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Cidades e Paisagens

Portuguese 20,865 words 347h 45m read Mar 7, 2008

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Project Gutenberg's Cidades e Paisagens, by Jaime de Magalhăes Lima

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Project Gutenberg's Cidades e Paisagens, by Jaime de Magalhăes Lima This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org Title: Cidades e Paisagens Author: Jaime de Magalhăes Lima Release Date: March 7, 2008 [EBook #24774] Language: Portuguese Character set encoding: ISO-8859-1 *** START OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK CIDADES E PAISAGENS *** Produced by Pedro Saborano JAYME DE MAGALHĂES LIMA CIDADES E PAIZAGENS _PORTO_ TYP. DE A. J. DA SILVA TEIXEIRA Cancella Velha, 70 1880 CIDADES E PAIZAGENS JAYME DE MAGALHĂES LIMA CIDADES E PAIZAGENS _PORTO_ TYP. DE A. J. DA SILVA TEIXEIRA Cancella Velha, 70 1880 _A MEU PAE_ _Sebastiăo de Carvalho Lima_ _Creio ter chegado a um periodo da vida em que a formaçăo mental do individuo estaciona, tendo-se completado nos limites da sua capacidade. O pensamento trabalha talvez com maior actividade e n'um campo d'acçăo mais vasto do que no passado; mas a fórma e força dos seus orgăos já năo progridem nem crescem nem diminuem nem mudam, mantęm-se. É porventura a época de estudo mais fecundo, năo é decerto a de maiores prazeres; pois as emoçőes intensas do crescimento consciente de vigor foram substituidas pela repetiçăo serena e methodica de esforços e resultados semelhantes._ _Breve ou longo, luminoso ou obscuro, tal qual foi com todos os seus tedios e todas as suas alegrias, percorri esse caminho apoiado na generosa amizade de meu pae. Por isso lhe dedico estas cartas, primicias de uma nova idade devidas á gratidăo._ Jayme de Magalhăes Lima. _ADVERTENCIA_ _Para repouso do espirito e procurando uma representaçăo exacta de coisas que conhecia só pela leitura e me interessavam, fiz no outono passado uma rapida viagem pelo norte da Europa e da Africa. Nos breves momentos de descanso do meu jornadear impaciente dei conta do que ia vendo e pensando nas cartas que ora enfeixo n'este livro._ _Accusam-me os amigos e criticos intelligentes de ter sido abstruso, poupando-me a descripçőes e á narraçăo dos factos e só cuidando de apontar as impressőes de natureza moral que ficavam no meu espirito. A accusaçăo é procedente, reconheço-o; mas năo tentarei corrigir-me pelo respeito que devo á sinceridade._ _Estas cartas săo reflexőes sobre um limitadissimo numero de factos porque na verdade o meu espirito é d'este molde; prende-se meramente ao que se lhe afigura saliente e caracteristico, e despreza e esquece tudo o mais. Se é boa, se é má, năo sei dizel-o; sei apenas que é esta a sua fórma._ _Năo desprezo o trabalho descriptivo, incomparavel delicia quando é bem feito, unica base dos conhecimentos geraes; mas, além de requerer aptidőes litterarias especiaes que năo tenho, demanda ao mesmo tempo dotes d'um outro genero de que igualmente careço. A descripçăo, associada á narrativa e ao dialogo, póde bem aventurar-se no romance sem outro qualquer auxilio: a descripçăo simples, por mais brilhante que seja, é um anachronismo enfadonho se lhe falta a interpretaçăo do lapis e do carvăo que elucida, completa, abrevia e deleita, dando rapidamente uma impressăo extensa._ _Depois, ha muitos modos de viajar. Ha em primeiro logar o estudo--o conhecimento interno e externo dos povos nas suas instituiçőes e nas suas paizagens, na sua vida moral e na sua vida economica, nas suas qualidades physiologicas e nas suas aptidőes artisticas, no seu modo de ser intimo e nas suas relaçőes com o mundo externo. Esses estudos carecem de longo tempo e saber paciente e a descripçăo é um dos seus elementos; estăo feitos para quasi todo o mundo tantas vezes e tăo bem que seria vaidade pueril tentar acrescentar-lhes o que quer que fosse._ _Um segundo modo é a viagem por curiosidade--vęr muita coisa e coisas differentes das que habitualmente vemos. É o regalo das sensibilidades cansadas ou demasiado cubiçosas e um genero de «sport» hoje muito em voga; o seu valor educativo, porém, é mediocre pela multiplicidade das impressőes e falta de connexăo entre si._ _Entre estes dois modos parece-me haver um terceiro, munido de estudos prévios para dispensar