Project Gutenberg's Cidades e Paisagens, by Jaime de Magalhăes Lima
This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
with this eBook or online at www.gutenberg.org
Title: Cidades e Paisagens
Author: Jaime de Magalhăes Lima
Release Date: March 7, 2008 [EBook #24774]
Language: Portuguese
Character set encoding: ISO-8859-1
*** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK CIDADES E PAISAGENS ***
Produced by Pedro Saborano
JAYME DE MAGALHĂES LIMA
CIDADES E PAIZAGENS
_PORTO_
TYP. DE A. J. DA SILVA TEIXEIRA
Cancella Velha, 70
1880
CIDADES E PAIZAGENS
JAYME DE MAGALHĂES LIMA
CIDADES E PAIZAGENS
_PORTO_
TYP. DE A. J. DA SILVA TEIXEIRA
Cancella Velha, 70
1880
_A MEU PAE_
_Sebastiăo de Carvalho Lima_
_Creio ter chegado a um periodo da vida em que a formaçăo mental do
individuo estaciona, tendo-se completado nos limites da sua capacidade.
O pensamento trabalha talvez com maior actividade e n'um campo d'acçăo
mais vasto do que no passado; mas a fórma e força dos seus orgăos já năo
progridem nem crescem nem diminuem nem mudam, mantęm-se. É porventura a
época de estudo mais fecundo, năo é decerto a de maiores prazeres; pois
as emoçőes intensas do crescimento consciente de vigor foram
substituidas pela repetiçăo serena e methodica de esforços e resultados
semelhantes._
_Breve ou longo, luminoso ou obscuro, tal qual foi com todos os seus
tedios e todas as suas alegrias, percorri esse caminho apoiado na
generosa amizade de meu pae. Por isso lhe dedico estas cartas, primicias
de uma nova idade devidas á gratidăo._
Jayme de Magalhăes Lima.
_ADVERTENCIA_
_Para repouso do espirito e procurando uma representaçăo exacta de
coisas que conhecia só pela leitura e me interessavam, fiz no outono
passado uma rapida viagem pelo norte da Europa e da Africa. Nos breves
momentos de descanso do meu jornadear impaciente dei conta do que ia
vendo e pensando nas cartas que ora enfeixo n'este livro._ _Accusam-me
os amigos e criticos intelligentes de ter sido abstruso, poupando-me a
descripçőes e á narraçăo dos factos e só cuidando de apontar as
impressőes de natureza moral que ficavam no meu espirito. A accusaçăo é
procedente, reconheço-o; mas năo tentarei corrigir-me pelo respeito que
devo á sinceridade._
_Estas cartas săo reflexőes sobre um limitadissimo numero de factos
porque na verdade o meu espirito é d'este molde; prende-se meramente ao
que se lhe afigura saliente e caracteristico, e despreza e esquece tudo
o mais. Se é boa, se é má, năo sei dizel-o; sei apenas que é esta a sua
fórma._
_Năo desprezo o trabalho descriptivo, incomparavel delicia quando é bem
feito, unica base dos conhecimentos geraes; mas, além de requerer
aptidőes litterarias especiaes que năo tenho, demanda ao mesmo tempo
dotes d'um outro genero de que igualmente careço. A descripçăo,
associada á narrativa e ao dialogo, póde bem aventurar-se no romance sem
outro qualquer auxilio: a descripçăo simples, por mais brilhante que
seja, é um anachronismo enfadonho se lhe falta a interpretaçăo do lapis
e do carvăo que elucida, completa, abrevia e deleita, dando rapidamente
uma impressăo extensa._
_Depois, ha muitos modos de viajar. Ha em primeiro logar o estudo--o
conhecimento interno e externo dos povos nas suas instituiçőes e nas
suas paizagens, na sua vida moral e na sua vida economica, nas suas
qualidades physiologicas e nas suas aptidőes artisticas, no seu modo de
ser intimo e nas suas relaçőes com o mundo externo. Esses estudos
carecem de longo tempo e saber paciente e a descripçăo é um dos seus
elementos; estăo feitos para quasi todo o mundo tantas vezes e tăo bem
que seria vaidade pueril tentar acrescentar-lhes o que quer que fosse._
_Um segundo modo é a viagem por curiosidade--vęr muita coisa e coisas
differentes das que habitualmente vemos. É o regalo das sensibilidades
cansadas ou demasiado cubiçosas e um genero de «sport» hoje muito em
voga; o seu valor educativo, porém, é mediocre pela multiplicidade das
impressőes e falta de connexăo entre si._
_Entre estes dois modos parece-me haver um terceiro, munido de estudos
prévios para dispensar observaçăo demorada e curioso só quanto baste
para a elucidaçăo do estudo. Procura a representaçăo directa d'aquillo
que já conhece, vendo em movimento os corpos vivos cuja anatomia e
physiologia estudou primeiro; vai envolver-se na corrente das cidades
para sentir o calor e o palpitar do seu sangue e uma vez alcançada esta
impressăo abandona-as como um parasita irrequieto._
_Isto pelo que diz respeito ao modo de apreciar as viagens. Pelo que se
refere propriamente ás minhas impressőes nada quero acrescentar e muito
pouco tenho que esclarecer._
_O que escrevi de Berlim fará cręr que năo senti lá outra coisa senăo um
militarismo brutal absolutamente antipathico ao meu espirito, quando é
verdade que ao seu lado vi com intima admiraçăo a força moral d'um
regimen de ferro em que tudo é pautado pela lei severa e obedecida. Năo
sei que haja paiz que possua mais profundamente o fetichismo do dever.
Um acto pratica-se porque é obrigaçăo pratical-o e no cumprimento das
obrigaçőes năo ha hesitar--tal é o primeiro e mais assombroso resultado
educativo que a severidade allemă alcançou para aquelle povo._
_Nem mesmo direi antipathico o caracter do actual imperador da
Allemanha, apesar do seu muito contestavel amor filial e d'uma paixăo
militar que năo deve ficar longe da loucura. Aspirar a constituir uma
patria e uma naçăo «allemăs» é talvez uma especie de egoismo mas largo e
generoso; póde ser abominavel mas năo perde por isso a admiraçăo devida
a todas as coisas grandes. E este é, a meu vęr, o caso do imperador da
Allemanha._
_Igualmente receio ter ficado obscura a minha discussăo com o conde
Tolstoď._
_D'accordo quanto á medida do progresso, conformes ambos em que devemos
aferil-o pelo alargamento e mais profunda penetraçăo da fraternidade ou
do amor nas relaçőes sociaes, differiamos no modo pratico da sua
realisaçăo. Tolstoď conclue pelo nihilismo, pela aboliçăo da
propriedade, do estado, de todos os vinculos e de todas as dependencias,
entregando os homens sómente á sua lei divina ou moral; pede uma
dissoluçăo onde eu pediria uma organisaçăo, uma ordem, d'onde derivam a
familia, a communa, a propriedade, o estado, uma subordinaçăo. Historica
e scientificamente está demonstrado, que, abolidos esses laços, a
sociedade cae na anarchia, na guerra, na livre soberania da lucta pela
vida, negaçăo da fraternidade._
_E năo se diga que esta maneira de vęr contradiz a igualdade, tendencia
evolutiva das sociedades aryanas, historicamente demonstrada. A
igualdade entre os homens, que o christianismo e a philosophia
reconhecem, traduz-se nas instituiçőes politicas n'uma accessibilidade
de estado e de classe e năo na aboliçăo de todos os estados sociaes e
das classes, orgăos da humanidade. D'esses orgăos deriva a sua fórma e é
esta que nos cumpre aperfeiçoar sem a destruirmos._
_De resto, quanto ao modo de viver de Tolstoď, só repetirei que me
merece a mais illimitada admiraçăo. Comprehende-se e admira-se o homem
entregue sem reservas a uma paixăo sublime, despindo-se heroicamente de
todo o «snobism» com que a fraqueza de todos nós condescende e
curvando-se sobre o arado; absorvido n'esse mysterio insondavel e
fascinante da terra, aureolado da maior de todas as bençăos divinas--a
humildade._
_Sobre os demais pontos das minhas cartas creio năo haver obscuridade
que mereça ser apontada._
CIDADES E PAIZAGENS
_Salamanca, 1 de Setembro._
Novamente em terras estranhas, com as velhas malas tisnadas ao sol de
mil combates, isto é, cobertas dos rotulos dos caminhos de ferro e dos
hoteis, que lhes abrem no coiro espesso grandes chagas multicôres; com
essas fieis companheiras que por mim pisaram todo o calvario dos omnibus
e dos wagons e soffreram ás măos brutaes dos moços de gare, encontro
velhas idéas, velhos programmas de viagem. Năo mudei: a bagagem é ainda
a mesma, exterior e interiormente.
A boa ordem e o methodo exigem um programma, exigem que antecipadamente
determinemos um fim e um systema. D'outra forma, a viagem năo passa de
uma dissipaçăo, de elegancia ou de vaidade, um regabofe, grandes
empresas, grandes aventuras, para escancarar de pasmo a boca dos
papalvos. _Abrenuntio!_
Tenho lido e creio que o inglez e o russo viajam de maneira
absolutamente diversa; o inglez vendo tudo, seguindo linha a linha o seu
_guia_, minuciosa e escrupulosamente, e o russo passeando livremente,
sem guia e sem tutela, correndo cidades e campos, envolvendo n'uma
especie particular de indifferença museus e bibliothecas, cathedraes e
universidades, monumentos e palacios, toda essa interminavel corda com
que é costume enforcar a bolsa e a paciencia do viajante. Emquanto o
inglez procura factos e impressőes desconnexos, mas em grande numero, o
russo procuraria poucas ideas geraes; um attenderia ao numero e á
quantidade, outro á grandeza e á qualidade.
Năo sei até que ponto será exacta a distincçăo como attributo
caracteristico de raça; é certo porém que em geral a podemos considerar
verdadeira. A năo ser que viajemos com um fim especial, o estudo de uma
cultura, de uma arte, de um novo processo industrial, ou qualquer outro,
ha apenas dois systemas de viajar, extremos de um dos quaes todo o caso
particular sempre se aproxima: ou procuramos a abundancia e a riqueza de
impressőes ou um limitado numero de aspectos e idéas geraes, pondo de
parte os factos inuteis á sua constituiçăo.
Sobre o valor intellectual dos dois systemas năo me parece poder
levantar-se duvida; ha toda a distancia que vai da simples curiosidade
ao pensamento. Um estampa, grava e guarda, no seu estado primitivo, as
percepçőes recebidas; o outro funde, relaciona, e tira um novo producto
unico residuo duradouro e util.
Ora, devo advertir aos que tiveram a paciencia de me acompanhar até aqui
que desde longos annos me inscrevi na segunda das categorias que esbocei
e năo abjurei nem espero abjurar a primeira confissăo. Temperamentos! Já
vę, pois, o leitor o que póde esperar d'estas breves palestras,
escriptas de relogio em punho e sob a respeitavel auctoridade dos
horarios do caminho de ferro; nem poderei despertar-lhe transportes de
enthusiasmo, em segunda măo, pelos quadros e monumentos notaveis, nem
lhe contarei quantos viajantes me acompanhavam, nem como vestiam e
dormiam, nem mesmo poderei dizer-lhe, e isso com verdadeira magua, se,
realmente, n'esta parte da Europa que vou percorrer, é lei universal de
todas as hospedarias deixar á noite os sapatos á porta do quarto de
dormir e encontral-os de manhă bem lustrosos de graxa. Nada d'isto terei
tempo de dizer-lhe; apenas alguns factos e idéas muito geraes.
Já temos quanto baste de declaraçőes prévias para que possamos
entender-nos; passemos pois á viagem.
Do Porto a Salamanca o caminho é bem conhecido. Atravessando o Minho,
nas proximidades de Penafiel, póde observar-se o aspecto bem differente
do Minho suburbano e littoral, como a Maia e Rio Tinto, e o Minho
interior, aproximando-se das montanhas. N'este, a vegetaçăo nos valles é
mais abundante e viçosa, talvez resultado do maior abrigo; os montes
circumvisinhos săo mais elevados e muito despidos, differentemente do
que acontece no littoral onde as eminencias săo bem povoadas de pinhal
que desce até á margem dos campos. A casa caiada e branca, construida de
argamassa e coberta de telha, deu logar á cabana de pedra solta e de
colmo, defumada e baixa. Săo de uma grande belleza as pequenas aldeias
do interior do Minho; sombrias pela luz frouxa, pelo verde carregado da
vegetaçăo, pela côr terrea dos montes escassamente povoados de urze, e
pelo colmo e o granito das habitaçőes; mas ha no quadro uma grande
harmonia de tons, deliciosas linhas pittorescas, e, na falta de arte,
uma grande expressăo, a que resulta da completa communhăo do homem e da
terra. A aldeia e o homem săo pouco, quasi nada, a confundirem-se com os
milharaes e com os pampanos.
Do Minho passamos á margem do Douro e ás suas encostas devastadas pela
phylloxera.
A meu vęr, a paizagem carece de belleza; a natureza menos consistente
dos terrenos schistosos produz a molleza de contornos; e a cultura,
fazendo dos montes escadarias, destruiu toda a harmonia natural e
substituiu a paizagem, năo por outra paizagem mas por cachos d'uvas em
prateleiras. Alem d'isto, os valles săo demasiado estreitos e falta por
isso a distancia necessaria para vęr bem as montanhas.
Săo de uso e de bom gosto as lamentaçőes sobre a sorte infeliz do Douro;
e, de facto, os olhos menos penetrantes vęem alli a miseria e a
destruiçăo de uma opulenta riqueza que, nos seus melhores tempos, deu ao
lavrador uma vida sumptuosa.
Mas está o Douro perdido para sempre? E as florestas, e a acclimataçăo
de plantas novas e de novos animaes? Assim como a giesta cresce por
aquelles montes, năo haverá plantas exoticas de maior utilidade que
supportem igualmente os rigores d'aquella regiăo? Năo tęm os lavradores
um vasto campo a explorar na criaçăo dos pequenos animaes como as aves e
os coelhos? Năo seria possivel fazer grandes reservas das aguas que no
inverno correm em torrentes pelas montanhas? Se me năo illudo, os
grandes males da regeneraçăo agricola do Douro năo vem da sua natureza
physica de que com arte necessariamente poderiamos tirar proveito; o
grande embaraço é a falta de instruçăo e de capitaes. Para restituir á
cultura as suas terras agrestes e hoje em completo abandono, é
necessario que o lavrador saiba e possa; e, dado que viesse a saber em
pouco tempo, quantos mil contos de reis năo custaria a empresa?
Subindo sempre, entramos em Hespanha, e pouco depois, vinhas e olivaes e
amendoeiras, tudo nos desapparece para nos internarmos em plena regiăo
montanhosa. Nenhuma cultura, mas a paizagem é granitica, cheia de
grandeza, os contornos nitidos e arrojados. Seguem-se planaltos
arenosos, cultivados na maior parte; rarissimas videiras, os cereaes
dominam e, parece, formam o tronco, a parte essencial da lavoura, como,
de resto, succede nas grandes elevaçőes do nosso clima. As aldeias năo
săo frequentes, mas os campos murados e extremamente subdivididos.
Sobreveio a noite. Pelos campos do Tormes, imagino que a paizagem năo
muda até Salamanca, pois o que vim encontrar aqui é em tudo semelhante
ao que deixei, com a simples differença de que as hortas abundam,
consequencia manifesta das proximidades de um mercado urbano.
Resta-me fallar de Salamanca, falta-me o tempo. De Paris conversaremos.
* * * * *
_Paris, 5 de Setembro._
Salamanca é uma cidade antiga.
As cidades antigas săo como as grandes obras classicas que ora se
encontram empoeiradas e amarellecidas na ediçăo original, em que o texto
e a fórma conservam a harmonia e a exactidăo primitivas, ora se
encontram nas ediçőes modernas, annotadas, corrigidas, sob uma nova
fórma material, corrompidas e alteradas o mais das vezes até se tornarem
uma obra nova. Săo raras as velhas ediçőes authenticas, e mais raras
ainda essas outras especies de livros escriptos em pedra a que se chama
cidades; porque, n'estas, as alteraçőes săo constantes, dia a dia,
lentas e immediatamente imperceptiveis. Quando assim năo é, a cidade
morreu.
