Ha ali enxōfre e cobre. A populaēćo indģgena é de bōa ģndole e trabalhadora, tanto quanto o pode ser um prźto abandonado a si mesmo. Entre o Dombe e Quilengues o paiz é deserto. Pelo caminho que segui hį falta de ągua, e a vegetaēćo, pobre ao principio, toma luxuriante esplendor ao passo que nos approximamos de Quilengues. Seguindo o curso do rio Coporolo nćo ha falta de ągua, e ouvi dizer, que se encontra sempre uma vegetaēćo rica. Contudo, o paiz mesmo por ali nćo é habitado. Ao sahir do Dombe o terreno eleva-se bruscamente a 550 metros, e um systema de montanhas que corre N.S. forma pequenos valles que se vam elevando gradualmente até atingir 900 metros em Quilengues. No rio Canga comeēa o terreno granģtico, e com elle uma vegetaēćo mais pomposa. Todos os rios designados no Mappa até Quilengues sam apenas torrentes na estaēćo chuvosa, mas em muitos é possivel encontrar ągua na estia, cavando poēos nos seus leitos arenosos. O proprio Coporolo estį sujeito a esta condiēćo de pobreza. Quilengues é um extenso e fertil valle, em condiēões iguaes ao do Dombe; tendo por em quanto muito menos valor, por falta de communicaēões com a costa. A sua populaēćo é densa, e nas suas campinas pastam milhares de cabeēas de gado vaccum de excellente raēa. Os Quilengues sam fortes e aguerridos, e nos ataques que dirigem contra os Mundombes sam sempre vencedores; o que os nćo impede de serem vencidos pelos povos do Nano, que descem ali a roubar gados e gente. Estes povos de Quilengues, como os do Dombe, sam avassalados a El-Rei de Portugal, mas nćo sam tćo submissos como os Mundombes. Tem de certo um futuro o paiz de Quilengues, quando faceis communicaēões o ligarem į costa, į Huila e a Caconda, e quando fōr administrado como o deve ser. De Quilengues a Caconda o caminho é por Caluqueime, paiz muito povoado; mas eu segui outro, por motivos que cito na minha narrativa. Ao sahir de Quilengues para o S.E. encontra-se a alta serra de Quilengues, que se eleva rąpidamente a 1750 metros, e que eu passei na parte chamada Monte Quissécua. Ali comeēa o grande planalto da Ąfrica Austral, e d'ali ao Bihé a planicie enorme conserva aquella altitude, tendo apenas ligeiras depressões nos leitos dos rios, e um ou outro pequeno systema de montanhas isoladas. D'este planalto jį correm rios permanentes, sendo o primeiro que encontrei n'estas condiēões affluente do Cunene. A vegetaēćo arbņrea no planalto nćo é jį tćo forte como em Quilengues, mas a herbącea é mais rica, se é possivel sel-o. O terreno continśa granģtico, e comeēa a apparecer n'elle maior abundancia de termites. As łnicas povoaēões que se encontram no caminho que segui sam Ngola e Catonga, de que ja falei detidamente. Em Caconda o paiz é um pouco mais accidentado, devendo ser nćo menos rico e productivo do que o de Quilengues. É cortado de rios permanentes, que o regam em todas as direcēões, affluindo ao Catapi, affluente do Cunene. A febre miasmątica é endčmica em Caconda, como em Quilengues e como na costa; mas apresenta ali um caracter mais benigno, e raras vezes faz vģctimas. Eu julgo Quilengues nas mesmas condiēões de salubridade de Caconda. As condiēões climatolņgicas do paiz de Caconda é que jį differem essencialmente das da costa, e mesmo das de Quilengues. Apenas 13° e 44' distante do Equador, o clima, que deveria ser ardente, é temperado pela altitude enorme a que se encontra; mas estį por isso mesmo sujeito įs bruscas mudanēas que se dam entre o dia e a noite em todo o planalto. Ha ali uma luta constante entre a altitude e a latitude, sendo que esta impera de dia quando um sol a prumo dardeja raios de fogo, e aquella de noute quando uma altura de 1700 metros nos faz viver n'uma atmosphera tćo rarefeita. Lembra-me aqui que o Anchieta me dizia, que se viveria ņptimamente em Caconda, se uma mąchina em contacto com um thermņmetro, nos fosse deitando cobertores na cama į medida que o thermņmetro descesse, durante o somno. Esta grande desigualdade de temperatura entre o dia o a noute dį-se quando o sol tem declinaēćo Norte, porque durante o tempo em que elle anda ao sul do Equador é ella muito menor. Sempre ouvi dizer, que em Caconda produzem as frutas da Europa, mas infelizmente nćo o sei de sciencia propria, que nenhumas ali encontrei; todavia, creio que se poderįm ali aclimatar. A batata é muito boa e produz muito, nćo só ali como em todo o planalto; mas é tćo difficil o seu transporte para Benguella, que a batata que se consome ali vai de Lisboa. Ha muito boa hortaliēa e legumes da Europa, que se dam bem em todo o planalto. Perto da fortaleza, a populaēćo é rara, mas a uma certa distancia estį condensada; sendo governada por chefes independentes. De Caconda ao Bihé o paiz é muito populoso, e, se menos pastores do que os povos até Caconda, sam um pouco mais agricultores. Nos paizes do Nano, Huambo, Sambo e Moma, os povos sam mais bruscos, mais aguerridos e independentes. Os terrenos, como se vź no mappa, sam cortados de rios que dividem as suas ąguas para tres grandes arterias, o Cunene, o Cubango e o Cuanza. Ao N. das terras do Sambo, o planalto forma um enorme descampado, a que chamam no paiz a _Enhana_ de Ambamba, terreno alagadiēo onde nascem cinco rios importantes, dois dos quaes vam ao Norte e tres ao Sul. Dos que vam ao Norte, um é o Québe, que vai entrar no mar por 10° 50' de Latitude S., junto įs Tres Pontas, entre Novo Redondo e Benguella Velha. Este rio na parte inferior do seu curso toma o nome de Cuvo. O outro é o Cutato das Mongoias, que corre ao N. a afluir ao Cuanza. Os tres que correm ao S. sam o Cunene, o Cubango e o Cutato dos Ganguelas, que se une ao Cubango. O maior systema de montanhas que encontrei é uma serra que corre de N.E. a S.O. ao N. do paiz do Huambo, em cujas vertentes nascem o Calįe e o Cuēśce, que se unem para affluir ao Cunene. Uma grosseira observaēćo do aneroide indicou-me o seu cume a mais de 2500 metros acima do nivel do mar. Fazendo excepēćo į minha regra de nćo baptizar em Ąfrica rios ou montes, dei a esta serra o nome de Andrade Corvo, por ser designada no paiz apenas por serra do Huambo. Nćo encontrei entre os indģgenas vestigios de ter o paiz outro minerio ąlém do ferro, o que nćo quer dizer que o nćo haja. O terreno é ainda granģtico, e o solo pode dizer-se que em muitos pontos é de formaēćo animal, pois que é construido pelas termites. Ąlém da disposiēćo especial que encontrei no terreno termģtico das margens do Cutato dos Ganguellas, encontram-se 4 differentes construcēões termģticas, que suponho pertencerem a 4 differentes especies. [Figura 29.--Montes termģticos, dos terrenos entre a costa e o Bihé. 1 e 2 tem altura entre 2 e 3 decimetros, 3 e 4 entre 1 e 2 metros.] Ha abundancia de caēa, sobre tudo nas faldas da serra de Andrade Corvo, entre o Calįe e o Cuēśce, que nunca vi tanta em Ąfrica, a nćo ser no Zambeze. Alem dos antģlopes que jį citei falando do Dombe, abundam ali o _Hippotragus equinus_, o _Catoblepas taurina_, e o _Bubalus Caffer_. As florestas sam em grande parte formadas de Leguminosas, sobresahindo um sem-nłmero de especies da Acacia. Ha muito poucas plantas trepadeiras. Passamos a linha divisoria das ąguas entre o Cubango e o Cuanza, e entramos no paiz do Bihé, de certo o mais importante do Sudoeste d'Ąfrica. O paiz do Bihé, de cujos povos falo detidamente no capitulo anterior, é cortado por dois rios importantes, ainda que innavegaveis, o Cuqueima e o Cuito. Innłmeros riachos sulcam em todas as direcēões o terreno, e vam affluir įquellas arterias principaes. O clima é igual ao de Caconda, e subsistem ali as mesmas condiēões atmosphčricas. O terreno é granģtico e de uma admiravel fōrēa productiva. As pastagens sam ņptimas para todos os gados. É pobre de caēa; mas, em compensaēćo, é desinfestado de feras. Nćo creio muito que seja rico em productos mineralņgicos, porque a sua densa populaēćo nćo tem encontrado vestigios de minerios ricos, e eu tenho visto em Ąfrica, que os primeiros a encontrarem o ouro, o cobre, o chumbo e o ferro sam os indģgenas. No Bihé o que é verdadeiramente rico é o terreno, e nćo sei de paiz Africano que mais podesse prosperar pela agricultura e commercio. A raēa Europea vive ali muito bem, e o producto do cruzamento d'ella com as raēas do paiz é physicamente admiravel. Durante a minha permanencia em Belmonte, fiz um estudo detido das condiēões climatolņgicas, e sobre tudo no primeiro mez, em que o pertinaz rheumatismo, contrahido em viagem, me impedio de sahir, observei regularmente o barņmetro e o thermņmetro de 3 em 3 horas durante o dia. Adiante apresento um quadro d'essas observaēões, durante trinta dias, fazendo notar, que a igualdade de temperatura que se nota durante o dia é devida į estaēćo do anno em que fōram feitas as observaēões, estaēćo que corresponde ao nosso outono. As chuvas t[~e]m duas čpochas, com uma interrupēćo de estiagem que se dį em Dezembro e Janeiro. As primeiras chuvas cahem em meado de Outubro, e duram até principio de Dezembro, sendo mais moderadas do que as segundas que cahem do fim de Janeiro ao principio de Marēo. Os ventos reinantes sam dos quadrantes de leste, sendo muitas vezes persistente o vento leste bastante forte; isto na estiagem, porque na estaēćo chuvosa as maiores tormentas que observei vinham do oes-sudoeste, e dos quadrantes do sul. As chuvas v[~e]m sempre, sobre tudo as de Fevereiro, envoltas com meteoros elčctricos, e cahem no meio de terriveis trovoadas. O seguinte quadro apresenta as minhas observaēões desde o dia 25 de Marēo ao dia 23 de Abril de 1878. Por esta serie de observaēões se vź qućo ameno é o clima do Bihé n'esta čpocha do anno. --------------+----------+----------+----------+----------+----------- Anno de 1878 | 6 Horas. | 9 Horas. | Meio dia | 3 Horas. | 6 Horas. -------+------+-----+----+-----+----+-----+----+-----+----+-----+----- Mez. | Dia. | [E] | [F]| [E] | [F]| [E] | [F]| [E] | [F]| [E] | [F] -------+------+-----+----+-----+----+-----+----+-----+----+-----+----- Marēo | 25 |629.8|19.1|630.5|20.4|629.2|22.4|628.8|23.2|630.0|21.6 " | 26 |632.0|20.1|631.9|21.2|630.8|21.6|629.8|21.5|629.5|21.0 " | 27 |629.5|19.4|632.0|19.9|629.6|21.0|628.5|21.3|630.0|20.6 " | 28 |630.0|19.4|631.6|19.9|629.5|20.4|629.0|22.1|629.0|21.6 " | 29 |630.2|20.6|632.3|20.8|630.0|21.6|628.5|22.5|629.2|22.1 " | 30 |631.0|18.3|632.0|20.6|631.0|21.9|630.0|22.2|629.9|21.3 " | 31 |631.0|19.2|632.3|20.0|631.2|20.9|629.2|21.3|631.0|20.4 Abril | 1 |630.5|18.6|632.0|19.5|630.6|20.4|630.0|19.9|630.0|19.8 " | 2 |631.0|17.5|632.0|18.7|630.0|21.1|629.3|20.2|630.0|20.2 " | 3 |630.0|18.8|632.5|20.0|630.5|21.1|630.0|21.2|629.0|20.9 " | 4 |632.0|18.6|632.0|20.2|630.0|21.2|629.5|21.6|630.0|20.7 " | 5 |630.0|18.8|632.0|20.0|630.3|21.1|630.0|22.0|629.8|20.1 " | 6 |630.0|17.2|632.3|19.8|631.0|20.4|630.5|21.7|630.0|20.2 " | 7 |630.0|17.8|632.0|19.7|630.5|21.0|629.0|22.7|630.0|21.5 " | 8 |629.0|17.6|632.0|19.9|630.0|21.5|629.5|22.8|630.0|21.3 " | 9 |629.5|18.4|631.5|20.4|631.0|21.8|629.3|22.6|629.8|21.1 " | 10 |631.2|18.1|632.8|20.5|631.5|21.7|629.4|22.4|630.0|21.5 " | 11 |630.5|16.6|631.9|20.2|631.0|21.4|629.5|23.0|629.8|21.7 " | 12 |629.0|16.4|629.9|20.1|629.0|21.1|627.0|22.6|629.0|21.8 " | 13 |628.3|18.2|630.0|20.2|629.6|21.6|629.4|22.3|629.5|21.1 " | 14 |629.0|18.6|631.5|20.4|630.6|22.0|629.5|23.1|630.0|21.7 " | 15 |631.4|17.2|632.6|19.7|631.0|21.3|630.5|22.4|630.5|20.7 " | 16 |630.6|16.1|632.0|19.0|630.3|21.3|629.0|22.8|630.0|20.2 " | 17 |632.6|19.4|633.0|20.7|631.0|22.0|630.0|22.2|630.0|20.0 " | 18 |631.6|18.0|632.0|20.1|630.0|20.4|629.7|22.7|629.9|19.8 " | 19 |631.2|17.8|632.2|20.3|630.6|21.0|630.1|23.0|630.5|19.7 " | 20 |630.7|16.5|631.9|20.1|630.4|21.2|630.0|22.7|630.0|20.1 " | 21 |631.0|15.6|632.1|17.8|630.3|19.8|629.3|20.6|629.8|19.5 " | 22 |630.0|14.6|632.0|17.1|630.0|19.2|628.7|20.4|629.0|19.4 " | 23 |630.3|14.9|632.0|17.9|630.5|20.0|629.2|21.3|630.0|20.0 -------+------+-----+----+-----+----+-----+----+-----+----+-----+----- *Legenda*: [E] Barņmetro [F] Thermņmetro É muito notavel a marcha diurna do barņmetro, que ali é inalteravel em presenēa das mudanēas bruscas da atmosphera. Um boletim meteorolņgico feito a 0^h. 43^m. de Greenwich, ou 1^h. 50^m. do logar, completa o estudo atmosphčrico d'este paiz n'aquella čpocha. Este boletim de que agora dou conta em trinta dias, foi continuado durante toda a viagem, tendo apenas as interrupēões provenientes de doenēas ou de estorvos occasionaes. O terreno de Belmonte para Leste desce um pouco até ao Cuqueima, na parte em que este rio corre de S. ao N. Na margem direita do Cuqueima eleva-se um pouco para descer ao valle do Cuanza. Na parte leste do paiz reapparece a vegetaēćo arbņrea mais rica, e ha pequenas mas densas florestas. Em todo o vasto territorio comprehendido entre o Bihé e Benguella, nćo existe o zé-zź, esse flagello de muitos pontos da Ąfrica Austral, que, matando o cavallo e o boi, priva o homem de dois dos seus maiores auxiliares na vida prątica. Uma especie de epizotia, que no paiz chamam _cahōnha_, ataca o gado bovino e lanģgero; nćo fazendo ainda assim os estragos que na Europa e outras partes d'Ąfrica produz a epizotia. *Boletim meteorolņgico feito a 0h. 43m. de Greenwich ou 1h. 51m. do Bihé*. --------+---+-----+------+------+----+------------+----------------------- Mez. |Dia| [E] | [F1] | [F2] | [G]|Direcēćo do | Estado da Atmosphera. | | | | | | Vento. | --------+---+-----+------+------+----+------------+----------------------- Marēo | 25|628.7| 22.9 | 20.2 | 40 |S.S.O. fraco|{Durante a noute | | | | | | |{trovoada, hōje ceo | | | | | | |{limpo | | | | | | | " | 26|629.6| 22.1 | 20.0 | 2 |O.S.O. fraco|{Nublado de noute, | | | | | | |{de dia cirrus. | | | | | | | " | 27|629.1| 21.0 | 20.1 | 31 |E. forte |Chuva durante a noute. | | | | | | | " | 28|628.8| 21.5 | 21.2 | 0 |Calma |Algumas nuvens, cirrus. | | | | | | | " | 29|629.0| 22.3 | 21.6 | 0 | " | " " " | | | | | | | " | 30|630.0| 22.0 | 21.0 | 0 | " | " " " | | | | | | | " | 31|629.5| 21.5 | 20.8 | 0 |E. forte |Nublado. | | | | | | | Abril | 1|630.5| 20.2 | 19.4 | 17 |Calma |{Nublado. De noute | | | | | | |{trovoada a N.O. | | | | | | | " | 2|629.3| 19.8 | 19.1 | 0 |E. forte |Algumas nuvens, cirrus. | | | | | | | " | 3|630.0| 20.9 | 19.1 | 0 |E. moderado | " " " | | | | | | | " | 4|630.3| 21.5 | 20.2 | 0 | " | " " " | | | | | | | " | 5|630.5| 21.8 | 20.6 | 0 | " | " " " | | | | | | | " | 6|630.0| 21.1 | 19.2 | 0 | " | " " " | | | | | | | " | 7|629.3| 21.8 | 19.7 | 0 | " | " " " | | | | | | | " | 8|628.1| 22.5 | 19.8 | 0 | " | " " " | | | | | | | " | 9|629.6| 22.2 | 20.6 | 0 |Calma | " " " | | | | | | | " | 10|629.0| 21.8 | 19.9 | 0 | " |Ceo limpo. | | | | | | | " | 11|629.8| 21.9 | 19.8 | 0 | " | " " | | | | | | | " | 12|627.8| 21.8 | 19.8 | 0 | " |Alguns cirrus. | | | | | | | " | 13|629.5| 22.0 | 20.1 | 0 | " |Nublado. | | | | | | | " | 14|630.0| 22.5 | 20.2 | 0 | " |Alguns cirrus. | | | | | | | " | 15|630.5| 21.6 | 19.6 | 0 |E. forte. |Ceo limpo. | | | | | | | " | 16|629.8| 21.6 | 19.7 | 0 |Calma |Alguns cirrus. | | | | | | | " | 17|630.0| 22.0 | 18.6 | 0 |E. forte. | " " | | | | | | | " | 18|630.0| 22.2 | 20.3 | 0 | " | " " | | | | | | | " | 19|630.4| 22.5 | 20.1 | 0 |E. moderado | " " | | | | | | | " | 20|630.2| 22.0 | 20.2 | 0 | " | " " | | | | | | | " | 21|629.8| 19.9 | 15.5 | 0 | " |Ceo limpo. | | | | | | | " | 22|629.6| 19.9 | 16.1 | 0 | " | " " | | | | | | | " | 23|630.0| 20.5 | 18.3 | 0 |E. forte | " " --------+---+-----+------+------+----+------------+----------------------- *Legenda*: [E] Barņmetro [F1] Thermņmetro seco [F2] Thermņmetro molhado [G] Chuva em milimetros Nćo existe ali a molestia que mata tantos cavallos no Transvaal e no Calaįri, a que os inglezes chamam _Horse-sickness_. Em toda a parte o gado suino prospera e desenvolve-se como na Europa, sendo facil a conservaēćo da carne, o que jį nćo acontece perto da costa. O paiz até ao Cuanza, e ainda para ąlém, tem grande carencia de sal, sendo todo o que ali se gasta proveniente da costa. Nćo ha minas de sal gemma, e as ąguas, mesmo as das lagoas, sam potaveis. N'este succinto resumo, procurei compendiar o resultado das minhas observaēões, dando uma noticia geral do paiz, e terminarei com um curto juizo meu įcerca d'elle. Collocado em uma posiēćo geogrąphica muito differente da do Transvaal, o paiz comprehendido entre a costa e o Bihé, aproxima-se d'elle pelo clima, e possue um solo mais fertil. A comparaēćo entre a mesma planta vegetando nos dois paizes indica isso. Tem uma populaēćo indģgena muito mais condensada do que a do Transvaal e muito mais agricultora. Nćo é menos abundante em boas pastagens, e é mais rico em florestas. O Transvaal possue uma grande riqueza mineralņgica, que escaceia ali; mas eu creio que estarį reservado a este paiz um futuro mais prņspero do que įquelle, porque o Transvaal estį isolado do resto d'Ąfrica pelos desertos ąridos e pela mosca zé-zź, em quanto estes terrenos estam em facil communicaēćo com um interior quiēį mais rico. [Figura 29A.--Viagem ao Cunene. 1. Rąpido da Libata Grande. 2. Rąpido de Canhacuto. 3. Rąpido de Quiverequete.] CAPĢTULO VII. ENTRE OS GANGUELAS. Passagem do Cuanza--Os Quimbandes--O sova Mavanda--Os rios Varea e Onda--Fetus arbņreos--Atribulaēões--Escravos--O rio Cuito--Os Luchazes--Emigraēćo de Quibocos--Cambuta--O Cuando--Leopardos--Os Ambuelas--O sova Moem-Cahenda--Descida do rio Cubangui--Os Quichobos--Peripecias--Parto para o Cuchibi. No dia 14 de Junho, como eu tinha decidido, levantei campo, e įs 10 horas comecei a passagem do Cuanza, que durou duas horas. [Figura 30.--Passagem do Cuanza.] Prestou-me valiosos serviēos o meu barco de cautchuc da casa Macintosh de Londres; mas ainda assim, o sova de Liuķca emprestou-me quatro canōas, que muito me auxiliįram. Nćo houve o menor accidente durante a passagem, e ao meio dia seguia a leste internando-me no paiz dos Quimbandes. Tendo passado junto das povoaēões de Muzeu e Caiįio, fui acampar pelas 2 horas a E.S.E. da povoaēćo de Mavanda, junto da nascente do riacho Mutango, que corre a N.O. para o Cuanza. As povoaēões ali nćo sam jį tćo sņlidamente fortificadas como as de ąlém Cuanza. Os Quimbandes formam uma confederaēćo, sendo o paiz dividido em pequenos estados, que se unem sempre para protecēćo młtua. Todas as numerosas povoaēões em tōrno do meu campo obedecem ao sova Mavanda, que é tributario do sova do Cuio ou Mucuzo, na mesma margem do Cuanza um pouco ao N. A cousa que primeiro me ferio a attenēćo entre os Quimbandes, foi o penteado das mulhéres, que sam as mais extraordinarias que tenho visto. Algumas entranēam o cabello de forma que, depois de ornado com buzio (caurim), assimelha um chapéo de dama Europea. [Figura 31.--Homem e Mulhér Quimbande.] Outras dam-lhe tal forma, que parecem trazer na cabźēa um capacete Romano. O buzio (caurim) é distribuido ou accumulado com profusćo nas cabeēas feminiz, e o coral branco ou encarnado aparece ainda, mas muito mais raramente, do que entre os povos de Oeste-Cuanza. O cabello, n'estes penteados estupendos, é fixo com um cosmčtico nauseabundo, massa formada de tacula em pó e ņleo de ricino, que lhe dį uma cōr avermelhada. O ņleo de ricino é preparado em grande quantidade entre estes povos. Depois de extrahirem as sementes do _Ricinus communis_, dam-lhe uma ligeira torrefacēćo e reduzem-n-as a pó. Este pó conservado por muitas horas em ągua ebulliente, fornece o ņleo, que a frio é separado grosseiramente da ągua, e guardado em cabaēas pequenas. [Figura 32.--Raparigas Quimbandes.] Estes povos nćo o empregam como purgante. Notei logo, que o typo feminino entre os Quimbandes se approxima um pouco do typo caucasio, e vi algumas mulhéres que se poderiam chamar bonitas se nćo fossem prźtas. Logo que cheguei, mandei um pequeno presente ao sova Mavanda, que me agradeceu muito, mandando contudo pedir-me uma camisa. Igual pedido me tem sido jį feito por outros, o que mostra a tendencia que t[~e]m para se vestirem. Os homens Quimbandes cobrem a sua nudez com duas pelles de pequenos antģlopes que cahem adiante e atraz de um largo cinto de couro de boi. Só os sovas usam pelles de leopardo. As mulhéres andam quasi nuas, e algum farrapo de pano, ou de liconte, substitue a folha de vinha cląssica. No dia seguinte logo de manhć, viéram uns portadores do sova dar-me parte, de que a gente que eu esperava chegara de noute į outra margem do Cuanza, onde estavam acampados. Nćo dei o menor crčdito į noticia, porque, jį conhecedor das manhas do gentio, sabia que elles t[~e]m costume de indagar o que mais desejamos, para nos virem burlar com uma noticia agradavel e pedir alvģēaras. Contudo, disse ao indģgena que me certificou tel-os visto, que fōsse a elles, e pedisse ao Doutor Chacaiombe, que me mandasse um signal seu para ficar certo de que vinha a caminho. Ainda de manhć, o sova Mavanda mandou-me uns enviados dizendo, que sahia n'aquelle dia a combater uma povoaēćo vizinha onde um seu słbdito se revoltara contra o seu poder, e ao mesmo tempo pedindo-me que o auxiliasse n'aquella campanha. Recussei dar-lhe auxilio, mas procurei fazel-o de modo a nćo me indispor com o sova, o que consegui com bōas razões. Seria meio-dia, quando passou junto ao meu campo o exčrcito de Mavanda. Į frente ia, em pau muito alto, uma bandeira tricolor como a Francesa, mas com as cores invertidas. Depois seguiam-se dois homens levando a pao e corda uma enorme caixa de pņlvora, provavelmente vazia. Seguia-se o sova rodeado dos seus grandes, e após este estado maior o exčrcito a 1 de fundo. Seriam uns 600 homens armados de arcos e frechas, levando ao tōdo 8 espingardas. Alguns passos į frente da bandeira, dois prźtos tocavam os tambores de guerra, fazendo um barulho infernal. Ao anoutecer voltou o exčrcito sem ter combatido; porque o inimigo rendeu-se į discriēćo. Logo que passįram o meu campo, principiįram a fazer exercicio, simulando um ataque į povoaēćo do rčgulo. Estendéram em linha de atiradores, tomando a bandeira o centro da linha, e sempre atraz d'ella a caixa da pņlvora e o sova. Esta grande linha singela, porque cada homem estava isolado, comeēou a envolver a povoaēćo, jį avanēando, jį recuando, sempre em accelerado. A uma vóz do sova, precipitįram-se sōbre a povoaēćo, dando saltos enormes, e fazendo tōda a especie de momices que usam para aterrar os adversarios, com uma grita infernal. Quando eu pensava que elles iam direitos a suas casas atacar o jantar, vejo que voltavam į posiēćo que tinham antes do ataque, e que reunidos į voz do chefe, entravam na povoaēćo na mesma ordem de marcha em que tinham sahido. Į noute voltou o Quimbande a dizer-me, que estźve com o meu doutor, mas que elle nćo lhe quizera dar signal algum para mim. Vi que se verificavam as minhas previsões, e que era tudo falso. O meu acampamento dava-me serios receios, porque, coberto de erva sźca, podia incendiar-se de um momento a outro, e os meus prźtos, transidos de frio, nćo calculavam o perigo, e alimentavam dentro das barracas fogueiras enormes. Desde o rio Cuqueima até Mavanda, e ainda mais ąlém, produz vigorosamente a cana de assucar e o algodoeiro. Os Quimbandes cultivam o algodćo, que fiam para fazer linhas onde enfiar o buzio e a missanga. No dia seguinte, continuįram a asseverar-me, que os carregadores estavam na margem do Cuanza, e nćo podiam passar o rio por nćo lhes emprestarem as canōas as indģgenas d'ali. Decidi-me a mandar lį o Augusto, acompanhado de um guia Quimbande. Pelas 11 horas, chegou um enviado do sova, a participar-me que este viria visitar-me. Pouco depois chegava Mavanda, rodeado da sua cōrte, e se ficou espantado a olhar para mim; eu nćo fiquei menos a olhar para elle, porque era o maior homem que tenho visto em minha vida. A uma altura enorme reunia uma grossura e gordura verdadeiramente phenomenal. Cobria a cintura com um panno usado, sobre o qual cahiam trźs pelles de leopardo. Muitos amulźtos lhe pendiam de um collar de missangas. Se Mavanda é grande, possue coisas grandes tambem, porque me trazia de presente o maior boi que vi em Ąfrica. Depois dos extensos comprimentos do costume, elle disse-me ex-abrupto, que me vinha pedir um favor, e era o de lhe fazer um curativo ao rebanho de gado bovino, que costumava ir pastar muito longe, prenoitando įs vezes fora do curral, e sendo, nas florestas em que se acoutava, atacado por feras que lhe causavam grande damno. Dei-lhe immediatamente o remedio com um conselho, e foi elle, o de ter um pastor; porque, se o gado entregue a si mesmo ia longe, se fosse guiado įs pastagens iria onde o pastor o conduzisse. Elle nćo achou mao o conselho, e disse-me, que apesar de ser contra os usos do paiz o fazer vigiar o gado, daria um pastor ao seu, para evitar as contģnuas perdas. Mostrei-lhe o realejo, as armas, etc., atirei diante d'elle, e vi-o com prazer caminhar de espanto em espanto. Pela tarde retirou-se muito satisfeito, e nos melhores termos de amizade. Logo que se retirou o sova, chegįram uns enviados do sova Capōco com uma carta para mim. Dava-me noticia do Chacaiombe, e dizia-me, que me mandava os carregadores, pedindo-me para eu consentir, que fōsse comigo uma comitiva sua, que desejava enviar aos sertões do Zambeze a fazer negocio. Em vista da carta, decidi demorar-me ali uns 6 dias a esperar os carregadores, nćo contando muito, ainda assim, que elles viessem, e n'esse sentido respondi ao sova Capōco. Em vista d'aquella deliberaēćo, ordenei a reconstrucēćo do acampamento para o dia seguinte, mandando cobrir todas as barracas de ramos verdes, com receio de um incendio. [Figura 33.--Os Bihenos construindo as Barracas nos Acampamentos.] No dia seguinte, houve grande actividade na reconstrucēćo do campo, que estava prompto ao meio-dia, apresentando um bonito aspecto. O campo era formado de barracas cņnicas, de troncos de ąrvore, medindo trźs metros de diąmetro na base, por dois e meio de alto. A minha barraca, feita pelos Bihenos com mais esmero do que as outras, media cģnco metros de diąmetro na base, por trźs e meio de alto. [Figura 34.--Esqueleto da Barraca.] O acampamento era formado por uma linha circular de barracas, ligadas por uma fileira de abatizes de ąrvores espinhosas. A minha barraca occupava o centro, e em frente d'ella as cargas estavam em pilha. A minha gente de serviēo estabeleceu o seu campo em tōrno de mim, ao alcance da voz. Tinha finalizado o trabalho do campo, quando me viéram avisar de que uns enviados do sova do Gando me procuravam. Mandei-os vir ą minha presenēa, e conheci em um d'elles um dos grandes do sova, que tinha visto junto d'elle no Gando. Traziam-me uma carta, e uma encomenda, que nćo sei que sovźta lhe tinha enviado para mim. Abri a carta, e vi ser ella do meu amigo Galvćo da Catumbella, que me enviava um presente, que tinha dirigido ao Bihé, julgando que eu estivesse ainda ali. A bōa harmonia que eu tinha guardado com as povoaēões por onde passei, fez com que aquella carta e o presente chegassem até mim vindo de mćo em mćo. Abri a caixa, e encontrei uma porēćo de passas de Mąlaga, que viéram a propņsito adoēar um pouco a monotonia da minha jį bem pobre alimentaēćo. [Figura 35.