observaçăo demorada e curioso só quanto baste para a elucidaçăo do estudo. Procura a representaçăo directa d'aquillo que já conhece, vendo em movimento os corpos vivos cuja anatomia e physiologia estudou primeiro; vai envolver-se na corrente das cidades para sentir o calor e o palpitar do seu sangue e uma vez alcançada esta impressăo abandona-as como um parasita irrequieto._ _Isto pelo que diz respeito ao modo de apreciar as viagens. Pelo que se refere propriamente ás minhas impressőes nada quero acrescentar e muito pouco tenho que esclarecer._ _O que escrevi de Berlim fará cręr que năo senti lá outra coisa senăo um militarismo brutal absolutamente antipathico ao meu espirito, quando é verdade que ao seu lado vi com intima admiraçăo a força moral d'um regimen de ferro em que tudo é pautado pela lei severa e obedecida. Năo sei que haja paiz que possua mais profundamente o fetichismo do dever. Um acto pratica-se porque é obrigaçăo pratical-o e no cumprimento das obrigaçőes năo ha hesitar--tal é o primeiro e mais assombroso resultado educativo que a severidade allemă alcançou para aquelle povo._ _Nem mesmo direi antipathico o caracter do actual imperador da Allemanha, apesar do seu muito contestavel amor filial e d'uma paixăo militar que năo deve ficar longe da loucura. Aspirar a constituir uma patria e uma naçăo «allemăs» é talvez uma especie de egoismo mas largo e generoso; póde ser abominavel mas năo perde por isso a admiraçăo devida a todas as coisas grandes. E este é, a meu vęr, o caso do imperador da Allemanha._ _Igualmente receio ter ficado obscura a minha discussăo com o conde Tolstoď._ _D'accordo quanto á medida do progresso, conformes ambos em que devemos aferil-o pelo alargamento e mais profunda penetraçăo da fraternidade ou do amor nas relaçőes sociaes, differiamos no modo pratico da sua realisaçăo. Tolstoď conclue pelo nihilismo, pela aboliçăo da propriedade, do estado, de todos os vinculos e de todas as dependencias, entregando os homens sómente á sua lei divina ou moral; pede uma dissoluçăo onde eu pediria uma organisaçăo, uma ordem, d'onde derivam a familia, a communa, a propriedade, o estado, uma subordinaçăo. Historica e scientificamente está demonstrado, que, abolidos esses laços, a sociedade cae na anarchia, na guerra, na livre soberania da lucta pela vida, negaçăo da fraternidade._ _E năo se diga que esta maneira de vęr contradiz a igualdade, tendencia evolutiva das sociedades aryanas, historicamente demonstrada. A igualdade entre os homens, que o christianismo e a philosophia reconhecem, traduz-se nas instituiçőes politicas n'uma accessibilidade de estado e de classe e năo na aboliçăo de todos os estados sociaes e das classes, orgăos da humanidade. D'esses orgăos deriva a sua fórma e é esta que nos cumpre aperfeiçoar sem a destruirmos._ _De resto, quanto ao modo de viver de Tolstoď, só repetirei que me merece a mais illimitada admiraçăo. Comprehende-se e admira-se o homem entregue sem reservas a uma paixăo sublime, despindo-se heroicamente de todo o «snobism» com que a fraqueza de todos nós condescende e curvando-se sobre o arado; absorvido n'esse mysterio insondavel e fascinante da terra, aureolado da maior de todas as bençăos divinas--a humildade._ _Sobre os demais pontos das minhas cartas creio năo haver obscuridade que mereça ser apontada._ CIDADES E PAIZAGENS _Salamanca, 1 de Setembro._ Novamente em terras estranhas, com as velhas malas tisnadas ao sol de mil combates, isto é, cobertas dos rotulos dos caminhos de ferro e dos hoteis, que lhes abrem no coiro espesso grandes chagas multicôres; com essas fieis companheiras que por mim pisaram todo o calvario dos omnibus e dos wagons e soffreram ás măos brutaes dos moços de gare, encontro velhas idéas, velhos programmas de viagem. Năo mudei: a bagagem é ainda a mesma, exterior e interiormente. A boa ordem e o methodo exigem um programma, exigem que antecipadamente determinemos um fim e um systema. D'outra forma, a viagem năo passa de uma dissipaçăo, de elegancia ou de vaidade, um regabofe, grandes empresas, grandes aventuras, para escancarar de pasmo a boca dos papalvos. _Abrenuntio!