Salamanca, sem ter morrido, estacionou. É como estes velhos enrugados,
magros, tomando com exactidăo rigorosa as suas refeiçőes, o seu jornal e
o seu passeio, agasalhados n'um casaco que nenhuma tesoura hoje sabe
talhar, o pescoço envolvido em gravatas cuja vastidăo nos assombra:
vivem ainda e săo todavia um documento do passado. Entre elles e as
cidades ha uma differença apenas: as cidades podem rejuvenescer, os
homens nunca.
As bilhas da agua d'uma fórma tradicional, archaica; o trajar dos homens
do campo, de calçăo e polaina de coiro, jaqueta e larga faixa, o collete
curto com duas ordens de grandes botőes de prata, a camisa sem collar,
apertada com um só botăo de filigrana, o peito todo de rendas; os
palacios d'outro tempo, com janellas de todo o genero, largos portaes em
arco e as mais bellas ferragens, agora tăo infelizmente substituidas por
informes pastas de ferro fundido; tudo nos transporta aos seculos
passados e faz de Salamanca uma cidade interessante pelo valor
instructivo, agradavel pelo desconhecido da impressăo e finalmente bella
por uma certa harmonia de quadro antigo que a vida moderna năo logrou
apagar.
Năo quero especialisar. Era preciso ser artista e historiador e eu năo
passo de simples lavrador, viajando intellectual e materialmente com a
mesquinha bagagem de estudante.
Duas observaçőes apenas sobre a cathedral que, dizem os _guias_, é obra
maravilhosa de gothico moderno. Confesso que năo me arrebatou. Os
rosarios de bispos e santos ornando as arcadas, estes paineis de reis
magos com sandalias bordadas, elephantes e camęlos, anjos e oliveiras,
christos e judeus, tudo acamado em muitas folhas de plantas
desconhecidas, a Paixăo e a Palestina inteiras e completas na fachada
d'uma cathedral, săo d'uma belleza que os meus olhos năo percebem, por
demasiado complicada, talvez. Quer-me parecer que a harmonia na obra
d'arte se estende ás relaçőes da substancia e da fórma e que os
bordados, que convém ao linho e á sęda, săo absolutamente deslocados na
pedra. Poderăo valer de muito como testemunho de perfeiçăo e habilidade
do artifice, mas da sua belleza desconfio.
Uma ultima observaçăo, antes de deixar Salamanca. Aqui, como em toda a
Hespanha, abundam as côres vivas no trajar; e os escriptores tem por
norma basear n'este facto os instinctos artisticos do povo, comparando-o
com o norte sombrio e melancolico. Năo será antes uma prova de barbarie?
Năo demonstra uma inferioridade de sensibilidade physica e tendencia a
só perceber as côres que ferem a vista com maior intensidade? Junte-se a
isto um excessivo cuidado no penteado das mulheres, tendo sempre em
vista que a ethnographia mostra que a necessidade do adorno precedeu a
necessidade do agasalho, e teremos sobre que reflectir. Sobre que
reflectir, note-se; ponho uma interrogaçăo, năo faço uma affirmaçăo
categorica.
Os primeiros campos que vi depois de Salamanca foram os de Miranda do
Ebro; campos de calcareo, poeirentos, com uma vegetaçăo frouxa, aldeias
raras, distantes, escalavradas, denunciando uma vida estacionaria, a
provincia bem sarjada de estradas e de ribeiros, ladeados de grandes
choupos. Amiudam-se as aldeias, o campo e a habitaçăo tem certo aspecto
de cultura, de ordem, de riqueza, de bem-estar, e entramos em Vitoria,
uma cidade já muito á moderna, com boas ruas, casas altas e bem
alumiadas, relvas, jardins, arvores e verdura em torno.
Alteram-se os dois quadros anteriores durante algum tempo, passa-se uma
série de tunneis. Estamos nos Pyrenéos.
Os Pyrenéos! A Suissa sem neve e sem grandeza, a vida abundante,
tranquilla, cerrada como aquelles horisontes! Os casaes dispersos, uma
grande paz, a aldeia năo é precisa, vive-se só, os campos em volta da
cabana, e em baixo, no curral, o ubere farto, generoso e inesgotavel das
vaccas pacientes com grandes manchas brancas; ao lado o pomar, a
macieira doirada de pômos, em baixo o campo de milho, senhor feudal
d'aquelles campos, latejando de opulencia e de vigor, pelas encostas os
prados, e lá até ao cimo da montanha a floresta espessa e baixa. A
imagem da vida modesta, estreita, serena, sem miseria e sem paixőes.
Depois, até ao cerrar da noite, os pinhaes sem fim da regiăo bordalenga
e vamos acordar em Paris, Roma de uma nova Igreja a que preside um
papa--a Devassidăo.
* * * * *
_Berlim, 5 de Setembro._
Dizem os economistas que a cidade substituiu a feira; ao mercado
periodico e transitorio succedeu o mercado permanente. Se ha capital
europeia que justifique este modo de vęr é por certo Paris.
Nenhuma tem mais accentuado caracter de mercado, com barracas de todo o
genero:--de espectaculos, de alimentos, de vestuario, de prostituiçăo e de
politica. Porque--por exagerada que pareça a expressăo, é todavia
verdadeira--a politica nos governos democraticos e representativos é um
mercado, a sua lei a concorrencia; todos săo livres, todos săo iguaes, e
para entrar, para vencer, para lançar măo do poder tudo é licito e bom, a
honestidade, o civismo e a intelligencia, e a lisonja, a intriga, a
corrupçăo e a sem-vergonha. Triumphos ephemeros! Apenas alguem trepou ao
ultimo degrau tem atraz de si um exercito, uma multidăo, acotovelando-se,
rasgando-se, batendo-se furiosamente, e o vencedor de hoje vai rolar amanhă
na poeira ignorada e infecunda dos vencidos.
O governo politico da França contribuiu manifestamente para dar a Paris
o seu caracter actual.
Dois elementos principaes formam uma cidade: o elemento governativo, o
funccionario, o militar e a côrte, e o elemento mercantil, o commercio e
a industria. Theatros, museus, bibliothecas, palacios, escólas, jardins,
passeios e grandes ruas săo a consequencia natural da existencia
d'aquelles dois elementos; ou representam satisfaçőes de prazer para uma
populaçăo ociosa, ou săo condiçőes de trabalho e instrumentos de estudo
para a populaçăo laboriosa: e, em qualquer caso, a sua vastidăo e
grandeza derivam da necessaria proporçăo que existe entre a intensidade
da vida social d'um povo e os seus orgăos. Acontece, porém, que nos
governos monarchicos, mais ou menos absolutos, ao lado do elemento
mercantil, cuja norma é a concorrencia e o lucro, está um outro,
igualmente poderoso e influente, que tem por norma a ordem, a sujeiçăo e
a obediencia e sempre uma apparencia séria e grave, embora muitas vezes
occulte sentimentos e caracteres intimos que o năo săo; e este ultimo
elemento, temperando o que o primeiro tem de excessivamente grosseiro e
palrador, dava á cidade uns traços ligeiramente sombrios que, sem a
tornarem triste, corrigiam o que porventura houvesse de demasiado
estrepitoso e garrido. Ora a França, com a dissoluçăo do segundo
imperio, escreveu por toda a parte Liberdade, Igualdade, Fraternidade,
varreu os ultimos restos de dependencia hierarchica, nivelou todas as
profissőes, o sabio, o politico e o mercador; e as instituiçőes sociaes
e politicas, juntando-se ao caracter inquieto e vivo d'aquelle povo,
abriram de par em par as portas de uma grande feira franca--Paris.
Desde a madrugada até alta noite, compra-se e vende-se. Ao romper da
manhă, os pesados _percherons_ arrastam ao mercado toda a riqueza que os
campos enviam; depois, vem o politico em busca do poder, comprando por
todo o preço o voto popular, lisonjeando-lhe no parlamento e na imprensa
os caprichos e instinctos, cedendo sem pudor á traficancia e á
corrupçăo; depois, vem o sportman e o titular, os cavallos e os vestidos
caros, as carruagens, as rendas e os brilhantes, vem o livro escandaloso
e o livro desvairado, vem a feira das vaidades, como lhe chamaria o
romancista inglez; depois, os mercados do amor, a miseria que ri, a
miseria embriagada da propria miseria; e sempre o marulhar d'esta onda
constantemente inquieta que geme e apregôa, ameaça e implora.
Á concorrencia desenfreada năo ha superioridade de especie alguma que
resista; os mais bellos caracteres de raça, a lucidez, a alegria, os
instinctos artisticos, a elegancia, a percepçăo viva e prompta da fórma
e da côr, aniquilam-se, pervertem-se. Vencer é o fim ultimo e unico, e
para lá chegar, a primeira coisa a pôr de parte é a qualidade
fundamental de todo o espirito săo,--a sinceridade. Importa pouco ao
estadista o seu proprio pensamento sobre as coisas politicas, năo
precisa tel-o, nem muitas vezes o tem; o essencial é saber o que pensam
aquelles por cujos hombros tem de trepar. Importa pouco ao artista e ao
homem de letras ouvir a sua consciencia sobre o que ella lhe diz da
belleza na obra d'arte; o essencial é saber o que pasma e arrebata
aquelles que hăo de pagar-lhe em incenso e ouro.
A vida consome-se febril e ardentemente, quasi heroicamente, n'um
esforço ingente--chamar gente á sua barraca.
Se houvesse de consultar os meus sentimentos sobre a vida de Paris
cobriria estas folhas de lamentos; mas o critico escuta as vozes
estranhas sem dar ouvidos á sua voz intima, observa, descreve e
classifica os phenomenos e as ligaçőes das coisas, esquecendo as suas
aspiraçőes e desejos. Se porém me é permittida uma pequena desobediencia
a lei, confessarei quanto me repugna esta inanidade de vida moral, e o
desprendimento da natureza e de todas as forças intimas e divinas que
regem o homem e o mundo. Paris afigura-se-me uma fornalha de gelo, rubra
como a chamma e fria como a neve; consome e năo dá calor, como se um dia
no pólo todas as neves se incendiassem n'uma labareda ingente e em torno
um frio agudo a prostrar na morte a humanidade.
Sempre a tyrannia do horario dos caminhos de ferro! Tinha ainda duas
palavras a dizer de Paris, de Berlim, e da viagem até aqui, mas só em
Moscow poderei fazel-o. Já me resignei a nunca trazer estas notas em
dia.
* * * * *
_Moscow, 13 de Setembro._
Ao vęr os arredores de Paris, coalhados de jardins e de pequeninas casas
tratadas com esmero, dir-se-hia que aquella gente conserva sempre vivo
um grande amor pelo silencio e pela paz da natureza. Do pequeno burguez
ao grande banqueiro, todos ambicionam a arvore e a flôr, ou sejam em
dois palmos de terra, comprados a peso de ouro, ou seja em vastos
parques, traçados com arte e sabedoria; e ao domingo, o operario, o
caixeiro, a legiăo innumera dos humildes vai a Saint Cloud, a Saint
Germain, a Enghien, ou a qualquer outro arrabalde, onde tenha um retalho
de relva e um farrapo de sombra para deitar-se um momento.
Săo porém levados pelo amor da terra? Năo săo. Todas as grandes cidades
tęm ao lado estes ninhos de verdura onde nas horas de ocio se acoita a
populaçăo extenuada e anemica; săo uma necessidade hygienica,
dependencias obrigadas, como os theatros, os museus e as escólas. Mas o
que ahi se procura năo é a satisfaçăo d'um sentimento ha muito perdido
no tumulto das ruas e na anciedade de enriquecer e gozar; procura-se
saude, recuperar forças, um tonico, um alimento substancial, especie de
ferro e de extracto de carne.
Transportam-se para o campo os habitos da cidade, năo se vai para o
campo a fugir da cidade; e na arvore mysteriosa e sagrada năo se adora
um deus que o cerebro exangue já năo percebe nem sente, vę-se uma
pomada, um balsamo que dá frescura e vigor á pelle, abrazada por um ar
empestado e por uma actividade excessiva. A cidade é uma fornalha, o
campo um hospital.
Duas coisas admiro todavia n'uma cidade como Paris--a organisaçăo e a
intensidade do movimento, e o poder instructivo.
Ha qualquer coisa de assombroso n'este rio immenso em que
simultaneamente se agitam e movem tantissimas correntes sem se
aniquilarem; toda a grandeza da antiguidade é mesquinhez ao seu lado. De
longe em longe, um desastre, uma pequenina mola que se partiu, um abalo
ligeiro, quasi imperceptivel. Que foi? Um incendio, um naufragio, uma
guerra, quinhentas, mil ou trezentas mil pessoas que desappareceram. Um
movimento de espanto: a grande corrente năo pára, segue no seu leito
tenebroso e revolto, e nas nevoas espessas da sua vastidăo sumiu-se
ephemera a hecatombe que por longos annos faria estremecer de horror a
velha Roma.
A vida patriarchal e simples póde gerar todos os sentimentos bons e
abrir ao espirito horisontes sufficientemente largos para lhe despertar
o desinteresse de descobrir a ordem e as leis das coisas; mas, por isso
mesmo que é simples, equilibrada e serena, nunca poderá suggerir-lhe
noçőes dos typos excentricos. Para attingir estes pontos extremos é
necessario levar o espirito a um estado de vibraçăo nervosa que năo é
outra coisa senăo a loucura em differentes graus; e os casos d'essa
ordem, esporadicos nas civilisaçőes passadas, săo frequentes e quasi
normaes na vida febril contemporanea. É n'este sentido que reputo muito
alto o valor instructivo das cidades, que nos vicios, na miseria e nas
paixőes mostram uma complexidade e largueza da alma humana que em outras
condiçőes se năo vęem, por isso que năo existem. Por este lado, a cidade
moderna tornou-se um estudo essencial ao philosopho, ao poeta e a todos
os que por qualquer motivo tem de lidar com os phenomenos psychologicos;
as obras d'aquelles que porventura carecerem d'este elemento serăo
necessariamente incompletas e imperfeitas.
De Paris fui a Berlim. Parti á noite, amanheceu-me nas proximidades de
Ličge e logo alli encontrei duas coisas que năo temos e que deveriamos
ter,--a lavoura feita por cavallos,--n'uma terra polvilhada de branco.
Nem lavramos com cavallos, nem usamos esses pós brancos que săo adubos
mineraes.
A utilidade d'estes năo padece duvida e, se os applicamos em tăo
limitada escala, năo é por que geralmente se ponha em duvida o seu
proveito; mas as condiçőes legaes e economicas do fabrico acarretam
falsificaçőes e preços que fazem recuar o nosso lavrador, e com razăo.
Que o estado dę garantias de genuinidade e estabeleça um regimen que
abaixe os preços até os tornar accessiveis á nossa lavoura, e tenho por
seguro que os adubos mineraes terăo entre nós tăo larga e proveitosa
applicaçăo como nos paizes estrangeiros. Fora d'essas condiçőes é inutil
prégar melhoramentos agricolas; a lavoura, mesmo sem contabilidade,
arruina ou enriquece e, sendo uma industria e năo um capricho, só no
ultimo caso poderá viver.
Sobre o segundo ponto, a introducçăo do cavallo como principal motor
agricola, divergem os lavradores, e săo-lhe contrarios na sua grande
maioria, exceptuando o Alemtejo, em que o clima obriga ao serviço por
muares. Todo o norte porém classificará de utopia o meu pensamento.