--Barraca concluida em uma hora.] Na carta dava-me elle algumas noticias da Europa, as łltimas que tive até chegar a Pretoria. Pensei n'isso entćo; e, quam profunda nćo foi a minha tristeza ao lembrar-me de quanto tempo teria de ficar sem noticias dos meus, noticias que jį me faltavam havia tanto! Deitei-me debaixo de uma triste impressćo de saudade. Ao alvorecer, viéram avisar-me, de que uma pequena comitiva, capitaneada por um prźto, levando cźra, se dirigia ao Bihé. Mandei chamar o chefe, e pedi-lhe que me levasse uma carta, que entregaria a alguem no Bihé, pedindo-lhe que a fizesse chegar a Benguella. Elle accedeu, dizendo-me logo, que nćo se podia demorar, porque queria ir dormir junto ao Cuqueima. Tinha pouco tempo; æa quem escrever? Nćo podia perder este portador do accaso para dizer aos meus: Ainda sou vivo. Peguei na penna, e escrevi algumas linhas ao Doutor Bocage. Na carta inclui dois pequenos bilhetes, um para minha mulhér, outro para Luciano Cordeiro. O chefe da pequena caravana, jį impaciente, recebeu a carta e partio. Hōje sei que aquella carta chegou į Europa, e foi recebida pelo seu destinatąrio. Como ella foi do Bihé a Benguella nćo sei. Era essa protecēćo que tinha levantado em volta de mim Silva Porto, que ainda se fazia sentir. O sova Mavanda passou o dia comigo, e conversįmos muito. Eu dei-lhe alguns pequenos objectos, e entre elles uma caixa de fņsforos, com que ficou maravilhado. Na occasićo de retirar-se, disse elle aos seus macotas estas palavras, que me impressionįram pela figura empregada. "Nćo vźdes de longe um pąssaro que vōa muito alto, e vai pousar em ąrvore distante, e dizeis é uma rōla; depois caminhaes e abeirais-vos d'elle, e ficais admirados do tamanho; era uma ąguia. Assim foi o Manjóro (nome que me davam); passou ao largo da povoaēćo, e nós dissémos é a rōla; agora vivemos com elle e conhecemo-l-o, e dizemos, é a ąguia." Nos passeios que dei nas cercanias, perseguindo os antģlopes, que sam escassos, levantei a carta do paiz, ou antes, pude concluir a carta do paiz comprehendido entre o Cuqueima e Cuanza. O sova Mavanda mandou-me dizer, que o maior pedido que me podia dirigir era, o de lhe eu dar um par de calēas. Resolvi logo fazer-lhe a vontade, e chamei o velho Antonio. Arvorei-o em Alfaiate, cousa que muito o sorprendeu, e enviei-o a tomar medida įs calēas do sova. Talhei depois as calēas, que fōram cosidas pelo velho Antonio, e levįram 5 jardas de algodćo largo!! Este rei é um verdadeiro hippopņtamo, mas muito boa pessōa. No dia 20 de manhć, veio um enviado do sova dizer-me, que, por ser entćo a čpocha em que festejam uma especie de carnaval, o sova, para me fazer honra, viria ao meu campo mascarado, e danēaria diante de mim. [Figura 35A.--Ganguelas į Quimbandes.] Pelas 8 horas, chegįram os batuques, e juntou-se grande concurso de pōvo. Meia hora depois, appareceu o sova, com a cabźēa mettida em uma cabaēa, pintada de branco e prźto, e o enorme corpo augmentado por uma armaēćo de varas coberta de liconde, igualmente pintado de prźto e branco. Um saio de clinas e caudas de animaes, completavam o trajo. Logo que elle chegou, os homens formįram em linha, com os batuques a traz, e as mulhéres e rapazis desviįram-se para longe. Comeēįram os batuques, e os homens immoveis do corpo, cantando as suas monņtonas toadas e batendo as palmas. [Figura 36.--O sova Mavanda vem danēar mascarado ao meu campo.] O sova foi collocar-se a uns trinta passos em frente da linha, e comeēou uma brutesca danēa, em que parecia fera enraivecida; conquistando os maiores applausos da sua e da minha gente. Meia hora depois, correu, e foi sumir-se na sua povoaēćo, sendo seguido pelos seus. Pouco tempo mais tarde, voltou ao meu campo, jį sem o seu trajo feroz, e andou comigo até į noute. Decididamente eu tinha-lhe cahido em graēa. Tinha aproveitado tōdo o tempo que podia tirar aos meus trabalhos, dando melhor arrumaēćo įs cargas, tendente a diminuir o nłmero d'ellas. A fazenda que tinha era jį quasi nenhuma, e tōda a minha riqueza monetaria consistia em um saco de buzio e na missanga comprada ao José Alves; mas o gasto, para sustentar a minha gente, era grande, e eu via com horror a diminuiēćo do meu pequeno haver. No paiz a caēa era pouca e miüda, pois apenas se encontravam algumas gazellas (_Cervicapra bohor_). [Figura 37.--Mulhér Quimbande carregada.] ”Quantas vezes a pobre rima pouco volumosa das fazendas e missangas me nćo despertava uma atroz angłstia! ”Quantas vezes uma dōr pungente me nćo cerrava o coraēćo, fazendo-me antever um futuro bem sombrio! ”Quantas vezes ficavam sem resposta as caricias da minha cabrinha Cora, e os cantares folgazćos do meu meigo papagaio, que voava para o meu hombro pedindo-me uma meiguice! ”Quantas vezes uma fé sem limites me invadia o coraēćo, e o desalento era banido do meu ąnimo! A razćo queria lutar contra esses raios de infundada esperanēa que me alegravam o espģrito; mas essa esperanēa era tćo tenaz que procurava argumentos e sophismas para combater a razćo. Sam momentos indescriptiveis, essas lutas do espģrito, estando o homem isolado, sendo elle mesmo o pro e o contra das suas idéas, sem um amigo, ou um inimigo, que lhe adule um pensamento ou lhe combata outro. Fui joven e tive amores, e com elles as penas dos amores; fui pai, e vi morrer-me nos braēos uma filha que adorava; mas confesso que nunca senti n'alma tćo profunda tristeza, tćo cruel melancolia, como a que por vezes, em dias aziagos, experimentei em Ąfrica. Só! sózinho, no meio de uma multidćo ignara, e estridente, cuja lģngua e falares nćo comprehendia, tinha momentos horriveis, que se traduziam logo em febre e doenēa! Nćo conto como soffrimento as fomes, as doenēas, a miseria. Nćo! que homem é e deve ser superior į materia bruta, que deve dominar, para se afastar do irracional. O soffrimento é a dłvida. O soffrimento é nćo saber como se hade vencer o abysmo que a razćo nos mostra cavado ante os passos que queremos dar. O soffrimento é ver dezenas de pessōas, que nos acompanham cégas, dizendo: "Elle sabe o que faz;" e que arrastamos com-nosco ao abysmo! O soffrimento é a responsabilidade tremenda da missćo que nos imposémos. Se me nćo importava hōje muito que os meus detractores experimentassem um pouco da fome, da sźde e das privaēões que passei; nćo lhes desejo, mesmo a elles, que soffressem a millesima parte do que eu soffri moralmente. É verdade, que, para soffrer como eu soffri, é preciso ter alma, coraēćo e uma consciencia. A carta que de Mavanda escrevi ao D^{or.} Bocage, ressentia-se jį do que eu soffria entćo. Foi escrita n'um dos meus dias nebulosos. Deixemos porem esta divagaēćo, que pouco interessa; e falemos dos acontecimentos de entćo. Os Quimbandes fabricam alguns objectos de ferro e de madeira, muito mais perfeitos do que os fabricados no Oeste-Cuanza. [Figura 38. 1. Cachimbo. 2, 2. Facas. 3, 3. Cacetes de guerra.] O frio de noute era muito intenso, e jį era grande a differenēa entre as mąximas e as mģnimas. Apesar da carta que recebi do sova Capōco, nćo acreditava muito na promessa dos carregadores, nem na volta do meu Doutor Chacaiombe; e por isso, ia sempre reduzindo as cargas quanto era possivel; o que só podia fazer distribuindo o conteudo de uma pelas outras. Isto tinha um limite, com o limite do peso que podiam carregar os homens. Estąvamos a 22 de Junho, dia em que expirava o prazo que eu decidira esperar por os carregadores do sova Capōco. A minha angłstia era grande, e só entćo avaliei bem o mao bocado porque t[~e]m passado outros exploradores, tendo de abandonar cargas que lhes sam absolutamente precisas. A escōlha é cousa sčria, quando todas se nos afiguram indispensaveis. O pouco que de commodidades eu levava jį tinha sido abandonado; o resto de algumas latas de comida dei-as aos muleques. Os meus carregadores, vendo o meu embaraēo, pedem-me que os carregue até ao mįximo pźso com que podérem caminhar; mas, ainda assim, é impossivel ir tudo. Depois de todas as reducēões, e de ter distribuido as cargas, ficam 4 sem carregadores. Sam ellas as duas do meu barco Macintosh, um barril de ągua-ardente, e 50 libras de pņlvora. Decidi abandonar o barco, com grande pesar, e pedir ao sova Mavanda dois homens para me levarem a pņlvora e o barril d'ągua-ardente de acampamento em acampamento, até que dois dos meus carregadores ficassem sem carga, o que nćo tardaria a succeder pelo grande gasto que faziamos. O sova tomou conta do barco, e deu-me os dois homens que lhe pedi, ficando tudo prompto para seguirmos no dia immediato. Levantei campo no dia 23 įs 8 horas, e depois de trźs e meia horas, cheguei į margem esquerda do rio Varea, que passei sobre uma soffrivel ponte de madeira. O sovźta de Divindica, povoaēćo que assenta na margem esquerda do Varea, na confluencia do riacho Moconco, veio pedir-me alguma cousa pela passagem da ponte, e dando-lhe eu quatro jardas de fazenda, retirou-se satisfeito. [Mappa 4.--O Paiz dos Quimbandes] O rio Varea corre ali ao N., e vai affluir ao Cuime. Tem 25 metros de largo por 2 de fundo, e pequena corrente, nćo tendo cataractas a jusante de Divindica. Marquei a uma milha ao sul as povoaēões de Moariro e Moaringonga. Segui a leste, indo acampar, pelas 2 horas, na margem esquerda do rio Onda, em frente į grande povoaēćo de Cabango, capital dos povos Quimbandes de Leste. Eu levava duas garrafas de vinho do Porto de 1815, resto de um presente do meu amigo E. Borges de Castro, e ao chegar ao ponto em que acampei, o muleque Moero, que as levava, cahio, quebrando-se uma d'ellas, e entornando-se o precioso nectar, sem que se podesse aproveitar uma gōta. Desde Mavanda até įs nascentes do riacho Moconco, cujo curso segui até į confluencia com o Varea, a vegetaēćo arbņrea é esplčndida, e no cimo dos montes que marginam o riacho é tambem pomposa. Para ąlém do Varea é ainda mais rica. Desde que passei o Cuanza ouvia falar no rio Cuime, como o rio maior do paiz dos Quimbandes, affirmaēćo que me era confirmada pelos grandes affluentes que lhe ia encontrando, o que me fazia arder em desejos de lhe ir lanēar uma vista d'olhos. Do Cuanza a leste o planalto apresenta um aspecto muito differente do que até ali. As paizagens sam mais pintorescas e nćo apresentam a monotonia do Bihé. Os rios e ribeiros cavam os seus leitos mais fundos, tornando mais sensiveis os accidentes do terreno. As margens dos rios e ribeiros ąlém dos limites das cheias, jį se apresentam cobertas de vigorosa vegetaēćo arbņrea, e a vegetaēćo arborescente forma barreiras impassaveis nas florestas. Na parte leste do paiz dos Quimbandes, a populaēćo comeēa a rarear. O sova de Cabango é ainda tributario do sova do Cuio ou Mucuzo. Os costumes d'estes povos sam os mesmos dos Bihenos, salvo na actividade, que é entre os Quimbandes substituida pela mais vergonhosa preguiēa. Os Quimbandes andam quasi nus, nćo trabalham, nćo viajam e nćo negociam. Poucos t[~e]m espingardas, por nćo terem com que as comprar. Jį apanham alguma cźra, que os Bailundos lhes v[~e]m permutar a buzios e missangas, mas isto em pequenissima escala. A terra é cultivada pelas mulhéres, e a sua producēćo é rica. O que mais tenho visto nas plantaēões é mandioca e ginguba. Este paiz deve merecer particular attenēćo. Cortado com rios navegaveis que vam affluir a um grande traēo navegavel do Cuanza; tendo um clima magnģfico e ubčrrimos terrenos, onde produz bem o algodćo, a canna de assucar, os cereaes e virentes pastagens, occupado por uma populaēćo que facilmente se submette, estį nas melhores condiēões de um desenvolvimento rąpido. No dia 24 de Junho passei o rio Onda, e fui acampar na sua margem direita, trźs milhas ąlém do meu campo anterior. O rio Onda tem, em Cabango, 15 metros de largo por 5 de fundo, e vindo de leste corre depois a N.O. a affluir ao Varea. Depois de ter determinado a posiēćo do meu acampamento, fui passear rio acima, e encontrei bastante caēa. Logo acima de Cabango, o Onda estreita a 10 metros, mas profunda a 6, tendo uma corrente de 10 metros por minuto; corrente que se estende até ao fundo; o que me foi denunciado nćo só pela sonda, mas tambem pela inclinaēćo que tomam as plantas que vegetam no fundo; o que se vź facilmente, por serem as ąguas muito crystallinas e o fundo de area alvissima. [Figura 39.--Ditassoa, peixe do rio Onda.] N'este rio nćo vi outro peixe, a nćo ser um que os naturaes chamam _Ditassoa_, e que é soffrivel. Percorrendo as margens do rio, vi, a distancia, um grupo de ąrvores que se destacava da paizagem, e que julguei serem palmeiras; mas aproximando-me reconheci um lindo grupo de Fetus arboreos, da mais elegante belleza. As margens do rio sam cortadas verticalmente, e por isso apresentam junto į borda a mesma profundidade que no meio. Retirei do meu passeio, satisfeito com o que vira. O rio Onda era outro rio navegavel, outra estrada natural, que encontrava n'este soberbo paiz. Ao chegar ao meu campo aguardava-me uma agradavel sorpresa. O Doutor Chacaiombe foi a primeira pessōa que veio comprimentar-me. Eu, que julgava nćo mais vel-o, saudei-o com o maior jłbilo, porque o seu desapparecimento era uma nuvem nźgra na minha viagem. [Figura 40.--Fetus arbņreos das margens do rio Onda.] Jį por vezes tenho falado no Doutor Chacaiombe, e nćo disse quem era. Este homem foi o adevinho que, em casa do filho do capitćo do Quingue, me predisse as cousas mais agradaveis a respeito do meu futuro. Accumulando as funcēões de cirurgićo com as de adevinho, veio elle estabelecer-se junto a mim no Bihé, e nćo mais me deixou até que se encarregou da missćo de obter carregadores no Capōco, d'onde julguei que nćo mais voltaria. Depois de muitos comprimentos, annunciou-me Chacaiombe que os carregadores chegariam dentro de dois dias, e eu resolvi esperal-os. O meu Augusto veio dar-me parte, de que o sova de Cabango viera visitar-me, e se retirara muito contrariado por me nćo encontrar. Mandei logo o pombeiro Chaquiēonde ao sova, pedir-lhe dois homens para mandar a Mavanda buscar o barco que ali tinha deixado, com bem pesar meu e da minha gente, que viram os serviēos que elle nos prestou nas passagens do Cuqueima e do Cuanza. Fui em seguida enxugar-me ao fogo, pois que cheguei do rio muito molhado, e ainda me lembrava com horror do rheumatismo no Bihé. No dia seguinte, parti de madrugada para a caēa, dirigindo-me ao norte, onde o paiz é coberto de densas florestas. Depois de ter andado oito milhas, encontrei o rio Cuime, a jusante da sua grande cataracta. Voltei e jį era noute quando alcancei o meu campo, extenuado de fadiga; mas tendo feito boa caēada, e tendo visto o rio que ardia em desejos de ver, e que effectivamente é uma via importante, sendo como me assegurįram os naturaes, navegavel desde a sua grande cataracta até ao Cuanza. No seguinte dia, voltei ao rio Onda, e ali sorprendeu-me a vista mais de uma povoaēćo que divisava ao longe. Ao approximar-me, conheci que eram, nćo povoaēões de prźtos, mas sim de formigas brancas (_termites_), que juntavam em grandes grupos as suas construcēões cņnicas, cuja cōr alvacenta, devida į da argila que iam buscar ao sub-solo, lhes dava toda a apparencia de aldeas de indģgenas. De volta ao meu campo, encontrei o sova de Cabango, que ali tinha chegado havia pouco, com uma comitiva de 60 homens e muitas mulhéres. [Figura 41.--Mulhér de Cabango com o ferro de coēar a cabeēa.] Esta gente, que se apresenta quasi em completa nudez, faz consistir todo o seu luxo nos penteados. Variam-n-os ao infinito e sam elles verdadeiras obras d'arte, e t[~e]m technologia propria. Nas mulhéres o cabello, que fica em forma de cimeira de elmo Romano, chama-se _tronda_, e o que cae em trancinhas, dos lados, _cahengue_. Os penteados masculinos, que formam tufos encrespados, chamam-se _sanica_. O sova offereceu-me um boi, e eu dei-lhe um presente com que elle pareceu retirar-se satisfeito. Chegįram n'esse dia os carregadores que vinham do Capōco e eram apenas quatro, mas eram os sufficientes, sendo dous para o barco, e outros dous para alliviar algumas cargas mais pesadas. Į noute os meus prźtos e os da terra fizéram grande batuque, que durou até depois das 10 horas. [Figura 42.--Homem de Cabango.] O frio de noute continuava intenso, sendo que įs 3 e meia horas da manhć d'esse dia, o thermņmetro marcara 0°C. A desigualdade entre a mąxima e a mģnima era jį muito extraordinaria, e grande a seccura da atmosphera, como se verį dos boletins meteorolņgicos. O sova voltou a ver-me, e deu-me alguns esclarecimentos sobre o paiz. Diz elle, que jį nćo reconhece a soberania do sova do Cuio ou Mucuzo, e se considera independente. As matas t[~e]m muita cźra, e os Bailundos v[~e]m ali permutal-a a buzio (caurim) e missangas. Trabalham em ferro, e fazem machados grandes, balas e facas. Os machados de guerra, frechas e azagaias, v[~e]m-lhes dos Luchazes, e as enxadas dos Ganguelas, Nhembas e Gonzellos. [Figura 43.--Homem de Cabango.] Este soba, que se chama Chaquiunde, é um pouco falto de probidade, o que nćo admira muito. Veio, depois de larga conversa, fazer-me exigencias, allegando ter-me dado um boi. Vi-me na necessidade de o pōr fora do acampamento; mas elle, vendo a aspreza com que eu o tratava, mostrou-se contente, e explicou a sua impertinencia, desculpando-se com os seus macotas, que o tinham aconselhado a fazer grandes exigencias, e que o que pedia era para elles, pois que a elle eu tinha dado um presente superior ao valor do boi. Tendo chegado os dois Quimbandes com o meu barco, resolvi seguir no dia immediato. O dia 28 amanheceu frigidissimo, pois que o thermņmetro, įs 6 horas marcava apenas dois graos acima de zero; e por isso pude só levantar campo įs 8 horas, indo acampar įs 10 e 40 junto da margem do Onda, tendo andado a E.S.E. Precisava fazer pequenas marchas, porque os meus carregadores iam muito pesados. O terreno desde o rio Varea até ali é coberto de uma camada arenosa, sendo o sub-solo formado por uma argila de cōr cinzenta, variando desde o branco sujo até ao azul acinzentado. Junto ao leito do Onda o solo é formado por uma forte camada de humos, que ainda assim assenta sobre o sub-solo da mesma argila acinzentada. Junto ao rio vi alguns montes termģticos, apresentando a cōr azul cobalto. O terreno das clareiras é habitado por uma especie de termites differente d'aquella que habita as florestas. As termites das clareiras construem montes mamelados, apresentando o aspecto de cones truncados cobertos por cłpulas hemisphčricas, tendo de 80 centģmetros a um metro de diąmetro na base, por igual altura. Nas florestas formam ellas verdadeiros cones, tendo de 4 a 6 centģmetros de diąmetro na base, por 25 a 30 centģmetros de altura. Sam muito approximados, e semelham um eriēado de espinhos que parecem brotar da terra. Estas termites das florestas vam buscar os materiaes das suas construcēões muito perto da superficie da terra, porque nas suas architecturas figura como materia prima a terra vegetal que forma o solo dos matos, e estas, apesar do cimento empregado, nćo t[~e]m a ligaēćo e dureza das termites das clareiras, que, empregando uma argila consistente, formam verdadeiras petrificaēões. Nas habitaēões das termites das clareiras, apesar do seu interior ser formado de cčlulas como as de um favo de abelhas, a bala Snider nćo penetra n'ellas a mais de 10 centģmetros. Como jį disse, nas encostas que abeiram o Onda, estas formigas accumulam as suas habitaēões em limitados espaēos, figurando, a quem de longe as vź, verdadeiras povoaēões Quimbandes. Por espaēo de uma hora, depois que deixei o acampamento, caminhei na margem do rio em terreno descoberto; mas depois entrei em uma esplčndida floresta, cortada de riachos affluentes do Onda. [Figura 44.--O Lago Liguri.] Por vezes, a floresta tomava o aspecto de um d'esses grandes parques do norte da Europa, onde uma viēosa relva cobria completamente o solo. No meio da mata os meus passos fōram suspensos para contemplar uma das mais pintorescas paizagens que tenho visto. Uma vasta clareira era occupada por uma lagōa de ągoa crystallina e fundo arenoso. Ąrvores enormes assombravam o pequeno lago, que reflectia os seus ramos de um bello verde-escuro, onde chilravam mil pąssaros. A relva descia dos lados até į ągua, e só desapparecia para deixar logar a uma arźa alva e fina. Os prźtos d'este paiz, que nćo sam muito poetas, acham encanto n'este pequeno lago, a que chamam Lago Liguri, e em que ja me haviam falado. Tōdos os riachos d'este paiz t[~e]m as margens apaüladas, e na ągua estagnada ha um depņsito de cōr vermelha, que ao principio atribui į presenēa de ferro; o que conheci ser engano, porque o chį verde feito com aquella agua nćo a denunciava ferrea, pela formaēćo do tanato de ferro. Só, talvez, por uma accumulaēćo de animąlculos infusorios se produzam aquelles depņsitos vermelhos. Desde o Bihé, observei, que em tōdos os pontos onde ha ąguas estagnadas abundam sanguesugas, mas n'estes cņrregos affluentes do Onda sam ellas em maior nłmero. O rio continła a ter entre 10 e 12 metros de largo, por 4 a 5 de fundo, tem corrente muito insensivel. Abunda a caēa. No dia seguinte, caminhei a S.E., sempre na margem direita do Onda, por espaēo de trźs horas, sendo difficil a passagem de uma emmaranhada floresta, e mais difficil ainda o vadear o ribeiro Cobongo, de 4 metros de largo por 1 de fundo, e cujo leito lodōso embaraēava o andar. Depois de trźs horas de caminho, afastei-me do Onda, seguindo a margem do ribeiro Cangombo, que passei indo acampar na margem esquerda do ribeiro Bitovo. A 30 de Junho, segui a leste, aproveitando toda a margem do Bitovo, para caminhar livre de floresta, e d'ali passei ao valle do ribeiro Chiconde, cujo curso segui até ao Cuito, onde acampei. Fez-me profunda impressćo o contemplar as aguas do ribeiro Chiconde, correndo velozes para o Cuito. Até ali tinha encontrado ąguas correndo ao oceano Atląntico, e essas ąguas, cujo murmurio acalentava o meu somno, eram como um laēo que me prendia į minha patria, indo cahir no mesmo mar que banhava o meu Portugal. Se ellas podessem converter o seu murmurio em falas, que de saudades, que de angłstias que viram, podiam ir contar aos meus! Ao deixar o Bitovo partio-se esse laēo que me ligava į costa do Oeste. ”Que pungente saudade nćo foi a minha! Fazia um anno n'aquelle dia que eu fōra dar o abraēo de despedida a meu velho pai, e recordou-me mais do que nunca que elle me deixara com o presentimento de nćo mais me ver. N'aquelle dia jį assentava o meu campo no paiz dos Luchazes, tendo deixado o dos Quimbandes com o ribeiro Bitovo. Viéram alguns homens e mulhéres das povoaēões da margem direita do Cuito ao meu campo; mas nada trouxéram que vender, e nós precisąvamos de comida. Prometźram contudo que no dia seguinte traziam algum Massango, porque nćo cultivam milho nem mesmo Massambala. Nos seus arimbos cultivam o Massango, alguma mandioca, feijćo fradinho, ginguba, mamona e algodćo, tudo em pequena escala, apenas o necessario para o consumo do cultivador. Colhem bastante cźra, jį apanhada nas florestas, e jį de colmeas que collocam sobre as ąrvores, e onde os enxames v[~e]m habitar. A cźra é um gčnero, que elles permutam por peixe sźco do Cuanza, que os Quimbandes ali vam levar. O rio Cuito ali nćo tem peixe. Os povos Luchazes sam pouco viajantes, e apenas deixam as suas povoaēões para fazerem pequenas caēadas aos antģlopes, afim de obterem pelles para se vestirem. A pequena cultura é feita por homens e mulhéres. O sovźta que governa as poucas povoaēões da margem do rio Cuito é o Muene-Calengo, que paga tributo a outro sova Muene-Mutemba, cuja povoaēćo nćo pude precisar bem onde fica. [Figura 45.--Luchaze das margens do rio Cuito.] Estes Luchazes trabalham em ferro e fazem todas as obras de que precisam. O ferro é encontrado no paiz. Uma cousa łnica que vi entre os povos bąrbaros que visitei, é usarem os Luchazes de isqueiros para fazerem fogo, com fusil e pederneira. As pederneiras sam trazidas pelos Quibōcos, ou Quiōcos, que as v[~e]m trocar a cźra; e os fuzis fabricados por elles sam de ferro forjado e temperados em ągua fria, onde os lanēam estando o ferro rubro. A isca é preparada com algodćo misturado com a amendoa, pisada, contida no endocarpio de um fruto chamado Micha. As mulhéres Luchazes usam cestos differentes dos empregados pelas Quimbandes, e differentemente os trazem, porque sam suspensos da cabźēa por uma larga tira de casca de ąrvore, e caem sōbre as costas. Este modo de trazer os cestos impede-as de trazerem os filhos, como é uso geral em Ąfrica, sobre os rins, trazendo-os ao lado. No dia seguinte, viéram de manhć algumas mulhéres trazer massango; mas em tćo pequena quantidade, que mais fez sentir a fome que jį tģnhamos. [Figura 46.--Mulhér Luchaze carregada.] O rio Cuito tem no ponto em que o passei 7 metros de largo por 1 de fundo, com uma corrente de 25 metros por minuto. É affluente do Cubango, e na sua confluencia assenta a grande povoaēćo de Darico. Nasce na planicie de Cangaba, onde t[~e]m nascente muito prņxima o Cuime e o Cuiba, affluentes do Cuanza, e o Lungo-é-ungo, affluente do Zambeze. [Figura 47.--Isqueiro dos Luchazes, Caixa da isca e Fuzil.] Nćo podendo obter vģveres, resolvi seguir įvante, e quando dava ordens para levantar campo, chegava į margem do rio Cuito uma comitiva de escravos, capitaneada por trźs prźtos. Apoderei-me dos trźs prźtos, e soltei todas as escravas, pois que na comitiva nćo iam escravos. Fiz com que entrassem no meu campo, e disse-lhes, que eram livres, e se quizessem acompanhar-me eu as fazia chegar a Benguella. Disse-lhes, que nada receiassem dos seus guardas, e que se convencessem de que eram livres. Declarįram-me uma a uma, que nćo queriam a minha protecēćo, e que as deixasse ir como tinham vindo. æD'onde eram? Nćo m'-o sabiam dizer. æQue fazer? Repugnou-me leval-as comigo a despeito seu. Depois de algumas instancias, resolvi deixar aquellas desgraēadas seguirem o triste fado a que nćo queriam esquivar-se. Demais, æseria elle melhor se me seguissem? Nćo é facil, ainda que isso se afigure na Europa, libertar uma leva de escravos, quando essa leva é encontrada longe dos dominios Europeus. Uma leva de escravos tem gente de naturalidades differentes, e muitas vezes longinquas. Se aquelle que os pode libertar os quizér restituir įs suas familias, tem de percorrer uma grande parte d'Ąfrica į busca dos lares dos seus protegidos, o que é prąticamente impossivel. Abandonal-os e dizer-lhes:--_Ide-vos_--é fazel-os novamente escravos dos primeiros povos que encontrarem. Muitas vezes, aquelles desgraēados, arrancados das povoaēões em tenros annos, perdźram da memoria o sitio onde nascźram, e falando jį uma lģngua differente da que balbuciįram crianēas, e esqučcźram longe dos seus, t[~e]m por sua patria a terra da escravidćo, e nćo conhecem outra. Hōje, depois que os navios de guerra, Portuguezes e Inglezes, cruzam no Atląntico e no Ģndico, e impedem a exportaēćo do homem, a escravatura é gčnero de permutaēćo apenas no interior, e o seu systema tem-se modificado. O escravo apparece em Ąfrica por dois modos. Ou é o prisioneiro de guerra, ou é o gčnero de pagamento de dģvida pelos parentes. Outrora fazia-se a guerra expressamente para se fazer o prisioneiro, e infelizmente ainda hōje se faz, posto-que em menor escala. O ente humano dado, pelo parente proletario, em pagamento da dģvida contrahida, ou da multa decretada, é vulgar. No caso de guerra, outrora todo prisioneiro servia para escravo, porque lhe nćo era facil, adulto que fōsse, voltar da Amčrica į Ąfrica. O Atląntico era garantia segura. Os adultos mesmos, podendo logo produzir um trabalho maior, eram preferidos ao adolescente e į crianēa. Hōje nćo é assim. O homem feito foge, e tem sempre na idéa o voltar ao ninho d'onde o arrancįram, e essa esperanēa nćo o abandona em quanto pisa o continente onde tem seu paiz. Disse-me a mim um negreiro:--_sam muito fugitivos_. A crianēa, o adolescente e a mulhér, offerecem ao commerciante maior garantia, porque, espģritos mais irresolutos, nćo ousam encarar o pensamento de atravessar paizes enormes, para voltar ao seu. Tem por isso mais valor, hōje, na Ąfrica Austral, a crianēa e a mulhér, e nas levas de desgraēados que infelizmente ainda arrastam os duros grilhões a travez do solo Africano, é raro vermos um homem feito. Uma vez que falei na escravatura, direi ainda mais algumas palavras sobre ella. Portugal, a Inglaterra e a Franēa, t[~e]m, nos łltimos tempos, empenhado uma verdadeira luta contra o commercio da carne humana, e as modificaēões feitas nas antigas praxes Americanas, concorrźram para que esse commercio diminuisse consideravelmente, e se modificasse essencialmente na Ąfrica Austral. Contudo, eu atrevo-me a dizer, que nćo serį ainda a geraēćo que ora comeēa, aquella que verį desapparecer o escravo do solo Africano. O mesmo principio que imperava outrora na Amčrica, fazendo colonisar com os escravos, existe e existirį por muito tempo em Ąfrica. Os governos prźtos tambem t[~e]m a sua polģtica colonisadora, e entre elles e os logares de procedencia do escravo, falta-nos um Oceano, onde possamos fazer singrar as nossas esquadras, e proteger os mesquinhos com as nossas baterias d'aēo. Só os principios civilisadores poderįm fazer cessar um dia a escravidćo; mas infelizmente esse dia estį longe, porque os argumentos de que se servem esses principios, sam menos eloquentes e menos enčrgicos do que os projecteis cylindro-cņnicos o fōram no Atląntico e no Ģndico. Eu tenho para mim, que a aboliēćo da escravatura, no interior da Ąfrica Austral hade existir de facto, quando deixar de existir a polygamia entre os prźtos; porque, ainda que os principios civilisadores faēam desapparecer o escravo, a sensualidade asinina do negro farį subsistir a