Porque? Nenhuma razăo economica bem fundamentada se allega; o unico
motivo é de natureza historica, a tradiçăo e o habito. Reconheço-lhe a
grandeza, sei o que vale como factor da educaçăo do operario: póde muito
em todo o mundo, vale muitissimo n'uma terra em que a educaçăo agricola
é exclusivamente caseira. Mas se a aptidăo e os conhecimentos do
operario nos incitam a proseguir na rotina, a concorrencia impőe-nos
tentativas de reforma. Todos os paizes estrangeiros praticamente
adoptaram esta fórma de divisăo de trabalho agricola, o gado cavallar
como motor, o gado vaccum para a carne e para o leite. É um caso de
divisăo de trabalho e nada mais; essencial, a meu vęr, porque para
supportarmos a concorrencia e voltarmos aos tempos aureos da exportaçăo
de gado, é manifestamente necessaria a melhoria das raças; e uma das
suas condiçőes é um bom regimen hygienico de que faz parte a
singularidade do destino do animal. Trabalho, engorda e leite serăo
sempre mediocres emquanto forem individualmente simultaneos.
O terreno accidentado d'esta regiăo de Ličge, os prados nas encostas, as
mattas nas elevaçőes e a estreiteza dos valles recordam-me o que vi nos
Pyrenéos; todavia é grande a differença. É possivel que o năo seja
physicamente, quanto á natureza da terra e do clima, mas faltam lá os
symptomas de riqueza que existem aqui--cultura esmerada, pujança de
vegetaçăo nos prados, abundancia de gados, frequencia e boa construcçăo
dos casaes, e finalmente jardins, _villas_ e pequenos palacios de gente
rica.
Pouco e pouco vai decahindo de intensidade a paizagem agricola, perdendo
ao mesmo tempo em belleza; atravessam-se regiőes sem caracter em que a
granja aceiada e o campo verdejante ladeiam a cabana na terra descuidada
e inculta; só adiante, internando-nos na Allemanha, encontramos um novo
typo. Estamos perto do Hanover, se me năo illudo; o campo é vasto,
ligeiramente ondulado, quasi plano, mediocre, sem fartura nem
esterilidade; as casas de lavoura espaçosas e sombrias com os seus altos
telhados de ardosia destacando frouxamente no céo nublado; com os prados
alterna a floresta de lamigueiro escura, fechada, a folhagem tingida de
negro, os ramos erectos. A vastidăo, sem luz, sem brilho, pesada,
asphyxiante! Preoccupaçăo scientifica ou evidencia de relaçőes,
prendemos o caracter d'este povo ao aspecto da sua terra. Resta saber se
ha sabedoria capaz de fazer partilha entre a natureza e a historia.
Sempre attento ás coisas agricolas, para que me levam velhos e
enraizados affectos, ao vęr como aqui se alternam o prado e o arvoredo,
lembrei-me do mediocre resultado que temos tirado das poucas tentativas
de creaçăo de prados e do nosso despovoamento florestal. Ha entre a
floresta e o prado uma relaçăo intima e manifesta; e năo será talvez
ousadia affirmar que este ultimo só poderá viver inteiramente săo sob o
bafejo da arvore, tépido e humido. As condiçőes climatericas favoraveis
aos pastos só poderăo alcançar-se pelo repovoamento florestal,
principalmente nas regiőes do interior, ao abrigo das brisas e orvalhos
maritimos.
Foi em caminho de Berlim que tive o prazer de me encontrar com o snr.
George Saunders correspondente do _Morning Post_ n'aquella cidade e um
dos principaes collaboradores da _Pall Mall Gazette_. É um rapaz muito
intelligente, instruido, possuindo em alto grau (creio ser o seu
caracter intellectual dominante) esse espirito de critica serena e
desapaixonada, que chamarei sympathico, e que faz vęr os homens e as
coisas na sua verdadeira luz. As observaçőes sobre Berlim e a Allemanha,
que tăo generosamente me communicou, pareceram-me singularmente justas
e, por isso que d'ellas colhi proveito, manda a probidade e a gratidăo
que faça mençăo d'este nome.
* * * * *
_Moscow, 14 de Setembro._*/
Em Paris deixamos uma feira; todas as cidades mais ou menos o săo,
porque isso é da sua essencia, dentro de termos entre os quaes oscillam.
O ponto da escala em que se encontram determina o seu caracter. Ora,
suppondo que esses termos ultimos săo o estado-maior da politica e a
feira, quem vier de Paris a Berlim cahiu de um no outro extremo.
Á vozeria da rua, á confusăo dos pregőes e ao labutar dos mercadores
succede o aprumo dos continuos e um caminhar pausado e surdo sobre
tapetes, cortado de breves notas estridentes, ao sacudir das esporas.
Berlim é a antecamara d'um imperador; muita farda e um grande silencio,
sempre armada e sempre calada, perpetuamente preoccupada da força e da
auctoridade. Sobre a cidade pesa um braço de ferro, a multidăo abdicou
nas măos de uma vontade; só ella a move.
A graça e a elegancia, a vivacidade e o riso foram banidos; o povo vai
taciturno e lento.
Ás vezes pára, observa, contempla; luziu-lhe no coraçăo um momento de
aurora e sorriu. Olhava o retrato do imperador diante de tres crianças,
seus filhos, em continencia militar; e tirou uma vibraçăo de jubilo,
ingenuo, intimo, d'onde nós tirariamos uma gargalhada a tombar o maior
dos cesares. O seu primeiro museu é o de artilheria; levam-se alli as
crianças, collegios inteiros, a vęr os canhőes francezes rasgados como
um farrapo pela metralha do Krupp. Um criado de hospedaria que diante da
qualquer se curva até ao chăo, perante um capităo ou um coronel dobra-se
attonito, fulminado.
A piedade e a doçura, revelada no affecto da mulher, para que? A mulher
é um animal, a sua lei a escravidăo. Se năo fosse... poderia
supprimir-se, năo representa nada.
A Allemanha, que Berlim nos mostra, afigura-se-me um elephante, a
intelligencia e a força em um corpo informe. Toda a sua alma
crystallisou n'esta aspiraçăo--ser forte, invencivel.
Conta-se que Cellini, para fundir năo sei qual das suas estatuas,
lançára no fogo toda a baixella; a Allemanha de hoje fundiu n'um só
sentimento todas as joias do coraçăo do seu povo. Adora o exercito e o
imperador, a expressăo concreta da sua alma, entregou-se-lhes manietada
e n'uma obediencia absoluta.
Conseguiu ser forte. As doutrinas dos philosophos de măos dadas com o
genio militar alcançaram emfim dar-lhe uma rara força politica.
Póde viver-se assim? É esta a ultima palavra da civilisaçăo ou
simplesmente uma gloria ephemera, sahida da coincidencia das aptidőes
d'um povo com as necessidades do momento historico? A revoluçăo
franceza, iniciando-nos no conhecimento dos direitos individuaes,
simultaneamente deu aos estados constituiçőes que conduzem á fraqueza e
impotencia politicas; a Allemanha mostrou-nos novas vias conduzindo ao
pólo opposto. Assim como só nós pudemos vęr os povos educados nas
instituiçőes derivadas da revoluçăo, só os nossos filhos poderăo saber o
que é um paiz educado na admiraçăo da força. Todas as prophecias serăo
prematuras, embora vagamente presintamos que a civilisaçăo é mais alguma
coisa do que a força.
Dizia-me o snr. Saunders, fallando de musica, que as pequenas côrtes dos
ducados e monarchias allemăes eram favoraveis ás letras e ás artes.
Alargando o seu pensamento direi tambem que a Allemanha actual, com todo
o seu saber e profundeza, sahiu d'essas côrtes minusculas; os que vierem
depois de nós saberăo o que deu a Allemanha imperial.
E visto que o leitor já deve estar habituado a vęr as minhas sympathias
de permeio com a exposiçăo dos factos, impenitente, recahindo na velha
falta, acrescentarei que a Allemanha, que vi em Berlim, produziu
inesperada antipathia no meu espirito, educado n'outras idéas, n'outros
costumes sobretudo. Dizem-me que Berlim năo é a Allemanha e que n'esse
vasto imperio encontrarei costumes e idéas absolutamente oppostos; se
assim năo fôr garanto aos allemăes a antipathia dos povos peninsulares.
Năo existiriam talvez na Europa caracteres mais accentuadamente
antagonicos.
* * * * *
_S. Petersburgo, 18 de Setembro._
Em caminho de Berlim para Varsovia, a alfandega russa, com uma
severidade desusada, obriga-me a parar seis horas em Alexandrowo. A
visita das bagagens é minuciosa, os passaportes săo apresentados e
registados; o comboio vinha com atrazo, partiu quando muito bem quiz, e
os viajantes que năo tinham ainda as suas coisas em ordem alli ficaram
até novo comboio. Eram quarenta ou cincoenta, pelo menos; e este facto,
que em qualquer parte da Europa levantaria uma tremenda algazarra, năo
provocou um protesto. Aqui comecei a vęr a paciencia e a indifferença
russas.
Para mim năo foi desagradavel, antes me deu prazer, pois tive occasiăo
de passear nos campos d'essa desventurada Polonia, que desde as margens
do Vistula vinha observando.
Săo grandes lavouras arenosas e planas, n'esta época cobertas de
beterrabas e de pastos, cortadas de mattas de pinheiro de Riga, terrenos
baixos, soltos como as dunas. A gente do campo anda geralmente descalça,
e os cavallos desferrados, o que o commum dos viajantes attribue á
miseria, mas que a meu vęr provém unicamente da natureza da terra; tal
qual acontece no littoral norte do nosso paiz. Repete-se ahi o mesmo
facto, sem que por isso as povoaçőes sejam mais ou menos ricas do que as
do interior com habitos differentes.
Uma arvore dá caracter a esta paizagem, o salgueiro, que com invariavel
insistencia circumda os casaes cobertos de colmo, soltos e isolados, com
largos intervallos, pelo meio das terras. N'estas planicies em que năo
se avista uma montanha, sem uma unica nódoa intensa e viva na verdura
desmaiada a prender-se ao céo nublado, o salgueiro, sem destruir a
harmonia, dá á paizagem o brilho que comporta com a sua folhagem alva,
replandecente e leve como a nuvem. A paizagem do occidente é tecida de
ouro candente; esta é de prata polida e fria.
Ao contrario do salgueiro, o pinhal, máte, sem brilho algum,
assemelha-se na côr ás estatuas de bronze expostas ao tempo, o que
reunido á brevidade das folhas e dos ramos, nivelando a superficie, o
torna absolutamente differente do nosso pinhal, carregado na côr e
cavado de manchas largas e profundas; resultado da ramagem longa e
distante. Um é unido e plano, um lago coberto de cinza, o outro ondeado
como as encostas do Vesuvio, feitas da tortura gigante da sua lava.
Já acclimado n'uma inteira passividade e resignaçăo, segui de
Alexandrowo a Varsovia com todos os atrazos e delongas proprios dos
caminhos de ferro russos.
Era um domingo e cęrca da meia noite quando cheguei. Por isso năo pasmei
do extraordinario movimento das ruas, julgando que seria o terminar de
um dia de festa e de repouso. Mas logo mudei de pensar na manhă
seguinte: o que eu vira, era habitual e ordinario.
Que contraste com a enfadonha e sombria Berlim! Mulheres bonitas,
elegantes, trajando bem, animadas, vivas, um fuzilar de carruagens em
correrias doidas, e as ruas atulhadas de gente, fallando, gesticulando,
movendo-se emfim;--tem tudo isto Varsovia. E tem ainda mais: desordem,
immundicie, igrejas a cada passo com grande abundancia de devotos,
ajoelhados á porta ou benzendo-se na passagem. A um carro coberto de
lama atrella-se um cavallo estropiado, com uns arreios inqualificaveis,
mas onde falta coiro e graxa sobejam adornos e ferragens; e por aqui
imagino o resto, imagino o que vai por casa d'estas mulheres que na rua
vejo tăo airosas. Para nós, do sul da Europa, a vida intima das cidades
como Varsovia ou Napoles, comprehende-se immediatamente.
Săo os instinctos artisticos, o amor do luxo, das festas e da elegancia,
alliados á desordem e á devassidăo dos povos excessivamente nervosos;
săo a ociosidade e a imprevidencia revelados na devoçăo que entrega ás
măos de Deus o que năo sabe conquistar pelo seu esforço. Folia emquanto
ha dinheiro e saude, e valha-nos Deus, Nosso Senhor nos acuda para os
tempos de miseria... Vivem n'um sensualismo irreprimido, no desgoverno
de todos os impulsos e de todos os instinctos; o luxo para elles năo é,
como por vezes succede na Inglaterra, o florir proporcionado de uma
planta que tem no sólo boas e solidas raizes e nos ramos uma seiva
abundante; năo é a coroaçăo da riqueza, é uma flôr precoce n'uma planta
exhausta, consumindo todo o alimento e todo o vigor que devia nutrir o
tronco, os ramos e a folhagem. Essas plantas florescem e como ellas
morrem tambem as sociedades que năo souberam equilibrar a distribuiçăo
da sua seiva.
Grande liçăo a da Polonia para quem souber e quizer aproveital-a!
* * * * *
_A bordo do Finland, 19 de Setembro._
O vapor vai sereno e o tempo calmo; aproveitemos este serăo passado
sobre o Baltico e conversemos.
Deixando Varsovia, em poucas horas temos a paizagem do norte da Russia,
que durante longas horas e longos dias nos ha de acompanhar com uma
inquebrantavel monotonia. O que particularmente a distingue é a
frequencia do vidoeiro, absorvendo e dominando completamente as
restantes arvores, o abeto, a tilia, o carvalho, o pinheiro e outras
poucas especies que apparecem raras e por isso năo tęm valor apreciavel.
A ramagem pendente e o desbotado das folhas do vidoeiro, ao mesmo tempo
que dăo á floresta um aspecto compacto, roubam-lhe toda a rutilancia das
ramagens horisontaes e os angulos e nitidez de linhas proprios das
arvores resistentes e firmes como o carvalho, por exemplo. A floresta é
ligada e unida, as curvas suaves, nem sombras profundas nem resplendor;
entre o claro e escuro, como entre os differentes tons, as transiçőes
săo imperceptiveis.
Disse que a paizagem da Russia se distinguia pela predominancia do
vidoeiro e năo disse talvez a inteira verdade. Superior e porventura
influindo muito intimamente na feiçăo esthetica do arvoredo, está a
configuraçăo do terreno, um immenso Alemtejo, em planicies infindas, que
assim se podem chamar umas depressőes tăo pequenas que năo prejudicam a
linha do horisonte.
Sobre essa vastidăo assentam aldeias, agglomeraçőes de casebres baixos e
abafados, construidos de madeira e cobertos de colmo, sem divisőes
interiores; em cada um ha, em regra, um pequeno ponto branco, a chaminé
do forno sobre que no inverno dorme toda a familia. Ao lado, n'um
pequeno pateo, intransitavel de esterco e de lama, estăo as córtes dos
gados, năo mais vastas do que a habitaçăo do dono. Tambem ás vezes falta
o forno e entăo o lavrador e os gados vivem promiscuamente sob o mesmo
tecto.
Mas, sob esta apparencia miseravel, existe frequentes vezes o aceio e a
ordem e năo raro tambem a abundancia. As necessidades săo poucas, toda a
industria é caseira; se o anno foi abundante de trigo e de batatas, com
isso e com o leite das vaccas tem a familia boa escudela.
Todo o paiz é assim até Moscow; aldeias, mattas e lavouras em terras
sempre ouduladas mas quasi planas. Posso até dizer que em toda a regiăo
da Russia que atravessei năo conheci outra paizagem.
Por taes caminhos chegei a Moscow, cidade tăo gabada, sobre que o
oriente tem dispendido tanto ouro como o occidente rhetorica
enthusiastica.
Olhei-a de longe com ancidade, passeei-a, subi ao monte a que Napoleăo
subiu para a vęr antes de a conquistar, mirei-a muito emfim. Pois de
quanto por lá pensei e observei conclui que para nós, latinos,
enamorados da harmonia, da simplicidade, da proporçăo e da graça, năo
tem belleza. Interessa e enthusiasma pelas evocaçőes historicas que
d'ella brotam aos cardumes e prende pela estranheza e pelo pittoresco
d'um mundo novo; mas que seja um prazer esthetico o que ella nós dá,
desconfio.