escrava. Isto nćo quer dizer, que eu descreia de que se possam dar alguns rudes golpes de immediato effeito no reprovado commercio; mas sim que penso na difficuldade do seu completo exterminio. Jį vai longa a divagaēćo, voltemos ao assumpto. Dizia eu, que as raparigas nćo quizéram ser livres, e seguķram os seus conductores. Eu preparei-me tambem para partir, forēado sobre tudo pelas imperiosas necessidades dos estōmagos, que em viagens de exploraēćo governam tanto e mais do que as sociedades de Geographia. Segui quasi a Leste, e depois de marcha de duas horas, avistava uma povoaēćo, e acampava na margem de um ribeiro perto d'ella. Sube que ribeiro e povoaēćo se chamavam Bembe. Quando comeēava a faina de cortar madeira para acampar, vi de repente os meus prźtos dispersarem-se em varias direcēões, fugindo espavoridos. Nćo atinava eu com a causa de tal terror, e dirigi-me ao sitio onde elles trabalhavam, a investigar o que seria. No logar onde eu tinha mandado construir o campo, milhões da terrivel formiga chamada pelos Bihenos Quissonde, sahiam da terra, e d'ella fugķram os meus homens. A formiga Quissonde é uma das mais temiveis feras do continente Africano. Dizem os naturaes, que ataca e mata o elephante, introduzindo-se-lhe na tromba e nos ouvidos. É inimigo que se nćo pode combater, e atacando aos milhares, só se lhe pode escapar na fuga. O Quissonde tem entre 6 e 8 milimetros de comprido, cōr castanho-clara muito luzidķa. As mandģbulas d'este feroz hymenņptero, sam fortissimas e de grandeza desproporcionada. Da sua mordedura no homem sahi logo um jacto de sangue. Os chefes conduzem as suas phalanges a grandes distancias, e atacam todo animal que encontram no seu caminho. Por mais de uma vez, durante a minha viagem, tive de fugir aos ataques d'este feroz insecto. Algumas vezes vi nos caminhos centenares d'ellas esfregadas aos pés, levantarem-se, e continuarem a sua marcha, primeiro lentamente, depois com a sua celeridade ordinaria, tanta é a sua vitalidade. Vem a propņsito falar aqui de outras formigas mais vulgares do que o Quissonde. Uma é pequena, de trźs milimetros a quatro de comprido, negra e como o Quissonde armada de fortes mandģbulas. Chamam-lhe os Bihenos Olunginge. É o maior inimigo das termites, contra as quaes dirige terriveis ataques, e que vence apesar da desproporēćo do seu tamanho. Estas pequenas formigas sam um verdadeiro beneficio, pela enorme destruiēćo que causam nas larvas, nymphas e ovas das termites. Em alguns pontos encontrei nas habitaēões das termites uma grande quantidade de formigas enormes, atingindo o comprimento de 20 milimetros, que vivem em communidade com os abundantes nevrņpteros da Ąfrica Austral. Estas formigas, supponho eu, que, pouco dadas ao trabalho de construir habitaēões, vam procurar nas construcēões termģticas, abrigo e morada. Nenhum d'estes pequenos insectos ataca o homem ąlém do Quissonde, que o ataca sempre, e ainda nas margens do rio Bembe fez dispersar os meus carregadores. Tive pois de ir longe escolher outro sitio para acampar. Voltįram da povoaēćo do Bembe alguns homens que ali tinha enviado, com a triste nova, de que o sovźta dera ordem para nada me venderem. A fome jį se fazia sentir muito, caēa nćo apparecia, e apenas tivémos n'esse dia um punhado de massango, que tanto coube a cada um de nós na divisćo que fiz, do pouco que obtivémos na margem do rio Cuito. Ali o paiz jį era completamente desconhecido a todos, e nenhumas informaēões podiamos colher do gentio esquivo. Reuni os meus pombeiros, e fiz-lhes ver a grande necessidade de alargarmos a marcha no dia seguinte, até encontrarmos povoaēões mais hospitaleiras. Elles conviéram na imperiosa necessidade, e apesar de muito carregada a comitiva, e enfraquecida pela falta de alimento, decidķram animar a sua gente para os fazer ir avante. Havia dous dias que encontrava vestigios de ter sido outrora povoadissimo este paiz, pelas ruinas, jį antigas, de muitas povoaēões que encontrei. æO que determinaria este abandono? æSeria a devastaēćo pela escravatura? æSeria a insalubridade do clima? æSeria a falta de caēa? æSeria a mį qualidade do terreno? Nćo o pude saber; mas a primeira hypņthese parece-me a mais admissivel. O facto era, que essa falta de populaēćo inesperada, nos creou o maior embaraēo, e eu n'essa noute soffri horrivelmente das torturas da fome. No dia immediato, tive logo de manhć o transtorno de um carregador doente; mas o meu Doutor Chacaiombe houve-se com toda a bizarria e offereceu-se para levar a carga. Na occasićo de partir, apparecźram uns enviados do sovźta do Bembe, pedindo-me alguma cousa para elle; fiz-lhes ver o mao procedimento do sovźta para comigo, e mandeios pōr fora do campo. Segui įs 8 horas e 40 minutos. O rio Bembe, que tinha a vadear, tem dois metros largo por um de fundo e corre a S.O. para o Cuito. A sua margem direita é montanha ģngreme; mas a esquerda, depois de uma trincheira quasi vertical, de 10 metros, estende-se, plana e paludosa, por um kilņmetro. A marcha atravez do paśl levou uma hora, e fatigou muito a faminta caravana. O terreno em seguida é levemente inclinado e coberto de uma vegetaēćo arborescente difficil de transpor. Depois de outra hora de fatigante caminhar, comecei a descer uma encosta, a cujo sopé se desenrolava uma planicie, occulta por densa floresta. Desci uns 50 metros para alcanēar a orla da mata; mas tive logo de alterar o meu rumo. A floresta era impassavel. Aprovetei um difficil trilho de caēa, que ora me levava a Leste, ora a Noroeste, e depois a Sueste, até que o terreno me faltou de repente. Um sulco profundo de cem metros, cavado pelas ąguas de um ribeiro, tolhia-me a passagem. A difficuldade do caminho, o peso das cargas, e a fraqueza dos meus carregadores, obrigįram-me a acampar ali. A fome jį se fazia sentir em todos os seus horrores. Uma esperanēa todavia me animava; eu tinha visto vestigios de caēa. Pouco depois de chegarmos, matou-se no campo uma cobra, que me disse o meu doutor ser muito venenosa; mas haver contraveneno į sua mordedura. Tinha um metro de comprido, e era cōr de telha no dorso, tendo o ventre um pouco mais claro. Os olhos eram verdes muito brilhantes e a lingua bipartida. A bōca era armada de quatro dentes dispostos como as presas de um cćo. Ahi ficam os signaes d'ella para aquelles que pisarem um dia aquellas paragens. Era preciso caēar, e eu, logo que fiz as minhas observaēões, parti para um lado, e mandei em outras direcēões os meus prźtos Augusto e Miguel, os łnicos que t[~e]m algumas manhas de caēadores na minha comitiva. Encontrei perto do campo um grande rasto de błfalos e segui-o. Nćo se faz idéa na Europa do que seja caēar para comer. É um prazer horrivel. Deve ser assim o apontar į banca, do jogador que precisa ganhar uma certa quantia para pagar uma dģvida de honra, e que mistura o febril prazer do jōgo, com a cruciante angłstia da incerteza. Os olhos com que elle devora as cartas que lentamente vam escorregando por entre os dedos do banqueiro; os olhos que queriam penetrar atravez da carta opaca para anticipar o desfecho da agonia da dłvida, no fim da qual estį a salvaēćo ou a morte suicida; devem ter a mesma expressćo dos olhos do caēador faminto, que perscruta a floresta em busca da caēa que é para elle questćo de vida ou morte. Ha contudo uma differenēa. É que o caēador faminto pode invocar em seu auxilio a Divindade, pode balbuciar uma słpplica a Deus. Ao passo que o caēador por prazer segue descuidoso uma pista, cheio de felizes emoēões ao avistar o gamo que procura; caminha desassombradamente, sabendo que no sitio ajustado, um cozinheiro prepara ņptimos manjares; que pįra aqui e ąlém para contemplar uma flōr mimosa, uma paizagem agradavel. O caēador por necessidade só pensa na caēa que, matando-a, lhe matarį a fome. Ao passo que um caminha curvado para chegar ao alcance do tiro, o outro deita-se de rastos, nćo sente os espinhos que lhe razgam as carnes, e por umas palhas que faz tremer, treme tambem de dar um alarme, e caminha devagar, devagar, reduzindo a distancia para que o tiro nćo falhe, com o coraēćo a palpitar, e com o estōmago a bradar em contorsões pungentes. Deve ser assim o caēar do tigre e do lećo. O rasto que eu segui levou-me ao fundo do precipicio onde corre o pequeno cņrrego, e por muito tempo segui a sua margem direita, passando depois į esquerda, onde vi os błfalos, que caminhavam pastando na orla de uma densa floresta virgem. Estavam a 500 metros de mim. Comeēou entćo esse fatigante caminhar de rōjo, a carabina a tiracollo como que nadando n'um mar de palha curta. De quando em quando levantava a cabźēa descoberta para espreitar a minha presa, e prosseguia n'aquelle caminhar difficil cheio de commoēões. Os błfalos pastando, ora caminhavam ora paravam, sempre na orla da mata. Se paravam que alegria, se andavam que desespźro o meu! Na mente phantasiava eu chegar ao acampamento e dizer, "vam į margem do cņrrego, e lį encontrarįm caēa para matar a fome." Era uma mistura de prazer e de angłstia que me causava a incerteza horrivel. De repente os animaes desapparecźram na floresta em apressado trotar. æO que seria? æTerme-hiam presentido? Levantei-me e segui o rasto com a maior presteza; mas entrando na floresta, o meu desespźro subio de ponto. Na mata virgem o solo coberto de musgo espesso nćo deixa perceber um rasto ao ōlho mais experimentado. Parei desanimado. Tudo o que tinha phantasiado cahio como sonho fįgueiro ao impertinente despertar. Ainda fui longe sem nada perceber de caēa, e perto das 6 horas da tarde recolhi ao campo, prostrado de fadiga e fome, tendo andado inutilmente 20 kilņmetros! Ao entrar no acampamento, achegou-se a mim o meu Augusto, mostrando-me radiante de alegria um soberbo antģlope que tinha morto! Era uma enorme Malanca (_Hippotragus equinus_) da corpulencia de um boi. Fiz immediatamente a partilha pelos meus carregadores e por mim mesmo, e depois de um longo jejum, que nem Deos me leva em conta por ser involuntario, tive um opģparo jantar, adubado pela fome, que faria inveja aos mais pichosos gastrņnomos. Miguel, o meu bravo caēador de elephantes, tambem veio comprimentar-me; mas revelava-se-lhe no rosto a mais profunda tristeza. Logo que sube a causa do desespźro do meu valente, nćo pude deixar de me consternar muito. Durante a ausencia de Miguel, a minha cabrinha Córa entrou na sua tenda, e comera-lhe o grande feitiēo que elle possuia para matar os elephantes. Consistia o valioso talisman em um dente humano cahido do tecto de uma casa velha, embrulhado em palha e trapos por um cirurgićo de grande fama, que lhe tinha incutido as maiores virtudes; sendo facilimo ao portador de tćo extraordinario objecto, o encontrar e matar elephantes sem o menor perigo. Miguel estava inconsolavel; mas eu consegui tranquelizal-o, promettendo-lhe maior feitiēo do que o perdido, para o mesmo fim. E nćo o enganava, pois que a boa carabina que tencionava dar-lhe, logo que chegąssemos a paiz de elephantes, valia bem por tōdos os dentes humanos embrulhados em palha e trapos. Depois de comer, reunķram-se em tōrno da minha fogueira os meus pombeiros, e contįram-me, que durante a minha ausencia, toda a gente tinha ido ao mato, seguindo uns os _indicators_, haviam colhido bastante mel, sendo que outros haviam feito larga colheita de uma fruta chamada pelos Bienos _atundo_, semelhante į goiaba, mas produzida por uma planta herbacea de pequeno talhe. Os pedłnculos d'esta fruta partem do caule junto į terra, e o fruto cresce semi-enterrado. O seu sabor é agradavel, nćo julgando eu que seja muito nutriente. [Figura 48.--Atundo, Planta e Fruto.] No dia seguinte era preciso seguir avante, e por isso, apesar do frio, levantįmos campo muito mais cźdo que do custume. Seguķmos a S.E., encontrando, depois de duas horas de marcha, um rio difficil de transpor. Tinha 4 metros de largo, por 4 de fundo, e violenta corrente. Mandei cortar grandes ąrvores na floresta, e pouco depois estava lanēada uma ponte e a comitiva passava. Pouco a jusante do sitio em que passei o rio, affluia a elle um riacho vindo de Leste. Segui a margem direita d'este riacho, e uma hora depois, acampava perto de duas povoaēões que avistava. Logo que chegįmos, viéram espreitar-nos alguns gentios, com quem pudémos falar a pedir provisões. Pouco depois, jį apparecia no nosso campo algum massango que pretas quasi nuas vinham vender. Comprando a missanga sem regatear, em breve tivémos alimentaēćo sufficiente para aquelle dia. Em breve se estabelecźram relaēões cordiaes entre aquelle gentio e nós. Por elles soubémos, que o ribeiro onde acampįmos na včspera se chamava Licócótoa, o rio onde n'aquelle dia havģamos lanēado a ponte Nhongoaviranda, e o cņrrego em cujas nascentes estąvamos acampados Cambimbia. As duas povoaēões que ficam na margem esquerda do ribeiro sam Luchazes, aquella que ficava a N.O. do meu campo era de Quiōcos ou Quibōcos. Fōram estes łltimos que viéram ao meu campo e com quem estava em relaēões. Comi mais de um litro de massango cozido em ągua, nćo me foi desagradavel tal alimento. Depois de ter saciado o appetite, calculei a posiēćo em que estaria n'aquella noute o planeta Jłpiter, no momento do eclipse do 1^o satčlite que eu precisava observar. Eu estava acampado n'uma floresta copada, que nćo me deixava ver os astros. Logo que achei pelo cąlculo a posiēćo do planeta no momento desejado, escolhi o logar onde assentaria o meu telescopio, e mandei rasgar na floresta um claro sufficiente para poder fazer a observaēćo. Houve grande faina; e os meus bravos Bihenos, machado em punho, conseguģram em duas horas razgar uma abertura por onde eu podesse dirigir o meu ņculo. As mulhéres dos Quiōcos ou Quibōcos que viéram ao meu campo traziam os filhos ao lado como as Luchazes, suspensos do hombro opposto por uma faixa de casca de ąrvore. Ąlém de massango, trouxéram ellas para vender umas raizes tuberculosas chamadas Genamba, de que os meus pretos gostavam muito e eu nada. Nćo cultivam o milho, e alimentam-se de massango. O luxo dos penteados nćo se encontra entre os Quibōcos ou Quiōcos, e o seu vestir é mais miseravel do que entre os Quimbandes. As mulhéres andam nuas! Causarį de certo estranheza ao leitor, que eu, estando em pleno paiz dos Luchazes, lhe esteja falando em Quiōcos. Se isso o admira, nćo me sorprendeu menos a mim o caso de os encontrar ali. A emigraēćo constante dos Quiōcos e a colonizaēćo das terras Luchazes por elles, é um facto. O paiz dos Quiōcos ou Quibōcos (que lhes chamam indifferentemente) é collocado ao norte de Lobar, nas vertentes leste da serra da Mozamba. Livingstone fal-o cortar pelo parallelo 11 sul, e pelo meridiano 20 leste de Greenwich. Os Quiōcos sam viajantes, caēadores, e ousados. Alguns, descontentes com o seu paiz, emigrįram para o sul, atravessįram o Lobar, e viéram estabelecer-se na margem direita do Lungo-é-ungo, em paiz Luchaze. Nćo foram hostilizados, e atraz d'estes seguģram-se outros, sendo constante hōje a emigraēćo. Nćo parįram ali, e seguķram muitos emigrantes mais ao sul, indo até ao Cubango. A maior parte da povoaēćo de Darico é de Quiōcos. Perguntando-lhes eu, æqual o motivo de abandonarem o seu paiz? disséram-me, que a doenēa e a falta de caēa os afugentava de lį. Estes Quiōcos com quem entrei em relaēões, estavam estabelecidos ali havia pouco, e nćo lhes sobravam as provisões para venderem; mas disséram-me elles, que [**Nota de editor: No original hį um salto da pįgina 235 ą 237. Trata-se de um erro de impressćo.] [**Transcriber's note: In the original book there is a gap between pages 235, 236 and 237... it is a printing error.] No alto da serra ha um esplčndido panorama de N.E. a N.O. Vź-se tōdo o curso do rio Cuango, affluente do Lungo-é-ungo pelo sul. [Mappa 5.--Disposiēćo da ągua em Cangala] Avista-se a bacia d'este desde Cangala até į confluencia do Cuango, e bem assim as bacias superiores dos rios Cuito, Cuime e Cuiba. O golpe de vista é sorprendente. Na vertente de oeste da serra Cassara-Caiéra a vegetaēćo arbņrea é esplčndida, na cumiada enfčzada e pobre; na vertente leste a vegetaēćo arborescente e herbącea verdadeiramente rica. Esta vertente leste é chamada Bongo-Iacongonzźlo. Fui acampar na nascente do ribeiro Canssampōa, affluente do Cuango, e durante tōdo o trajecto d'aquelle dia nćo encontrei ągua. Junto ao meu campo, na outra margem do ribeiro, ficavam cinco povoaēões Luchazes. Estas cinco povoaēões sam governadas por um sovźta que obedece ao soba Chicōto, cuja povoaēćo é na confluencia do Cuango com o Lungo-é-ungo. As duas povoaēões Luchazes que ficam no Cambimbia obedecem ao Muene-calengo do Cuito. O sovźta Cassangassanga veio visitar-me, e trouxe-me de presente um cabrito. Dei-lhe alguma missanga com que se retirou satisfeito, promettendo mandar-me algum massango n'aquelle dia, e guias no immediato para me conduzirem a Cambuta, onde me disse eu encontraria muitos vģveres. Cumprio as suas promessas, nćo só mandando o massango n'aquelle dia, como os guias no seguinte. O massango, dividido, deu uma pequena raēćo a cada um de nós; o cabrito nćo era cousa de vulto para tanta gente, e francamente dormķmos com fome. Ali cultivam massango, pouca mandioca, menos feijćo, bastante mamona e algum lłpulo. Trabalham o ferro com bastante perfeiēćo, sendo o minerio encontrado no paiz. No dia 6 de Julho, parti a leste, e depois de trźs horas de caminho, na łltima das quaes segui a margem do ribeiro Andara-canssampoa, acampava em frente da povoaēćo de Cambuta, junto ao rio Bicéque, que corre a N.E. para unir-se ao Cutangjo, affluente do Lungo-é-ungo. O paiz tem uma certa agglomeraēćo de populaēćo, que obedece ao sova de Cambuta. Ali pude obter bastante massango, łnico alimento que cultivam em abundancia, e por isso łnico que me viéram vender. [Figura 49.--Povoaēćo de Cambuta, Luchaze.] Nunca vi tćo grande quantidade de rōlas como ali, e eu matei muitas, carregando a arma com pedrinhas miłdas das margens do ribeiro. Adoecźram-me alguns carregadores com papeira, e outros com gastrites, de certo provenientes da mį alimentaēćo. Entre as raparigas que viéram ao meu campo vender massango, notei algumas muito galantes e muito esbeltas. Andam quasi nuas, e mal se lhes percebe, nćo uma folha de vinha, mas um pequeno farrapo de casca de ąrvore. Ali homens e mulhéres sem excepēćo t[~e]m os dentes incisivos da frente cortados em triąngulo, de modo que estando a dentadura unida, apparece um lozango vazio, formado por os dois triąngulos cortados na frente em dentes de ambas as maxilas. O frio continuava a ser intensissimo durante a noute, e só junto de grandes fogueiras podiamos repousar. [Figura 50.--Mulhér Luchaze de Cambuta.] No dia seguinte, continuavam as doenēas. Um caso bem para notar era, serem só atacados os Bihenos, e resistirem os negros de Benguella, nćo tćo habituados como aquelles įs vicissitudes da vida sertaneja. De manhć, matou-se perto do acampamento uma ave de rapina, que a minha vista pouco experimentada nćo soube collocar em algum dos gčneros em que se divide a familia dos rapaces diurnos, querendo, na minha ignorancia em tal assumpto, que fosse um Gypeta, ainda que julgo ser łnica a especie do gčnero conhecida. O meu pąssaro parecia-se enormemente com o gypeta, excepto nas dimensões que as tinha muito menores, pois contava apenas, de ponta a ponta de aza, 1 metro e 75 centģmetros. Fōsse o que fōsse, foi saboreado pelos Bihenos, que em materia de gastronomia, desde o homem até ao abutre, passando pelo crocodilo, leopardo e hyena, de tudo comem sem escrłpulo. [Figura 51.--Homem Luchaze de Cambuta.] N'esse dia, como na včspera, o tempo que me ficou livre das observaēões, empreguei-o a percorrer os arredores, levantando, como costumo, uma planta grosseira dos terrenos que avisto, tendo marcado tres milhas ao sul da nascente do Biceque, a nascente do rio Cuanavare, grande affluente do Cuito. Junto da nascente do Cuanavare, estive na povoaēćo de Muenevinde, governada por uma dama, cujo marido que se chama Ungira, nćo tem voz activa na governaēćo. Eu nunca fui amante de feijćo-fradinho, mas į noute, de volta ao campo, tive um pequeno presente d'elle, e comi-o com devorador appetite. [Figura 52.--Objectos fabricados pelos Luchazes. 1 e 3. Machados. 2. Frecha. 4, 4. Ferros de frecha. 5. Enxada.] O sova de Cambuta estava ausente em caēada, e fizéram-me as honras da casa as suas damas, com quem conservei as mais cordiaes relaēões, obtendo d'ellas, nćo só boa provisćo de massango, mas ainda 12 carregadores para elle, e dois guias para me encaminharem įs nascentes do Cuando e do Cubangui, affluente d'aquelle, rios que me diziam no paiz serem os _maiores do mundo_. Permittam-me aqui agora os meus leitores duas palavras, a respeito das łltimas do perģodo anterior que sublinhei. O rio Cuando, de certo o maior affluente do Zambeze, nćo foi conhecido por mim pelas informaēões dos Luchazes de Cambuta; e eu, tendo sustentado a minha marcha do Bihé até ali, uma grande parte do caminho fóra e muito ao norte do trilho das caravanas Bihenas, sabia o que fazia, e onde deveria pouco mais ou menos ir encontrar as nascentes de tćo grande arteria. Devia isso įs informaēões de Silva Porto, que jį tinha descido aquelle rio do Cuchibi até Liniante, levando cargas em canōas. Silva Porto tinha-me assignalado as nascentes d'aquelle rio, que elle conhecia nos seus terēos medio e inferior, pouco mais ou menos no ponto em que as encontrei, e isto por informaēões colhidas por elle do gentio. Se Silva Porto podesse dar aos pontos que conhece da Ąfrica Austral, as posiēões traduzidas em longitudes e latitudes, enchiam-se facilmente os espaēos em branco que ainda existem na carta d'aquelles paizes. Assim, pois, partindo de Cambuta a buscar as nascentes do Cuando, eu cumpria o itinerario que havia traēado, e ia resolver um dos problemas que mais desejava resolver. As noticias detalhadas ia eu colhendo em caminho, as geraes essas jį as tinha aprendido de Silva Porto. Disséram-me os meus guias, que ģamos atravessar, para ąlém do rio Cutangjo, uma regićo despovoada, e por isso era mistér fazer provisões para o caminho. Foi essa informaēćo que me levou a comprar mais massango, e a pedir 12 homens, įs mulhéres do sova. Parti no dia 9 de Julho įs 9 da manhć, e trźs horas depois passava o rio Cutangjo, e acampava na sua margem direita, junto da povoaēćo de Chaquissengo. O Cutangjo tem ali 4 metros de largo, por 1 de fundo, e corre a N.N.E. para o Lungo-é-ungo. Vi que nas plantaēões havia alguma mandioca e muito massango--o terrivel massango, que tanto me havia de perseguir em Ąfrica! Algodoeiros e mamona cultivam muito estes Luchazes. [Mappa 6.--De Cambuta ao Cubangué] Trabalham o ferro, que tiram das margens do Cassongo, e as suas obras sam muito perfeitas. Quasi todos os Luchazes t[~e]m barba por baixo do queixo, e pequeno bigode. Vai ali desapparecendo o luxo dos penteados extraordinarios que até ali faziam a minha admiraēćo. [Figura 53.--Mulhér Luchaze do Cutangjo.] Os homens usam um largo cinto de couro cru, com fivelas feitas por elles; cobrem com pelles a sua nudez, e abrigam-se do frio com licondes, que extrahem de ąrvores das florestas. Nćo fabricam panellas, e as que usam vam obtel-as dos Quimbandes. Fazem manilhas, com cobre, que ali lhes v[~e]m permutar a cźra os Lobares, sendo que estes o obt[~e]m da Lunda. [Figura 54.--Cachimbo Luchaze.] Fui ver a povoaēćo de Chaquicengo, que, como todas do paiz, é muito bonita e de um grande aceio. As casas sam feitas de troncos de ąrvores, de 1 metro e 20 centģmetros de altura, que tanto é a altura das paredes. O intervallo da madeira, que é encostada uma į outra, é cheio, em umas de barro, em outras de palha. Os tectos sam de cōlmo, e como as armaēões sam feitas de varas muito finas, fazem uma curva, tomando um aspecto de tectos Chinezes. Os celeiros sam collocados muito altos sobre uma armaēćo de madeira, todos de palha, e de cobertura movel; pois é preciso levantal-a para ir dentro buscar os mantimentos. T[~e]m accesso por uma escada de mćo, e nćo sam mais do que um cesto gigantesco į prova d'ągua, em que é tampa um tecto cņnico. [Figura 55.--Capoeira dos Luchazes.] As capoeiras sam umas pyrąmides quadrangulares de varas d'ąrvore, assentes em quatro pes ou estacas muito altas, para as pōr ao abrigo dos pequenos carnģvoros. No centro da povoaēćo ha, como no Huambo, uma especie de kiosque para conversa. Ali, em tōrno de uma fogueira, alguns homens preparavam arcos e frechas. Recebźram-me muito bem, e viéram-me offerecer uma bebida preparada com ągua, mel e farinha de Lłpulo, que misturam em uma cabaēa onde a deixam fermentar. Chamam-lhe Bingundo, e é a mais alcohņlica que tenho encontrado. Estes Luchazes usam uma armadilha para apanhar pequenos antģlopes e lebres, que é engenhosa, e bem so comprehende em vista do desenho. Chama-se Urivi. [Figura 56.--Urivi, Armadilha para caēa.] Depois de um passeio até įs nascentes do Cutangjo, voltei ao meu campo, acompanhado por grande nłmero de homens e mulhéres que nćo cessavam de me admirar. Entre esta gente das margens do Cutangjo vi muitos typos masculinos de uma fealdade repugnante. Estes povos, nćo só apanham muita cźra nas florestas, mas ainda collocam nas ąrvores innłmeras colmeas que fabricam com uma grossa casca de ąrvore ligada com pinos de pao. [Figura 57.--Luchaze do Cutandjo.] [Figura 58.--Objectos Luchazes. 1. Bainha de faca. 2. Cesto. 3. Travesseiro de pao. 4. Cortiēo d'abelhas.] No dia 10 de Julho, parti įs 8 da manhć, e meia hora depois, apesar dos guias, andava perdido em uma floresta impassavel, d'onde pudémos a muito custo sahir įs 10 horas. Entćo encontrįmos terreno limpo de arbustos, mas coberto de ąrvores gigantes, que nos abrigavam do sol; prazer que durou pouco, porque, meia hora depois, jį andąvamos outra vez mettidos em mato tćo emmaranhado que nos deu verdadeiro trabalho a transpor. Emfim, įs 11 e 20 minutos, descia eu a vertente suave de um cņmoro, em cujo sopé a ągua limosa de uma pequena lagōa era cercada por um tapźte de verdejantes gramģneas. Ao chegar ali, dei um tiro em um animal que creio se chama _Leopardus jubatus_, cuja pelle veio augmentar a minha cama felina. Esta pelle, que foi minha cama até Pretoria, offereci eu ao Doutor Bocage. Este leopardo jubatus bastante raro, porque em toda a minha viagem vi apenas dois, vź muito pouco de dia, supponho eu, e supponho isto por ter notado em ambos, que, ao deparar com elles, fitavam as orelhas para o meu lado, em que sentiam rumor, como querendo perceber o perigo mais pelos orgćos auditivos do que pelos visuaes. Abeirei-me da lagōa, e determinei a sua posiēćo, tendo mandado construir o meu campo uns 100 metros ao sul, sobre a encosta, ficando uns 30 metros sobranceiro ao paśl, que mais paśl do que lagōa é o charco onde nasce o grande affluente do Zambeze. Quando trabalhava fui acommettido de um repentino e violento accesso de febre que me prostrou por trźs horas. Quando voltei a mim, nćo pude deixar de sorrir. Estava coberto de amuletos, tendo ao pescōēo um sem-nłmero de cornos de pequenos antģlopes, cheios das mais virtuosas medicinas. Uma pulseira de dentes de crocodilo enlaēava-me o braēo direito, e dois enormes cornos de malanca pendiam de dois paos espetados dentro da barraca. Os meus prźtos, durante a febre, nćo se haviam poupado a cuidados, e ouvido o doutor Chacaiombe, tinham posto tudo aquillo sobre mim, com a mais inteira fé no resultado. Uma forte dose de quinino, que tomei, determinando o meu prompto restabelecimento, veio corrobar mais as virtudes dos amuletos, que tudo a elles foi attribuido. Os meus prźtos Augusto e Miguel, tinham ido caēar; mas voltįram sem nada, tendo encontrado alguns leopardos. Vķram contudo muitos rastos de caēa grossa. No dia seguinte de manhć, levantei uma grosseira planta do paśl, rectifiquei a minha posiēćo, e levantei um pequeno padrćo, construido de barro, dentro da barraca das observaēões, onde enterrei um frasco que fōra de quinino, perfeitamente rolhado, contendo um papél, onde, de um lado, por baixo do nome d'El-Rei, escrevi os nomes dos membros da commissćo central permanente de geographia, e do outro, as coordenadas do ponto, e a data. Depois do meio-dia, os guias Luchazes fōram mostrar-me a nascente do rio Queimbo, affluente do Cuando por oeste. Marquei estas nascentes, 6 milhas geogrąphicas a S.O. do paśl da nascente do Cuando. Os doze carregadores Luchazes estavam muito saudosos de suas casas, e queixavam-se muito do frio. O paiz é despovoado, e deve ter muita caēa, porque d'ella haviam rastos, continuando a apparecer leopardos, que d'ella sam tambem indicio certo. Nós nćo vimos nenhuma. Era preciso seguir avante, porque os mantimentos desappareciam rąpidamente, e precisąvamos alcanēar as povoaēões Ambuelas, para escapar į fome. Na manhć de 12 de Julho, por um frio de dois graos acima de zero, mandei levantar campo e preparar para partir; nćo conseguindo deixar o acampamento antes das 8 horas. [Mappa 7.--Paśl da nascente do Cuando] Milhares de periquitos esvoaēavam nas matas e faziam uma chiada infernal. Segui a margem direita do Cuando por duas horas, e em seguida, por indicaēćo dos guias, passei į margem esquerda sobre uma ponte que improvisįmos de troncos de ąrvore. Ali jį o rio tinha dois metros de largo por dois de fundo, e violenta corrente. Ao passar o rio, avistei uma manada de gnous, a que nćo pude atirar. Acampei ali. As margens do Cuando sam montanhosas, e desde a nascente até įquelle ponto t[~e]m uma faxa apaülada de 30 a 40 metros, que deita em toda a extensćo muita ągua, que vai engrossar o rio. Este facto dį-se com quasi todos os rios d'aquellas regiões, que recebem por aquelle meio enorme quantidade de ąguas, de modo que, sem a elles affluirem outros, sam navegaveis a algumas milhas das pequenas nascentes. Na margem direita do rio vi aqui e ąlém algumas barreiras verticaes estratificadas, apresentando faxas cōr-de-rosa, brancas e azues. No dia seguinte, levantei įs 8, e caminhei até ao meio-dia, indo acampar junto de um cņrrego affluente do Cuando. Adoecźram-me alguns homens, com papeira, e outros com inflammaēões nas pernas. Felizmente, as cargas das provisões tinham diminuido sensivelmente, e tinha carregadores de sobrecelente. Nas margens apaüladas do Cuando abundavam sanguesugas, que mandei apanhar, para applicar a alguns doentes que d'ellas careciam. As matas que atravessei, e aquella em que estava acampado, eram quasi exclusivamente formadas de umas ąrvores enormes, a que os Bihenos chamam Cuchibi, ąrvores prestadias ao viajante faminto. O seu fruto semelha um feijćo, onde só um grćo de vivo escarlate estį encerrado na casca verde-escura. Este fruto, depois de uma demorada cocēćo, separa os invņlucros escarlates dos cotylčdones brancos. Sam aquelles invņlucros escarlates a parte comestivel d'esta semente. [Figura 59.--O Cuchibi.] Sam bastante oleaginosos, e os Ambuelas e Luchazes extrahem d'elles um ņleo que tempera a comida. Este fruto é de certo um grande socorro ao viajante faminto; mas nćo é para pressas, que a sua cocēćo é demoradissima. Outro fruto que se encontra ali e que é bastante vulgar em todo o planalto, é o que os Bihenos chamam Mapole. É produzido por uma ąrvore de mediana corpolencia, e semelha pela cōr e tamanho uma laranja madura. Um pedłnculo bastante comprido suspende este fruto verticalmente dos ramos da ąrvore. O epicarpio e o mesocarpio estreitamente ligados, formam um invņlucro de quatro milimetros de espessura, de dureza cornea. [Figura 60.--Folha e Fruto do Cuchibi. (Tamanho natural.)] Só com um forte machado se pode partir. No interior a parte comestivel é um lģquido espesso e coagulado em que se agglomeram umas sementes como as das ameixas pequenas. Este lģquido, de sabor agro-dōce, tomado em quantidade, é bastante purgativo; mas assegurįram-me os Bihenos, que é muito nutritivo e um homem pode viver d'elle alguns dias. No dia seguinte, deixei o rio Cuando, que jį ali se inclina a S.S.E.; e por indicaēćo dos guias, caminhei a leste, para ir demandar as nascentes do Cubanguķ, rio que elles me diziam ser muito grande. Depois de uma hora de marcha, passei um ribeirćo que corre ao sul, n'um terreno apaülado de 100 metros de largo, que custou a transpor; 4 milhas ąlém, outro grande ribeiro corre parallelo ao antecedente. [Figura 61.--O Mapole, Ąrvore e Folha.] Entre os leitos d'estes ribeiros, e bem assim entre os dos affluentes do Cuando, a leste, correm montanhas norte-sul, montanhas que pertencem a um systema mais importante, que ao norte corre leste-oeste, indo as suas vertentes N. terminar no valle do Lungo-é-ungo. Pelas 11 e meia, cheguei ao alto da serra, d'onde os guias me mostrįram, muito ao longe, as nascentes do rio Cubanguķ. Marquei aquellas nascentes perfeitamente a leste; e como receei nćo poder, chegado que fōsse, determinar a latitude, parei, e ao meio-dia determinei a d'aquelle ponto em que estava, por ser a mesma das nascentes do rio, estando, como estavam, leste-oeste com elle. Pelas 2 horas da tarde, acampei junto įs nascentes, que sam em tudo semelhantes įs do Cuando. O pąntano que dį nascente a este rio tem o seu eixo norte-sul, e estende-se por um kilņmetro, variando a sua largura entre 80 e 100 metros. [Figura 62.--Mapole, Fruto e disposiēćo dos Ramos.] Nćo appareceu caēa, mas vimos d'ella muitos rastos, e durante a noute, os leões fizéram um concerto infernal em tōrno do campo. Jį ali se distribuķram as łltimas raēões, e de nōvo tģnhamos diante de nós a fome. Os guias diziam, estarem perto as povoaēões, mas termos de marchar dois dias para as alcanēar; porque os muitos doentes, e sobre tudo o pombeiro Canhengo, que estava mal, nos impediam de forēar as marchas. O meu cuidado era extremo, e receiava jį que o aggravarem-se as doenēas com a fome e com a fadiga me impedisse de alcanēar a tempo os recursos precisos. No dia seguinte, apesar de todos os meus esforēos, nćo consegui sustentar a marcha ąlém de quatro horas, e tive de acampar na margem do Cubanguķ, que nćo deixei desde a sua nascente. No ponto em que acampei jį o rio conta trźs metros de largo por um de fundo. Um gnou, que matei, e algum mel que os prźtos colhéram na floresta, deu minguada raēćo com que passįmos um dia. No dia immediato continuei a seguir a margem direita do Cubanguķ, e depois de quatro horas de marcha, acampei junto ao ribeiro Linde, em frente de trźs povoaēões Ambuelas. Mandei logo nćo só įquellas povoaēões, mas ainda a outras que ficavam na margem direita, e apenas pudémos obter uma escassa raēćo de massango. Todos nos diziam, que no dia seguinte chegariamos į terra do sova, e que elle nos daria de comer. Na confluencia do Linde jį o rio Cubanguķ tem 5 metros de largo por 3 de fundo. Os meus doentes nćo melhoravam muito, o que nćo era por falta de dieta. Foi preciso sustentar marcha de seis horas, para alcanēarmos no dia immediato a povoaēćo do chefe, a quem mandei logo um presente de uma farda velha de cabo de infanteria 2, que elle muito agradeceu, dando ordem aos seus povos para me venderem mantimentos. A trōco de missanga obtivémos massango, o maldito massango, que tanto me havia de perseguir. Despedi os meus guias, e os doze Luchazes que até ali me acompanhįram, e que se retirįram satisfeitos com o que lhes dei. Elles fraternizįram com a gente das povoaēões Ambuelas, que estam ali um pouco misturadas com a raēa Luchaze. Em um dos dias seguintes que passei ali, acampou junto de mim uma grande porēćo de familias Luchazes que se vinham estabelecer no paiz. [Figura 63.--Moene-Cahenda, Sova de Cangamba. 1. O que elle traz na mćo.] Passou ali tambem um rancho de caēadores, que iam para o sul em busca dos elephantes. Foi a primeira vez que ouvi falar em elephantes, porque todo o paiz que atravessei desde Benguella até ao Cubanguķ, nćo os tem, nem mesmo d'elles vi rasto antigo. Ainda assim, os taes caēadores disséram-me, que precisavam andar seis dias para os encontrarem. Dois dias depois da minha chegada, veio visitar-me o sova de Cangamba, Muene Cahenda, que me levava um presente de quatro gallinhas e um grande cesto de massango. Trajava a farda que eu lhe tinha enviado, e da cinta pendiam-lhe pelles de leopardo. Na mćo trazia elle um objecto formado de caudas de antģlope, com que sacudia as moscas. A cultura é feita no paiz por homens e mulhéres, que, em pequenas plantaēões, cultivam massango, algodćo, pouca mandioca, e ainda menos batata dōce. Trabalham muito em ferro, que extrahem das minas na margem direita do rio, junto das quaes passei, ao norte de Cangamba. [Figura 64.--Chimbenzengue. Machado dos Ambuelas de Cangamba.] Ao contrario dos outros povos Ganguelas, em Cangamba sam os homens que fazem as panellas e as mulhéres esteiras. Fiam o algodćo, que tecem em teares de occasićo, fazendo uns pannos, do tamanho de toalhas de rosto, muito perfeitos. Viéram vender-me tabaco, que dizem cultivar no paiz, mas que eu nćo vi nas plantaēões que visitei. As armas de que usam sam frechas e machadinhas. O Cubanguķ tem, junto a Cangamba, 15 metros de largo por 6 de fundo, e 12 metros de corrente por minuto. Tem peixe, a que nćo posso assignalar o feitio, porque os que vi eram sźcos, e tinham de 40 a 50 centģmetros de comprido. Mandioca e peixe sźco; ”que opģparo banquźte para quem andava condenado ao atroz massango! O rio Cubanguķ, para nćo escapar į lei geral d'aquelle Continente, tem crocodilos, mas sam nada vorazes, e afianēįram-me os Ambuelas, nćo haver exemplo de uma desgraēa causada por elles. [Figura 65.--Cachimbo Ambuela.] Fui pagar a visita ao sova, que é sujeito distincto e sympąthico. Como me nćo vendiam senćo massango, pedi-lhe, que me desse alguma mandioca e algumas batatas dōces, presente que elle me fez em minguada porēćo, escusando-se por nćo ter mais. Ainda assim, chegou para trźs dias. ”Trźs dias de fčrias de massango! Tendo obtido guias, alguns carregadores, e bastante massango, decidi seguir įvante, no dia 22 de Julho, a demandar as povoaēões do sova Caś-eu-hue, no rio Cuchibi, onde passa, o caminho outrora seguido por Silva Porto, e que eu abandonei no Cuanza, seguindo mais ao norte. Disséram-me os guias, que teria de jornadear em paiz deserto por espaēo de 8 dias, e por isso precisava ir bem provido de raēões. Os meus doentes tinham melhorado com o descanēo e mais abundante alimentaēćo; ainda assim, o Muene-Cahenga forneceu-me dez homens para ajudarem a carregar o massango de que me provi. Tendo-me dito os guias, que durante dois dias devģamos caminhar na margem do rio, tive a lembranēa infeliz de o descer embarcado. A 22 de manhć, mandei transportar o meu barco de cautchuc ao rio, fiz levantar campo, e tendo entregue o commando da comitiva ao Verissimo, dirigi-me ao barco, que tripulei com dois muleques pequenos, o meu Catraio, e outro pequeno de 12 annos, chamado Sinjamba, filho de um carregador Biheno, que escolhi por falar bem a lģngua Ganguela, e poder servir-me de intčrprete, se isso fōsse preciso. Declaro, que nćo foi sem uma certa commoēćo que deixei a margem, e me lancei na corrente de um rio desconhecido, tendo por łnicos companheiros duas crianēas, e governando um barco de fragil tela. O rio, que nasce trinta milhas ao N., jį tem ali 15 metros de largo por 6 de fundo, e pouco a jusante, alarga a 40 e 50 metros, e įs vezes mais. O seu fundo, que varķa entre 3 e 6 metros, é coberto de area muito alva, que de certo cobre uma camada de lōdo, porque a flora aquątica do rio é verdadeiramente assombrosa. Muitas especies de juncos e outras plantas aquąticas enraizam no fundo, atravessam com suas fōlhas e seus troncos finos, sempre agitados pela corrente, 6 metros d'ągua, e v[~e]m desabrochar į superficie, as suas flōres de variado colorido, e elegantes formas. Por vezes, esta pomposa vegetaēćo occupa tōda a largura do rio, e parece impedir a passagem. A principio hesitei em lanēar o barco sōbre aquelle prado aquątico, julgando encontrar fundo e falta de ągua para navegar; mas depois que a sonda ali me accusou, ora 4 ora 6 metros de ągua, nćo mais duvidei em deslizar por entre aquelles jardins floridos. [Mappa 8.--De Cangamba ao Cuchibi] Nos pontos onde a ągua, pela disposiēćo do leito, tem corrente insensivel, é que esta vegetaēćo submersa se converte em verdadeira mata virgem, que prende o barco e nćo o deixa avanēar. Vi muitos peixes nadando ligeiros por entre as sarēas, sendo alguns de mais de 60 centģmetros de comprido. Bandos de patos fugiam diante de mim, estranhando de certo o serem interrompidos n'aquellas regiões nunca devassadas por uma canōa. Nos juncaes das margens, milhares de passarinhos chilreavam e saltavam nos ramos das gramģneas, que mal se curvavam ao seu pźso ligeiro. Aqui e ąlém, um pąssaro pescador sustentava a mesma posiēćo no ar com um rąpido bater d'azas, até descer verticalmente com velocidade de frecha a tomar a prźsa que espreitava. Nos canaviaes da margem, um grande rumorejar na folhagem verde deixava-me perceber um ou outro crocodilo que desapparecia nas ąguas. Outras vezes, aquelle rumor era seguido pelo baque de um cōrpo que em leve salto se precipitava no pego, e mal eu tinha tempo de perceber uma esquiva lontra. O rio, cuja direcēćo geral é Norte-sul, descreve as mais caprichosas curvas, que quadruplicam o caminho. A margem direita é um vasto paśl de largura muito variavel, que įs vezes alcanēa 1000 metros. D'ali se escōa um grande volume d'ągoas que engrossam o rio a olhos vistas. Trźs milhas ąlém de Cangamba, vi um rancho de 18 mulheres que pescavam junto į margem, peixes pequenos, com cestos de vime. Em uma das voltas do rio, percebi trźs antģlopes desconhecidos para mim, e quando ia a tomar a carabina para lhes fazer fōgo, elles saltįram na ągua e desapparecźram em profundo mergulho. Este facto causou-me a maior estranhźza, que cresceu de ponto quando, no correr da viagem, por vezes divisei muitos d'aquelles animaes, jį nadando e mergulhando rąpidamente, jį conservando sempre a cabźēa submersa, e deixando ver apenas as pontas dos cornos. Este animal curioso, que tive depois occasićo de matar no Cuchibi, e de cujos hąbitos tive algum conhecimento, obriga-me a suspender por um momento a minha narrativa, para falar d'elle. Chamam-lhe os Bihenos Quichōbo, e os Ambuelas Buzi. O seu tamanho, no estado adulto, é o de um bezerro de um anno. O pźllo é cinzento escuro, de 5 a 6 centģmetros de comprido, e extremamente macķo. Na cabźēa o pźllo é mais curto, e tem sōbre as fossas nasaes uma lista esbranquiēada transversal. Os cornos t[~e]m 60 centģmetros de comprido, e a sua secēćo na base é semicircular, tendo a corda quasi rectilģnea. Conserva esta secēćo até trźs-quartos da sua altura, depois do quź se torna quasi circular até į ponta. O eixo medio dos cornos é recto, e formam entre si pequeno ąngulo. Sam torcidos em tōrno do eixo, sem perder a sua forma rectilģnea, apresentando as arestas uma espiral de passo muito largo. As patas t[~e]m compridas unhas semelhantes įs do carneiro, e reviradas nas pontas. A disposiēćo das patas e os seus hąbitos sedentarios tornam este notavel ruminante improprio para correr. A sua vida passa-se na ągua, e nunca se afasta muito da margem do rio, onde sahe a pastar, raras vezes de dia, e muito de noute. O seu sono e o seu repouso é na ągua. A sua potencia mergulhadora é igual, senćo superior, į do Hippopņtamo. Durante o sono aproximam-se da superficie da ągua, e deixam ver fora d'ella metade dos seus cornos. [Figura 66.--O quichōbo.] É muito tģmido, e acoita-se no fundo das ąguas ao menor signal de perigo. É facil de surprender e de matar, sendo que os indģgenas lhe dam grande caēa, para se aproveitarem das suas pelles, que sam magnģficas, e da sua carne, que nćo é muito bōa. Quando sahem a pastar, a sua pouca destrźza na carreira, permitte aos indģgenas o apanharem-n-o vivo, nćo se defendendo no łltimo trance, como fazem quasi tōdos os antģlopes. A fčmea, como o macho, é armada de cornos. Ha muitos pontos de contacto entre a vida d'este extraordinario ruminante e a dos hippopņtamos seus conterrąneos. O rio Cubanguķ, o rio Cuchibi e o alto Cuando, dam guarida a centenares de Quichobos, que nćo apparecem jį no baixo Cuando, nem no Zambeze. Eu explico este facto pela voracidade dos crocodilos no Zambeze e baixo Cuando, que em pouco tempo dizimariam tćo tģmido animal, se elle se afoutasse a ir viver nas ąguas onde reina com absoluta soberania o carniceiro amphibio. Em uma entrevista que tive em Pretoria com um notavel caēador de antģlopes, Mr. Selous, me disse elle ter ouvido falar do meu antģlope, aos indģgenas do alto Cafucue, onde lhe disséram existir um animal n'aquellas condiēões de vida. A minha pouca competencia em materia de zoologia, nćo me permittio fazer mais minucioso estudo de um animal, que eu julgo merecer a attenēćo dos homens de sciencia pelos seus estranhos hąbitos. Continuando com a minha narrativa, tenho a fazer os maiores elogios ao meu barco Macintosh, que se portava muito bem nas ąguas do Cubanguķ; mas cuja exiguidade de formas me obrigava a uma posiēćo constrangida, que, pelas 4 horas da tarde, me produzia dōres em tōdas as articulaēões. Desde que deixei Cangamba nćo mais vi signaes da minha comitiva, e pźlas 4 horas da tarde, įs dōres de uma posiēćo contrafeita jį se unia um vago cuidado e uma fome bem pronunciada. Os meus pequenos remadōres estavam extenuados de fadiga. Aportei į margem esquźrda, e mandei o muleque Sinjamba subir ao tope de uma ąrvore a investigar se na outra margem se erguia o fumo do acampamento. Elle julgou ver o fumo a N.O., a montante por isso do sitio em que estąvamos. Tornįmos a subir o rio, e eu com muito custo pude saltar no paśl da margem direita e encaminhar-me ao logar onde fōram assignalados os indicios de fumo. Teria andado um kilņmetro, quando percebi vestigios da passagem da minha comitiva para o sul. Os rastos da minha cabra e dos cćes nćo me podiam enganar. Voltei ao barco e tornei a navegar rio abaixo. De vźz em quando parava e mandava o muleque trepar a alguma ąrvore da margem esquźrda, mas esta manobra repetia-se sem resultado. Aproximava-se a noute, e eu nćo estava sem cuidados; porque, ąlém da fome que sentia, receiava o dormir fora do campo, por causa dos meus chronņmetros que ficariam sem corda. Tinha desapparecido o sol, e n'aquellas paragens o crepłsculo é curto. Decidi acampar com os meus dous pequenos na margem esquźrda, e quando jį dava execuēćo ao meu plano, pareceu-me ouvir o estampido de um tiro muito longe a S.O. Redobrįmos de esforēos, e pouco depois ouvia outro tiro, a que respondi. Ao meu tiro, vi o clarćo de outro atirado a 200 metros de mim. Dirigi para ali o barco, e deparei com o meu Augusto mettido em ągua até į cinta no paśl de margem direita. Um Biheno estava com elle. Foi grande a sua alegria ao vźrem-me, e logo viéram tirar-me do barco e transportar-me įs costas por tōdo o paśl que era largo ali. Foi difficil aquelle caminhar que levou meia hora, mas eu cheguei enxuto į margem. Os pequenos, depois de prenderem o barco a um canavial, seguķram-nos. Disse-me o Augusto, ser longe o acampamento e termos de atravessar uma espźssa floresta. Eram profundas as trevas na floresta, e difficil o caminhar por entre as sarēas. Tropeēar aqui, cahir ąlém, andar dez metros em dez minutos, rasgando o vestuario e a carne nos espinhos do matagal, tal é o jornadear į noute em mata virgem. Depois de uma hora de violentos esforēos, sentķmos perto tiros e grande grita. Eram os meus, que me buscavam. Fiz-lhe signal e encontrįmo-n-os. Vinha Verissimo Gonēalves į frente de um grupo de Bihenos, que quizéram por fōrēa transportar-me ao campo, em umas andas que ali improvisįram com troncos cortados na mata e folhagem d'arbustos. Assim entrei no meu acampamento, onde, į meia noute, junto de um bom fōgo, matava a fome de 36 horas. Demorei-me ali um dia, e no seguinte logo de manhć comecei a passagem do rio, que foi muito demorada, porque dispunha apenas para isso do meu pequeno barco Macintosh. Segui įs 9 horas na margem esquźrda do rio, e uma hora depois, encontrava um ribeiro nas margens do qual appareceu muita caēa; segui sempre, e pela 1 hora fui acampar junto de outro riacho, que como o primeiro era tributario do Cubangui. Aparecźram no meu campo dois Ambuelas caēadores de cźra (como elles dizem), que prevenģram os guias de que era imprudente seguir para o Cuchibi; porque, tendo morrido um sovźta prņximo do caminho que devģamos seguir, estąvamos expostos aos desatinos que elles costumam praticar em taes occasiões. Viéram prevenir-me d'isso, mas eu, a despeito da morte de tōdos os sovźtas possiveis, resolvi seguir įvante, e effectivamente no outro dia, depois de marcha bastante forēada de 6 horas, alcancei a margem direita do rio Cuchibi. Na minha comitiva havia muita gente com uma molestia que tinha alguma cousa de ridģculo; 18 ou 20 pessōas estavam com papeira. CAPĢTULO VIII. AS FILHAS DO REI DOS AMBUELAS. O Cuchibi--O sova Caś-eu-hue--Os Mucassequeres--Opudo e Capeu--Abundancia--Bondade dos indģgenas--Povoaēões e costumes--Um vao no Cuchibi--O rio Chicului--Caēada--Feras--O rio Chalongo--Uma jornada atroz--As nascentes do Ninda--O tłmulo de Luiz Albino--A planicie do Nhengo--Trabalhos e fome--O Zambeze a final. Foi a 25 de Julho que acampei na margem direita do rio Cuchibi. O terreno que medea entre este rio e o Cubanguķ, é occupado por floresta virgem, onde se nota vegetaēćo opulentissima. Um naturalista botąnico encontraria ali vasto assumpto para demorado estudo; tal é a variedade de plantas que crescem, umas į sombra d'outras, n'aquella brenha enorme. Por espaēos o caminhar foi difficil, e mais de uma vez as machadas sahķram dos fortes cinturões de couro, para tornar transitavel um ou outro carreiro de feras. Ao caminhar na mata foi o meu olfato impressionado por um aroma suave e delicadissimo, emanado da flōr de uma ąrvore abundante ali. Nenhuma das flōres conhecidas tem mais delicado aroma do que o da flōr do _Ośco_, que assim chamam os naturaes į primorosa ąrvore. A configuraēćo da ąrvore, a disposiēćo das fōlhas, as flōres, em cachos, e sōbre tudo a minha ignorancia em botąnica, fizéram-me escrever no meu diario sem hesitaēćo, é uma Acacia. Ha tempo, recebendo a visita do boticario da minha aldea, e vendo elle um dos meus albuns de desenhos, disse-me com tōda a franqueza de aldećo: "O senhor escreveu aqui uma asneira, esta flōr nćo pode ser de uma acacia, porque tem só duas pčtalas e trźs estames, e deve saber, que a acacia produz flōres de cinco pčtalas, e dez estames; por isso entra na familia das Papilionąceas, e hōje entra na classe das Leguminosas, e eu vou-lhe buscar o meu _de Candolle_..." Nćo vį, lhe disse eu, acredito-o sōbre palavra, e como ahi vai representada a flōr, nćo me metterei a querer classifical-a. [Figura 67.--Ośco. Flōr dez vezes augmentada. As flōres formam cachos de 3 cent. de comprido por 15^{mm.} de diąmetro. Pčtalas brancas, ovario e estames castanhos, perfume delicioso.] Esta ąrvore, cujas flōres cubicei para offerecer įs damas da Europa, nćo a encontrei antes d'este ponto, e desappareceu no curso superior do rio Ninda. Outra ąrvore que encontrei ali e que chamou a minha attenēćo, nćo pelo aroma das flōres, mas pelo gōsto dos frutos, foi uma que os naturaes chamam _Opumbulume_. O fruto é em tudo semelhante ao Mapole, que jį descrevi, sendo o seu gōsto differente, e muito mais differente a ąrvore que o produz. O rio Cuchibi apresenta um aspecto differente do dos outros affluentes do Cuando até ao ponto em que os visitei. Corre no meio de uma planicie que encosta įs vertentes dōces de montanhas cobertas de espźsso mato. [Figura 68.--Opumbulume.] A planicie completamente enxuta, e nćo apaülada, como quasi tōdas as que fazem margem aos seus congčneres da Ąfrica de Sudoeste, chźga por vezes a alargar-se em oito kilņmetros de extensćo. O rio serpea ali, nćo em curvas de curto raio como o Cubanguķ, mas em pouco ondulada linha, que ao longe faz parecer rectilģnea a sua directriz. Uma pomposa vegetaēćo herbącea vai terminar nas escarpas do leito, onde corre uma ągua cristallina, deixando perceber o fundo de area branca. Carece completamente da flora aquątica que abunda no Cubanguķ, nćo sendo inferior a sua fauna, de que falarei mais tarde. Havia caēa e fiz uma bōa caēada, pois que matei um songue, antģlope vulgar nas margens do Cuando e nas dos seus affluentes. Aparecźram-me n'aquelle dia alguns homens queixando-se de uns tumōres que se desenvolviam nas articulaēões das pernas, e os impediam de andar. Felizmente, o gasto de mantimentos jį me deixava livres outros homens, que tomįram as cargas d'aquelles. Uma grande parte dos meus carregadores tinham feridas sōbre as tģbias, sōbre a cabźēa do proneo e tendćo d'Achilles, que nćo havia meio de curar. Debalde esgotei tōda a minha sciencia mčdica, emprestada do Chernoviz, e debalde o meu doutor Chacaiombe reunio os seus medicamentos selvagens, aos mais estupendos processos de feitiēaria, ellas a tudo resistķram. Eu attribui o caso a duas causas, e nćo sei se atribuia bem. Em primeiro logar, o constante exercicio de andar, pensei eu ser uma; em segundo logar, a alimentaēćo seria outra. Nćo julguem os meus leitores que lhes vou falar contra o innocente Massango. Nćo, sou muito leal inimigo para atacar na ausencia aquelle que tanto me perseguio. Deixo em paz o Massango, nćo é elle offensivo, e creio mesmo que é bōa dieta. A alimentaēćo a que me refiro, e į conta de quem deito em parte a inutilisaēćo dos meus esforēos e dos do doutor Chacaiombe, em curar os meus doentes, é outra. Os Bihenos, como jį tive occasićo de dizer, comem de tudo e de todas as carnes em estado de putrefacēćo. Ainda que repugne um facto que vou narrar, mostra elle bem a que grao sobe o gōsto do Biheno pela carne. A minha cadella Traviata tźve em caminho oito cachōrros mortos. Mandei-os enterrar pelo meu Augusto, em sitio occulto, para os subtrahir į voracidade dos meus Bihenos; mas dois d'elles, do acampamento seguinte, voltįram atraz, logrįram descobrir o sitio onde elles fōram enterrados, e levįram-n-os; fazendo com aquella carne um banquźte. As termites comem elles cruas įs mćos cheias, e apreciam muito os ratos. Na ordem dos roedores ha um que elles muito procuram, e é um rato pequeno de farta cauda sedosa, que vive nas tocas das abelhas, as quaes nćo aggride. [Figura 69.--O Rato mencionado.] O ponto do rio Cuchibi onde eu estava acampado é despovoado de gente, e diziam-me os guias, que só depois de quatro dias de marcha lograriamos alcanēar as povoaēões. No dia immediato, seguķmos viagem rio-abaixo pela margem direita. A meia jornada, n'esse dia, notei eu que me faltava muita gente. Mandei fazer alto, e voltei atraz a indagar do caso; quando deparo em um mato com muitos dos meus, que comprįram a uns Ambuelas, carne de Quichōbo, a trōco de cartuxos que me tinham furtado. Fugķram, ao ver-se descobertos; mas menos destros pude alcanēar o pombeiro Chaquiēonde e o meu doutor Chacaiombe. Este lanēou-se de joźlhos a pedir perdćo, mas o secślo Chaquiēonde tirou do machado para me agredir. Dei-lhe tćo forte pancada na cabźēa com a coronha da arma, que elle cahio por terra atordoado, e eu julgei-o mōrto; nćo me causando tanta impressćo ter mōrto um homem em defensa propria, como o ter sido isso por uma insubordinaēćo, a primeira que se dava comigo. Voltei į comitiva, que mandei acampar, e fiz transportar ao campo o século Chaquiēonde, que vinha banhado em sangue de larga ferida produzida pela pancada. Fiz-lhe um curativo, e reconheci que nćo era de circunstancia o ferimento, porque feridas na cabźēa, quando nćo matam logo, em breve cicatrizam. Reuni depois os pombeiros, por quem fiz julgar o delicto do culpado, sendo a maioria de voto, que elle devia ser condenado į morte. Outros entenderam, que lhe deveria mandar dar muita pancada. Mandei-o comparecer, fil-o reconhecer a sua culpa, e perdoei-lhe. A minha generosidade produzio geral assombro. No dia seguinte, sustentei marcha de seis horas, sempre na margem direita do rio. Continuava de apparecer bastante caēa muito esquiva. Matei um _songue_. Este elegante antģlope differe bastante d'aquelle a que os Bihenos dam o mesmo nome entre a Costa e o Bihé. Tem 1 metro e 50 centģmetros de altura na agulha, e 1 e 40 da agulha į raiz da cauda. O pźllo curto é amarello torrado, e de tinta igual. Medi alguns saltos de 5 metros, e vi-os saltar por sōbre um canavial de 2 metros de alto. No momento do _hallali_ defende-se e ataca raivōso. A sua carne é saborosa, mas, como a de tōdos os antģlopes, muito sźca. Vive em manadas, sempre na planicie, e tem vigias em quanto pasta. [Figura 70.--Songue.] [Figura 70A.