É uma cidade sem plano, sem principio nem fim, sem um centro de
convergencia, caprichosa e emmaranhada, como a imaginaçăo oriental.
Chamo a tudo aquillo byzantino, n'este sentido, que, á força de
distinguir, confunde e enreda a mais năo poder resolver. Cada rua
deseatranha-se em mil bęcos e ruas tăo grandes ou maiores que a via-măe;
de cada florăo de architectura rebentam novos florőes que se emendam,
sobrepőem, sobem, descem, voltam ao ponto de partida para recomeçarem a
mesma teia; taes quaes as discussőes da nossa camara dos deputados. Săo
as imaginaçőes insaciaveis de subtilezas no pensamento, nas artes e em
tudo, porque o espirito humano é um para cada povo e para cada época;
săo a negaçăo da lucidez e da precisăo.
Com esta concepçăo da fórma esthetica coincide o brilho anteposto á côr.
Indifferente ás delicadezas de colorido, o moscovita adora o ouro e as
pedrarias: o bronze, a prata e o aço săo pouco, é preciso doural-os. As
igrejas estăo recamadas de ouro, nos bazares abundam os bronzes
trabalhados no paiz, mas sempre dourados; o thesouro do palacio imperial
năo terá maravilhas de Cellini, mas tem ouro e pedras preciosas que
bastam a adornar todas as côrtes da Europa.
Pelos atalhos d'essa montanha de riquezas anda uma populaçăo mesclada,
cossacos e chinezes, circassianos e finios; porque Moscow, uma terra de
commercio, um bazar, um genuino e simples mercado, tem de notavel sobre
os seus congeneres do occidente e do centro da Europa, ser
intercontinental e trazer ás suas barracas uma populaçăo que dos mais
remotos cantos da Europa vai quasi a tocar na America. Quasi, agora;
quem sabe se um dia a tocará de facto, e que medonha convulsăo reserva
ao mundo esse combate.
Dizem ter mil e seiscentas igrejas, e creio ter devoçăo para edificar
outras tantas. Năo ha casa sem uma imagem do Christo; nem os
restaurantes com frequencia muito suspeita lhe escapam. As offrendas năo
tęm numero, tudo se faz por milagre. Direi todavia que esta é a maior
força d'aquelle povo.
Entre Paris, o epicurismo, Berlim, a força, e Moscow, a religiăo, eu
preferirei a ultima, porque n'este reconhecimento de uma vontade
superior, de quem tudo dimana e provém, está o germen e o fundamento da
paciencia, da resignaçăo e da obediencia, forças invenciveis que os
factos externos deixam intactas e năo quebram.
É difficil dizer onde termina a fraqueza e onde começa a doçura e a
piedade, que dimanam d'essa essencia, mas é certo que a maior de todas
as forças é a força de soffrer. Năo ha obstaculo mortal para a
actividade de quem a possuir, e por isso o russo, apathico, soffredor,
todo confiado á vontade de Deus, tem sobre todos nós, racionalistas do
occidente, a maior das vantagens.
* * * * *
_Stockholmo, 22 de Setembro._
Vindo á Russia, năo pude roubar-me o prazer de visitar o conde Tolstoď,
o famoso romancista que hoje todo o mundo conhece. Como tantos outros
estrangeiros, dirigi-me pois á cidade de Tula e d'ahi a Yasuya Polyand,
propriedade e habitaçăo de Tolstoď.
Em torno d'este nome fez-se uma verdadeira lenda que representa o conde
como um louco, fazendo sapatos e lavrando as terras. E na verdade tem
năo sei que de singular e de poetico a sua vida.
Um dia, um conde d'esse dourado imperio dos czars vestiu-se de _moujik_,
e mais do que simplesmente, pobremente, foi esconder-se na sua aldeia e
começou a ceifar o trigo, semear o grăo e construir a cabana. Tinha tudo
o que a vaidade ambiciona, uma fortuna immensa, um nome illustre, uma
mulher formosa e, sob traços grosseiros, uma rudeza viril alliada ao
encanto d'um olhar limpido em que brilhava a doçura que lhe vinha da
alma. Sobre tantos dons da natureza e da fortuna tinha ainda um
prodigioso talento de artista. Nada lhe faltava para conquistar a
lisonja e a veneraçăo do seu tempo, e esse homem, que podia ter uma
côrte de admiradores e thuriferarios, tudo deixou pelo trabalho da terra
e pela companhia do aldeăo, que ha pouco ainda era seu escravo.
O mundo viu com espanto tamanha abnegaçăo, sorriu e, sem ousar dizel-o,
chamou-lhe loucura. Năo o é; mas uma tal energia em conformar o
sentimento e a acçăo surprehende n'uma época em que a simplicidade, a
modestia, a religiăo e o christianismo, săo essencias preciosas para uso
verbal e devaneios litterarios apenas. E todavia o proceder de Tolstoď
está ainda muito longe do ascetismo de outras eras em que princezas e
fidalgos abandonaram familia, os palacios e o luxo, trocaram todos os
prazeres, os prazeres santos e os prazeres impuros, pelo extasi divino e
pela solidăo do claustro.
Vejamos brevemente que idéas e sentimentos levaram o conde ao novo
claustro em que se encerrou.
Dizia-me: Năo conheço naçőes, ha homens apenas; e a sua lei divina e
christă é a fraternidade. Por ahi devemos regular as nossas acçőes e
aferir o seu valor.
Respondi-lhe que năo me parecia que o espirito nacional fosse
incompativel com a fraternidade. Tomemos um exemplo, a protecçăo
industrial aduaneira, uma consequencia do nacionalismo. Destroe a
fraternidade? Năo; pelo contrario, realisa praticamente uma equitativa
distribuiçăo de riqueza entre os differentes povos e, se năo,
lembremo-nos dos effeitos da liberdade commercial que seria
manifestamente a miseria para uns e a opulencia para outros. Concedendo
que dos motivos concorrentes na actividade humana, os motivos de ordem
moral devem governar os da ordem natural ou physica, temos que a
fraternidade, o amor, ou como melhor deva dizer-se, carecem de dar aos
ultimos a satisfaçăo devida para completa realisaçăo dos primeiros. E
assim é necessario que para os povos haja naçőes, como para cada familia
uma casa.
Erro! replíca Tolstoď. Para lançar uma pedra sobre determinado ponto
carecemos de apontar mais longe, e assim tambem, para vivermos segundo o
christianismo, precisamos năo contar com os motivos de ordem natural.
Elles se manifestarăo espontaneamente; pensar n'elles é mal empregar a
razăo que deve guardar-se para as coisas superiores.
Singular raciocinio, direi eu, que năo quer contar com um elemento cuja
existencia reconhece! Por este caminho vamos ao nihilismo, e Tolstoď era
perfeitamente logico quando acrescentava: Para que servem os governos?
Se ámanhă Moscow e Petersburgo desabassem, que importava a esta aldeia?
Seria inteira e completamente o que hoje é. E contava-me, como
esclarecimento e demonstraçăo, que da Russia emigram familias inteiras,
e na simples carroça que leva todos os seus bens văo muito longe, á
Siberia e quasi á China, fazer as colheitas. Com o producto d'esse
trabalho levantam a casa, estabelecem uma lavoura n'esses desertos
incultos e săo felizes até que o governo os descobre para lhes pedir
impostos e os filhos para o exercito.
Nova illusăo, a meu vęr. Para que esta especie de nihilismo seja
possivel săo precisas duas condiçőes, terra em extensăo superior ao
pedido e a simplicidade de costumes do _moujik_. Desde o momento em que
a terra necessite partilha, ahi temos inevitavelmente um principio de
governo; e desde que a vida se complique, igualmente apparece a
necessidade de uma actividade collectiva, uma força que mantenha a
ordem, e preste os serviços communs. Ora pelo que respeita á terra todos
sabemos se ella abunda, e pelo que respeita á simplicidade de vida a
historia e a observaçăo dos instinctos naturaes săo sufficientemente
claros. O desenvolvimento e complexidade da civilisaçăo demonstram
historicamente uma tendencia irreprimivel e, se esta prova năo
existisse, bastava attender aos appetites e desejos dos mais simples,
para descobrirmos um inicio de evoluçăo para a complexidade. Na choupana
do _moujik_ vamos encontrar um mealheiro e estampas coloridas a
adornarem as paredes; entre essa choupana e a galeria de quadros do
capitalista a relaçăo é manifesta, uma contém o germen da outra.
De fórma que essa simplicidade, individualmente possivel, é
collectivamente impossivel. O que năo importa a negaçăo de uma vida mais
simples do que a actual, como fim ultimo da civilisaçăo; o balanço dos
prazeres e penas da plena expansăo natural, combinado com os sentimentos
piedosos e aspiraçőes christăs, conduzem a uma reducçăo reflectida das
nossas necessidades, mas entre esta e o estado primitivo ha uma enorme
differença que devemos vęr e pesar; e, sendo a simplicidade consciente
um producto superior da civilisaçăo, seria erro esperal-a do vulgo que
para a attingir carece de ser educado. D'este ultimo facto a necessidade
de governo e instituiçőes educativas, que năo serăo portanto um mal e
uma desobediencia á doutrina christă, mas sim a condiçăo da sua
realisaçăo pratica.
Como é de uso n'esta especie de palestra viemos de parte a parte a um
interrogatorio sobre o estado social de Portugal e da Russia. Repeti o
que disse na minha ultima carta, que a religiăo me parecia a maior força
do moscovita.
É e năo é religioso, respondeu-me o conde. Entre Gogol e Beliensky
levantou-se um dia essa questăo e estou em dizer que ambos tinham razăo.
Se julga pelo numero das igrejas e pela sua concorrencia, dir-lhe-hei
que o russo năo é religioso; isso é um habito, como o alcool ou o chá,
sem maior significaçăo psychologica. Mas acontece que, differentemente
do que succedeu com a Igreja romana, traduzimos o evangelho ha
novecentos annos e as suas maximas divulgaram-se no povo em que ainda
agora actuam energicamente. Por este lado a Russia é um paiz religioso.
Se me é dado acrescentar alguma coisa, direi que o é ainda por outro
lado, o fundo fatalista, Deus, Acaso, Providencia, negaçăo da
previdencia e reconhecimento de uma vontade superior incognoscivel. O
proprio conde Tolstoď representa esta feiçăo. Mostra-a nas suas obras e
conversando commigo sobre as fórmas futuras da propriedade, disse
singelamente:--Quem póde prever o que acontecerá d'aqui a vinte annos?
Ao vęr o enthusiasmo com que Tolstoď me mostrava a aldeia e as
habitaçőes do _moujik_, ouvindo fallar dos campos e das seáras, fazendo
a apologia ardente do trabalho braçal como tonico indispensavel para o
corpo e para o espirito, comparando os actos e as palavras, pareceu-me
que os grandes sentimentos que determinaram o seu modo de viver tăo
anormal, foram o amor da terra e a humildade christă. Conhecendo
profundamente toda a sociedade e a alma humana, só ahi encontrou paz e
satisfaçăo á sua consciencia, e por isso envergou o habito e professou
n'essa nova religiăo.
Quizera reproduzir todo o longo discurso de Tolstoď, mas a memoria nunca
me ajuda e muito menos n'este momento, em que a successăo e diversidade
de materias a contrariam. Ficou-me porém esta impressăo--que o
pensamento vôa mais alto em duas horas de palestra com um homem de genio
do que em dois annos de meditaçăo solitaria.
* * * * *
_Copenhague, 26 de Setembro._
Deixamos em Moscow uma cidade, producto espontaneo, e portanto
caracteristico, do genio d'um povo em cujo sangue se amalgamam
differentes raças, e em S. Petersburgo vamos encontrar a capital d'um
grande imperio consciente da sua grandeza; a primeira é uma construcçăo
historica, a segunda a revelaçăo do pensamento e dos sonhos d'um
imperador. A igreja da Assumpçăo, no Kremlim, na sua pequenez, com a
profusăo dos seus adornos e do seu ouro, é gigante como documento da
concepçăo artistica do moscovita; Santo Isac, de Petersburgo, com os
seus monolithos de vinte metros de altura, singela, sobria e grande, foi
traçada por um francez e, se demonstra alguma coisa, é a victoria da
architectura greco-romana em todo o mundo civilisado. Aquella infinita
variedade de fórmas e de linhas em que se fundiam ou baralhavam a China,
a Persia, o Oriente e a Italia, perdeu-se nas margens do Neva, entregues
á imitaçăo do occidente; e emquanto Moscow parece ter sahido da terra
como o desenvolvimento natural e facil dos germens que continha, S.
Petersburgo mostra uma vontade, um esforço de adaptaçăo a habitos,
costumes e fórmas estranhas, reflectidamente julgados melhores. É uma
cidade afrancezada, como de resto o săo todas as cidades modernas.
Ha muito passou ao dominio da banalidade extasiar-se a gente perante a
vastidăo de Petersburgo; mas essa vastidăo é unica no mundo, e por isso
năo importa repetir o facto, porque vęl-a será sempre uma impressăo
surprehendente. Entre o Neva abundante e profundo a espraiar-se n'um
amor barbaro, insaciavel de terra, ao fundo d'essas planicies infindas
povoadas de florestas e aldeias, para encerrar a corôa que liga as neves
do Himalaya ás neves do Baltico era necessaria uma cidade, cuja vastidăo
eclipsasse todas as capitaes do mundo. Ruas, igrejas, palacios, pontes e
caes, tudo é d'uma largueza unica.
Todavia, através d'essa grandeza, que é porventura espontanea, e através
da imitaçăo do occidente, que é manifestamente pensada e deliberada,
transparece certo sabor do torrăo, qualquer coisa de barbaro. Muitas
vezes o pensei ao atravessar a perspectiva Nevsky. No _isvochik_ ligeiro
e rapido, o cavallo ligado por uma especie de bridăo (_pavotkin_) ao
arco (_duga_) que liga os varaes, o cocheiro envolvido n'um amplo
_caftan_, curvado para a frente, braços abertos, cada uma das guias em
sua măo, vai levado como o vento ao trote solto dos seus formosissimos
animaes, A rua é um hippodromo de barbaros, no trenó o quadro será
completo; a carruagem năo é ainda uma commodidade, é um meio de andar
rapidamente. N'essa vastidăo da Russia é preciso voar para năo morrer
antes de chegar ao ponto de destino.
De repente, no breve espaço de uma noite, que contraste! Para atravessar
o Baltico vim embarcar em Helsingfords, capital da Finlandia; do ruido e
da vastidăo cahi na estreiteza e no silencio. Ou seja porque năo chegou
até aqui o sangue oriental ou sómente porque as condiçőes da terra e do
clima săo outras, o finio é absolutamente differente do moscovita e mais
se aproxima dos seus irmăos do outro lado do mar do que d'aquelles a que
está sujeito. É possivel qne a constituiçăo e quasi independencia da
Finlandia proviesse simultaneamente de circumstancias historicas e do
reconhecimento de insuperaveis difficuldades na russificaçăo d'este
reino.
Descendo o golfo, viemos a Abo, ainda na Finlandia, e d'ahi a Stockolmo.
Com excepçăo de poucas horas, navegamos sempre por meio de ilhas de uma
deliciosa belleza. Bem povoadas de abetos e vidoeiros, năo muito
elevadas mas com as inclinaçőes abruptas, que só a firmeza das rochas
graniticas permitte, aqui e além cabanas de pescadores, raros animaes na
pastagem, e sempre um mar tranquillo em volta, essas bahias e ilhas tęm
uma paizagem rica de sensaçőes e aspectos.
Além, na planicie, o vidoeiro absorvia os abetos, aqui na collina e na
montanha separaram-se, e cada um apparece com as suas fórmas. Săo
paizagens d'um genero que geralmente se aprecia e, a meu vęr, por esta
razăo săo as que encerram maior riqueza. Emquanto a planicie nos dá a
maxima repetiçăo na minima e constante variedade, uma successăo de
manchas repetindo-se innumeras vezes mas variando constantemente na
successăo (como demonstraçăo offerecerei o effeito das pinturas
japonezas em sęda), na montanha temos toda a belleza linear possivel na
paizagem, resultante da nitidez de traços com que se desenha no espaço e
do isolamento que no arvoredo provém da disposiçăo. Belleza a que o mar
e os lagos dăo maior relevo ainda, porque introduzindo novos tons e
novas côres ao mesmo tempo destacam, emmolduram, dăo luz. É o que
n'essas ilhas acontece.
Năo lhes chamarei marinhas, porque o mar aqui é accidental ou pelos
menos năo tem maior valor do que os outros elementos constituintes. Esse
nome reservo eu aos quadros que nos mostram o mar em toda a sua
immensidade, tendo para mim que o prazer que em nós despertam provém năo
tanto da côr ou da fórma, que é nulla, como de uma sensaçăo de grandeza
de espaço e intensidade de luz. E se me perguntam porque razăo sobre
esse espaço pőe tamanha belleza uma nuvem, uma vela, um ponto negro que
seja, responderei que é um effeito de contraste para dar relevo ao
elemento capital. Na escóla hollandeza encontraremos maravilhosos
quadros n'este genero: grandes barcos no primeiro plano, uma torre ou um
mastro no extremo horisonte, o mar, o céo e nada mais; e os olhos
naturalmente fixam-se no espaço que medeia entre o primeiro plano e o
horisonte contemplando a sua vastidăo, cheia de luz.
A riqueza da paizagem nas ilhas e costas da Finlandia e da Suecia năo
póde porém comparar-se com a riqueza das paizagens similares do
occidente; a vegetaçăo é comparativamente pobre de vigor e de variedade,
e a luz é frouxa. Ás horas do poente, em văo procurei a onda trespassada
de esmeralda das minhas praias; apenas um collar de perolas desbotadas
sobre o dorso negro da vaga.
* * * * *
_Paris, 29 de Setembro._
«Com o seu sólo e o seu clima, a Scandinavia năo póde ter senăo uma
vegetaçăo pobre e uniforme.»
Nos breves dias que passei em Stockolmo muitas vezes me lembraram estas
palavras do meu _Boedeker_; pois năo é só a vegetaçăo mas toda a vida da
Scandinavia que deriva das condiçőes do seu sólo e do seu clima. Nem
conheço paiz em que a natureza physica tenha mais clara influencia na
determinaçăo do caracter do povo.
_Epiphania_ năo é a creaçăo da phantasia de um poeta. O «sangue côr de
rosa», a «cinza que lhe inunda os hombros» quando pelos seus cabellos
passa uma briza, os olhos «puros de sombra e de desejos» que «nunca
sorriram e nunca choraram», esse typo de candidez impassivel coube em
sorte a Scandinavia; todos os seus povos tiveram quinhăo no thesouro,
embora a partilha fosse individualmente desigual como é regra em taes
casos. E só uma terra pobre e um clima frio podiam dar-lh'o; um sangue
mais rubro e uma circulaçăo mais activa prejudical-o-hiam inteiramente.
D'ahi vem todas as suas qualidades moraes, a doçura, a serenidade, o
bom-senso, que constituem o caracter scandinavo e săo a base da
felicidade d'aquelles povos. A debilidade physica parou n'um justo
equilibrio da actividade sem descer tăo baixo que chegasse á inacçăo e
ao idiotismo; săo felizes porque săo fracos. Transportem-no a um clima
ardente, dęem-lhe uma alimentaçăo abundante e toda a excitaçăo do calor
e da luz, e o homem apparecerá apaixonado, cruel e febril. A vida será
torrencial, sempre em correntes espumosas, edificando e destruindo,
revolvendo e cavando a terra e a alma até ás suas mais intimas
profundezas, heroica na natureza e no homem.
Essas torrentes nunca passaram nos valles estreitos e frios da
Scandinavia. Os olhos flammejantes de um gaiato de Napoles e a meiguice
timida de uma criança de Stockolmo dizem-nos tudo o que as duas almas
encerram.
A fraqueza conduz á serenidade e á doçura; a reacçăo do individuo contra
os accidentes da vida social e physica é proporcional á sua
sensibilidade e á sua actividade. Por isso o scandinavo năo se revolta
contra os homens e contra as coisas, difficilmente vulneravel, entre a
indifferença e o perdăo.
Os seus sentimentos săo os que se conformam com este temperamento que
lhe vem da terra, săo a familia, a paz domestica, a fidelidade, tudo o
que năo exija um grande esforço e dę o prazer que cabe na medida e
esphera da sua capacidade; um prazer superior ou heterogeneo seria
indifferente, porque năo poderia ser percebido. Passemos pelos museus: o
parisiense pára diante dos quadros que lhe recordam a vida sensual; o
prusso extasia-se perante os campos de batalha coalhados de trophéos e
de cadaveres; o russo prefere os grandes dramas intimos, a dôr da viuvez
ou o olhar allucinado do remorso; o scandinavo contenta-se com menos, o
desembarcar do pescado n'um recanto da praia, a sopa fumegante sobre a
mesa e a familia em torno. Abençoada fraqueza! Limitando a vida
damos-lhe a maior garantia de felicidade. A maior? Năo, a unica. Sem
esses limites a inquietaçăo é inevitavel, os tormentos săo tăo grandes
como as aspiraçőes.
Este mesmo clima que produziu um typo de actividade physica e
psychologica de intensidade mediocre, mas por isso mesmo regular e
equilibrada, porque năo tendo oppressőes congestivas năo tem igualmente
as depressőes consequentes, esse mesmo clima concorre para manter
intactos os costumes nacionaes, actuando constantemente sobre a sua
base, o caracter do povo. Concorre apenas; pois n'este ponto a causa
determinante principal póde com bons motivos encontrar-se na situaçăo
geographica--quasi uma ilha, nos confins da Europa, desligada do
continente pelo mar e pelo gelo, e durante longos mezes de inverno
inteiramente isolada. O povo é pacifico e moderadamente trabalhador; nem
guerras nem expansăo commercial que alterem o sangue primitivo pelo
contacto ou liga de outro sangue. E assim o typo nacional, filho do
clima e auxiliado pelo isolamento, conserva-se puro.
Pureza relativa, já se vę; as mesmas causas geraes que crearam o
cosmopolitismo, tendendo a fundir n'um só os caracteres e costumes dos
differentes povos, essas mesmas causas actuam alli, contrariadas todavia
por forças indestructiveis, d'onde vem a fixidez quasi unanimemente
reconhecida pelos viajantes. Na Hespanha temos um caso que esclarece e
completa o da Scandinavia: alli os costumes nacionaes apparecem como
simples reminiscencias do passado que a civilisaçăo ainda năo logrou
destruir, mas sem caracter algum de fixidez, condemnados a completa
extincçăo. As guerras interiores, a pobreza e a difficuldade de
communicaçőes prolongaram modos e fórmas de vida, que de futuro irăo
provavelmente refundir-se nos cadinhos communs a todo o mundo.
Do que fica dito facilmente se deprehende a feiçăo de Stockolmo, uma
cidade burgueza, pacifica, aceiada, em ordem, sem grandes palacios nem
grandes ruas, parcamente animada de commercio e de prazeres.
Já assim năo é Copenhague, em que parei no regresso a Paris. Differe o
povo e differe a cidade.
Perdeu-se a delicadeza de traços e pureza de linhas que tinhamos
frequentemente nas raparigas da Suecia, a dinamarqueza é mais corpulenta
e grosseira, mais flamenga. Talvez ainda consequencias da natureza do
sólo, pois descendo a Suecia, amiudam-se as planicies que na Dinamarca
se aproximam e assemelham ás da Allemanha, e além tinhamos um terreno
accidentado e granitico, proprio a crear o musculo enxuto produzido pelo
esforço de uma imperceptivel mas constante gymnastica.
A cidade participa principalmente do aspecto commercial maritimo, ao
contrario de Stockolmo que, sendo na realidade porto de mar, parece
ainda um mercado interno.
Só as cidades maritimas podem dar-nos a impressăo n'um grande movimento
commercial, porque só ahi se produz a accumulaçăo indispensavel a esse
fim; só ahi se encontram as massas fabulosas que, distribuidas pelos
mercados interiores, perderam esse effeito pelo facto de dispersăo. Por
este lado, as cidades do interior, por grandes que sejam, săo sempre
inferiores ás cidades maritimas. O movimento de povo nas ruas de uma
cidade de prazer como Paris ou de uma grande secretaria de estado como
Berlim, é mesquinho ao lado das montanhas de mercadorias que fluctuam
nas cidades de Inglaterra, por exemplo. Umas movem-se como formigas, as
outras como rhinocerontes; á superficie do mar vem de espaço a espaço um
monstro e encostando-se á terra, começa a vomitar riquezas com uma
prodigalidade que entontece de pasmo e esmaga de abundancia. Exceptúo
Moscow, cidade do interior com o movimento das cidades maritimas; e, se
as minhas viagens fossem mais longe, era possivel que tivesse de
exceptuar todos os grandes mercados da Asia. A raridade e a distancia
poderăo produzir accumulaçőes semelhantes ás que resultam do
abastecimento de densos e frequentes povoados.
Copenhague estabelece uma transiçăo para o grande bulicio do occidente,
mas a posiçăo insular e as affinidades de raça deixam transparentes
grandes laivos de parentesco com a Scandinavia e a Flandres. Direi mesmo
que, emquanto por lá andei, lembrei-me mais frequentemente de Amsterdam
do que de Stockolmo.
* * * * *
_Marselha, 2 de Outubro._
Fui descansar a Paris das longas jornadas da Russia.
Poucas coisas me interessam mais n'uma cidade do que percorrer os
mercados de toda a especie, vęr o que se produz e o que se consome; e o
interesse ordinario aggravava-se agora com a circumstancia de vęr Paris
immediatamente a impressőes diversas das que trazia da minha terra.
Involuntariamente referia o que observava ao que tinha deixado na Suecia
e na Dinamarca principalmente e, em quanto respeita a artes industriaes,
essa comparaçăo era desvantajosa para a França.
Năo tanto como na Allemanha, que em mau gosto na materia leva a palma a
todos os paizes do mundo, as lojas de Paris, entre productos da mais
fina e pura belleza, encerram, em grande quantidade, o que a imaginaçăo
póde crear de mais absurdo e incoherente. Combinam-se e ligam-se as
fórmas mais oppostas, juntam-se as côres mais desharmonicas; casa-se a
simplicidade grega com os monstros japonezes e sobre os tapetes e
porcelanas dansam desconchavadamente todas as côres. Nenhuma sabe do seu
par.
Já assim năo acontece com as rendas e porcelanas da Suecia e da
Dinamarca, que me encantaram e surprehenderam (na minha ignorancia
desconhecia o que, parece, é sabido de todo o mundo e até famoso).
Combinaçőes de duas ou tres côres, desenhos simples, nada variados,
repetindo-se com frequencia, e de tăo parcos elementos, esses paizes
souberam tirar effeitos que a industria franceza năo conseguiu gastando
e torturando a imaginaçăo.
É bem simples a razăo, a meu vęr. Quiz o acaso que em Stockolmo parasse
no deposito da mais afamada das suas fabricas de porcelana e faianças,
justamente no momento em que me dirigia ao museu nacional; e pude vęr
quanto os productos modernos differiam pouco dos modelos historicos.
Muito de proposito aponto a ordem da observaçăo para que năo se julgue
que no meu juizo houve preoccupaçőes de tradicionalista. Năo houve
realmente; foi a evidencia de facto que me levou a cręr que,
inspirando-se na tradiçăo, a industria encontrára alli o mais seguro
guia de belleza e bom-gosto.
Năo direi exactamente o mesmo do que vi em Copenhague. Ahi, embora as
rendas e bordados se năo afastem tambem de modelos que tęm seculos de
existencia, a pintura em louça tomou para base a cópia do natural. E
inutil será acrescentar que, explorando esta via, năo chegou a
resultados menos brilhantes do que os seus visinhos seguindo na
tradiçăo.
A nenhum d'estes tutores se quer sujeitar a moderna industria franceza,
e, emancipada, entrega-se á phantasia excitada pela concorrencia que lhe
pede novidade, invençăo. É talvez uma maneira de traduzir o espirito de
liberdade n'este terreno, mas a extrema liberdade aqui como em tudo năo
foi mais feliz do que a obediencia sensata e justa, consciente e
reflectida. E, se năo, vejam-se os productos preciosos que, em França
mesmo, nos apresentam as industrias que se năo afastaram da tradiçăo, o
ferro forjado, por exemplo. É mais uma resurreiçăo dos antigos modelos
do que uma industria nova; pois năo sei que se possa inventar coisa
alguma de mais bello, e estou certo de que os estrangeiros que vierem a
Paris hăo de dar-me razăo.
Venho a concluir que das tres fontes de inspiraçăo apontadas, a natureza
vegetal, a tradiçăo e a phantasia, só as duas primeiras nos levam por
caminho seguro. A natureza vegetal năo tem desharmonias; filhas do mesmo
solo e do mesmo clima, creadas com o mesmo alimento, a mesma humidade e
a mesma luz, as plantas tęm a harmonia necessaria de productos dos
mesmos factores. É isto que nos faz dizer bellas as flôres mais exoticas
e extravagantes. Demais o homem recebe a educaçăo natural d'esses mesmos
elementos e goza com o que é lhes conforme, soffre com o que os
contraría.
A tradiçăo, perpetuando fórmas e combinaçőes, demonstra _ipso facto_ a
sua concordancia com a maneira intima de sentir de uma raça. D'outra
fórma, desappareceriam como desapparece tudo o que é contrario ao seu
caracter permanente, ainda que por qualquer motivo tivessem tido uma
existencia mais ou menos duradoura.
Mas a novidade e a phantasia săo perigosas, pois diz-nos a razăo e a
historia que o poder creador năo é infinito, encerrado como está entre
os limites objectivos, a constancia dos materiaes, e os limites
subjectivos, a capacidade e a fórma de sentir de cada raça.
As artes exoticas, que săo um dos muitos elementos que a sciencia e as
descobertas modernas deram á phantasia, despertarăo sempre curiosidade
intellectual como revelaçőes de civilisaçőes estranhas, mas, passado
este primeiro deslumbramento, năo entrarăo nos museus, deixando no
adorno domestico só o que se conforma com as nossas concepçőes
estheticas?
* * * * *
_Oran, 6 de Outubro._
Despedi-me de Paris com saudades, digo-o com franqueza, por muito
incoherentes que pareçam estas sympathias com o que disse nas minhas
cartas anteriores; saudades aggravadas pela tristeza da cidade no dia da
partida, um domingo, quasi tăo despovoado e silencioso como em Londres.
Todo o mundo emigra e vai dispersar-se pelos arrabaldes.
É ainda um pequenino facto a notar a differença do domingo entre Paris e
Stockolmo. Alli o domingo, na cidade, é animado, os passeios, os museus
e os espectaculos apinhados de povo; a vida dos dias de trabalho năo é
tăo absolutamente extenuante como em Paris e por isso năo appareceu
ainda a necessidade de tăo pleno repouso; nos prazeres e no trabalho
mantem-se a sabedoria da modestia, que nem carece de se esfalfar na
conquista de riquezas, nem demanda requintes de gozo. E, como nas
aldeias, o domingo é para a palestra e para vęr os amigos, que na
verdade o corpo năo se sente fatigado, só o espirito necessita de
alimento e expansăo.
Năo continuemos n'este thema; já muito tenho dito do que em Paris me
magôa. É tempo de dar razăo das minhas saudades.
Disse que Paris carecia de vida moral, nem outra coisa podia succeder a
uma terra que, entre muitas outras causas d'esse estado, tem uma
alluviăo de estrangeiros em busca de prazeres, incessantemente renovada.
Mas, se o homem năo vive só de păo, năo vive tambem só do coraçăo e do
amor divino; tem aspiraçőes complexas e irreductiveis, e embora em sua
consciencia reconheça certa ordem dominante, nem ignora a existencia das
outras tendencias concorrentes nem, quando é sincero, nega o prazer de
as sentir satisfeitas.