--Rasto do Songue.] Só muito perseguido se embrenha nas matas, ou atravessa um rio a nado. Este antģlope desapparece completamente ąlém do curso superior do rio Ninda. Segui no dia immediato. Į medida que ia descendo o rio, vi que a planicie marginal mais e mais se alargava. N'ella pastam bandos de antģlopes, predominando os _songues_. N'esse dia jį se sentia grande falta de vģveres, e comźram-se as łltimas raēões de massango. Finalmente, a 29 de Julho, depois de trźs horas de marcha, fui acampar em frente das povoaēões de Caś-eu-hue, onde reside o sova do Cuchibi. Antes de falar dos povos Ambuelas, e d'um rico paiz atravessado pelo Cuchibi, quero dizer duas palavras do meu modo de viajar, ou antes da minha vida em Ąfrica. É certo que tōdos os meus predecessōres t[~e]m tido o seu systema, e aquelles que me seguirem terįm o seu, tōdos ņptimos. A minha vida, salvas raras excepēões, foi a seguinte. Levantava-me įs 5 horas, despia-me (porque dormia sempre vestido e armado), e tomava banho em ągua į temperatura de 33 centģgrados. Os Inglezes tomam banho em ągua fria, que é mui tņnica; eu por mim, lavo-me por aceio, e nćo uso da hydropathia; para isso tinha uma chaleira de ferro que me servia para aqučcer a ągua. Narrando o meu viver Africano, falarei de alguns objectos que a elle estavam estreitamente ligados. O primeiro, depois da chaleira, era a minha banheira de cautchuc, fabricada pela casa Macintosh de Londres. Era um traste preciōso, que, depois de tćo aturado serviēo, ainda se acha hōje em ņptimo estado. Coisa de borracha fabricada em Inglaterra é assim. Depois do banho, passava ao meu _toilet_. A bacia era cortada em uma cabaēa de 50 centģmetros de diąmetro. As toalhas eram de finissimo linho de Guimarćes. Escōvas, esponjas, sabonźtes e perfumarias (eu em Ąfrica usava muito de perfumarias), eram de primeira qualidade, fornecidas pelo Carlos Godefroy, que vende tudo muito caro, mas muito bom. Terminado o meu _toilet_, a que assistia o meu criado de quarto Catraio, guardava elle cuidadosamente tōdos os objectos de que eu me tinha servido, e vinha apresentar-me os chronņmetros, thermņmetros e barņmetro. Dava corda, e comparava os primeiros, registrava as indicaēões dos segundos. A esse tempo jį o meu muleque Pépéca tinta feito o chį, e vinha apresentar-m'-o. Figura aqui um objecto a que eu ligava a maior importancia. Era uma chąvena de porcelana, chąvena que me foi offerecida pela espōsa do tenente Rosa, em Quillengues. Fina como uma fōlha de papél, transparente e elegante, aquella chąvena fazia as minhas delicias, tornando mais saborosa a infusćo das fōlhas do arbusto Chinez. Depois de tomar trźs chąvenas de chį vźrde, sem assucar, porque o nćo tinha, fechava as malas, e dava ordem de partida; partida, que raras vezes se effeituava antes das 8 horas, por ser impossivel arrancar os carregadores de junto das fogueiras, onde os prendia um frio intenso. Partģamos pelas 8 horas. Na frente da comitiva o prźto Cahinga, de Silva Porto, levantava a bandeira, e logo após elle seguiam as caixas de cartuxos, a pao e corda. Iam após os outros carregadores indistinctamente a um de fundo, fechando a marcha eu, o Verissimo, e os pombeiros. O carregador que por qualquér motivo tinha de deixar o caminho, pousava a carga, e era isso signal para junto d'ella parar o pombeiro a quem elle pertencia, que depois o acompanhava. Durante o caminho observava os meus rumos, e calculava as minhas marchas, combinando o pedņmetro com o relogio. As marchas regulares eram entre 8 e 10 milhas geogrąphicas, sendo elevadas a muito mais quando as circunstancias o exigiam. A tempo acampava, e durante uma hora durava a faina de construir barracas. Era um cortar de madeira, de ramos e de erva que durava uma hora. Se nćo tinha observaēões a fazer, estendia-me horizontalmente na erva viēosa, e dormia até me virem prevenir que estava prompta a barraca. Geralmente a barraca estava prompta į uma hora; tinha pois de esperar algum tempo para fazer as minhas observaēões para o boletim meteorolņgico, que era feito a 0^{h.} 43^{m.} de Greenwich. Para saber a hora consultava um relogio que o Pereira de Mello me mandara de Benguella para o Bihé, relogio de latćo, puro cylindro de construcēćo helvčtica, oito rubins etc., que trabalhava desembaraēadamente. Į hora precisa, chamava o Catraio, que me trazia os instrumentos, e usando eu de um thermņmetro de funda, que pertencźra ao infeliz Barćo de Barth, quando eu fazia girar o thermņmetro, juntavam-se sempre a distancia tōdos os carregadores Bihenos, que contemplavam pasmados aquella operaēćo, que eu repetia tōdos os dias, e elles tōdos os dias vinham contemplar pasmados. Logo que registava as observaēões, vinha o meu muleque Moero com os pratos, e a raēćo, que eu nćo quero chamar jantar, aquelle punhado de massango cozido em ągua. Depois da refeiēćo, se a fadiga me impedia de ir caēar e percorrer os arredōres, empregava o tempo passando as notas do dia para o diario, calculando as observaēões, desenhando, etc. A tinta que eu empreguei em tōdos os meus trabalhos, foi a dos pequenos tinteiros mągicos, cada um dos quaes me durava de dois a trźs mezes. Este systema de fazer apontamentos durante as marchas e durante o dia, que depois passava ao diario, dava em resultado, o ter eu um duplicado dos meus trabalhos, e de haver sempre a possibilidade de se salvar um, se o outro se perdesse. Os apontamentos diarios eram feitos a lapis, em pequenos quadernos, que eu ia lacrando e sellando į medida que os prehenchia. Nelles, ąlém dos factos, estavam registradas tōdas as observaēões iniciaes, jį astronņmicas, jį meteorolņgicas. Estes cadernos, que ao deixar Durban enviei a Portugal por via de Inglaterra, chegįram a salvo a Lisboa, onde ainda estam por abrir, ao passo que a copia desenvolvida do que elles cont[~e]m, sempre me acompanhou, e estį servindo de norma ao que estou escrevendo agora. Foi-me preciso fazer esta viagem, para saber o quanto vale o tempo, e para quanto elle chźga sendo bem aproveitado. Vinha į noute, e entćo crepitava na minha barraca grande fogueira, que me proporcionava calor e luz. Se eu nćo tinha observaēões a fazer durante a noute, ou, muitas vezes, se a fadiga obrigava o repouso a preterir tudo o que houvesse a fazer, ia deitar-me sobre as pelles de leopardo que formavam a minha cama, tendo por travesseiro a pequena malinha em que guardava os meus papeis. Um hąbito que adquiri em viagem, de envolta com o frio da ante-manhć, faziam-me regularmente acordar įs trźs horas. Levantava-me entćo e reaccendia a fogueira amortecida. Vinha į porta da barraca, onde via um thermņmetro deixado fóra, e que a essa hora me dava uma mģnima muito approximada. Eu nćo tinha thermņmetros de mąxima e mģnima, e sam apenas approximadas estas duas indicaēões thermomčtricas que v[~e]m nos meus boletins; sendo a temperatura mąxima approximada a que se fazia sentir į 1^{h.} e meia, proximamente į hora do meu boletim a 0^{h.} 43^{m.} do tempo de Greenwich. Depois das 3 horas até įs 5, o meu tempo era passado junto ao fōgo, fumando ininterrompidamente 10 ou 12 cigarros, e pensando na minha patria e nos meus. ”Quantas vezes a essa hora, hora para mim de meditaēćo e tristeza, nćo cogitava eu no futuro do meu emprehendimento! Estava entćo no Cuchibi, 20 graos a leste de Greenwich, e 14 e meio ao sul do equador. Estava longe de tōdo o soccorro que carecźsse, æonde iria buscar recursos para seguir įvante? Do Bihé até ali ainda tive a pouca fazenda de algodćo de que dispunha; mas as łltimas peēas estavam diante de mim. Eram o meu łltimo dinheiro. Em tōdos os povos encontrei mais ou menos facilidade de permutar o alimento pela fazenda de algodćo, sendo a preferida o zuarte, o zuarte pintado e o algodćo branco ordinario. Raras vezes querem os riscados e a fazenda de lei. O buzio miüdo (caurim), que tem muito valor entre os Quimbandes, e muito pouco entre os Luchazes, recupera no Cuchibi a sua importancia, para emprego bem diverso d'aquelle que lhe dam os primeiros d'estes povos. Ali é para ornamentar as cabeēas, aqui é para fazer cinturões, em que ha grande luxo. A missanga Maria 2^a tem grande valor em toda a parte; mas no Cuchibi é preferida a tudo, excepto į pņlvora. Chegando ao Cuchibi, cheguei ao primeiro ponto em que n'esta viagem me pedķram manilhas de cobre e arame para ellas. Logo depois de ter estabelecido o meu campo, appareceu n'elle um homem que veio falar-me, dizendo ser Biheno e ter ficado ali doente, deixado por uma comitiva, havia trźs annos. Foi reconhecido por muitos dos meus carregadores, e engajou-se ao meu serviēo. Eu estava no caminho das comitivas do Bihé, e como tencionava demorar-me alguns dias, mandei um pequeno presente ao sova, e participar-lhe a minha resoluēćo. Sube pelo Biheno que me appareceu, que corria a noticia de ter havido uma revoluēćo no Barōze, tendo sido expulso o rčgulo Manįuino, e acclamado um outro de que nćo se conhecia por ora o caracter. Nćo me foi agradavel esta noticia, porque eu sabia que Manįuino era feroz e sanguinario com os seus, mas hospitaleiro para com estranhos. Estes Ambuelas, entre os quaes estava, sam a pura raēa Ambuela, porque as do Cubangui estam muito misturadas com a raēa Luchaze. Sam os habitantes do Cuchibi inimigos dos Ambuelas de Oeste, e muitas vezes v[~e]m įs mćos. A raēa Ambuela occupa tōdo o paiz banhado pelo Cuando superior, e estį agglomerada, sōbre tudo na parte em que este rio recebe os seus confluentes, Queimbo, Cubangui, Cuchibi, e Chicului. As povoaēões no rio Cubangui sam construidas, jį nas ilhas do rio, jį no mesmo rio sobre estacaria. Sendo estes povos os łnicos que possuem canōas, dormem de noute descanēados nas suas habitaēões aquąticas, sem receio de serem atacados. O sova mandou-me logo provisões e bastante milho. ”Com que prazer eu comi um prato de milho cozido! ”Estava por algum tempo livre do fatal massango! Mandou elle dizer, que viria visitar-me no dia immediato. N'esse dia, logo de manhć, sahi a dar um passeio. O emmaranhado da brenha espinhosa tornava difficil o caminhar na floresta. Ainda assim, afastei-me uns trźs kilņmetros do acampamento, e fui deparar com uma enorme armadilha de apanhar caēa. Era ella formada por uma sebe que devia ter alguns kilņmetros de extensćo, fechando um espaēo prņximamente circular. Este cercado enorme tinha de 20 em 20 metros, prņximamente, umas aberturas, em cada uma das quaes estava armado um Urivi, armadilha em que a caēa, lebres e antģlopes pequenos, sam esmagados por um pesado cźpo. Reunida muita gente fazem uma grande batida no mato, e entćo a caēa foge espavorida, e nćo podendo saltar o cercado, investe com as aberturas, onde vģctima é dos Urivis ali collocados. De volta ao meu campo, encontrei no mato um acampamento de Mucassequeres, abandonado de ha pouco. [Figura 71.--Muene-Caś-eu-hue, Chefe dos Ambuelas.] Recebi a visita do sova, homem de idade avanēada, de typo sympąthico, com um perfil judaico. Vinha bem vestido, trazendo sōbre uma farda um casaco de linho branco, e ao pescōēo um grande e vistoso lenēo. Cubria-lhe a cabźēa um barrźte de listas prźtas e encarnadas. Na mćo trazia uma concertina de que tirava sons desordenados. Deu-me nōvo presente, de milho, mandioca, feijćo e gallinhas, que eu retribui dando-lhe algumas cargas de pņlvora, o mais estimado presente que se pode fazer no Cuchibi. Retirou-se o velho muito satisfeito, promettendo avistar-nos mais vezes. Disse-me elle n'esta primeira visita, que os reis do Barōze, mandam ali receber tributos, e que elle, para evitar guerra, lh'os manda pagar, estando assim estabelecida uma especie de vassalagem; que, havia pouco, soubera da revoluēćo do Zambeze, mas nćo conhecia o nōvo potentado, e nenhumas informaēões me podia dar d'elle. N'essa tarde, os meus prźtos prendźram no mato dous Mucassequeres que trouxéram į minha presenēa. Os dous pobres selvagens tremiam de mźdo e julgavam-se perdidos. Falavam um pouco a lģngua Ambuela, e por meio de um intčrprete pudémos entender-nos. Elles julgavam que uma sentenēa de morte os ia fulminar, ou ao menos que a escravidćo iria sujeitar o resto de seus dias. Mandei que os desamarrassem, e lhes entregassem as suas armas. Disse-lhes que estavam livres, e que voltariam para a sua tribu, e dei-lhes alguns fios de missanga para as suas mulheres. Elles caminhavam de sorpresa em sorpresa, e nćo podiam crer na verdade das minhas palavras. Dei-lhes de comer, e pedi-lhes que me levassem a ver o seu bivac. Depois de discutirem acaloradamente um com o outro, n'uma lģngua desconhecida a tōdos os que ouviam, e completamente differente na intonaēćo a tudo o que em lģnguas Africanas eu tinha ouvido até ali, decidķram que me levariam į sua tribu se eu quisesse ir só. Aceitei, e parti com os dois horrorosos selvagens. Apesar do meu muito hąbito da floresta, era-me difficil acompanhar os ageis guias, que mais de uma vez tivéram de esperar por mim. Ao cabo de uma hora de caminho, deparįmos, no meio de uma pequena clareira, com o acampamento da tribu. Haviam ali mais trźs homens, sete mulheres e cinco crianēas. Alguns ramos d'ąrvore derreados, com outros encostados na frente, sam os seus łnicos abrigos. Nćo t[~e]m o menor apresto de cozinha. Sustentam-se de raizes, e de carne que assam em espźtos de pao. Nćo conhecem o sal. Homens e mulheres mal cobriam a sua nudez com pequenas pelles de macacos. Arcos e frechas sam as łnicas armas de que se servem. Eu estava muito embaraēado, porque nćo os entendia nem podia fazer-me entender d'elles. Dirigi-me įs mulheres, a quem dei alguns fios de missangas que tinha levado para isso. Ellas recebźram-n-os sem darem mostra de nenhum sentimento de agrado. A miseria d'aquelles desgraēados compungia-me. O seu rōsto é feissimo, olhos pequenos e um pouco inclinados nas ņrbitas, ossos molares muito distanciados e salientes, nariz achatado, com as fossas nasaes desmesuradas. T[~e]m o cabello encarapinhado e pouco, crescendo em montões separados, mais basto no alto da cabźēa. Alguns bocados de pelle de animaes atados nos pulsos e nos artelhos sam o seu ornamento, ou talvez amuleto milagroso. Procurei fazer comprehender aos meus guias que ia voltar, e elles precedźram-me no caminho, deixando-me, jį noute, na orla do bosque d'onde eu ouvia o vozear do meu campo e alegres cantares. Durante a minha permanencia no Cuchibi, pude recolher algumas informaēões, ainda que escaēas, a respeito de tćo estranhas gentes. Os Mucassequeres partilham com os Ambuelas os territorios de entre Cubango e Cuando, sendo que estes vivem sōbre os rios e aquelles nas florestas, estes sam bąrbaros, aquelles selvagens. Nćo convivem, mas nćo se hostilizam. Se a fome os obriga, os Mucassequeres v[~e]m aos Ambuelas permutar marfim e cźra por alimentos. As tribus Mucassequeres sam independentes, e nćo obedecem a chefe commum. Guerreiam-se mesmo e os escravos que fazem uns aos outros v[~e]m elles vender aos Ambuelas, que os permutam depois įs comitivas do Bihé. Os Mucassequeres sam os verdadeiros selvagens da Ąfrica tropical do sul, os outros povos podem ser chamados bąrbaros. O Mucassequer nunca tźve casa ou simulacro d'ella. Nasceu sob a ąrvore da floresta, viveu e morreu sob a ąrvore da floresta. Despreza a chuva e o sol, e soporta as intemperies como qualquér fera dos matagaes. Ainda o lećo e o tigre t[~e]m um antro onde se escondem; o Mucassequer precisa que pźlo cōrpo despido lhe sopre a briza do mato. Nćo conhece a enxada, porque nunca cultivou a terra. Raizes, mel e caēa sam o seu alimento, e cada tribu vagueia sem cessar em busca de raizes, mel e caēa. Nunca dormem hōje onde ficįram hontem. A frecha é a sua arma, e tćo destros sam no seu manejo, que caēa apontada é caēa morta. O proprio elefante cahi traspassado pelas suas setas lanēadas por musculosos braēos. As duas raēas que habitam este paiz, sam tćo differentes no cōrpo como nos hąbitos. O Ambuela é prźto e tem o typo da raēa caucąsica; o Mucassequer é branco e tem o typo da raēa hotentņtica em tōda a sua hediondez. O nosso marinheiro crestado pelo sol e pelo vento dos temporaes é mais escuro do que o Mucassequer. Ha contudo n'aquella cōr branca alguma cousa de amarello terroso, que os torna hediondos. Tive o maior pesar de nćo poder recolher dados mais precisos sōbre esta curiosa raēa, que me parece dever merecer attenēćo especial dos anthropologistas e dos ethnņgraphos. É minha opinićo, que este ramo da raēa Ethģope, pode ser collocado no grupo da divisćo Hotentņtia. Tem na forma muito dos seus caracteres, e nós vemos n'essa raēa uma variaēćo sensivel na cōr da pelle. O _bushman_ do sul do Calaįri é de cōr mui clara, e alguns tenho visto quasi brancos. Sam de estatura pequena, e de cōrpo franzino, mas t[~e]m tōdos os caracteres do typo Hotentņtio. No norte do mesmo deserto, sōbre tudo junto aos lagos salgados, formiga outra raēa nņmada, os Massaruas, fortes e de estatura elevada, de cōr nźgra carregada, possuindo o mesmo typo Hotentote, e indubitavelmente pertencendo ao mesmo grupo. Disséram-me no Cuchibi, que ainda entre o Cubango e Cuando, mas muito ao sul, existia outra raēa em tudo semelhante aos Mucassequeres, em typo e hąbitos, mas muito prźtos. Assim, pois, em vista da affinidade dos caracteres, nćo me repugna admittir, que o grupo Hotentņtico da raēa Ethģope, se estenda ao N. do Cabo até entre Cubango e Cuando, passando por diversas modificaēões de cōr e de estatura, devidas quiēį aos meios em que vivem, į altitude, į grande differenēa de latitudes, ou ainda a outras causas menos apreciaveis. Por muito tempo as subdivisões da raēa Ethģope na Ąfrica tropical, serįm mal conhecidas na Europa, por nćo ser facil colligir os dados para o seu estudo. æQual é o indģgena d'essas tribus bąrbaras que deixa moldar o seu cōrpo? æCaso deixasse, como pode o anthropologista levar a materia para fazer os moldes, e reconduzir depois esses moldes até į costa? æComo colleccionar esquelźtos, crąneos mesmo sómente, em paizes onde a profanaēćo de uma sepultura pode ser caso da perda de uma expediēćo? æComo occultar da sua propria comitiva, dos seus proprios carregadores, esses despojos humanos, que seriam olhados como uma fonte de maleficios? A photographia, de tōdos o meio mais incompleto de fazer esses estudos, apresenta, ainda assim, difficuldades insuperaveis. Em primeiro logar, é difficil empregal-a em viagem de exploraēćo, onde nem sempre dį os resultados que d'ella se esperam; sendo quasi impossivel o transporte de um laboratorio, em frascos de vidro į cabźēa de um carregador, que tropeēa e cahi dez vezes por dia. Eu sei-o de experiencia propria, e que o digam Capello e Ivens. Suppondo porem que se podiam mais ou menos facilmente empregar os meios photogrąphicos, æqual era o indģgena do interior que deixava apontar uma mąchina, e estava um momento firme diante da objectiva da cąmara escura? No correr da minha narrativa terei occasićo de narrar uma anecdota acontecida comigo e com o photņgrapho Suisso M. Gross, em que eu consegui obter um grupo de Betjuanas, jį meio-civilizadas, com uma paciencia e uma despesa incalculaveis. Com os Mucassequeres, aconteceu-me, de nem mesmo lhes poder apanhar o typo com o lapis e papél! Voltemos į minha narrativa. Ao deixarem-me na orla da floresta, jį noute, os meus Mucassequeres disséram-me umas palavras, que provavelmente queriam dizer bōa noute, e fōram-se. A claridade espalhada na atmosphera pelas fogueiras do meu campo, e o som de alegres cantares guiavam meus passos, e pouco depois entrava eu no recinto do acampamento, onde, ao som da młsica bąrbara dos Ambuelas, havia um danēar phrenčtico. [Figura 72.--Mulhér Ambuela.] Muitas raparigas Ambuelas danēavam com os meus carregadores, fazendo soar as manilhas dos braēos em compassado tinir. Impressionou-me o typo d'aquellas raparigas, que era perfeitamente Europeo, e algumas vi que, com a mudanēa de cōr, fariam inveja a muitas formosas Europeas, a quem igualariam em belleza, e excederiam em formas e elegancias naturaes. Ali sube um caso nōvo para mim. Estes Ambuelas, quando chźga ao paiz uma comitiva, v[~e]m tocar e danēar ao seu campo, e į medida que a noute se adianta, vam pouco a pouco retirando, e deixando ali mulheres, irmćs e filhas. É costume de hospitalidade d'esta gente, offerecerem companheiras aos foragidos que apparecem. No dia seguinte, muito cźdo, ellas retiram para as suas povoaēões, e pouco depois voltam, a trazer presentes ao amante de uma noite. [Figura 73.--Opudo.] Comigo deu-se uma estranha aventura. Moene-Caś-eu-hue, o velho sova, mandou-me as suas duas filhas, Opudo e Capźu. Opudo teria uns vinte annos, Capźu dezaseis. A mais velha era feia, e tinha um modo altivo; a mais nova, sympąthica, tinha um rōsto cąndido e ingčnuo. Desde que me internei em Ąfrica, decidi ter uma vida austera, o que me deu sempre grande influencia sōbre os meus prźtos, que, nćo me vendo beber senćo ągua, e nćo me conhecendo uma só aventura galante, me julgįram sempre um ente superior e privilegiado. Apesar da minha fōrēa de vontade, tive de sustentar uma luta atroz comigo mesmo para resistir į tentaēćo da filha mais nova do sova Caś-eu-hue. Capźu só fala o Ganguela, que eu nćo entendia, mas Opudo falava o Hambundo. [Figura 74.--Capźu.] "æPorque nos desprezas?" me perguntou ella com modo altivo. "æPor ventura na tua terra tens mulheres mais bonitas do que minha irmć?" "Nós dormirźmos aqui; porque eu nćo quero que se diga, que as filhas do chefe dos Ambuelas fōram expulsas por um branco." ”Imagine-se a ridģcula situaēćo em que eu estava collocado! Era tal a atribulaēćo do meu espģrito, que nćo sabia que responder. É verdade que a łnica resposta a dar, era aquella que eu nćo queria dar. Na minha barraca estavam sentadas duas mulheres, sōbre pelles de leopardo; entre mim e ellas a vasta fogueira deitava uma luz pąlida, que era inda amortecida pelo verde escuro da folhagem que forrava o interior da cabana. Os lampejos da fogueira alumiavam a cabźēa cąndida, e collo nś de uma mulhér de dezaseis annos, que me fitava com um olhar ląnguido, tłmido de desejos, inebriante de lascivas promessas. Eu via o arfar d'aquelle peito nu, de belleza esculptural, e nćo podia desviar os meus olhos d'elle. Lį fóra, ao ruidoso som dos batuques, havia um cantar mais brando, e o danēar mais compassado indicava a lassidćo dos membros. Os meus bravos carregadores escolhiam as companheiras da noute. Eu estava só com as duas raparigas, mais só do que se estivesse muito longe de gente. "Nós ficarźmos aqui, me disse a orgulhosa Ambuela; nćo quero expor minha irmć aos chascos das mulheres velhas das povoaēões, e só te digo, branco, que se tu és secślo do Muene-Puto, eu sou filha do sova." O ridģculo da minha posiēćo augmentava; eu sustentava uma luta comigo mesmo para nćo ceder aos atractivos da joven selvagem, e nćo tinha uma palavra a dizer, porque nćo sabia o que fazer. Aquella situaēćo picaresca nćo podia continuar, e eu nćo sabia como terminal-a. Preferia mil vezes estar em luta com o guerreiro pai, que em tal colloquio com a amante filha. De repente levantou-se a pelle que fechava a porta da barraca, e alguem entrou. Era a pequena Mariana, que tinha escutado tudo o que se disse na tenda. Entrou e foi acocorar-se junto į fogueira que atiēou. Depois comprimentou as Ambuelas batendo repetidas vesses as palmas, como é uso no paiz, e repetindo a palavra _Cō-qśé-tś_--_cō-qśé-tś_, e disse-lhes: "O branco nćo as depreza; se as nćo deixa dormir aqui, é porque aqui só eu durmo, o branco é meu. Junto d'esta estį a minha barraca, podem ir dormir ali." As filhas do sova Caś-eu-hue levantįram-se e sahķram com a pequena, a quem eu daria tudo para pagar tal serviēo; mas, momentos depois, voltava Opudo, e dizia-me baixo, "Hōje durmimos fóra, mas tu has de ser amante de minha irmć." Confesso que me metteu mźdo aquella mulhér, a mim que nunca temi as feras! Deitei-me pensando na estranha aventura, e vindo-me vivamente į lembranēa a bģblica historia da capa de José no Egypto. No dia immediato, as filhas do rčgulo viéram como as outras trazer-me presentes; eu dei-lhes alguma missanga, e ellas retirįram, sem fazer a menor allusćo į scena da noute. Pouco depois, um portador do sova veio prevenir-me, de que elle me esperava essa tarde, e me mandaria um barco para eu ir į sua povoaēćo. No acampamento apparecźram algumas cobras que os prźtos diziam serem venenosas, e muitos escorpiões nźgros de 10 a 12 centģmetros de comprido. Alguns dos meus prźtos fōram picados por estes repugnantes arąchnides, cujo veneno nćo produzio outro accidente ąlém de violenta dōr e tumefacēćo dos tecidos prņximos. Os Ambuelas sam os primeiros povos que se encontram no meu caminho, que nćo vam occultar nas florestas as suas plantaēões. É na grande planicie por onde corre o rio que a cultura é feita; por isso a abundancia de producēćo que tem afamado estes povos como cultivadores. As cheias alagam a campina; e o nateiro que ali deixam as ąguas é ubérrimo adubo que lhe avigora a cultura. Se nćo regam o terreno, como nćo vi fazer a pōvo algum Africano, fazem irrigaēões, e observei em volta das plantaēões fundos sulcos, por onde se produz a secagem dos terrenos que cercam. Estive trabalhando, e só tarde me lembrei de ir procurar a canōa que o sova me prevenio estaria į minha disposiēćo junto ao rio, para ir į sua povoaēćo. Ao chegar ao ponto designado, ”qual nćo foi a minha sorpresa ao ver a ligeira barca tripulada por Opudo e Capźu, as duas filhas do rčgulo! Eu, que me julgo pouco medroso, confesso que sempre tive muito mźdo de mulheres. Todavia nćo quiz deixar perceber receios, e saltei para a estreita piroga, que equilibrei, dizendo-lhes: "Vamos." Ellas com immensa destreza, com extrema elegancia, manobrįram a canōa, correndo por um canalźte que conduz ao rio. O sol estava no occaso. O ligeiro barco deslisava por entre uma vegetaēćo aquątica riquissima, que vinha expor as suas bellezas į superficie d'ągua do canal. As victoria-regias e muitas espčcies de Nenuphar, prendiam įs vezes o andar da canōa. [Figura 75.--Barco e Remo do Cuchibi.] Eu só pensava n'aquellas mulheres. Via jį a canōa voltada, e eu presa de um crocodilo. De repente, por uma habil manobra dos remos, a canōa estacou, e Opudo disse-me: "Jį é muito tarde para irmos a casa de meu pai, eu esperei-te muito tempo, volvamos para a terra, e įmanhć voltarįs." Pouco depois atracąvamos, e ellas acompanhįram-me ao campo. Veio a noute, e lį fora no acampamento, as danēas e os cantares, e na minha barraca as filhas do rčgulo conversando de cousas indifferentes. Levantįram-se quando cessou o ruido das festas, e fōram deitar-se į porta da barraca junto de uma fogueira que accendźram. Quiz que ellas fōssem para a barraca da pequena Mariana, mas Opudo respondeu-me, que "era bicho do mato e estava acostumada a tudo." [Figura 76--Tambor das Festas Ambuelas.] N'esse dia o meu Augusto, que foi ao mato caēar, encontrou um bando de macacos pequenos, os primeiros que aparecźram no meu caminho desde a costa de Oeste. No dia immediato, fui logo de manhć visitar o sova, mas, querendo evitar aventuras, armei o meu barco de cautchuc e fui n'elle. O canal que segui vai desembocar n'um braēo do rio que tem 20 metros de largo por 6 de fundo, com corrente rąpida de 50 metros por minuto. O rio divide-se, formando ilhotas baixas e encharcadas, onde cresce um canavial espźsso. É n'estas ilhotas, ainda cortadas por pequenos canaes, formando um verdadeiro labyrintho, que assentam as povoaēões Ambuelas n'um solo pantanoso, ao nivel do rio. As casas sam meio-encobertas pelo canavial basto. As parźdes sam construidas de caniēos, assentes sōbre estacaria, e as coberturas sam de cōlmo. [Figura 77.--Caś-eu-hue (Cidade do Cuchibi).] Casas, como tudo o que fazem estes Ambuelas, sam pčssimamente construidas, e pouco abrigam. Fora das portas, pendem de grandes estacas enormes cabaēas, onde elles guardam a cźra, e outros objectos. As proprias casas estam atulhadas de cabaēas. Entre os Ambuelas, a cabaēa é mala, é cofre, é o seu principal traste de mobilia. Os depņsitos de mantimentos, só differem das casas de habitaēćo em estarem dois metros elevados do solo, sōbre estacas, e por isso livres das inundaēões do rio. N'uma das ilhotas mora o sova Moene-Caś-eu-hue. Ha ali a sua casa de habitaēćo, quatro mais, de quatro mulheres, e alguns depņsitos de mantimentos. Junto da casa do rčgulo estam misturados em trophéo rłstico, cąveiras, cornos e outros despojos de caēa. Moene-Caś-eu-hue recebeu-me tendo a seu lado dois dos seus favoritos. Logo que me sentei, o meu intčrprete e um dos favoritos comeēįram um estridente bater de palmas, e apanhando uma pouca de terra, esfregįram com ella o peito, e repetķram muitas vezes apressadamente as palavras _Bamba_ e _Calunga_, terminando por nōvo bater de palmas muito rąpido mas pouco forte. Estavam os comprimentos feitos. O rčgulo quiz ver o meu barco, e fez n'elle uma pequena excursćo pelo rio. O seu espanto, ao ver o poder de fluctuaēćo do barco portatil, nćo tinha limites, e muitas vezes me repetio, que nćo vendesse d'aquelles barcos aos Ambuelas do Cubangui, senćo estavam perdidos. Tranquillizei-o dizendo-lhe, que os brancos nćo queriam guerra entre elles, e por isso teriam tōdo o cuidado em nćo lhes dar os meios de a fazerem. De volta į ilha, mandou elle vir uma cabaēa de _Bingundo_, e um copo de folha de flandres, lata troncocņnica de marmelada de Lisboa, deixada ali por algum sertanejo Biheno, em viagem de commercio. Cheio o copo, entornou o sova algumas gōtas do lģquido fermentado no solo, e cobrio de terra hłmida o sitio, bebendo em seguida tōdo o seu conteüdo. Tendo-lhe dito o intčrprete, que eu só bebia ągua, elle passou a cabaēa aos seus favoritos, que a esgotįram em um momento. Ao meio dia estava de volta ao meu acampamento. Estive n'esse dia com um indģgena, irmćo do sova, que me disse, ter descido d'ali ao Zambeze embarcado pelo Cuchibi e Cuando. [Figura 78.--O Irmćo do Sova.] Este prźto é intelligente, e fala bem o Portuguez, por ter sido soldado em Loanda, para onde fōra vendido no tempo da escravatura. É um grande caēador, e muitas vezes percorreu, nas suas excursões cynegčticas, as margens do Guando até Linianti. Disse-me, ser o Guando completamente navegavel, sem rąpidos, mas por vezes alargar tanto que adquire pouco fundo, e ser tćo poderosa a vegetaēćo aquątica, que prende os barcos, tornando em alguns pontos difficil a navegaēćo. Affirmou-me, e depois tive occasićo de verificar nas localidades, que o rio Cuando se chama sempre Cuando até Linianti, e d'ali ao Zambe ainda Cuando ou rio de Linianti, e nunca Chobe, ou Tchobe, como vem designado nas cartas. A raēa Ambuela continśa no Cuando o mesmo systema de vida que tem no Cuchibi, e as ilhas sam ainda o local onde edificam as suas povoaēões. Nas margens do Cuchibi reapparece o luxo dos penteados, que tinha desapparecido com a raēa Quimbande. O błzio miüdo, _caurim_, é de nōvo muito apreciado ali, nćo para enfeitar as cabźēas, mas para fazer largos cintos adornados com elle. No fim do canal onde embarquei para ir a casa do sova, notei dois molhos de grossos paos espetados verticalmente e distanciados de alguns metros. D'estes paos pendiam bocados de esteiras jį meio-apodrecidas do tempo. Indagando o que era aquillo, sube que junto įquelles paos se praticava a circuncisćo įs crianēas mąsculas de 6 a 7 annos, e depois as mandavam para o mato completamente despidas, até completa cura, sendo-lhes ministrada a alimentaēćo pelos operados do anno antecedente. Elles no mato teciam esteiras para cobrirem a sua nudez, e ao re-entrarem nas povoaēões, deixavam-n-as penduradas nos paos em que haviam sido operados. Mostrįram-me ali tambem outra engenhoca muito curiosa. Sōbre duas forquilhas tōscas elevadas meio metro da terra, descanēa um pao cylģndrico de um metro de comprido com 30 milimetros de diąmetro, envolvido em palha fortemente amarrada, que lhe dį um aspecto fusiforme. Este apparźlho é feito por um cirurgićo de fama, que lhe incute um poder extraordinario. Logo que um marido suspeita sua mulhér de esterilidade, manda chamar o cirurgićo, que a conduz junto ao _curativo_. No meio de palavras cabalģsticas, é-lhe esfregado o peito e as costas com o precioso pao envōlto em palha, e afianēou-me o sova, que o resultado apenas se fazia esperar nove luas. Apesar da muita fé que os Ambuelas t[~e]m n'este systema de terminar a esterilidade, eu nćo me atrźvo a aconselhal-o na Europa. As minhas relaēões com os indģgenas eram as mais cordiaes e affaveis. As filhas do rčgulo continuavam a trazer-me presentes, e só ellas proviam į minha alimentaēćo e į dos meus muleques de serviēo. Cousa que eu desejava era logo procurada e a minha vontade satisfeita, querendo ellas fazer acreditar įs outras, que entre nós existiam relaēões mais ģntimas do que as de uma leal amizade. Eu sabia que era uma vergonha para ellas o serem repudiadas pelo forasteiro a quem se dam, e deixava-as apparentar a meu respeito o que realmente nćo eram. Vivģamos assim nos termos da melhor amizade, sendo verdadeiramente importante a coadjuvaēćo que ellas me prestavam, para obter os carregadores e mantimentos de que eu precisava, para atravessar uma larga zona despovoada e falta de recursos. Pude obter larga provisćo de milho e algum feijćo, sendo a maior parte presente das filhas do rčgulo. Os meus haveres tocavam o seu fim, e salvo uma grande porēćo de pņlvora encartuxada, alguma missanga e pouco cobre para manilhas, jį nada mais possuia. Dois dos meus carregadores levavam o presente que eu destinava ao rčgulo do Barōze, no qual figurava um realejo, em cuja tampa dois bonecos automąticos, que danēavam ao som do moļnho de młsica, faziam divertir enormemente o gentio. O meu Augusto aproveitava a curiosidade dos indģgenas, explorando-a em meu favor, e fazendo ver o realejo em acēćo, a trōco de ovos de gallinha, que elle tinha o cuidado prčvio de deitar em ągua para ver se estavam em bom estado, porque mais de uma vez no principio, foi enganado pelo gentio manhozo, que ąvido de satisfazer a curiosidade, nćo hesitava em ir aos ninheiros tirar įs gallinhas os ovos incubados. Moene-Caś-eu-hue, de certo a instancias das filhas, resolvia todas as difficuldades que se apresentavam, e preparava-me rąpidamente a partida. Ellas tinham resolvido acompanhar-me até onde fōssem os Ambuelas, devendo ser Opudo quem dirigisse a horda dos seus słbditos. Antes de seguir os acontecimentos da minha viagem, direi mais algumas palavras do paiz e dos Ambuelas, que tćo hospitaleiros fōram para mim. A lģngua Ambuela nćo é mais do que a lģngua Ganguela, a mesma que se comeēa a falar a leste do rio Cuqueima. Como o Hambundo, de que é um dialecto, é pobrķssima, muito irregular nos verbos e falta de tōdos os vocąbulos que exprimem um sentimento nobre e generoso. æSerįm tćo infelizes estes povos que nćo sintam a necessidade de exprimir esses sentimentos pela palavra, por serem elles estranhos į sua existencia? Impossivel me foi averigual-o, mas nćo me repugna crel-o. N'este ponto, onde fui recebido como amigo, e por isso livre de qualquer influencia que predisposesse o meu espģrito contra o gentio Africano, nćo pude ler ainda nos arcanos da alma do nźgro, mais do que sņrdida cupidez, a material lascģvia, a cobardia em presenēa do forte, a ousadia contra o fraco. Os povos Ambuelas sam, de tōdos os que encontrei no meu caminho, os que em maior escala cultivam a terra, que lhes paga o trabalho que elles lhe dispensam com prodigalidade admiravel. O feijćo, a abņbora, a batata dōce, a ginguba, o rģcino e o algodćo, sam cultivados entre as enormes searas de milho de ņptima qualidade. Tambem cultivam estes povos a mandioca, mas pouca pude obter, por terem sido n'aquelle anno destruidas as plantaēões d'ella por uma cheia do rio extemporąnea. As gallinhas sam o łnico dos animaes domčsticos que possuem os Ambuelas. O seu viver, sempre em receio dos ataques dos vizinhos, faz com que estes povos nćo sejam pastōres, deixando ao abandono as extensas planicies cobertas de viēoso pasto, onde poderiam apascentar enormes rebanhos. O gado bovino deixa de apparecer onde desapparecem os Quimbandes. O caprino apparece, ainda que raro, entre os Luchazes, entre os quaes apparece mais raro ainda o pōrco domčstico, que abunda no Bihé e entre o Bihé e a Costa Oeste. Em paizes cobertos de ubčrrimas pastagens, livres da terrivel mōsca zź-zź, em todas as condiēões desejaveis para largas criaēões de gados, æporque faltarįm elles? Nćo é talvez difficil encontrar a explicaēćo. O gado é a riqueza maior dos povos Africanos, e excita sempre a cupidez dos vizinhos, sendo como eu jį tive occasićo de dizer, a causa permanente das guerras entre os povos que demoram da Costa Oeste ao Bihé. O receio de ser rico, e por isso de ser atacado e roubado, nćo é estranho talvez į falta de gados que se encontra do Cuanza ao Zambeze. Entre estas bąrbaras gentes os paradoxos sam vulgares, e ha ali principios estabelecidos e arraigados que difficilmente podem ser comprehendidos na Europa. O cćo, esse fiel e dedicado amigo do homem, nćo desmente junto do prźto o seu mistér de companheiro desvelado, e vigia ladino, encontrando-se entre tōdos os povos das raēas Ganguelas. É verdade que uma variedade de gozos e alguns podengos degenerados, sam apenas os espčcimens que se encontram da raēa canina n'esta parte de Ąfrica. Entre os Quimbandes e os Bihenos sam os cćes desveladamente tratados, porque sam destinados a serem comidos, e sam apreciado manjar. Os Ambuelas, como disse, com elementos para serem dos primeiros povos pastores de Ąfrica Austral, nenhum gado possuem, e apenas fazem criaēćo de uma variedade de gallinhas muito pequenas. Entre os habitantes do rio Cuchibi nćo ha logares destinados para cemiterios. Os sovas sam enterrados no mato em logar separado, mas o pōvo é indistinctamente sepultado no lōdo do rio. Os Ambuelas t[~e]m costumes brandos, e é mais franca a sua hospitalidade. Sam bastante caēadores, e apanham muita cźra nos matos. [Figura 79.--Caēador Ambuela.] A mulhér tem mais alguma consideraēćo entre elles do que entre os outros povos que até ali visitei, onde é apenas escrava ignobil. Estes indģgenas sam muito pescadores, o que nćo admira vivendo no meio de um rio cuja fauna aquątica é variadissima. Effectivamente, de tōdos os rios que até ali encontrei, nenhum vi tćo piscoso. Pude obter dos indģgenas, durante a minha estada ali, 18 variedades de peixes, assegurando-me elles haverem outras ainda. [Figura 80.--Chinguźne. 1/4 do natural. Pelle molle e desprovida de escamas. Dorso castanho com manchas mais escuras; forma triangular, sendo o ventre um lado e o dorso o včrtice; 3 barbatanas ventraes, 2 subdorsaes e duas dorsaes. Dois fios musculares sobre a boca e dois na maxilla inferior. É especie de um gčnero muito vulgar em Ąfrica e que conta muitas especies.] Įquelles que pude ver dam elles os nomes seguintes:-- Peixes pequenos, menores de 20 centģmetros. 1. Mussouzi peixe de pelle. 2. Mango idem. 3. Chinguene idem. 4. Chibembe idem. 5. Limbumbo idem. 6. Dipa peixe de escamas. 7. Chitungulo idem. 8. Lincumba idem. 9. Nhele idem. 10. Lingumoeno idem. [Figura 81.--Lincumba. Tamanho natural. Escama dura e larga; dorso cinzento azulado; ventre branco prateado; 5 barbatanas ventraes, 1 lombar. Barbatanas moles.] Peixes grandes, entre 20 e 50 centģmetros. 11. Chó peixe de pelle. 12. Mucunga peixe de escamas. 13. Undo idem. 14. Chinganja idem. 15. Nassi idem. 16. Bula idem. 17. Ganzi idem. 18. Boei-ie idem. [Figura 82.--Chipulo ou Nhele. Tamanho natural. Escama dura e miuda; dorso cinzento avermelhado; ventre branco avermelhado; 3 barbatanas veutraes, duas sobreventraes, e 1 lombar percorrendo tōdo e dorso, armada de espinhos.] Seis diferentes grandes Mamiferos habitam o rio Cuchibi. 1. O Hippopņtamo. 2. O Quichōbo ou Buzi (antģlope). 3. O Nhundo (Lontra commum). 4. Libao (Grande Lontra malhada de branco). 5. Chitoto (pequena Lontra completamente prźta). 6. Dima (herbģvoro do tamanho de uma cabra pequena, desarmado de cornos, vivendo nas mesmas condiēões do Quichōbo ou Buzi). Ainda os reptis que habitam as ąguas do rio sam numerosos, sendo que os crocodilos sam pequenos e pouco vorazes, e as cobras umas sam, outras nćo venenosas. Tem uma grande variedade de batrąchios, que os Ambuelas nćo distinguem, dando a tōdos indistinctamente o nome de Manjunda. Nos canaes e sitios onde a ągua é estagnada, vivem milhares de sanguesugas, como em tōdos os rios d'esta parte de Ąfrica. Tinha feito larga provisćo de milho, e para elle muitos carregadores, sob o commando das filhas do sova; decidi-me pois a partir, e depois das mais cordiaes despedidas, segui, a 4 de Agosto, continuando a descer o rio na margem direita. Duas horas depois de ter deixado Caś-eu-hue foi-me indicado pelos guias um vao onde seria possivel a passagem. Passįram elles para me mostrarem o caminho, e eu vi, que a um homem de estatura regular, dava a ągua pelo pescōēo durante uns 20 metros. O rio tem ali de 70 a 80 metros de largo. Despi-me e fui estudar o vao. Vi que era estreito, e logo a montante e a jusante profundava de 3 a 4 metros, mas o fundo era de areia muito resistente. A corrente do rio era sōbre o vao de 60 metros por minuto. N'estas condiēões a passagem é sempre difficil a uma comitiva carregada. Dei ordem de comeēar a passagem, que levou duas horas, conservando-me eu sempre dentro de ągua, com o Verissimo e Augusto, os łnicos que sabģamos nadar, promptos a acudir a algum que perdźsse o pé. Nćo houve porem o menor incidente, e nem uma carga se molhou, tal cuidado tivémos tōdos. Passado o rio, como estivčssemos bastante fatigados, apenas ganhįmos a povoaēćo de Lionzi, onde acampįmos. Houve grande affluencia de gentio no meu campo, e chovźram presentes e offertas de venda de mantimentos. Nunca vi em Ąfrica tantas gallinhas como n'esse dia trouxéram os Ambuelas a meu campo. Nćo houve carregador ou muleque que nćo comźsse gallinha assada. Notei entre aquelle gentio uma moderaēćo e brandura verdadeiramente admiraveis em pōvo Africano. Tōdos os homens vinham armados de arco e frechas; alguns traziam azagaias, e muitos, ąlém das armas gentģlicas, compridas carabinas de silex, de fąbrica Belga. [Figura 83.--O vao do cuchibi.] Entre os Ambuelas, homens e mulheres cortam um triąngulo nos dois dentes incisivos da frente, mas em ąngulo muito mais aberto do que entre os Quimbandes. As suas armas sam fabricadas por elles, sendo muito imperfeito o trabalho do ferro, que extrahem em minas a jusante da confluencia do Cuchibi e Cuando. Os Ambuelas que usam espingardas só querem, como eu jį disse, as armas lazarinas hōje fabricadas na Bčlgica, e a cada peēa de caēa que matam, enrolam em tōrno do cano um bocado de pelle do animal, o que dį logar, pela simples inspecēćo da arma, a saber quantas vģctimas ella tem feito. Isto deforma a arma, e impede de apontar; mas, como elles só arriscam um tiro a dez passos, acontece matarem. O caēador que vi ali tendo morto mais caēa tinha dez bocados de pelle em tōrno do cano da espingarda. Aquella pobre gente, sem as armadilhas do mato, nćo teria pelles para cobrir a sua nudez. Pņlvora é rara ali, onde apenas de annos a annos apparece um sertanejo Biheno, que lhe vende pouca, e por isso tem subido valor. [Figura 84.--Azagaias dos Ambuelas.] Entre os Ambuelas que viéram ao meu campo appareceu um muito engraēado, que por tōdos os modos procurava convencer-me a dar-lhe uma carga de pņlvora por um gallo grande que trazia. Divertio-me muito com o modo engraēado por que tentava convencer-me a fazer a transacēćo, até que eu lhe disse, que faria o negocio, se elle matasse o gallo a cincoenta passos com uma frecha. Elle aceitou, e eu medi a distancia. [Figura 85.--Ferros de frechas dos Ambuelas.] Collocado o gallo convenientemente disparou-lhe oito frechas que trazia, fazendo pčssimos tiros. Outros indģgenas enthusiasmįram-se com o divertimento, e comeēou um chuveiro de frechas em tōrno do pobre animal, e ainda que alguns se acercįram a quarenta passos, foi de meio metro distante do alvo o tiro mais certeiro. Eu entćo disse aos Bihenos que dava o gallo a quem o matase. Viéram os melhores atiradores de frecha da comitiva, e quem melhores tiros fez foi o prźto Jamba, de Silva Porto, que chegou a cravar uma seta a cinco centģmetros do gallo, que ficaria vivo, se eu o nćo matasse com um tiro da minha carabina Winchester. No mato em que estava acampado havia uma enorme quantidade de aranhas brancas, com o cōrpo volumoso como uma ervilha, que mordiam, causando uma dōr violenta mas passageira. O acampamento estźve sempre cheio de mulheres, talvez por estarem ali comigo as filhas do rčgulo. Usam ellas grande nłmero de manilhas de ferro da espessura de dois a trźs millimetros de secēćo quadrangular, tendo as duas arestas exteriores picadas. Quando danēam (e danēam muito as Ambuelas), só o tinir das manilhas é uma młsica. Ellas comprimentam-se umas įs outras batendo repetidas vezes com as mćos abertas nos peitos nśs. Um costume que encontrei entre tōdos os povos Ganguelas, mas mais rigorosamente cumprido no Cuchibi, é o modo de falar aos sovas ou sovźtas. A pessōa que fala, diz o que quer dizer ao sova, a um dos prźtos que elle tem a seu lado; este repete o recado a um segundo prźto, que o transmitte ao sova. A resposta segue pelas mesmas vias. A explicaēćo que me déram d'isto foi a seguinte:--A pessōa que dį o recado, ouvindo repetir depois duas vezes o que disse, pode corrigir alguma interpretaēćo errņnea que houvesse da sua idéa, e o mesmo se dį com quem responde. Eu supponho, porem, que ha ali mais alguma cousa, e que os sovas estabelźceram o uso, para durante a repetiēćo trģplice da arenga, terem tempo de preparar a resposta. De Lionzi fui dar um passeio de caēa pelo rio até į sua confluencia com o Cuando, cuja posiēćo marquei grosseiramente, por nćo ter podido fazer observaēões, mas que, ainda assim, nćo deve ter grande erro, por haver eu determinado perfeitamente a posiēćo de Lionzi. Junto į confluencia do Cuchibi, encontrei duas grandes povoaēões Ambuelas, Linhonzi e Maramo, e entre ellas e Lionzi, uma grande povoaēćo, Chimbambo. Na confluencia do rio Queimbo estį situada a povoaēćo de Catiba, governada por um prźto da povoaēćo de Caś-eu-hue, e sujeito ao sova do Cuchibi. De volta ao meu campo, vim encontrar a minha gente de tal modo entregue įs delicias de Cąpua, que nćo havia fōrēa para os arrancar dos braēos das formosas filhas desta nova Ninive Africana. A embriaguez do _Bingundo_ e a embriaguez do amor, tornavam surdos os meus homens a rogos e a ameaēas. O sovźta do Lionzi veio ao meu campo, e trouxe comsigo um Mucassequer, seu hņspede. Eu entendi-me logo com o Mucassequer, para elle ser guia até įs nascentes do rio Ninda, que eu queria ir demandar; e estando n'esse dia de muito bom humor, chamei os pombeiros e disse-lhes, que ia seguir com os Ambuelas e os meus muleques, e que ficassem elles se quizessem, mas que eu lhes levava tōdos os mantimentos. Puz-me logo a caminho, guiado pelo Mucassequer e acompanhado das filhas do sova e sua gente. Os meus Quimbares, vendo-me partir, deixįram tambem o campo, e seguķram-me, ficando tōdos os Quimbundos e os muleques do Verģssimo. Depois de uma difficil marcha de seis horas a travez de floresta emmaranhada, e onde se nćo encontra ągua, alcanēįmos a margem direita do rio Chicului, abrasados de sźde. Este rio corre em uma planicie deserta e apaülada, de 1600 a 2000 metros de largo, e a floresta sempre espźssa vem terminar onde comeēa o paśl. Durante a noute os leões e leopardos rondįram sem cessar o meu acampamento, rugindo em cōro infernal. No dia immediato, decido logo de manhć passar į outra margem. Passei o rio n'uma ponte, de certo construida outrora, por comitivas Bihenas, que eu reconstrui, e que me deu facil passagem; mas nćo foi igualmente facil alcanēar a floresta da margem esquerda, porque havia a atravessar a planicie lodosa, onde nos enterrąvamos até por cima da cintura. O meu Pépéca por vezes ficou só com a cabźēa de fóra, e deu trabalho a desenterrar. Fōram 1500 metros de travessia difficil e fatigante. O rio tem 15 metros de largo por 4 a 5 de fundo, com uma corrente de 40 a 45 metros por minuto. Vi n'elle muito peixe grande e pequeno, e alguns crocodilos de pequeno talhe. Depois de passar o rio, vi a um kilņmetro jusante, uma grande manada de songue, e indo logo ali encoberto pelo mato, consegui matar trźs. A minha cabrinha Córa nćo se separa um momento de mim, e anda em contģnuo sobresalto desde que sentio os leões. Os meus prźtos apanhįram muitas aves, variedade de codornizes, com uma poupa branca, e pernas brancas. Pela uma hora n'esse dia, chegįram os meus Quimbundos, e os pombeiros, de orźlha baixa, viéram pedir-me mil perdões de nćo terem seguido na včspera. Eu andava entćo de tal modo satisfeito, que tudo perdoei, indo em seguida pescar com um enorme tresmalho que levava, e com o qual apanhei innłmeros peixes muito semelhantes aos mugens ou taļnhas dos nossos rios. Esta rźde, tresmalho ou barbal, como lhe chamam os pescadores do rio Douro, foi um presente que me fez meu pai, e que, em muitas circunstancias, foi o łnico recurso que tivémos para matar a fome. A doenēa grave de um dos meus prźtos fez-me demorar dois dias n'aquelle ponto; o que me contrariou em extremo, porque, tendo comigo numerosos Ambuelas, as provisões que eu tinha trazido do Cuchibi desappareciam rąpidamente, e eu tinha diante de mim um enorme paiz a atravessar até ao Zambeze, onde nenhum recurso encontraria, ąlém da caēa, sempre problemątica em Ąfrica. Em um dos dias, os Ambuelas fōram į floresta em busca de mel, guiados pelos _indicators_ ("indicadores"), e d'elle fizéram grande colheita. Muitos naturalistas notaveis, desde Sparmann e Leveillant, os primeiros que estudįram esta curiosa ave, até os mais modernos exploradores que t[~e]m descripto os seus hąbitos, que me perdoem ainda aqui falar d'ella, e lhes diga, na minha humildade, o que concluķ do muito que observei os seus costumes em Ąfrica. Que o _indicator_ seja ou nćo um cśco é coisa de que nćo faēo questćo, deixando isso į autoridade dos Bocages e dos Günthers. Que elle se dźva chamar _Cuculus albirostris_, como queria Temminck, ou sómente indicįtor, como querem outros, é nova questćo, em que nćo entro. Descrevel-o, sendo profano em ornithologia, seria pedantismo; e por isso limitar-me-hei a contar o que lhe vi fazer, e a tirar uma conclusćo minha. Logo que o homem penetra em uma floresta dos sertões d'Africa Austral, apparece-lhe o _indicator_ saltitando de ramo em ramo, e chegando a aproximar-se, sempre com o seu chilrear monņtono. Logo que lhe damos attenēćo, levanta elle o seu vōo pesado, e vai pousar mais longe, vigiando se o seguimos. Se o desprezamos, volta elle para junto de nós, e continua a saltar e a chilrar, voando outra vez, e formulando muito pronunciadamente o convite de o seguirmos. Cedemos a final e acompanhamos a įvezinha, que de ramo em ramo, com vōos curtos para nos nćo perder de vista, nos vai guiando a travez da floresta, a maior parte das vezes até junto de um ninho de abelhas. Este caso é o mais vulgar, e é sempre aproveitado pelos indģgenas buscadores de cźra. Alguns exploradores, e entre elles o nosso Gamito, dizem, que elle conduz tambem o homem junto do antro da fera. Esse caso nunca se deu comigo, que segui dezenas de _indicators_, e nunca encontrei indģgena que m'-o affirmasse. Conduzir-me junto do cadaver de caēa jį em putrefacēćo, a um acampamento abandonado de ha pouco, a uma lagōa, junto de outra gente, isso me aconteceu a mim, e acontece a tōdos os que seguem o buliēoso passarinho. E contudo elle nada lucra em guiar os passos do homem para ali. O que é facto é, que elle leva o homem quasi sempre ao mel, e eu supponho que o quer levar sempre, e que sam occasionaes os outros encontros, que t[~e]m feito impressćo a muitos viajantes; encontros nada de estranhar em florestas Africanas. É mesmo possivel, que no caminho para o enxame encontremos o lećo, sem que a intenēćo do pąssaro seja a de nos fazer devorar pela fera. Se porem a regra geral, de ir indicar as abelhas, tem excepēões, sam ellas tantas e tćo variadas, que eu atrevo-me a dizer, que o _indicator_ é o verdadeiro apodador da humanidade. Encontrei junto ao rio Chicului uma pelle de cobra de sete metros de comprido por 40 centģmetros de largo, affirmando-me os indģgenas que as ha ali maiores. Pude finalmente seguir a 9 de Agosto, jį desejoso que as filhas do sova do Cuchibi voltassem com a sua gente, porque os mantimentos que trazģamos desappareciam a olhos vistos, e jį nćo era pequeno o meu cuidado pensando no futuro. Depois de marcha de trźs horas, encontrei um ribeiro, correndo a S.S.E., e depois de atravessarmos a vao, encontrįmos uma lagōa de duzentos metros, que tivémos de vadear com ągua pela cintura. Este ribeiro, que entra no Chicului perto da sua foz, é o Chalongo, provavelmente o que nas cartas apparece com o nome de Longo, e que, por uma errada informaēćo, os cartņgraphos t[~e]m feito correr ao Zambeze. Durante a passagem da lagōa, vimos alguns abutres descendo com persistencia em um mesmo logar, a meio kilņmetro de nós. Fui ver o que atrahia ali os repugnantes rapaces, e ao longe vi uma nuvem d'elles esvoaēando sōbre um corpo volumoso cercado de hyenas, que fugķram sem que eu lhes podesse atirar. Aproximei-me, e encontrei uma enorme Malanca (_Hippotragus equinus_) recentemente morta pelo lećo. [Figura 86.--Malanca.] A pelle do soberbo antģlope estava rasgada em tiras pelas garras da fera, e, cousa notavel, que eu nćo pude explicar, as unhas das patas estavam completamente roļdas. Os olhos tinham sido arrancados das ņrbitas, de certo pelas aves rapaces. Os meus Quimbundos, logo que vķram a Malanca, corrźram sobre ella, e com unhas e dentes disputįram uns aos outros os restos d'aquella carne bafejada pelas hyenas, em mais repugnante espectąculo do que, minutos antes, me tinham offerecido as proprias hyenas e abutres. Mais pareciam feras do que homens. E note-se, que entćo nćo havia necessidade, porque eu tinha mōrto caēa, e as provisões feitas no Cuchibi nos tinham em abundancia. Os meus proprios Quimbares nćo resistiram į tentaēćo, e juntįram-se aos Quimbundos no repugnante espectąculo. Metti em ordem a caravana, e fiz seguir įvante. Pelo caminho fui pensando no poder que tem a vida selvagem sōbre o prźto. [Figura 87--1. Cornos vistos de frente. 