Vem isto a dizer que, independentemente da vida intima social ha uma
outra vida social mais larga e menos profunda, que é uma necessidade e
um prazer, e em que a sympathia rege o que na primeira é regulado pela
amizade, e a urbanidade substitue a dedicaçăo paciente. Ora a este
genero de vida, cuja actividade sentimos todos os dias e, póde dizer-se,
todas as horas, a este genero de vida Paris deu todo o encanto real e
attingivel, com as suas formulas de polidez e com uma comprehensăo
instinctiva das pequeninas coisas que podem ferir ou magoar. Muito
francez--diz-se como significando falta de sinceridade, e é possivel que
um longo habito tornasse inconscientes actos e palavras que d'outro modo
teriam valor moral; mas é incontestavel que embora essas formulas, esse
modo de ser externo, năo tenham valor moral positivo, năo deixam por
isso de ter reduzido ao minimo os espinhos e asperezas da convivencia;
podem năo ser virtude nem peccado, mas săo em todo o caso uma arte com
todos os prazeres de tal natureza. E, quando alguem os sente,
abandona-os com a mesma tristeza com que os bons bebedores abandonam os
bons vinhedos, onde por baixo preço sorvem com delicia todos os dias o
precioso perfume a que mais querem.
Emquanto assim pensava, aproximavam-se as bocas do Rhodano, cuja
paizagem me deixou indifferente. Os campos săo largos, vastos, e por
vezes viçosos e ferteis, e ao longe descobrem-se as ultimas ramificaçőes
dos Alpes, mas os montes estăo excessivamente distantes para que possam
entrar como valor importante, e a planicie, muito cultivada, tem uma
variedade de vegetaçăo e regularidade de plantaçőes que destroe toda a
harmonia natural. A paizagem carece pois de movimento.
Parecerá absurda esta expressăo--movimento da paizagem--mas, observando
e reflectindo, veremos que a repetiçăo de uma mesma curva acompanhada da
repetiçăo simultanea dos mesmos tons de colorido e dos mesmos reflexos
dá na realidade a impressăo de uma determinada ondulaçăo, um mesmo
movimento, como acontece nas montanhas ou planicies povoadas de uma só
especie vegetal, ou, pelo menos, de uma só especie dominante. Ora este
effeito perde-se nas terras em que a cultura obriga á variedade.
Voltando ao Rhodano--năo quero dizer que năo tenha quadros encantadores,
para o que lhe basta a abundancia de luz. Săo todavia limitados e sem
relaçăo entre si; săo para a grande paizagem o mesmo que os innumeros
quadros da vida domestica săo para a grande pintura historica que
condensa a epopęa d'um povo, lançando n'uma tela estreita seculos de
vida.
Caminhemos. Adiante encontramos Marselha, e á paizagem vem juntar-se a
cidade para nos lembrar a distancia a que estamos de Paris e um pouco
tambem para nos avivar as saudades. Marselha é um prenuncio da Hespanha:
reappareceu o penteado tăo cuidado que năo tornára a vęr desde
Salamanca, os cabellos pretos e a desenvoltura. Esta gente é irrequieta,
o que é uma coisa bem differente da vivacidade franceza. A vivacidade,
para mim, é constituida por gestos e movimentos da physionomia, breves
em intensidade e duraçăo mas repetidos e revelando uma actividade de
espirito simultanea e semelhante; a desenvoltura é prodiga de movimentos
que nada dizem das suas relaçőes psychologicas. A vivacidade, quando ri,
scintilla de sympathia; a desenvoltura, rindo, é egoista se năo encerra
um sarcasmo. Os francezes săo mais vivos, a gente de Marselha mais
desenvolta, como os hespanhoes.
Estamos á beira-mar; mais vinte e quatro horas e bateremos ás portas do
mundo arabe.
Pela manhă trovejou, e das bandas de Africa sopra um vento asphyxiante e
morno.
A um canto do vapor uma criança ao collo repete com o olhar fixo de
mysterioso scismar que as crianças tęm ás vezes: Pa... pá, pa... pá...
Ao lado, uma mulher nova e galante conversa com o capităo, brandamente,
n'um tom meigo de saudade.
--Vamos, disse elle.
--_Bon voyage._
--_Au revoir._ E abraçaram-se, silenciosos, mudos, sem uma lagrima.
Ella seguiu pelo caes, voltou-se e olhou quando o vapor partia e
perdeu-se no borborinho da rua, caminhando ao lado do filho, lenta,
tranquillamente, o coraçăo envolto na dôr, na esperança a na virtude.
Vi ainda uns vagalhőes titanicos e cambaleando deixei-me rolar como um
fardo no canto de um divan. Na ancia e na fraqueza semi-febril
obscurecem-se os limites do sonho e do pensamento consciente.
Via o enterro d'um amigo; um enterro civil. A porta desconjuntada e
carunchosa d'um quintalejo, n'um sitio ermo, veio uma carroça empoeirada
de cal, puxada por um macho escuro, somnolento, orelha derrubada, uns
arreios sujos, de pregos amarellos, resequidos e gretados do sol. O
caixăo appareceu sobre a carroça, năo sei como, e sobre elle, o
carroceiro, um soldado francez, de largas calças vermelhas e jaqueta
azul, sentou-se, perna bamboleante, costas para o macho. Fallou-lhe e
partiu. Ao lado da carroça pendia uma lanterna; no limiar da porta
ficára uma mulher da Beira, morena, espadaúda e baixa, o cabello
empastado na testa e as măos cruzadas debaixo do avental.
--Năo quer a lanterna accesa, tio Manoel?
--Năo é preciso, a noite está clara.
E n'aquelle silencio sentiu-se só o estremecer da carroça sacudida no
macadam da estrada á beira d'um juncal, caminho do cemiterio.
--_Monsieur, nous sommes ŕ Alger_, disse alguem perto de mim.
Levantei-me e subi. Na noite escura, mais escuro ainda um grande panno
negro, uma montanha semeada de luzes; e em baixo sob um rosario de bicos
de gaz, pernas e faces negras e nuas entre gorros vermelhos e farrapos
brancos enxovalhados--foi o meu despertar no mundo arabe.
Um sonho mau entre um quadro de amor domestico e um quadro de
miseria--săo todas as minhas impressőes d'esse Mediterraneo azul,
limpido, sereno, dissoluçăo filtrada de anilina que em tempos que já la
văo faria a delicia dos janotas e a fortuna das engommadeiras de Lisboa,
vendido a retalho.
* * * * *
_Granada, 9 de Outubro._
Argel, vista de noite, nas sombras da luz escassa, dá-nos a impressăo de
uma grande miseria; mas, vindo a manhă, no movimento das ruas e dos
mercados, essa miseria conver-te-se n'uma grande mascarada para os olhos
surprehendidos do viajante europeu, pouco habituado ao contacto das
civilisaçőes mescladas e exoticas. Rimos d'essa confusăo de arabes, de
turcos, de francezes e marroquinos e rimos ainda mais do albornoz e do
turbante; associados ao chapéo de sol e ás botas de elastico, vivendo em
santa paz na mesma pessoa. Ao lado da franceza toda encalmada, de manga
curta e collo descoberto, vęm as mulheres da terra, embiocadas em leves
roupas brancas que a imaginaçăo do nosso povo escolheria para trajo das
almas do outro mundo; entre os mercadores de blusa azul, de pé, lestos
em attender o freguez, como os vemos pelas nossas praças, está o arabe,
sentado, de pernas cruzadas, indifferente e moroso, com um lento
pestanejar de ruminante.
Rimos emquanto o pensamento năo nos inicia em caminho differente; porque
logo, reflectindo, entre o grotesco e o comico de associaçőes disparates
descobrimos o orgulho do vencedor, dominando imperioso e inflexivel, e,
em baixo, a seus pés, a babugem de uma onda outr'ora forte e temerosa,
agora fraca e quasi extincta, agitando-se semi-morta nas prisőes de
ferro em que a Europa a lançou. N'uma cidade, como Argel, em que
passeiam hombro a hombro vencedor e vencido, a derrota é patente todo o
dia como na hora do combate. Quando a Allemanha venceu a França, cada um
recolheu ás suas terras e ahi recobrou altivez; mas Argel vencida foi
tambem conquistada e o povo arrasta as algemas de uma escravidăo mais ou
menos real e mais ou menos consciente. Por aquellas ruas anda uma
populaçăo que se agita e move, livre, risonha, altiva, calcando uma
terra que lhe pertence, e rasteja tambem um denso rebanho que o pastor
conduz, mas a que năo falla senăo para ordenar. N'uma hospedaria, um
criado europeu manda vir o _arabe_ para acarretar as bagagens com a
mesma entonaçăo com que mandaria vir um jumento.
Respondem-me que essa gente vive livre e feliz, sómente sob as leis e
regulamentos que foi necessario dar-lhes. Nem tanto mereciam.
Năo derramarei lagrimas sob a sua sorte nem mesmo direi que seja má a
sua condiçăo material e que tivessem merecimentos para melhor. Apenas
aponto um facto; é que no momento actual Argel nos da o espectaculo
altamente interessante e instructivo do aviltamento moral de uma raça
conquistada em frente dos seus senhores.
Uma outra coisa nos offerece Argel, năo menos interessante. É um bairro
arabe, quasi uma cidade, que o camartello europeu ainda năo alcançou e
em que os costumes, a gente, e as habitaçőes indigenas săo ainda de
grande pureza.
Nada direi d'essas viellas ingremes em que as casas quasi se tocam de um
ao outro lado, especie de fortalezas com uma pequenina porta e raras
frestas nos muros. Tudo está minuciosamente descripto em muitos livros
e, de resto, esses recintos săo vedados aos simples viajantes.
Deixaram-me uma pequena impressăo--pequenez e frescura. Tudo me pareceu
acanhado e pequenino, fresco e humido como os logares profundos onde o
sol năo penetra.
O arabe vem descendo até aos bairros europeus, e ahi abundam as lojas e
officinas. Bordam, tecem, costuram, tęm as suas cozinhas e cafés e tudo
aquillo se assemelha tanto á nossa regularidade que naturalmente
perguntamos como tende a aniquilar-se uma raça que chegou a organisar o
trabalho, a arte, a familia, a religiăo, a politica, que creou uma
civilisaçăo, uma ordem social, funccionando e correspondendo na sua
organisaçăo á capacidade ethnica. Parece que um povo que chegou a este
estado năo deveria ser tăo facilmente destruido e dominado dentro do seu
proprio _habitat_.
Năo soube defender-se--é a resposta que mais immediatamente encontramos
no nosso espirito; se tivessem inventado os canhőes de Krupp talvez os
seus destinos fossem outros. E vamos a dar razăo á Allemanha: Pois a
primeira necessidade de um povo năo é ser forte? Virtude, grandeza
d'alma, um ideal, para que? Se năo tem musculos săos, armados d'aço e
lançando fogo, esse povo será devorado pelos lobos sempre á espreita das
ovelhas.
Mas lançados n'esta ordem de cogitaçőes encontramos a Allemanha receiosa
e timida diante do cossaco esfarrapado que vi nos acampamentos da
Polonia. Já năo vale a força; tudo ameaça dissolver-se n'essa infinita
vastidăo em que já um dia se perderam setecentos mil homens. «Vive em
paz com a Russia», recommendára, diz-se, o velho Guilherme moribundo a
Frederico, seu filho; no seu espirito fluctuava já o desanimo com que
Napoleăo voltou de Moscow ás margens do Niemen e antecipadamente se
entregava a essa amizade obrigada.
E o espirito perde-se buscando em văo uma base de força duradoura,
eterna, indestructivel! Năo pensará assim o arabe, que tudo aceita sem
espanto, como derivado da ordem logica e natural das coisas, se é que
podemos aventurar-nos a penetrar tăo intimamente no espirito de uma raça
estranha. Duvido.
Muitas vezes na Argelia, pensando no arabe mysterioso, surgiu no meu
espirito esta duvida. Podemos comprehender inteiramente a psychologia de
uma raça estranha? Modos de vęr e de sentir differentes devem conduzir a
differentes ordens de pensamento e, embora vejamos as suas conclusőes
externas e praticas, no modo de funccionar intimo poderá existir
qualquer coisa mysteriosa que nos escapa. Comprehendemos claramente a
psychologia da criança; năo ha entre ella e nós senăo graus de
desenvolvimento e de actividade sendo iguaes a tendencia evolutiva e o
modo de funccionar, tendencia e modos que devem variar de raça para
raça. É verdade que o nosso espirito năo concebe duas logicas, mas fóra
d'esse estreito terreno commum que margem năo fica para variantes
incomprehensiveis? Pasmamos muitas vezes da logica excentrica de certos
espiritos, da maneira por que n'elles se prendem e ligam as idéas, e
este facto, combinado com uma reconhecida differença de base physica,
năo basta para nos levar a qualquer conclusăo mas deixa no espirito
certa desconfiança quanto a affirmaçőes positivas sobre a psychologia
das differentes raças.
Talvez que sobre o espirito arabe o juizo mais acertado seja o de uma
senhora americana muito instruida com quem conversei largamente sobre
essa gente. «Só gostava de saber o que elles pensam...»--«Creio que
pensam muito pouco», respondeu-me.
É possivel que n'estas palavras se resuma toda a sua psychologia. Um
clima ardente congestiona e opprime, como o frio entorpece; em qualquer
caso ha uma paralysaçăo de vida. A indifferença arabe năo seria como a
do russo uma conclusăo final do cogitar sobre a inanidade de todas as
previsőes, seria uma abdicaçăo por indolencia, seria a aceitaçăo das
coisas sobre o que o pensamento se nega a reflectir. Mata e morre
friamente, n'um torpor de somnolencia invencivel. Sabe lavrar e conduzir
os rebanhos na pastagem, caminha arrastadamente, e apto para o trabalho
lento; năo sabe cavar, repugna-lhe o trabalho activo e diligente.
Este mesmo clima que produziu uma raça avassallada pelo ardor do sol,
movendo-se sob impulsos mysteriosos, creou a paizagem que deslumbra e
cega os olhos do artista europeu educados na luz coada pelas nevoas do
norte. Deu á sensualidade tudo o que ella podia exigir de mais intenso e
vivo; e por isso se comprehende que a paizagem da Argelia tenha na
pintura um culto reservado e distincto. Para a poder sentir é necessario
ter olhos insaciavelmente cubiçosos e nem todos attingem tamanho vigor
de Sensualidade visual. Para os que ficam áquem, esses prazeres
perdem-se despercebidos, quando năo repugnam, ferindo e maguando. Uma
luz abundantissima n'uma atmosphera sęcca; e todas as impressőes virăo
aos nossos olhos nitidas, precisas, distinctas, vibrando rijamente,
soltas e desvendadas da humidade attenuante que modera, corrige e
confunde, mostrando-nos toda a natureza através d'uma atmosphera
transparente sim, mas uniformemente colorida.
A atmosphera tem portanto côr? Pela primeira vez surgiu no meu espirito
este pensamento quando em Copenhague encontrei na exposiçăo pinturas
japonezas em sęda, esboços grosseiros de paizagens sobre um fundo sem
nuvens, unicolor. E todavia transmittiam-me a impressăo de uma paizagem
por muito que me repugnasse cręr na realidade do céo e do ar amarello ou
verde. Parece que da terra e do céo, de todos os reflexos fundidos
resulta um prisma distincto para cada paizagem, através do qual a vemos
e conhecemos.
Talvez resultado d'este scismar, uma noite, em Argel,--ainda outro
sonho!--vi essa terra como as ruinas do Coliseu de Roma. Era uma enorme
bacia formada de montanhas escalvadas, de uma argilla vermelha que
descia em degraus até ao fundo e sobre a terra, immoveis, equidistantes,
os albornós brancos dos arabes; um espaço vermelho e cavado, maculado de
pontos brancos. Assim toda a paizagem da Argelia estaria envolvida
n'essa atmosphera vermelha.