2. Rasto da Malanca] Os meus Quimbares, gente meio-civilizada de Benguella, jį igualam os Quimbundos em selvageria e embrutecimento. Eu įs vezes penso, que isto, que se afigura possivel a muita gente na Europa, de civilizar o prźto em Ąfrica, é simplesmente absurdo. O elemento civilizador serį por ora tćo pequeno junto do elemento selvagem, que este predominarį em quanto aquelle nćo tomar proporēões enormes. É preciso que em Ąfrica haja por cada prźto um branco para se realizar esse sonho de muitos espģritos elevados do velho mundo; porque só entćo o elemento civilizador equilibrarį com o selvagem, e poderį vencel-o. Temos até um exemplo d'isto com os Böers do Transvaal, que, Europźos de origem, em um sčculo apenas, perdźram tudo que de civilizaēćo trouxéram da Europa, fōram vencidos pelo elemento selvagem do meio em que viviam, e hōje, se sam Europźos pela cōr e pela religićo de Christo que professam, sam bąrbaros pelos costumes que tirįram do paiz. O notavel era, ter eu atravessado tantos povos bąrbaros, onde nunca chegou o menor elemento civilizador, e nćo ter encontrado pōvo algum peiór do que o Biheno, que estį em contacto com a civilizaēćo da Costa de Oeste. Ao caminhar pensava eu n'isso, e repetia a phrase que tantas vezes me tinha repetido o meu amigo Silva Porto: "Olhe que os melhores Bihenos sam incorrigiveis, firme-se n'este principio e marche com elles." Depois que eu entendia o Hambundo é que bem podia avaliar o que elles eram. Įs vezes, į noute, na minha barraca, eu escutava as conversas que se falavam em tōrno de mim, e nćo se calcula o que eu ouvia. Uma noute, escutava eu episodios de uma guerra que um anno antes tinha havido no Bihé, contra gente Bihena que nćo reconhecia a autoridade do sova Quilemo, e entre outros ouvi o seguinte, no meio das gargalhadas e dos signaes de approvaēćo que os ouvintes dispensavam ao narrador:-- Contava elle, que uma noute fizera dois prisioneiros, um muleque e uma rapariga pequena, e que, como a pequena chorasse e gritasse por elle lhe ter amarrado fortemente os braēos, elle cortou-lhe uma orźlha com o machado, e depois deu-lhe com o mesmo machado no pescōēo, mas de vagar para a nćo matar logo. Elle descrevia ao auditorio as contorēões e gritos da vģctima, com grande applauso dos companheiros, até que narrou o modo porque a tinha morto; coisa de que depois se arrepźndera muito, porque a familia d'ella, que nćo sabia do occorrido, veio offerecer-lhe em resgate trźs escravos, com que elle poderia ter comeēado um pequeno negocio. Nćo quero narrar mais d'estas scenas repugnantes, e direi apenas, que se deve avaliar bem, como o chefe de bandidos na Europa nćo precisa, para sustentar a disciplina em sua orda de rčprobos, ter mais energia do que o Europeo que em Ąfrica tem de commandar tal gente. Fui acampar į nascente de um cņrrego chamado Combule, que, a uma milha da sua fonte, vai lanēar, para o Oeste, no rio Chicului, as suas ąguas, que ainda ali nćo seriam sufficientes para mover uma azenha. Convenci as filhas do sova a voltarem aos seus lares, e fizemos as mais cordiaes despedidas. Ainda Opudo arriscou com timidez o pedido, de eu voltar para o Cuchibi, e ir viver entre elles, e Capźu fez-me, mais eloquente ainda, a słplica, com um olhar de mulhér, um d'esses olhares que sam a verdadeira forēa d'ellas, porque sam espontaneos, e nćo aprendidos na escola da garridice. Nćo foi sem pesar que vi partir aquellas duas bōas raparigas, as duas łnicas amizades que percebi em indģgenas Africanos. Ao separarmo-nos, chegou-se a mim o meu guia Mucassequer, e disse-me:-- "Eu tenho passado a minha vida no caminho que vais seguir d'aqui ao Limbai, e por isso conhźēo bem o paiz. Leva sempre prompta a tua melhor espingarda, e desconfia de tudo no mato, porque vais viver muitos dias entre feras. Toma cautela sōbre tudo com os błfalos do Ninda, no caminho has de ver sepulturas de gente morta por elles, e mesmo de brancos. Eu sou teu amigo, porque nćo me fizeste mal, e deste-me pņlvora e missangas, por isso te previno." Depois da partida dos Ambuelas, fiquei só com a minha gente, e verifiquei, nćo sem algum sobresalto, que tinha havido uma reducēćo enorme nos vģveres. No dia immediato, embrenhei-me em uma enorme floresta espinhosa, e onde era a miüdo preciso abrir caminho para seguir įvante. Depois de uma fatigante marcha de 5 horas, a mais difficil e atroz que fiz em Ąfrica, acampei į nascente do rio Ninda, tendo deixado uma grande parte do fato nos espinhos da floresta. Meia hora depois de chegar, estava convertido em verdadeira caricatura, porque estava coberto de bocados de tafetį inglez, onde os espinhos me haviam rasgado as carnes. Estava pois į nascente do rio Ninda, afamado pela ferocidade dos habitantes das suas margens. Os leões ainda me nćo tinham devorado; mas cheguei a pensar, que se o quizessem fazer tinham de se apressar, para encontrarem alguns restos do que deixassem milhares de insectos que dirigiam um ataque encarniēado contra mim. Ao cahir da tarde, uma nuvem de mōscas, tćo pequenas que nćo tinham mais de um milimetro, cahio sōbre o acampamento, e n'um louco esvoaēar, entravam pelo nariz, pela bōca, pelos ouvidos, e enchiam-nos os olhos, dando-nos um verdadeiro supplicio, verdadeira praga. O acampamento foi rodeado de fortes palissadas e enormes abatizes, tomando-se todas as precauēões para que ficąssemos ao abrigo de um ataque das feras. Eu fui acommettido por um violento accesso de febre, o que nćo impedio que, durante a noute, por mais de uma vez sahisse da minha tenda a investigar porque ladravam os cćes. Os leões rugķram toda a noute em volta do campo, e sōbre a madrugada, um cōro de hyenas veio completar aquella młsica infernal. Nćo posso deixar de declarar aqui, įquelles que no enthusiasmo de uma coragem temeraria se fazem illusões sōbre as bellezas da vida das selvas, que a vida entre feras é positivamente desagradavel. [Figura 88.--O błfalo africano.] No dia immediato, demorei-me até į tarde, para poder determinar aquella posiēćo, e mudei o meu acampamento para uma milha mais a leste. Junto do sitio onde acampei ficava a sepultura de um Portuguez, o sertanejo Luiz Albino, morto n'aquelle ponto por um błfalo. Na minha comitiva estava o prźto de confianēa de Luiz Albino, o velho Antonio de Pungo Andongo, aquelle que eu fiz alfayate do sova Mavanda. Luiz Albino sahira do Bihé com uma grande factura que vinha negociar ao Zambeze, e em uma das suas etapes, veio acampar no mesmo ponto onde eu estava acampado n'aquelle dia. Sahio a caēar, e deu um tiro em um błfalo, ferindo-o na articulaēćo de um pé. Jį se vź que atirava mal, porque nćo se fere um błfalo em um pé. Voltou ao acampamento, e chamou o velho Antonio (que entćo era nōvo), dizendo-lhe, que tinha ferido um błfalo mortalmente, e que chamasse gente para o irem buscar. Os Bihenos, sempre cautelosos, nćo quizéram ir, e elle, chamando-lhes cobardes, foi só com o prźto Antonio. Chegado ao mato, o błfalo, que, como tōdos os błfalos feridos, queria vinganēa e o esperava, correu sōbre elle. Luiz Albino disparou-lhe os dous tiros da espingarda sem lhe acertar, e foi em seguida colhido pela fera, que com uma cornada lhe rasgou o baixo ventre. Antonio disparou contra o feroz ruminante, e o cadaver da fera foi cahir sōbre o cadaver do branco. Hōje, uma forte estacada de madeira, cercando um quadrado de cinco metros de lado, fźcha um recinto, onde se levanta uma cruz tōsca de madeira; e lembra ao caminhante, que é preciso ter prompta a carabina e ōlho į mira para viajar ali. Tinha chegado ao primeiro ponto da minha viajem onde apparecem elephantes, e por isso mandei alguns homens į descoberta, mas os exploradores voltįram tendo apenas encontrado alguns rastos antigos. Eu fui dar uma volta pelo mato, mas nada vi em que podesse dar um tiro. No dia immediato, segui viagem, sempre na margem direita do Ninda, sem que algum facto extraordinario viesse perturbar a marcha. A 13 de Agosto, fui estabelecer um nōvo acampamento dez milhas para leste do da včspera. Um vago receio jį me perturbava o espģrito. Os vģveres diminuiam rąpidamente, e eu estava ainda longe de paiz de recursos. Tentei caēar, mas sem resultado percorri a floresta, ainda que vi muitos rastos frescos e cheguei mesmo a perceber caēa, mas tćo longe e esquiva que nada fiz. No dia 14, tinha eu, sņzinho com o meu Pépéca, tomado a dianteira į caravana, quando, ao chegar ao sitio onde resolvi terminar a marcha d'aquelle dia, percebi um enorme błfalo que pastava tranquillamente. Pude, ao abrigo do mato, aproximar-me d'elle, e atirei-lhe a trinta metros, apontando į espądua, porque me ficava atravessado. O animal cahio fulminado, com grande espanto meu, porque o sitio onde atirei era para fazer uma ferida mortal, mas nćo produzir morte tćo rąpida como a que eu vi produzir. Abeirei-me d'elle, e ”como nćo fiquei espantado, vendo que a bala, em logar de ferir o ponto a que a dirigi, subio perto de vinte centķmetros na mesma vertical, indo cortar-lhe as včrtebras, e produzindo a morte instantanea, pela soluēćo de continuidade da espinal medula! Este caso fez-me profunda impressćo, porque um tal desvio da bala podia, em qualquer circunstancia, ser causa da minha perda; e logo que estabeleci o meu campo, tratei de alvejar a carabina a 25 metros. O desvio vertical revelado no tiro ao błfalo continuava a manifestar-se. Era a minha carabina Lepage, de grande calibre e balas d'aēo. Sendo a sua trajectoria muito curva, o armeiro calculou a łltima ranhura da alēa para 80 metros; e como eu nćo tinha ainda com aquella arma atirado a menor distancia, nćo tinha ainda advertido no perigo que corria fazendo um tiro de 20 a 30 metros. Assim, pois, a estas distancias, ainda que eu pela ranhura mal percebźsse o ponto culminante da mira, o desvio vertical era constante. Cuidei logo de remediar o defeito, e por tentativas, fui profundando a ranhura da alēa, até que obtive a maior precisćo į pequena distancia requerida. Este episodio, que registei no meu diario e que hōje descrźvo aqui, ainda que seja de interesse nullo para a maioria dos meus leitores, é uma prevenēćo įquelles que me seguirem em Ąfrica, prevenēćo que lhes pode ser de subida utilidade. O rio Ninda corre n'uma planicie levemente inclinada a leste, e que me afirmam se estende ao sul até į juncēćo do Cuando e Zambeze. Até ao ponto em que eu estava acampado, a floresta desce espźssa até į margem do rio; mas d'ali em diante forma apenas tufos de ąrvores, semeados aqui e ąlém n'uma planicie enorme. Ali o Ouco é ąrvore corpulenta, e tćo abundante, que por espaēo de horas o caminhante vive n'uma atmosphera embalsamada pelo suave perfume das suas flores. No dia immediato, sustentei marcha de seis horas, e desviei-me um pouco da margem do rio, cujo canavial espźsso era obstąculo ao caminhar; indo acampar junto de uma lagōa de bōa ągua, nćo longe da pequena povoaēćo de Calombeu, pōsto avanēado do rčgulo do Barōze. Nada nos quizéram vender, e jį comeēavam a escacear os mantimentos. Nćo achando bōa a minha posiēćo, e nćo podendo seguir no dia immediato, por ter muitos doentes, mudei o campo para uma milha mais a leste, continuando a tirar ągua da mesma lagōa, ou antes paśl, que melhor lhe cabe este nome. Estava na enorme planicie do Nhengo, planicie elevada mil e doze metros ao nivel do mar, que se estende a leste até ao Zambeze, e ao sul até į confluencia do Cuando. O terreno enxuto na apparencia, é encharcado e esponjoso, e cede lentamente į pressćo do cōrpo, deixando infiltrar ągua do seu seio alagado. Nas noutes que ali dormi, deitei-me em leito sźco de ervas cobertas de pelles, para acordar n'un charco. Comeēava ali para mim uma nova vida de tormentos, porque nem į noute um sono reparador podia vir mitigar as fadigas do cōrpo, e adormecer as aprehensões do espģrito. A falta de vģveres, que nćo tardaria a chegar; a difficuldade que me apresentava o paiz; a minha saude que eu sentia profundamente afectada; e a minha propria comitiva que comeēava a dar signaes de insobordinaēćo, traziam o meu espģrito perturbado, perturbaēćo que se traduzia por um mao-humor contģnuo. No dia 16 de Agosto, tive um momento de desespźro. Estavia só, completamente só. Nćo havia um homem na minha comitiva que tivesse um pouco de energia. Ąlém das difficuldades que se erguiam diante de mim, tōdos me creavam difficuldades. Eu tinha de decidir, de intervir em tudo, até nas mais pequenas cousas de que nunca me deveria occupar. Algumas dedicaēões me rodeavam, nćo o duvidava, mas dedicaēões sem energia, em gente capaz de cumprir uma ordem, mas incapaz de fazer cumprir a outros as que lhe transmittia. O Verissimo nćo é cobarde, mas espģrito acanhadissimo, sem vontade propria, e irresoluto, nćo tinha a fōrēa sufficiente para se impor no commando. Ąlém d'isso, aparentado com alguns dos pombeiros, era por elles desattendido. Via-me forēado até a fazer cumprir as ordens que dava! No meu diario escrevi entćo alguns perģodos, que vou transcrever aqui textualmente, e que traduzem o meu soffrimento de entćo. "Isto desnortea-me, e traz-me de pčssimo humor. ”Meu Deos! ”quanta vontade, quanta persistencia, quanta energia é precisa a um homem que só, rodeado de difficuldades, rios proprios que o cercam as encontra, para proseguir na missćo que se impoz! Hōje sózinho no meio d'Ąfrica, tendo uma missćo a cumprir, e tendo de sustentar a honra da bandeira da minha pątria, ”quanto eu soffro! ”e quanto eu tremo por ella! Preciso de ser um anjo ou um demonio, e chźgo a crer que sou įs vezes uma e outra cousa." N'este dia jį tive de dar comida į raēćo, e só milho jį havia. Sentado į porta da minha barraca, ao cahir da tarde, terminava a minha parca refeiēćo, e olhava em roda os meus carregadores, que comiam em silencio. Parecia que uma tristeza profunda havia cahido sōbre o meu campo, apossando-se de tōdos os espģritos. De repente os meus cćes levantįram-se e corrźram ao mato ladrando furiosos. Um homem desconhecido, seguido por uma mulhér e dois rapazes, sahio do mato, e sem fazer caso dos cćes, entrou no acampamento, que percorreu com um rąpido olhar, vindo sentar-se a meus pés. Era um prźto coberto de andrajos. Um panno esfarrapado mal encobria a sua nudez. Um casaco completamente despedaēado pendia-lhe dos hombros nśs. Na cabźēa uma cousa que muito esfōrēo de imaginaēćo faria suppor os restos de um chapéo braguez, e na mćo um pao. As suas armas eram trazidas pelos dois muleques que o seguiam. A physionomia enčrgica, o olhar, andar e os modos decididos, do indģgena, prendźram logo a minha attenēćo. Perguntei-lhe quem era, e o que queria. Elle respondeu-me em Hambundo: "Eu sou Caiumbuca, e venho procural-o." Ao ouvir o nome de Caiumbuca, nćo pude conter a minha emoēćo. Tinha diante de mim o mais audaz dos sertanejos do Bihé. Do Nyangue ao Lago Ngami é conhecido o nome de Caiumbuca, o antigo pombeiro de Silva Porto. Em Benguella dissera-me Silva Porto: "Chame para junto de si a Caiumbuca, e terį o melhor immediato que pode encontrar em tōda a Ąfrica Austral." Procurei-o debalde no Bihé, onde nćo me soubéram dar noticias d'elle. "Anda no sertćo, e nunca se sabe bem onde elle anda--" foi a resposta que obtive de tōdos. Caiumbuca estava no Cuando abaixo da confluencia do Cuchibi, e sabendo da minha passagem, viera, só com uma mulhér e dois muleques, procurar-me. Conversei a sós com elle por espaēo de uma hora, li-lhe mesmo uma carta que Silva Porto me tinha dado em Benguella para elle, fiz-lhe as minhas propostas, e ao cahir da noute, reuni os meus carregadores e apresentei-lhes o meu immediato. A 17 de Agosto, forcei marcha de seis horas, porque os vģveres estavam no fim, e era preciso alcanēar as povoaēões. Acampei na margem direita do rio Nhengo, que é o Ninda depois de receber do norte um affluente volumoso, o Loati. O Nhengo tem de 80 a 100 metros de largo, por 4 e mais de fundo, com uma corrente quasi insensivel. Įs vźzes parece uma comprida lagōa, onde vegetam milhares de plantas aquąticas. Nas suas margens ha uma forte vegetaēćo arbņrea, vegetaēćo que por vźzes estende os seus ramos vigorosos por sōbre as ąguas, e de uma e outra margem v[~e]m dar um abraēo fraternal a meio-rio. Este grande affluente do Zambeze corre na enorme planicie de que jį disse duas palavras, a planicie que d'elle toma o nome, planicie hłmida, onde nćo é encharcada ou verdadeiro paśl. Ali milhares de moluscos terrestres arrastam a sua casa espiral por entre a herva curta e rachģtica. Alguns cągados e muitas tartarugas de lagōa (_Emydes_), vivem na campina, onde jį, aqui e ąlém, algumas palmeiras, as primeiras que encontrava desde Benguella, balanēam ao vento as suas copas elegantes. Os meus prźtos fizéram colheita de tartarugas (_Emydes_), que a fome lhes fez devorar, a pesar do repugnante cheiro que rescendem estes pequenos Cheloneas carnģvoros. Tendo-me dito Caiumbuca, que, a pequena distancia do acapamento, haviam algunas povoaēões, decidi demorar-me ali um dia, para obter vģveres. Foi debalde que, no dia immediato, enviei gente įs povoaēões a pedir mantimentos; o gentio muito esquivo fugia, e nćo attendia razćo nem offertas. A nossa posiēćo tornava-se muito séria, porque jį nada havia que comer para źsse dia, e as tentativas de caēa e pesca nćo déram o menor resultado. Um pequeno bando capitaneado pelo meu Augusto, entrou no campo, perseguido por um bando de leões, que só retirįram ao perceber o ruido do acampamento. Conferenciei com Caiumbuca, e decidķmos fazer, no dia seguinte, marcha grande, para alcanēar umas povoaēões a que elle chamava Cacapa, e onde me disse que poderģamos obter vģveres. Seguķmos pois no dia 19, tendo comido pela łltima vez a 17 de manhć. A marcha foi sustentada por oito horas, indo acampar perto de uma lagōa, porque tģnhamos deixado a margem do rio, para nos aproximarmos das povoaēões. Apesar da fadiga da jornada e da fraqueza produzida pela fome, enviei gente a procurar vģveres, indo entre elles o proprio Caiumbuca. Voltįram ao anoutecer com as mćos vazias. Nada, absolutamente, o gentio lhes quizera ceder, mostrando-se até hostil! A nossa posiēćo era grave. Tentar outra marcha, no estado de fraqueza em que estąvamos, era arriscąrmo-nos a ficar tōdos mortos de inaniēćo. Reuni os pombeiros, a quem expuz as circunstancias precąrias da caravana, e de tal modo os encontrei desalentados, que nenhum alvitre me foi propōsto. Chamei alguns dos prźtos que tinham ido įs povoaēões e perguntei-lhe, æse effectivamente ali haveria mantimentos? e tendo-me elles respondido afirmativamente, eu tomei uma resoluēćo immediata. Disse aos pombeiros, que fōssem animar a sua gente, porque no dia immediato de manhć terģamos de comer em abundancia. Ficando só com Caiumbuca, communiquei-lhe a resoluēćo que tinha tomado, de ir no dia immediato fazer provisćo de alimentos ou por bem ou por mal. Na madrugada de 20, mandei de nōvo o Augusto com alguns prźtos įs povoaēões, pedir que me vendźssem milho ou mandioca, e expor as circunstancias em que nos encontrąvamos. A łnica resposta que obtivéram os meus enviados foi uma aggressćo insņlita. Entćo reuni tōdos aquelles a quem a fome nćo tinha completamente prostrado, e pude ter oitenta homens, semi-vąlidos. Puz-me į sua frente, e assaltei a povoaēćo do chefe, que, depois de um curto tiroteio sem consequencias, se rendeu į discriēćo. Corri logo aos celeiros, que estavam cheios de batata dōce, e tirei tanta quanta me era precisa para matar a fome da minha gente, regressando ao campo, com o chefe e mais alguns prźtos prisioneiros. Dei a estes o valor das batatas em missanga e pņlvora, e pul-os em liberdade, fazendo-lhes ver, que era melhor tratar as cousas por bem d'ali em diante. Elles agradecźram muito a minha generosidade, e prometźram fornecer-me aquillo que tivessem logo que eu lh'-o mandasse pedir. N'esse dia, į 1 hora e meia, estando o ceo limpo, apenas com espźssa barra no horizonte, cahio um tufćo vindo do N., que, depois correu a S.O., o foco passou um kilņmetro a O. de mim, arrancando ąrvores e destruindo tudo na sua passagem. No meu campo, o vento soprou tćo rijo, que tivémos de nos deitar por terra em quanto durou a sua maior intensidade. O thermņmetro subio de 20 a 32 graos, e o barņmetro desceu de 667^{mm.} a 663. Foi esta a mais violenta oscillaēćo baromčtrica que observei na Ąfrica tropical. Įs duas horas e meia, o vento acalmou de repente, ficando a atmosphera completamente coberta de um nevoeiro denso. As povoaēões que me ficavam um kilņmetro ao sul chamam-se Lutué; mas Caiumbuca disse-me, que entre os Bihenos sam conhecidas apenas pelo nome de Cacįpa, por serem ricas em batata dōce, que na lģngua Hambunda se chama _écįpa_. As gentes d'estas povoaēões, como a de tōdas da planicie do Nhengo, sam de raēa Ganguela, submettidas pela fōrēa aos Luinas ou Barōzes. Sam povos miseraveis e intrataveis. Pźla tarde, chegou ao meu campo uma tropa de Luinas, que andavam rondando no paiz, e que, sabendo que eu chegara ali na včspera, me viéram ver. Era commandada por trźs chefes, dos quaes o maioral se chamava Cicóta. Os chefes viéram comprimentar-me e offerecer-me os seus serviēos, e pedindo-lhes eu logo, que me obtivessem de comer, elles respondźram, que tambem estavam lutando com falta de vģveres, mas que no dia seguinte me acompanhariam até umas povoaēões onde acharģamos recursos. Disséram-me, que me iriam conduzir até junto do rei do Lui, e que nada me faltaria pźlo caminho logo que chegąssemos įs povoaēões Luinas, jį pouco distantes. [Figura 89.--Escudo dos Luinas.] Estes Luinas t[~e]m uma bōa presenēa, sam altos e robustos. Uma pelle de antģlope primorosamente curtida, passada entre as pernas e prźsa no cinto de couro na frente e nas costas, e um amplo capote de pelles, é o seu vestuario. Os trźs chefes traziam carabinas raiadas de grande calibre, de fąbrica Ingleza. Os outros sobraēavam grandes escudos de forma ogival, de um metro e 40 cent. de comprido por 60 cent. de largo, e estavam armados de um feixe de azagaias de arremźsso. O peito e os braēos cheios de amulźtos. Os pulsos sam ornados de manilhas de cobre, latćo e marfim, e por baixo dos joźlhos trazem de 3 a 5 manilhas muito finas de latćo. O que n'elles e admiravel sam as cabźēas, nćo pźlo cabźllo, que é cortado curto, mas pźlos enfeites que lhe põem. A do chefe Cicóta estį coberta de uma enorme cabelleira, feita da juba de um lećo. Os outros traziam penachos de plumas multicolores verdadeiramente assombrosos. Durante a noute apparecźram entre nós innłmeros escorpiões, sendo mordidos por elles alguns dos meus homens. [Figura 90.--O Chefe Cicóta.] O terreno continśa esponjoso e hłmido, sendo um tormento viver em tal paiz. Multiplicam-se ali as palmeiras, e jį vam apparecendo algumas ąrvores no campo. As termites apresentam aqui jį um nōvo aspecto nas suas curiosas construcēões. A 22 de Agōsto, levantei campo, e cinco horas depois, ia de nōvo acampar junto da povoaēćo de Canhete, a primeira povoaēćo de raēa Luina. Durante a manhć houve um denso nevoeiro. Algumas matas que passei eram formadas de ąrvores enormes, e limpas de arbustos, sendo facil o caminhar ali. Logo que acampei, por prevenēćo de Cicóta, viéram muitas raparigas ao campo trazer-me gallinhas, mandioca, massambala e ginguba. Durante tōda a tarde continuįram a trazer-me presentes, que eu retribuia o melhor que podia. ”Tinha jį que comer em abundancia! [Figura 91.--Termites do Nhengo.] Pedi tabaco, de que eu trazia ainda bōa provisćo, e sal, ”sal que eu nćo provava havia tantos mezes! Respondźram-me, que tinham o maior pesar de nćo poderem satisfazer ao meu desejo, mas que o tabaco e o sal só se davam ou se vendiam por uma licenēa especial do rčgulo. ”Eis uma terra Africana onde ha dois artigos de contrabando! Felizmente nćo ha alfąndegas. Fui visitar as povoaēões de Canhete. Cresce ali nos quintaes o tabaco e a cana de assucar com um desenvolvimento enorme. As casas sam feitas de caniēo revestido de cōlmo, e t[~e]m umas a forma de um semicylindro de 1,5 metro de raio, outras sam ogivaes, nćo tendo mais altura do que aquellas. Os celeiros sam como os das povoaēões Ambuelas, mas de menores dimensões. Os Luinas viéram ao meu campo, e fizéram ali uma danēa guerreira, muito pintoresca, em que havia um mascarado que fazia o papél de trućo. N'essa noute chegou o prźto Cainga, que eu tinha mandado, dois dias antes, ao rčgulo, a participar-lhe a minha chegada. [Figura 92. 1 e 2. Casas Luinas de 1^{m.} 5 de altura. 3. Celeiro. 4, 4. Enxada do Lui.] Viéram com elle alguns chefes com presentes do rei para mim, e entre elles seis bois. ”Carne de vacca! ”tinha carne de vacca para comer! Disse-me o Cainga, que elle se mostrou ufano por eu vir falar com elle de mando do Mueneputo, e que me esperava uma recepēćo esplčndida. Eu estava sempre desconfiado, porque conhecia bem os nźgros, e sabia quantas traiēões encerram as suas zumbaias, mas nćo deixei de ficar satisfeito. Elle mandou reunir muitos barcos, de modo que podesse passar a minha comitiva de uma só vez, para mostrar a sua grandeza. Disse-me o Cainga, que elle era rapaz de 20 annos, e que, sabendo que eu era nōvo, dissera, que seriamos amigos. Comi tanta carne e tanta batata, jį temperadas com sal, condimento que obtive por contrabando, que me senti muito incommodado, e passei uma pčssima noute. Os chefes Luinas que viéram da parte do rčgulo, trouxéram ordem įs povoaēões para me fornecerem o que eu pedisse sem retribuiēćo. Esta ordem foi acertada, porque eu nćo tinha com que retribuir. Quando ia a levantar campo, chegįram novos enviados do rei com sal e tabaco para mim, e com o recado, de eu nćo seguir o caminho directo da embocadura do Nhengo, porque elle queria castigar as povoaēões privando-as da minha visita. Mandei dizer-lhe, que eu nćo seguiria outro caminho, por ser este o que mais me convinha. Que eu nćo servia para elle castigar comigo os seus povos delinquentes; e que, se elle me nćo mandasse barcos ao sitio do Zambeze que eu havia designado, eu passaria o rio sem o auxilio d'elle. Logo į sahida de Canhete, encontrei um paśl horrivel, que tendo apenas 500 metros de largo, levou 1 hora a transpor. Caminhei a leste, e trźs horas depois alcancei as povoaēões da Tapa, onde aceitei uma casa offerecida pźlo chefe, por nćo ser possivel acampar fóra da povoaēćo em terreno pantanoso. As casas ali sam formadas por uma pyrąmide troncocņnica de caniēo, coberto interna e externamente de barro. A porta tem 60 centģmetros de alto por 50 de largo. Esta casa é cercada por outra só de granito, concčntrica įquella, e que tem de raio um metro mais. O tecto abrange as duas casas e é feito de caniēo coberto de cōlmo. O chefe levou-me um presente de gallinhas e batata dōce. Marquei, duas milhas ao sul, a grande povoaēćo de Aruchico. [Figura 93.--Corte vertical de uma Casa Luin da aldea da Tapa. a. Casa interior. b. Intervallo entre as duas parźdes. c. Porta interior, 50^{c.} por 40^{c.} d. D^{a.} exterior 1^m. por 50^{c.} e. Ventilador. f. Parźde, caniēo e barro. g. D^{a.} caniēo, 2^{m.} h. Armaēćo de caniēo. k. Cobertura de cōlmo.] No dia 24 de Agosto, parti įs 8 horas da manhć, e depois de atravessar um paśl como na včspera, alcancei a margem direita do rio Nhengo įs 9 horas, descendo até ao Zambeze que encontrei įs 10 e meia. ”Com que enthusiasmo eu saudei o grande rio! Alguns hippopņtamos vinham resfolgar į tōna d'ągua a 30 metros de mim, e dois fōram vģctimas da sua imprudencia. Um crocodilo enorme foi tambem infeliz em se conservar ao sol n'uma ilha prņxima. Tinha saudado devidamente o Liambai! Tinha-o saudado tingindo-o de płrpura com o sangue das feras. No meio do maior enthusiasmo dos meus e dos muitos Luinas que me acompanhavam, alcancei as canōas, e passei, ao meio-dia, para a margem esquźrda do rio. Segui sempre a leste, e įs 2 horas, encontrei outro braēo do Liambai, que se separa d'elle junto a Nariere. Andei por isso em uma grande ilha onde ha povoaēões, sendo a principal Liondo. Aquelle braēo do rio, ainda que tem 150 metros de largo, é pouco fundo, e foi transposto a vao. Na outra margem havia mais gente mandada pelo rčgulo. Segui sempre, e įs 3 horas, encontrei uma grande lagōa junto į povoaēćo de Liara, que passei embarcado. Este lago, formado pźlas ąguas que o Zambeze lhe introduz no tempo das chuvas, chama-se Norōco. Segui sempre a leste, por entre um labyrintho de pequenas lagōas, que era preciso evitar, e įs 5 horas cheguei a Lialui, grande cidade, capital do Barōze, ou reino do Lui. O rei tinha feito programma. Tive em poucos dias duas grandes sorpresas, para mim jį meio selvagem e esquecido dos costumes Europeus. O contrabando de tabaco, de sal, e o programma do rei do Lui. Uns mil e duzentos guerreiros formįram alas até į casa que eu devia provisoriamente ir occupar, e um dos grandes da cōrte, acompanhado de uns trinta figurões, formįram o meu sčquito. Chegado į casa, que tinha um grande pąteo cercado de caniēal, estava um estrado, onde eu me devia sentar, para receber os comprimentos da cōrte. Logo em seguida, chegįram os quatro conselheiros do rei, dos quaes é presidente Gambela. Com elles vinham tōdos os grandes que formavam a cōrte do rei Lobossi. Sentįram-se, e comeēou, da parte d'elles e da minha, uma troca de comprimentos e saudaēões, com mil protestos de amizade. Por fim retirįram-se gravemente, e fōram substituidos por outros massadores, que só me deixįram į noute fechada. Retirei-me para a casa que me destinavam, que era um d'esses semicilindros de que jį falei, e tive uma noite de insomnia, pensando no futuro da minha empresa. Estava sem recursos, e se o rei nćo protegesse enčrgicamente a minha viagem, æque poderia fazer? Sem a generosidade d'elle, nem mesmo teria que comer ali. Elle mandara-me dizer, que me falaria no dia immediato. æComo nos entenderģamos? Aquelle Gambela, o presidente do Consźlho, que acabava de estar comigo, o homem que tōdos me diziam ser o verdadeiro rei, æque seria elle para mim? O capģtulo seguinte mostrarį, que nćo era sem razćo que um presentimento mal definido me produzio uma noite de insomnia em 24 de Agosto de 1878. INDICE. Abbadie, M. d'., 10, 11 Abutres, 308 Acacias, 57 soberba floresta de, 103 Adulterio, sanccionado, 54 Adevinho, indigena dos sertões d'Ąfrica, 112, 113 consulta a meu respeito, 114 Agua, escassa, 48 Ągua-ardente como incentivo, 67 Algodćo, producēćo, 198, 210-242 Ambriz, 17, 18 ponte de desembarque, 18 Ambuellas, povoaēões, 248 descripēćo do paiz, 265-277 seu chefe, 278 danēas, costumes do paiz, etc., 284, 285 aperfeiēoamento agricola entre elles, 288, 289 o paiz, 290-292 reino animal e vegetal, etc., 293-301 Anchieta, José de, 63 seu tracto pessoal, laboratorio, etc., 64, 65 Andara-canssampoa, ribeiro, 238 Angola, chegada a, 15 recepēćo pelo governador, 16 Antģlopes, 48-50, 220-232 amphibios abundantes no rio Cuchibi, e outros, 261, 262 songue, 268-270 Į prova de balla: incidente, 165, 166 Armas, geralmente usadas, 151 faēo-me aprovisionar de, 154 fabrico ballas, 156 Aruchico, grande povoaēćo, 327 desēo o Nhengo até ao Zambeze Associaēões, obsequios recebidos de, xii Atuco, ribeiro, 73 Atundo, sorte de goiaba, 233 Augusto, prźto fiel, 160 um Don Juan de cōr prźta, 161 Banja, libata de, 73 Baobabs, 48 gigantźscos, 49 Barōze, revoluēćo no, 277-315 Barracas, construcēćo de, 200, 201 Batatas, 94 Belmonte, povoaēćo de, 127 planta da povoaēćo, 128 Bembe, sovźta do, 229 rio Bembe, 229 Benguella, sigo de Loanda para, 26 descripēćo, 29-31 sou hospede do governador, 28 producēćo e commercio, 31, 32 obtenho carregadores, 34 partida de, 38 Bernardino Antonio Gomes, vii, 4-6 Biceque, rio, 240 Bihé, resolvemos ir directamente ao Bihé, 35 descripēćo do paiz, seu trafico, etc., 36 deliberaēćo de seguir eu sņzinho para o Bihé, 80 descripēćo ethnogrąfica, 132 historica, 133 suas differentes raēas, 134 quadro genealogico de sovas, 136 figuras, 136, 137 commercio em larga escala, 138 fidelidade de carregadores, 138 qualidades moraes, 139 julgamento de crimes, 144 adulterio, 144 futuro commercial, 146-151 carneiros e cabras, 152 uma elegante, 161 sempre demora į espera de carregadores e cargas, etc., 162 modo de commerciar, 163 preparo muniēões, 168 prompto a deixar o Bihé, 170 episodio com um degradado, 174 descripēćo do paiz, 190-193 Bihenos, semi-carnivoros, 147 solemnidades barbaras com sacrificio de carne humana, 148 comendo carne putrefacta, 268, 269 sam incorrigķveis, 310 barbarismo, 310, 311 Bilanga, povoaēćo do, 120 Bilombo, sova do Huambo, 77 presentes do, 78 Bingundo, bebida dos Luchazes, 245-304 Bitovo, ribeiro, 219 Bocage (D^{or.