Năo contradiz este sonho o que acima disse relativamente á intensidade
de impressăo resultante da seccura atmospherica. Uma coisa é o colorido
ligeiro que provém da fusăo dos reflexos ambientes, outra a decomposiçăo
da paizagem através da nevoa mais ou menos densa; essa attenua e
confunde profundamente, a outra dá apenas um ligeiro colorido sem
prejudicar a predominancia das impressőes primitivas; uma sente-se
principalmente nos espaços vazios, a outra actua com igual força sobre
toda a natureza terrestre.
A paizagem da Argelia, pois, com a sua atmosphera propria, como as
demais paizagens, e a sensualidade requintada da riqueza e intensidade
de impressőes visuaes que resultam da seccura do ar associada á
abundancia de luz. Explica-se d'esta fórma como nos quadros dos pintores
que tęm estudado essas regiőes apparecem com tăo grande frequencia as
montanhas, as ruinas e o mar; săo aquelles elementos em que este
caracter de nitidez, de transparencia e de variedade consequente
apparece mais distinctamente.
Para nós, porém, a paizagem da Argelia năo tem o valor que lhe dá a
gente do norte. Estes crepusculos em braza que se prolongam n'um
esmorecer lento, a luz que á tarde doura o arvoredo, como com tanta
saudade a vi nas mattas de pinheiros de Alepo, em Orleansville, nada
d'isso é novo para nós com quem a natureza foi tăo prodiga.
* * * * *
_Sevilha, 13 de Outubro._
Duas coisas bem differentes temos que vęr no sul da Hespanha, os
monumentos arabes e a Andaluzia, os vestigios d'uma raça e d'uma
civilisaçăo extinctas n'esta parte do mundo e os povos e a civilisaçăo
agora existentes na mesma regiăo. Ambas igualmente interessantes; a
primeira porque encerra documentos de primeira ordem no seu genero, e a
segunda pela importancia de todo o elemento activo contemporaneo.
Nem a Alhambra nem a mesquita de Cordova nem o alcaçar de Sevilha
destruiram a impressăo que a Argelia me tinha deixado da arte arabe;
antes confirmaram o que ahi tinha pensado e que em certo modo se
relaciona com o que em Moscow julguei de todo o Oriente. Aqui tambem
como alli, encontrei uma concepçăo esthetica que năo é da nossa raça e
năo se conforma com o nosso modo de sentir. N'este ponto as duas
impressőes săo identicas. Differem porém: emquanto no moscovita domina a
imaginaçăo insaciavel, um enredar infindo, parecendo que o seu
pensamento năo consegue definir-se em certa ordem de linhas geraes, o
arabe alcançou esse ultimo estado, definiu o seu conceito em fórmas
precisas e determinadas. Depois de termos visitado os monumentos arabes,
por longo tempo nos ficam diante dos olhos certas proporçőes e direi
mesmo certos angulos, embora tenha a certeza de que os seus angulos
variam de grandeza em numero infinito. Ha manifestamente uma tendencia,
um movimento n'uma direcçăo fixa.
D'esse conceito, d'essa visăo ultima e final, producto de series de
impressőes successivas, resultam para mim duas idéas--a ausencia de
grandeza e a preferencia do adorno sobre a estructura.
Sobre esta creio năo haver duvida. _Dentelle_--foi a palavra que mais
vezes ouvi do guarda da Alhambra que me acompanhava; rendas săo na
verdade todos esses minusculos trabalhos em gesso de que os seus muros
estăo cobertos. Para lhes dar todo o relevo estenderam-se sobre o ouro e
as côres mais vivas, um azul intenso e um vermelho rutilante, e năo se
pouparam as perspectivas que os projectassem sobre a grandeza do espaço
e da luz; e, depois de os ter despendido com uma prodigalidade
infatigavel, cobriram-se os intervallos que restavam com azulejos e
couros de Cordova, rendas ainda, posto que d'outra materia. Năo se
levantaram palacios, atapetaram-se alcovas de sultana.
É de crer que me neguem a falta de grandeza nos monumentos arabes,
adduzindo como primeira prova de contestaçăo a mesquita de Cordova. Ao
que responderei que é d'esse mesmo documento que pretendo tirar a melhor
prova do meu pensamento.
Quando lá entrei, lembrou-me um pomar de macieiras frondosas e bem
alinhadas, d'esses que os brazileiros da minha terra tęm alli pela Villa
da Feira. Li depois que Theophilo Gautier a comparára a uma floresta,
mas as florestas bracejam á vontade, erguem-se ao sol e desconhecem a
linha recta, errando gigantes por onde a luz e a terra mysteriosamente
as conduzem. Transcrevo as proporçőes d'esse edificio e o leitor dirá se
n'ellas cabe grandeza.
Supprimamos a capella-mór e vejamos só as proporçőes da mesquita no seu
estado primitivo. Um quadrilatero, cento e sessenta e sete metros de
comprimento, cento e dezenove de largura, dez d'altura; dezenove naves
n'uma direcçăo e trinta e seis na outra, arcos mouriscos assentes em
columnas de cerca de tres metros. É facil de imaginar o aspecto de tanta
galeria tăo baixa, tăo estreita e tăo longa.
A isto chamou-se grandeza, sendo aliás a sua negaçăo. A grandeza está
nas proporçőes d'um só conceito, e o arabe, năo podendo alcançal-a,
vingou-se na extensăo, repetindo n'um vasto campo o mesmo conceito.
Incapacidade de espirito ou consequencia de um mau ponto de partida? Foi
o espirito arabe que carecia de grandeza ou a grandeza era incompativel
com a fórma d'arco que adoptára e que mais amava? E questăo que por
certo os homens do officio terăo resolvido ha muito, e elles saberăo
dizer-nos se com o arco arabe poderemos ir muito longe; para os meus
olhos desprevenidos e ignorantissimos aquelle arco parece concluir
sempre o edificio, tornando impossivel uma sobreposiçăo equilibrada
apparentemente, já se vę, porque quanto á realidade năo ha duvida.
Perdôem-me os expertos se n'isto vai grande barbaridade, mas em tempos
de suffragio universal é permittido ouvir-se a voz do vulgo. De resto,
questăo incidente; prosigamos. Ausencia de grandeza e abuso do adorno
năo săo qualidades de gente guerreira, e por isso comprehendo Carlos V
mandando arrasar parte da Alhambra e construindo no seu logar um palacio
da mais bella renascença; foi ingenuamente o homem da sua raça. Quem dos
jardins do Generalife vir os telhados da Alhambra, baixos como cabanas
ao lado do palacio sumptuoso e altivo, comprehenderá porque razăo _isto_
venceu _aquillo_. Estăo alli duas architecturas e duas almas.
Lamentamos e com razăo que se houvessem destruido tăo boas fontes de
saber. Penetrar o espirito alheio, abranger na extensăo do nosso
pensamento a vida de toda a terra e de todo o universo, se possivel, é
para nós um tăo grande prazer como a contemplaçăo de quanto nos deleita
a vista: e n'este sentido săo justas as lamentaçőes de todo o monumento
perdido. Mas năo é menos justa a sympathia pela expansăo forte, viril e
inconsciente dos instinctos de uma raça, ainda năo pervertida pela
largueza intellectual que conduz ao scepticismo, pondo o _cant_ no logar
da admiraçăo sincera: e entăo os actos barbaros como o de Carlos V tęm
seus laivos de grandeza.
E todavia quem falla d'esta fórma da arte arabe ainda hontem poderia ser
surprehendido em flagrante delicto de admiraçăo diante da entrada de um
casino de Sevilha. Que singeleza! Um vestibulo rectangular, ladrilhado
de marmore, as paredes com uma cercadura de um metro de azulejo e depois
gobelinos até ao tecto de madeira, apainelado; ao centro tres arcos
sobre quatro columnas de marmore branco dando entrada para o pateo,
quadrado, com uma ornamentaçăo semelhante á do vestibulo. Năo ha n'isto
grandes reminiscencias dos mouros? Ha, decerto; toda a differença
consiste năo em desconhecermos a belleza da sua arte mas em a tornarmos
como subordinada a uma concepçăo mais alta. De fim ultimo e principal,
os seus mais bellos elementos transformam-se ás nossas măos em accidente
e complemento.
É tempo de passarmos á formosa Andaluzia, formosa nas suas mulheres, no
pittoresco dos costumes, retardatarios da desnacionalisaçăo, porque a
formosura dos seus campos soffre grandes reservas.
Pelos montes e outeiros predominam os olivaes, e a palmeira (_chamćrops
humilis_), as agaves, o esparto, a giesta, e as lavouras de trigo
preenchem os intervallos; as terras baixas săo mimosas, onde tęm agua,
mas com esta indecifravel confusăo de plantas dos terrenos bem
cultivados, perdem toda a fôrça e caracter como paizagem. Para esta
ficam só as terras altas e que pouco dizem porque as oliveiras estăo
muito distantes entre si e as outras plantas muito dispersas para darem
qualquer fórma ou colorido definido. Ainda assim, onde o olival é basto
accentua-se certo caracter de calor e suavidade; a folha da oliveira,
leve de colorido e pouco brilhante, semelhando cobre velho oxydado,
desenrola sobre a terra um tapete que se sente profundo e leve, sem a
dureza polida e fria das vastas superficies luzentes. Caracter que as
restantes plantas partilham: o brilho é proprio das plantas viçosas e
aqui năo as ha, tęm falta d'agua. A propria palmeira é bem differente
d'aquillo que parece nos nossos jardins, mais coriacea, năo se expande
nesse viço que é uma phase brilhante de estiolamento.
E todavia năo faltará quem se extasie diante do Guadalquivir e do Genil
em que se reflecte a alvura da Serra Nevada. Se me năo illudo, é o caso
tăo frequente da confuzăo do bem-estar physico com a belleza da
paizagem. Para os que vęm dos montes abrazados, o valle humido e tepido
dá uma sensaçăo balsamica que nos induz a chamar bello a quanto nos
rodeia. Esta sensaçăo associada á cubiça de riquezas, foi talvez uma das
grandes forças da conquista arabe; por aquellas veigas sorria um prazer
que para lá do mar era bem raro e o mouro vinha buscal-o, impetuoso,
como uma onda negra espumando sangue.
N'estes climas tăo ricos, a vegetaçăo vai desde o trigo até á vinha, a
oliveira, a laranjeira e a tamara; nos poucos metros d'um jardim
percorrem-se quasi completamente as zonas de todo o mundo.
D'aqui a belleza da gente, creada na abundancia, com os frios moderados
que avigoram, sem a molleza lymphatica dos calores excessivos. O clima
tudo lhes deu: uma alimentaçăo variada, abundante e să, e as
alternativas e graduaçőes de temperatura convenientes para dar ao corpo
plena expansăo de vigor.
Vigor indomavel, latejante e transparente: a belleza das raparigas do
norte palpita apenas; na andaluza, os olhos e os cabellos negros, a
pelle mimosa e branca, tęm relampagos de sensualidade.
Mas a mocidade é breve, segue-se uma vida mais sedentaria, e quando na
casa a mesa é farta e a doença e o trabalho năo castigam, um corpo tăo
săo tem comsigo um inimigo invencivel da belleza--a obesidade. É ahi que
vai naufragar o melhor da formosura da Andaluzia; nas ruas, nos passeios
e nos caminhos de ferro encontra-se esta phylloxera em todos os estados,
desde a mulher de trinta annos de uma redondeza acabada, até á
sexagenaria informe.
Mudou a physionomia mas o caracter é sempre o mesmo, é em toda a idade a
desenvoltura de que já em Marselha tivemos prenuncios. Dar exercicio aos
musculos, palrando com grandes gestos, saracoteando-se e cantando,
constitue a primeira necessidade d'esta gente. É sabido como os
hespanhoes adoram a rua e os cafés. Pois năo é porque bebam muito; o que
precisam é fallar e agitar-se, ruido e movimento.
A mesma musica tem este caracter de agilidade; as depressőes alternadas
de andamento rapido e lento săo manifestas como na musica italiana a
predilecçăo pela cadencia prolongada. Parece que só a Allemanha tirou da
musica a expressăo d'uma paixăo intima e moral; os outros povos
contentam-se em reduzil-a á simples traducçăo do seu modo de ser
sensual.
Para que tudo esteja d'harmonia--e esta harmonia é para mim o mais bello
da Andaluzia--a habitaçăo é tambem o que melhor se podia conformar com o
clima. O pateo, com a fonte de marmore ao centro, rodeado por uma
galeria em arcos ou sobre columnas é quasi geral nas casas da Andaluzia;
adornado com plantas dá um canto de frescura para passar no verăo as
horas de calma, ao mesmo tempo que é um elemento de belleza. Năo foi a
Andaluzia que o inventou, é romano ou arabe, é talvez de todos os povos.
Adoptal-o, porém, foi o grande impulso de bom-senso.
Porque năo fizemos o mesmo em Lisboa, preferindo a imitaçăo parisiense,
tăo pouco justificada? Porque năo teremos o pateo alumiado, fresco e
aceiado em logar da escada sombria, abafada e negra? Porque năo fizemos
uma avenida ladeada de casas peninsulares em logar d'um _boulevard_?
Descuidadamente, fui a fallar das coisas de casa. Pois năo voltarei
atraz. Recolho ao ninho, que já năo é sem saudade.
Ao abeirar-me d'essa natureza que encerra o vidoeiro e a palmeira, com
tanto amor bafejada da fertilidade e belleza, ao contacto d'essa alma
tăo nobre que na corrupçăo e na miseria tem ainda scintillaçőes de
heroismo, esmorece a sympathia pela gente que deixei para além dos
Pyrenéos e dos Alpes.
A sua alegria é um sorriso frouxo na sombra tremula e fria do vidoeiro e
do abeto, e a alegria da minha terra vai desde a alvorada de primavera
rutilante e fresca até á gargalhada estridente e pagă, entre o perfume
do louro e o vigor do pampano. A sua melancolia é o brando palpitar d'um
crepusculo de outono, e a melancolia da minha terra é ardente e ampla,
um clamor de bronze vibrado nas labaredas do estio.
Bem vindo seja pois esse ninho tecido de miserias e de grandeza!
INDICE
Pag.
Dedicatoria V
Advertencia VII
Modos de viajar 2
O Minho 4
O Douro 6
Entrada em Hespanha 7
Salamanca 9
Miranda do Ebro 12
Os Pyrenéos 13
Paris 14
Ličge 23
Lavoura por cavallos 24
Campos de Ličge 25
O Hanover 26
Prados e florestas 27
O snr. G. Saunders 28
Berlim 29
De Berlim a Varsovia; a alfandega russa 33
A paisagem da Polonia 34
Varsovia 36
A paizagem do norte da Russia 38
A aldeia da Russia 39
Moscow 40
Visita a Tolstoď 44
S. Petersburgo 53
A Finlandia 55
A paizagem 56
A Scandinavia 59
Copenhague 64
A industria moderna 67
O domingo em Paris 72
Seducçőes de Paris 73
Paizagem do Rhodano 75
Marselha 76
Caminho d'Argel 77
Argel 80
Paizagens 87
Os monumentos arabes 91
A Andaluzia 97
DO MESMO AUCTOR:
_Estudos sobre litteratura contemporanea_ 1 vol.
_O Snr. Oliveira Martins e o seu projecto de lei sobre o fomento
rural_ Folh.
_A arte d'estudar_ (versăo do inglez) 1 vol.
_A Democracia_ Folh.
End of Project Gutenberg's Cidades e Paisagens, by Jaime de Magalhăes Lima
*** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK CIDADES E PAISAGENS ***
***** This file should be named 24774-8.txt or 24774-8.zip *****
This and all associated files of various formats will be found in:
http://www.gutenberg.org/2/4/7/7/24774/
Produced by Pedro Saborano
Updated editions will replace the previous one--the old editions
will be renamed.
Creating the works from public domain print editions means that no
one owns a United States copyright in these works, so the Foundation
(and you!) can copy and distribute it in the United States without
permission and without paying copyright royalties. Special rules,
set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to
copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to
protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. Project
Gutenberg is a registered trademark, and may not be used if you
charge for the eBooks, unless you receive specific permission. If you
do not charge anything for copies of this eBook, complying with the
rules is very easy. You may use this eBook for nearly any purpose
such as creation of derivative works, reports, performances and
research. They may be modified and printed and given away--you may do
practically ANYTHING with public domain eBooks. Redistribution is
subject to the trademark license, especially commercial
redistribution.
*** START: FULL LICENSE ***
THE FULL PROJECT GUTENBERG LICENSE
PLEASE READ THIS BEFORE YOU DISTRIBUTE OR USE THIS WORK
To protect the Project Gutenberg-tm mission of promoting the free
distribution of electronic works, by using or distributing this work
(or any other work associated in any way with the phrase "Project
Gutenberg"), you agree to comply with all the terms of the Full Project
Gutenberg-tm License (available with this file or online at
http://gutenberg.org/license).
Section 1. General Terms of Use and Redistributing Project Gutenberg-tm
electronic works
1.A. By reading or using any part of this Project Gutenberg-tm
electronic work, you indicate that you have read, understand, agree to
and accept all the terms of this license and intellectual property
(trademark/copyright) agreement. If you do not agree to abide by all
the terms of this agreement, you must cease using and return or destroy
all copies of Project Gutenberg-tm electronic works in your possession.
If you paid a fee for obtaining a copy of or access to a Project
Gutenberg-tm electronic work and you do not agree to be bound by the
terms of this agreement, you may obtain a refund from the person or
entity to whom you paid the fee as set forth in paragraph 1.E.8.
1.B. "Project Gutenberg" is a registered trademark. It may only be
used on or associated in any way with an electronic work by people who
agree to be bound by the terms of this agreement. There are a few
things that you can do with most Project Gutenberg-tm electronic works
even without complying with the full terms of this agreement. See
paragraph 1.C below. There are a lot of things you can do with Project
Gutenberg-tm electronic works if you follow the terms of this agreement
and help preserve free future access to Project Gutenberg-tm electronic
works. See paragraph 1.E below.
1.C. The Project Gutenberg Literary Archive Foundation ("the Foundation"
or PGLAF), owns a compilation copyright in the collection of Project
Gutenberg-tm electronic works. Nearly all the individual works in the
collection are in the public domain in the United States. If an
individual work is in the public domain in the United States and you are
located in the United States, we do not claim a right to prevent you from
copying, distributing, performing, displaying or creating derivative
works based on the work as long as all references to Project Gutenberg
are removed. Of course, we hope that you will support the Project
Gutenberg-tm mission of promoting free access to electronic works by
freely sharing Project Gutenberg-tm works in compliance with the terms of
this agreement for keeping the Project Gutenberg-tm name associated with
the work. You can easily comply with the terms of this agreement by
keeping this work in the same format with its attached full Project
Gutenberg-tm License when you share it without charge with others.
1.D. The copyright laws of the place where you are located also govern
what you can do with this work. Copyright laws in most countries are in
a constant state of change. If you are outside the United States, check
the laws of your country in addition to the terms of this agreement
before downloading, copying, displaying, performing, distributing or
creating derivative works based on this work or any other Project
Gutenberg-tm work. The Foundation makes no representations concerning
the copyright status of any work in any country outside the United
States.
1.E. Unless you have removed all references to Project Gutenberg:
1.E.1. The following sentence, with active links to, or other immediate
access to, the full Project Gutenberg-tm License must appear prominently
whenever any copy of a Project Gutenberg-tm work (any work on which the
phrase "Project Gutenberg" appears, or with which the phrase "Project
Gutenberg" is associated) is accessed, displayed, performed, viewed,
copied or distributed:
This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
with this eBook or online at www.gutenberg.org
1.E.2. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is derived
from the public domain (does not contain a notice indicating that it is
posted with permission of the copyright holder), the work can be copied
and distributed to anyone in the United States without paying any fees
or charges. If you are redistributing or providing access to a work
with the phrase "Project Gutenberg" associated with or appearing on the
work, you must comply either with the requirements of paragraphs 1.E.1
through 1.E.7 or obtain permission for the use of the work and the
Project Gutenberg-tm trademark as set forth in paragraphs 1.E.8 or
1.E.9.
1.E.3. If an individual Project Gutenberg-tm electronic work is posted
with the permission of the copyright holder, your use and distribution
must comply with both paragraphs 1.E.1 through 1.E.7 and any additional
terms imposed by the copyright holder. Additional terms will be linked
to the Project Gutenberg-tm License for all works posted with the
permission of the copyright holder found at the beginning of this work.
1.E.4. Do not unlink or detach or remove the full Project Gutenberg-tm
License terms from this work, or any files containing a part of this
work or any other work associated with Project Gutenberg-tm.
1.E.5. Do not copy, display, perform, distribute or redistribute this
electronic work, or any part of this electronic work, without
prominently displaying the sentence set forth in paragraph 1.E.1 with
active links or immediate access to the full terms of the Project
Gutenberg-tm License.
1.E.6. You may convert to and distribute this work in any binary,
compressed, marked up, nonproprietary or proprietary form, including any
word processing or hypertext form. However, if you provide access to or
distribute copies of a Project Gutenberg-tm work in a format other than
"Plain Vanilla ASCII" or other format used in the official version
posted on the official Project Gutenberg-tm web site (www.gutenberg.org),
you must, at no additional cost, fee or expense to the user, provide a
copy, a means of exporting a copy, or a means of obtaining a copy upon
request, of the work in its original "Plain Vanilla ASCII" or other
form. Any alternate format must include the full Project Gutenberg-tm
License as specified in paragraph 1.E.1.
1.E.7. Do not charge a fee for access to, viewing, displaying,
performing, copying or distributing any Project Gutenberg-tm works
unless you comply with paragraph 1.E.8 or 1.E.9.
1.E.8. You may charge a reasonable fee for copies of or providing
access to or distributing Project Gutenberg-tm electronic works provided
that
- You pay a royalty fee of 20% of the gross profits you derive from
the use of Project Gutenberg-tm works calculated using the method
you already use to calculate your applicable taxes. The fee is
owed to the owner of the Project Gutenberg-tm trademark, but he
has agreed to donate royalties under this paragraph to the
Project Gutenberg Literary Archive Foundation. Royalty payments
must be paid within 60 days following each date on which you
prepare (or are legally required to prepare) your periodic tax
returns. Royalty payments should be clearly marked as such and
sent to the Project Gutenberg Literary Archive Foundation at the
address specified in Section 4, "Information about donations to
the Project Gutenberg Literary Archive Foundation."
- You provide a full refund of any money paid by a user who notifies
you in writing (or by e-mail) within 30 days of receipt that s/he
does not agree to the terms of the full Project Gutenberg-tm
License. You must require such a user to return or
destroy all copies of the works possessed in a physical medium
and discontinue all use of and all access to other copies of
Project Gutenberg-tm works.
- You provide, in accordance with paragraph 1.F.3, a full refund of any
money paid for a work or a replacement copy, if a defect in the
electronic work is discovered and reported to you within 90 days
of receipt of the work.
- You comply with all other terms of this agreement for free
distribution of Project Gutenberg-tm works.
1.E.9. If you wish to charge a fee or distribute a Project Gutenberg-tm
electronic work or group of works on different terms than are set
forth in this agreement, you must obtain permission in writing from
both the Project Gutenberg Literary Archive Foundation and Michael
Hart, the owner of the Project Gutenberg-tm trademark. Contact the
Foundation as set forth in Section 3 below.
1.F.
1.F.1. Project Gutenberg volunteers and employees expend considerable
effort to identify, do copyright research on, transcribe and proofread
public domain works in creating the Project Gutenberg-tm
collection. Despite these efforts, Project Gutenberg-tm electronic
works, and the medium on which they may be stored, may contain
"Defects," such as, but not limited to, incomplete, inaccurate or
corrupt data, transcription errors, a copyright or other intellectual
property infringement, a defective or damaged disk or other medium, a
computer virus, or computer codes that damage or cannot be read by
your equipment.
1.F.2. LIMITED WARRANTY, DISCLAIMER OF DAMAGES - Except for the "Right
of Replacement or Refund" described in paragraph 1.F.3, the Project
Gutenberg Literary Archive Foundation, the owner of the Project
Gutenberg-tm trademark, and any other party distributing a Project
Gutenberg-tm electronic work under this agreement, disclaim all
liability to you for damages, costs and expenses, including legal
fees. YOU AGREE THAT YOU HAVE NO REMEDIES FOR NEGLIGENCE, STRICT
LIABILITY, BREACH OF WARRANTY OR BREACH OF CONTRACT EXCEPT THOSE
PROVIDED IN PARAGRAPH F3. YOU AGREE THAT THE FOUNDATION, THE
TRADEMARK OWNER, AND ANY DISTRIBUTOR UNDER THIS AGREEMENT WILL NOT BE
LIABLE TO YOU FOR ACTUAL, DIRECT, INDIRECT, CONSEQUENTIAL, PUNITIVE OR
INCIDENTAL DAMAGES EVEN IF YOU GIVE NOTICE OF THE POSSIBILITY OF SUCH
DAMAGE.
1.F.3. LIMITED RIGHT OF REPLACEMENT OR REFUND - If you discover a
defect in this electronic work within 90 days of receiving it, you can
receive a refund of the money (if any) you paid for it by sending a
written explanation to the person you received the work from. If you
received the work on a physical medium, you must return the medium with
your written explanation. The person or entity that provided you with
the defective work may elect to provide a replacement copy in lieu of a
refund. If you received the work electronically, the person or entity
providing it to you may choose to give you a second opportunity to
receive the work electronically in lieu of a refund. If the second copy
is also defective, you may demand a refund in writing without further
opportunities to fix the problem.
1.F.4. Except for the limited right of replacement or refund set forth
in paragraph 1.F.3, this work is provided to you 'AS-IS' WITH NO OTHER
WARRANTIES OF ANY KIND, EXPRESS OR IMPLIED, INCLUDING BUT NOT LIMITED TO
WARRANTIES OF MERCHANTIBILITY OR FITNESS FOR ANY PURPOSE.
1.F.5. Some states do not allow disclaimers of certain implied
warranties or the exclusion or limitation of certain types of damages.
If any disclaimer or limitation set forth in this agreement violates the
law of the state applicable to this agreement, the agreement shall be
interpreted to make the maximum disclaimer or limitation permitted by
the applicable state law. The invalidity or unenforceability of any
provision of this agreement shall not void the remaining provisions.
1.F.6. INDEMNITY - You agree to indemnify and hold the Foundation, the
trademark owner, any agent or employee of the Foundation, anyone
providing copies of Project Gutenberg-tm electronic works in accordance
with this agreement, and any volunteers associated with the production,
promotion and distribution of Project Gutenberg-tm electronic works,
harmless from all liability, costs and expenses, including legal fees,
that arise directly or indirectly from any of the following which you do
or cause to occur: (a) distribution of this or any Project Gutenberg-tm
work, (b) alteration, modification, or additions or deletions to any
Project Gutenberg-tm work, and (c) any Defect you cause.
Section 2. Information about the Mission of Project Gutenberg-tm
Project Gutenberg-tm is synonymous with the free distribution of
electronic works in formats readable by the widest variety of computers
including obsolete, old, middle-aged and new computers. It exists
because of the efforts of hundreds of volunteers and donations from
people in all walks of life.
Volunteers and financial support to provide volunteers with the
assistance they need, is critical to reaching Project Gutenberg-tm's
goals and ensuring that the Project Gutenberg-tm collection will
remain freely available for generations to come. In 2001, the Project
Gutenberg Literary Archive Foundation was created to provide a secure
and permanent future for Project Gutenberg-tm and future generations.
To learn more about the Project Gutenberg Literary Archive Foundation
and how your efforts and donations can help, see Sections 3 and 4
and the Foundation web page at http://www.pglaf.org.
Section 3. Information about the Project Gutenberg Literary Archive
Foundation
The Project Gutenberg Literary Archive Foundation is a non profit
501(c)(3) educational corporation organized under the laws of the
state of Mississippi and granted tax exempt status by the Internal
Revenue Service. The Foundation's EIN or federal tax identification
number is 64-6221541. Its 501(c)(3) letter is posted at
http://pglaf.org/fundraising. Contributions to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation are tax deductible to the full extent
permitted by U.S. federal laws and your state's laws.
The Foundation's principal office is located at 4557 Melan Dr. S.
Fairbanks, AK, 99712., but its volunteers and employees are scattered
throughout numerous locations. Its business office is located at
809 North 1500 West, Salt Lake City, UT 84116, (801) 596-1887, email
[email protected]. Email contact links and up to date contact
information can be found at the Foundation's web site and official
page at http://pglaf.org
For additional contact information:
Dr. Gregory B. Newby
Chief Executive and Director
[email protected]
Section 4. Information about Donations to the Project Gutenberg
Literary Archive Foundation
Project Gutenberg-tm depends upon and cannot survive without wide
spread public support and donations to carry out its mission of
increasing the number of public domain and licensed works that can be
freely distributed in machine readable form accessible by the widest
array of equipment including outdated equipment. Many small donations
($1 to $5,000) are particularly important to maintaining tax exempt
status with the IRS.
The Foundation is committed to complying with the laws regulating
charities and charitable donations in all 50 states of the United
States. Compliance requirements are not uniform and it takes a
considerable effort, much paperwork and many fees to meet and keep up
with these requirements. We do not solicit donations in locations
where we have not received written confirmation of compliance. To
SEND DONATIONS or determine the status of compliance for any
particular state visit http://pglaf.org
While we cannot and do not solicit contributions from states where we
have not met the solicitation requirements, we know of no prohibition
against accepting unsolicited donations from donors in such states who
approach us with offers to donate.
International donations are gratefully accepted, but we cannot make
any statements concerning tax treatment of donations received from
outside the United States. U.S. laws alone swamp our small staff.
Please check the Project Gutenberg Web pages for current donation
methods and addresses. Donations are accepted in a number of other
ways including checks, online payments and credit card donations.
To donate, please visit: http://pglaf.org/donate
Section 5. General Information About Project Gutenberg-tm electronic
works.
Professor Michael S. Hart is the originator of the Project Gutenberg-tm
concept of a library of electronic works that could be freely shared
with anyone. For thirty years, he produced and distributed Project
Gutenberg-tm eBooks with only a loose network of volunteer support.
Project Gutenberg-tm eBooks are often created from several printed
editions, all of which are confirmed as Public Domain in the U.S.
unless a copyright notice is included. Thus, we do not necessarily
keep eBooks in compliance with any particular paper edition.
Most people start at our Web site which has the main PG search facility:
http://www.gutenberg.org
This Web site includes information about Project Gutenberg-tm,
including how to make donations to the Project Gutenberg Literary
Archive Foundation, how to help produce our new eBooks, and how to
subscribe to our email newsletter to hear about new eBooks.
Cidades e Paisagens
Subjects:
Download Formats:
Excerpt
Project Gutenberg's Cidades e Paisagens, by Jaime de Magalhăes Lima
This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with
almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or
re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included
with this eBook or online at www.gutenberg.org
Read the Full Text
— End of Cidades e Paisagens —
Book Information
- Title
- Cidades e Paisagens
- Author(s)
- Lima, Jaime de Magalhães
- Language
- Portuguese
- Type
- Text
- Release Date
- March 7, 2008
- Word Count
- 20,865 words
- Library of Congress Classification
- PQ
- Bookshelves
- Browsing: Literature, Browsing: Travel & Geography
- Rights
- Public domain in the USA.
Related Books
Die drei Ostindienfahrer
German
824h 19m read
Travels to Tana and Persia
by Barbaro, Giosofat, Contarini, Ambrogio
English
2408h 54m read
The diary of a Russian lady
by Dukhovskaia, Varvara
English
3678h 46m read
From the Arctic Ocean to the Yellow Sea
by Price, Julius M. (Julius Mendes)
English
1483h 17m read
Etelämere auringon alla
by London, Jack
Finnish
938h 26m read
Il diario di un viandante
by Beltramelli, Antonio
Italian
1080h 20m read