} J.V.B. de), 9, 65 carta ao D^{or.}, 203 Bois servindo de cavalgadura, 75, 76 Bomba, riacho, 96 Bongo-Tacongonzźlo, vertente, 237 Błfalos, 58 encontro com, 85, 231, 313, 314 Burundoa, povoaēćo, 94 Buzi, antģlope amphibio, 260 Cabango, sova de, 214 descripēćo do paiz e seus costumes, 214-217 Cabindondo, ribeiro, 46 Caēa, 48-50 abundancia, 78 no Bihé, 153, 189, 231 Cacapa, povoaēões, 320 marcha forēada, 321 mantimentos tomados į forēa, 321 tufćo, 321 descripēćo de raēas, 322 Cachota, povoaēćo, 117 Caconda, seguimos para, 63, 69 fertilidade, 188 Cacurocįe, rio, atravessįmos, 61 Cacurura, povoaēćo, 117 Caiumbuca, sertanejo audaz do Bihé, 318 fica ao meu serviēo, 318 Calombeu, povoaēćo no Baroze, 315 Calucśla, acampįmos, 49 Caluqueime, povoaēões de, 61 Cambimbia, córrego, 234 serra, 236, 237 Cambuta, povoaēćo, 238 abundancia de rōlas, 238 raēas, costumes, etc., 239, 240 recepēćo pelas mulheres do sova, 241 Cameron, Commander Verney Lovett, xii Cana de assucar, 42, 198, 210 Canata, ribeiro, 73 Cangala, 237 Cangamba, Muene-Cahenda, sova de, 255 descripēćo do paiz e costumes, 256 Cangemba, serra do, 45 Cangombo, ribeiro, 219 Canhete, povoaēćo da raēa Luina, 324 traffico, costumes do paiz, etc., 325 Canhungamua, rio, 89 Canjongo, povoaēćo de, 74 Canssampõa, ribeiro, 237 Capata, 94, 146 Capźllo e Ivens, 5, 7, 10, 25 encontrąmo-nos em Benguella, 35 combinaēćo de trabalhos scientificos, 35 apreciaēćo humorģstica, 47 escrevem-me, resolvendo seguir sós, 78 resolvo-me, a meu turno, a seguir só, 79-80 Ivens offerece-se a acompanhar-me do Bihé a Benguella, em consequencia do meu estado de saude, 123 separaēćo entre mim e meus companheiros, 124, 125 visita trocada entre Ivens e mim, 158 Capōco, poderoso filho do sova do Huambo, 77 minha visita a elle, 77 sua audacia, 80 idéa de pundonor, 81 presta bom serviēo, 88, 89 mensagem do sova, 200 Capuēo, secślo, manda-me presentes, 96 Caquingue, paiz do, 105 descripēćo do paiz e raēas, 107 figuras, 108 trabalhćo principalmente o ferro, 109, 110 superstiēćo, 111 Carabina d'El-Rei, significaēćo, xx Caravana de Quilengues, 48 Carbonato calcareo, 42 Carregadores, falta de, 15, 22, 23 falta de confianēa em, 25, 27 em procura de, 26 obtenho a final, 34, 37 novas difficuldades, 37, 40, 66, 67, 83, 85 fujida de, 86 ladrões em geral, 150 Caruci, ribeiro, 118 Casamentos contractados antes da noiva nascer, 116 Cassamba, acampo perto de, 176 Cassįra-Caiéra, serra, 236 Cassōma, secślo rico, imposiēćo arrogante delle a seu sequito, 91 repulsa, 91 Cassongue, ribeiro, 117 Catapi, rio, 65 affluente do Cunene, 188 Catonga, povoaēćo de, 61 Caś-eu-hue, sova, 257 Cźra, 220 Chacahanga, conversa com o velho, 172 Chacahonha, povoaēćo da raēa Ganguela, 96 Chacaiombe, D^{or.} o adevinho, 212 pretende curar-me por meio de feitiēos, 248 Chacapombo, povoaēćo, 95 Chacaquimbamba, libata, 86 roubo e resgate, 87 Chalongo, ribeiro, por outra, Longo, 307 Chalussinga, floresta, 48 Chaquicengo, povoaēćo, 243 costumes e industrias, 244-246 Chaquiēonde, secślo, investe contra mim e é repellido, 270 Chaquimbaia, secślo chefe da povoaēćo de Ungundo, 118 extraordinaria temporal, tufćo, etc., 119 Charo, matas do, 118 Chiconde, ribeiro, 219 ąguas correndo para o Cuito, 219 Chicōto, soba, 237 Chicului, rio, 304 passagem do rio, 305 Chicśli-Diengin, rio, 50 Chimbarandongo, sova de Ngóla, 59 discurso de superstiēćo, 60 a cavallo em um de seu sequito, 60 amigo dos brancos, 61 Chimbuicoque, ribeiro, affluente do Cutato, 102 Chindonga, secślo de, traz-me um presente, 99 Chindśa, povoaēćo, 117 Chinguene, peixe, 298 Chipulo, peixe, 299 Chitando, ribeiro, 73 Chitequi, ribeiro, 63 Circumcisćo, 293 Cirurgićo, indigena dos sertões d'Ąfrica, 112 Cobongo, ribeiro, 219 Cobras, venenosas, 74, 229, 230, 288 Coillard, referencias į familia, x, xx Combule, córrego, desaguando no Chicului, 311 Comitiva, ordem da minha comitiva em viagem, 273 Comooluena, rio, 51 Córa, cabrinha de leite, dada de presente, 55, 126, 232, 305 Cōrpo diplomątico, estrangeiro em Lisboa, xii Cōrte ou sequito no Dombe, 40 Cōrvo, Joćo de Andrade, homenagem a, v, 5, 10, 24 serra de And^{e.} Corvo, 189 Coungi ou Catįpi, rio, 62 Crocodilos, 42, 327 Cuanavare, rio, 240 Cuando, o maior affluente do Zambeze, 241 suas nascentes, 242 descripēćo, 249, 293 correcēćo de nomes porque é designado, 293 Cuango, affluente do Lungo-é-Ungo, 237 Cuanza, nascente do, 158, 179 divisćo entre o Cubando e Cuanza, 190 passagem do, 194 o paiz entre o Cuqueima e o Cuanza, 209 Cuassequera, libata de, 62 Cubango, perto do, 96 a minha gente recusa-se a passar o, 97 passagem do, 28 ponte sobre o, 98 observaēões, 98 mulhéres, 102 divisćo entre o Cubango e Cuanza, 190 Cubangui, affluente do Cuando, 241 nascentes, 252 descripēćo, 257 Cuchi, 117 atravessei a ponte sobre o, 117 descripēćo, observaēões, etc., 118 Cuchibi, produzindo fruto alimenticio, 249, 251 atravesso no meu barco de cautchuc, 258 descripēćo do rio, perigos de, 259 em procura da minha comitiva, 262 aviso de perigos, 264 suas margens, 267, 289 Cué, rio, travessia do, 61 Cuena, rio, 76 Cuiba, 237 Cuime, rio, 209, 213, 237 Cuionja, povoaēćo de, 171 Cuito, rio, affluente do Cubango, 222, 237 Cumbambi, rio, 51 Cunene, rio, resoluēćo de nćo ir į foz do Cunene, mas directamente ao Bihé, 35 reconhecimento ao, 65, 73 travessia do, 90 Cuqueima, rio, travessia perigosissima, 121 canoa submergida salvando-me eu por milagre, 122 chego a Belmonte, 118, 123 atravessei-o por meio de um barco Macintosh, 177, 178 Cutangjo, rio, 242 Cutato, rio, 102, 103 Danēas, indigenas, 40, 205 Desastres, explosćo de uma balla Pertuisset, 54 Deserēćo de serventes, 51, 52 Doenēas, eu doente, 55 Capello, 65, 104 muleque Pépéca, 105 tolhido de dores rheumaticas, 119 durante jornada, peiorei, 120 grave, no Bihé, 124 endčmicas, 188 acho-me envolto em feitiēos de curandeiro, 247, 254, 268 Dombe Grande, chegada ao, 31, 40 Dombe, tem outros nomes, 41 sua descripēćo, 42 partida do, 45, 186, 187 Donzellas, 77 Dōro, rio, chamado das mulhéres, 76 Droma, rio, affluente do Calae, 74 Dumbo, soveta, 90, 91, 93 Elephantes, caēador de, 232 feitiēo contra, 232, 313 Enterros, 54 da mulhér que morre de parto, 116 de um sova, 142, 143 Entrevistas com o Ministro das Colonias, 3, 5, 9 Escravos resgatados para servirem de carregadores, 22, 107 libertei uma leva de, 181, 222, 223 escravatura, 224-226 Expediēćo, preparos, 11 instrumentos, armamento, barracas, etc., de, 12-14 subsidio votado, 24 Explorador, como eu fui, 1 Extravio, jumento fugido, é entregue por um indigena, 52 Feiticeiro, indigena dos sertões d'Ąfrica, 112, 115 Forēas colonias, compostas de maos elementos, 33 Frederico Youle, xii Gando, sova Tumbi, do, 177, 202 Ganguelas, mulheres, 178, 180 o paiz, 124 mappa, 204 Gazellas, grande, 62 Gongo, povoaēćo, 95 Govźra, riacho, 117 Guandoassiva, rio, 76 Hippopņtamos, 62, 66, 327 Homenagem a Andrade Cōrvo, v, 9 Huambo, descripēćo, 81 penteados, 83 figuras, 82 Hyenas, 62, 308 Hyrax, 73 Hystrix Africano, 42 "Indicator." Como indicador, ou nćo, da existencia do mel nas florestas, 306, 307 Instrucēões do Governo concernentes į exploraēćo, 21 Instrumentos de młsica, 40; rebeca, 163 Jacintho, do Ambriz, 19 Jamba, ribeiro, 63 José Antonio Alves, 172, 173 José Maria do Prado, hospede de, 16 Lagartas como alimento, 102 Lamupas (ou Mupas), 105 Leões, 62, 253, 304, 312, 319 Leopardo, morto por mim, 247, 248, 304 Lialui, capital do Barōze, 328 sou recebido pomposamente pela cōrte, etc., 328 o rei promette receber-me no dia immediato, 329 Libatas, 142, 149 planta de uma libata, 150 Licócótoa, ribeiro, 234 Liguri, lago, 219 Limbai, prevenēćo contra perigos no caminho para o, 311, 328 Lincumba, peixe, 298 Linica, povoaēćo, 179, 180 Linde, ribeiro, 254 Liondo, povoaēćo de uma Ilha, 328 Lionzi, povoaēćo, 300 seus costumes, etc., 301-304 Livro. Seu pensamento e fim, xv seu titulo, xix Loge, rio, 18 Lossóla, ribeiro, 62 Luceque, rio, 66 Luchazes, paiz dos, 220 raēas, 221 o paiz, costumes, etc., 221-3, 237, 243, 255 Luciano Cordeiro, viii escrevo a, 203 Luinas, commandados por Cicota, vem ao meu acampamento, 322 o paiz, 323 Luiz Albino, sertanejo Portuguez morto por um błfalo, 313 Lungo-é-Ungo, rio, 237, 242 Luvubo, ribeiro, 75 Macacos, episodio de offerta de, 20, 290 Macotas, conselheiros do sova, 141 Malanca, 308, 309 Mandioca, 43 Mapole, arvore e folha, 252, 253 Mappas, meu caminho de Benguella ao Bihé, 181 Massango como alimento, 234, 237 Massonge, riacho caudaloso, 51 Mavando, sova, 196 seu exercito, 196-197 visita do sova e sua cōrte, 199 Mel, 306 Milho, 94 Minha vida diaria, hygiene, costumes, etc.; 272 trabalhos, 273-274 Missionarios, referencia a, 101 Moenacuchimba, aldea, 95 Mōma, povoaēćo de, plantaēões enormes, 103 Mucano, crime sujeito a multa, 144, 145 receio de incorrer nelle, 155 Mucassequeres, acampamento de, 278 verdadeiros selvagens, sua descripēćo, etc., 280-284 differenēa entre elles e os Ambuellas, 281 Muene-Calengo, sovźta, 221, 237 Muene-Caś-eu-hue, chefe dos Ambuellas, 278 sua visita, 279 episodio: duas filhas do Rei dos Ambuellas offerecem-se como concubinas, 285, 288-290, 294 separćo-se da minha comitiva, 311 Muenevindo, povoaēćo governada por uma mulhér, 240 Mundombes, figuras, 43, 44 Muzinda, povoaēćo, 177 costumes, 178, 179 Nano, povos do, 81 Nariere, 328 Ngóla, visita ao sova de, 58 troca de presentes, 59 Nhengo, planicie, 316 acampei, 318 grande affluente do Zambeze, sua descripēćo, 319 Nhongoaviranda, rio, 234 Ninda, rio, acampado em suas margens, 312 enxame de insectos, e perigo de feras, 312, 313 Nondumba, rģacho, 62 Norōco, lago formado pelas aguas do Zambeze, 328 Observaēões scientificas. Systema por mim seguido, 130, 131 astronņmicas, 185, 191, 192 outras, de Benguella ao Bihé, 186-193 em Cambuta, 240 Obstąculos, 69 Onda, rio, 209, 211 peixe "Ditassōa," 211 fetus arbņreos, 212, 217, 218 Opumbulume, ąrvore, 267 Ośco, produzindo uma flór odorosissima 266, 315 Palanca, libata, 75 primeiro ponto determinado por mim, 75 o secślo Palanca amarrado, 97 precauēões contra elle, 100 Peacock, D^{or.}, meu mčdico assistente em Londres, xii Pereira de Mello, ix serviēo penhorante de, 166 Permutaēćo, commercio de, 43 Pessange, povoaēćo de, 74 Põe, rio, 88 Pombeiro, chefe de carregadores, 140, 141 Pontes, sobre o Calae, 86 id. Canhungamua, 89 Porto de Fende, rio, sua descripēćo, 66 Provisões, falta de, 49, 50, 74, 228, 272 longe de soccorros, 276, 317 tomadas į forēa, 321 Quando, rio, 65, 73 Queimbo, nascente do, 248 Quiaia, povoaēćo, 95 Quiassa, bebida, 147 Quichōbo, antģlope amphibio, 260 Quillengues, descripēćo, 52, 53 casamento, 53 embriaguez, 54 sahida de, 56, 187 Quimbandes, paiz, 195 raēas e costumes, 195, 196 industrias, 207, 208 o paiz, 210 Quimbungo, libata, 88 Quingolo, libata, 74 Quingue, velho capitćo do, seus protestos, etc., 107 Quiocos, ou Quibocos, 234 descripēćo do paiz, seus costumes, etc., 234, 235 Quipembe, chegada a, e recepēćo pelo sova de, 71 queixas contra Portugal, 72 visita e presente do sova de, 179 Quissangua, bebida, 147 Quissčcua, serra de, sua elevaēćo, ascenēćo, etc., 57 Quissengo, rio, 61 Quissonde, formiga destruidora, 226, 227 Quissonge, festa selvagem com sacrificio de carne humana, 148 Quissongo, 116 chefe de carregadores, 140 Quitaqui, riacho, caudaloso, 51 Rąpidos, da libata grande, 66 mupas de Canhacuto, 66 cataractas de Quiverequete, 66 Sambo, libata do sova no paiz do, 90 mulhér do Sambo, 93 acampamento entre Sambo e o Bihé, 94 um enviado do sova, 95 a "Enhana" de Ambamba, 189 Sanguesugas, 218, 249, 299 Secula-Binza, rio, 65, 70 Século, fidalgo, 142 Sepulturas de secślos, 104, 105 Silva Porto, ix, 34 chego a Belmonte, 122 meus companheiros deixćo a residencia de Silva Porto, que eu entćo occupo, 126 casa de Silva Porto, 128 serviēos penhorantissimos de, 166, 242 Sociedades geogrąphicas e outras, referencias a, xi, xii, xiv Songue, especie de antģlope, 270, 271, 305 Sovas do Dombe, descripēćo, nomes, etc., 39 cerimonias selvagens na acclamaēćo do novo sova, 143 as mulheres do sova, 144 Stanley, ix, 22 offerecimentos feitos em nome do Governo Portuguez a, 22, 23 sua estada em Loanda, 23 Sulphato de cal, 42 Superstiēćo esterilidade de mulheres, 293, 294 Tama, serra da, 50 "Tamega", corveta, ix passageiro da corveta, 21 Taramanjamba, valle extenso, 46 falta d'ągua, 46, 47 Tartarugas, 319 Termites, como alimento dos Bihénos, 148, 189, 213, 217, 218, 323 do Nhengo, 324 nas margens do Cutato, 103 Tia Leonarda, ou Tia Lina, do Ambriz, 19 Tributo a El-Rei, iii Tributo de gratidćo, em geral, vii Uba, monte, 61 Umpuro, rio, 51 Upanga, ribeiro, 63 Urivi, armadilha dos Luchazes, para caēa, 245, 278 Usserem, ribeiro, 61 Ussongue, rio, 66 Vambo, acampįmos em suas margens, 51 Vaneno, povoaēćo, 95 Varea, rio, affluente do Cuime, 209 Verissimo Gonēalves, 56 reconhece algumas raparigas roubadas em Quillengues, 81 Vicéte, libata fortificada entre rochas, 66 Zaire, subi o, 21 Zambeze, resolvo ir direito ao alto Zambeze, 129 Fim do Volume primeiro. LONDRES: NA TYPOGRAPHIA DE GUILHERME CLOWES E FILHOS (COMPANHIA LIMITADA), STAMFORD STREET E CHARING CROSS. Notas: [1] Alfredo Pereira de Mello, capitćo-tenente, e Governador de Benguella, era o mesmo Tenente Mello de que fala Cameron no _Across Africa_, e que era entćo Ajudante-de-Campo do Governador da Provincia d'Andrade. [2] Parte d'estes carregadores, 200, só chegįram a Benguella a 27 de Dezembro, e outros 200 por fins de Fevereiro. [3] Isto é quasi a prątica seguida entre os Maraves, a prova do Muave. (Gamito, e Muata Cazembe.) [4] Eu chamo fardo a carga de um homem, proximamente trinta kilogrammas. [5] Lembra-me aqui do que me dizia o Ivens, com aquella graēa que nunca perdeu nos transes mais dolorosos. Dizia elle, "Em eu vendo entrar no meu campo prźto de sapatos de liga e guardasol, jį sei que é branco, e estou logo a tremer." End of the Project Gutenberg EBook of Como atravessei Ąfrica (Volume I), by Alexandre Alberto da Rocha de Serpa Pinto *** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK COMO ATRAVESSEI ĄFRICA (VOLUME I) *** ***** This file should be named 20508-8.txt or 20508-8.zip ***** This and all associated files of various formats will be found in: http://www.gutenberg.org/2/0/5/0/20508/ Produced by Rita Farinha, Joćo Miguel Neves, Carlo Traverso and the Online Distributed Proofreading Team at http://www.pgdp.net (This file was produced from images generously made available by the Bibliothčque nationale de France (BnF/Gallica) at http://gallica.bnf.fr) Updated editions will replace the previous one--the old editions will be renamed. Creating the works from public domain print editions means that no one owns a United States copyright in these works, so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United States without permission and without paying copyright royalties. Special rules, set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you do not charge anything for copies of this eBook, complying with the rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose such as creation of derivative works, reports, performances and research. They may be modified and printed and given away--you may do practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is subject to the trademark license, especially commercial redistribution. *** START: FULL LICENSE *** THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free distribution of electronic works, by using or distributing this work (or any other work associated in any way with the phrase "Project Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project Gutenberg-tm License (available with this file or online at http://gutenberg.org/license). Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm electronic works 1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to and accept all the terms of this license and intellectual property (trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession. If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8. 1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be used on or associated in any way with an electronic work by people who agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works even without complying with the full terms of this agreement. See paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic works. See paragraph 1.E below. 1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation" or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the collection are in the public domain in the United States. If an individual work is in the public domain in the United States and you are located in the United States, we do not claim a right to prevent you from copying, distributing, performing, displaying or creating derivative works based on the work as long as all references to Project Gutenberg are removed. Of course, we hope that you will support the Project Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with the work. You can easily comply with the terms of this agreement by keeping this work in the same format with its attached full Project Gutenberg-tm License when you share it without charge with others. 1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in a constant state of change. If you are outside the United States, check the laws of your country in addition to the terms of this agreement before downloading, copying, displaying, performing, distributing or creating derivative works based on this work or any other Project Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning the copyright status of any work in any country outside the United States. 1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg: 1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed, copied or distributed: This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org 1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived from the public domain (does not contain a notice indicating that it is posted with permission of the copyright holder), the work can be copied and distributed to anyone in the United States without paying any fees or charges. If you are redistributing or providing access to a work with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or 1.E.9. 1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted with the permission of the copyright holder, your use and distribution must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the permission of the copyright holder found at the beginning of this work. 1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm License terms from this work, or any files containing a part of this work or any other work associated with Project Gutenberg-tm. 1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this electronic work, or any part of this electronic work, without prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with active links or immediate access to the full terms of the Project Gutenberg-tm License. 1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary, compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any word processing or hypertext form. However, if you provide access to or distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than "Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org), you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm License as specified in paragraph 1.E.1. 1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying, performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9. 1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided that - You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method you already use to calculate your applicable taxes. The fee is owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he has agreed to donate royalties under this paragraph to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments must be paid within 60 days following each date on which you prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax returns. Royalty payments should be clearly marked as such and sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the address specified in Section 4, "Information about donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation." - You provide a full refund of any money paid by a user who notifies you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm License. You must require such a user to return or destroy all copies of the works possessed in a physical medium and discontinue all use of and all access to other copies of Project Gutenberg-tm works. - You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the electronic work is discovered and reported to you within 90 days of receipt of the work. - You comply with all other terms of this agreement for free distribution of Project Gutenberg-tm works. 1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm electronic work or group of works on different terms than are set forth in this agreement, you must obtain permission in writing from both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the Foundation as set forth in Section 3 below. 1.F. 1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread public domain works in creating the Project Gutenberg-tm collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic works, and the medium on which they may be stored, may contain "Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by your equipment. 1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all liability to you for damages, costs and expenses, including legal fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH DAMAGE. 1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a written explanation to the person you received the work from. If you received the work on a physical medium, you must return the medium with your written explanation. The person or entity that provided you with the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a refund. If you received the work electronically, the person or entity providing it to you may choose to give you a second opportunity to receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy is also defective, you may demand a refund in writing without further opportunities to fix the problem. 1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE. 1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages. If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any provision of this agreement shall not void the remaining provisions. 1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance with this agreement, and any volunteers associated with the production, promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works, harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees, that arise directly or indirectly from any of the following which you do or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause. Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of electronic works in formats readable by the widest variety of computers including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from people in all walks of life. Volunteers and financial support to provide volunteers with the assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will remain freely available for generations to come. In 2001, the Project Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations. To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4 and the Foundation web page at http://www.pglaf.org. Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit 501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at http://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent permitted by U.S. federal laws and your state's laws. The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S. Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered throughout numerous locations. Its business office is located at 809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email [email protected]. Email contact links and up to date contact information can be found at the Foundation's web site and official page at http://pglaf.org For additional contact information: Dr. Gregory B. Newby Chief Executive and Director [email protected] Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide spread public support and donations to carry out its mission of increasing the number of public domain and licensed works that can be freely distributed in machine readable form accessible by the widest array of equipment including outdated equipment. Many small donations ($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt status with the IRS. The Foundation is committed to complying with the laws regulating charities and charitable donations in all 50 states of the United States. Compliance requirements are not uniform and it takes a considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up with these requirements. We do not solicit donations in locations where we have not received written confirmation of compliance. To SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any particular state visit http://pglaf.org While we cannot and do not solicit contributions from states where we have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition against accepting unsolicited donations from donors in such states who approach us with offers to donate. International donations are gratefully accepted, but we cannot make any statements concerning tax treatment of donations received from outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff. Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation methods and addresses. Donations are accepted in a number of other ways including checks, online payments and credit card donations. To donate, please visit: http://pglaf.org/donate Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic works. Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm concept of a library of electronic works that could be freely shared with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support. Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S. unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily keep eBooks in compliance with any particular paper edition. Most people start at our Web site which has the main PG search facility: http://www.gutenberg.org This Web site includes information about Project Gutenberg-tm, including how to make donations to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.

99,417 words • 1656h 57m read

— End of Como eu atravessei Àfrica do Atlantico ao mar Indico, volume primeiro —

Book Information

Title
Como eu atravessei Àfrica do Atlantico ao mar Indico, volume primeiro
Author(s)
Pinto, Alexandre Alberto da Rocha de Serpa
Language
Portuguese
Type
Text
Release Date
February 2, 2007
Word Count
99,417 words
Library of Congress Classification
DT
Bookshelves
PT Navegações e Explorações, Browsing: History - General, Browsing: Travel & Geography
Rights
Public domain in the USA.