_ Tenho lido e creio que o inglez e o russo viajam de maneira absolutamente diversa; o inglez vendo tudo, seguindo linha a linha o seu _guia_, minuciosa e escrupulosamente, e o russo passeando livremente, sem guia e sem tutela, correndo cidades e campos, envolvendo n'uma especie particular de indifferença museus e bibliothecas, cathedraes e universidades, monumentos e palacios, toda essa interminavel corda com que é costume enforcar a bolsa e a paciencia do viajante. Emquanto o inglez procura factos e impressőes desconnexos, mas em grande numero, o russo procuraria poucas ideas geraes; um attenderia ao numero e á quantidade, outro á grandeza e á qualidade. Năo sei até que ponto será exacta a distincçăo como attributo caracteristico de raça; é certo porém que em geral a podemos considerar verdadeira. A năo ser que viajemos com um fim especial, o estudo de uma cultura, de uma arte, de um novo processo industrial, ou qualquer outro, ha apenas dois systemas de viajar, extremos de um dos quaes todo o caso particular sempre se aproxima: ou procuramos a abundancia e a riqueza de impressőes ou um limitado numero de aspectos e idéas geraes, pondo de parte os factos inuteis á sua constituiçăo. Sobre o valor intellectual dos dois systemas năo me parece poder levantar-se duvida; ha toda a distancia que vai da simples curiosidade ao pensamento. Um estampa, grava e guarda, no seu estado primitivo, as percepçőes recebidas; o outro funde, relaciona, e tira um novo producto unico residuo duradouro e util. Ora, devo advertir aos que tiveram a paciencia de me acompanhar até aqui que desde longos annos me inscrevi na segunda das categorias que esbocei e năo abjurei nem espero abjurar a primeira confissăo. Temperamentos! Já vę, pois, o leitor o que póde esperar d'estas breves palestras, escriptas de relogio em punho e sob a respeitavel auctoridade dos horarios do caminho de ferro; nem poderei despertar-lhe transportes de enthusiasmo, em segunda măo, pelos quadros e monumentos notaveis, nem lhe contarei quantos viajantes me acompanhavam, nem como vestiam e dormiam, nem mesmo poderei dizer-lhe, e isso com verdadeira magua, se, realmente, n'esta parte da Europa que vou percorrer, é lei universal de todas as hospedarias deixar á noite os sapatos á porta do quarto de dormir e encontral-os de manhă bem lustrosos de graxa. Nada d'isto terei tempo de dizer-lhe; apenas alguns factos e idéas muito geraes. Já temos quanto baste de declaraçőes prévias para que possamos entender-nos; passemos pois á viagem. Do Porto a Salamanca o caminho é bem conhecido. Atravessando o Minho, nas proximidades de Penafiel, póde observar-se o aspecto bem differente do Minho suburbano e littoral, como a Maia e Rio Tinto, e o Minho interior, aproximando-se das montanhas. N'este, a vegetaçăo nos valles é mais abundante e viçosa, talvez resultado do maior abrigo; os montes circumvisinhos săo mais elevados e muito despidos, differentemente do que acontece no littoral onde as eminencias săo bem povoadas de pinhal que desce até á margem dos campos. A casa caiada e branca, construida de argamassa e coberta de telha, deu logar á cabana de pedra solta e de colmo, defumada e baixa. Săo de uma grande belleza as pequenas aldeias do interior do Minho; sombrias pela luz frouxa, pelo verde carregado da vegetaçăo, pela côr terrea dos montes escassamente povoados de urze, e pelo colmo e o granito das habitaçőes; mas ha no quadro uma grande harmonia de tons, deliciosas linhas pittorescas, e, na falta de arte, uma grande expressăo, a que resulta da completa communhăo do homem e da terra. A aldeia e o homem săo pouco, quasi nada, a confundirem-se com os milharaes e com os pampanos. Do Minho passamos á margem do Douro e ás suas encostas devastadas pela phylloxera. A meu vęr, a paizagem carece de belleza; a natureza menos consistente dos terrenos schistosos produz a molleza de contornos; e a cultura, fazendo dos montes escadarias, destruiu toda a harmonia natural e substituiu a paizagem, năo por outra paizagem mas por cachos d'uvas em prateleiras. Alem d'isto, os valles săo demasiado estreitos e falta por isso a distancia necessaria para vęr bem as montanhas. Săo de uso e de bom gosto as lamentaçőes sobre a sorte infeliz do Douro; e, de facto, os olhos menos penetrantes vęem alli a miseria e a destruiçăo de uma opulenta riqueza que, nos seus melhores tempos, deu ao lavrador uma vida sumptuosa. Mas está o Douro perdido para sempre? E as florestas, e a acclimataçăo de plantas novas e de novos animaes? Assim como a giesta cresce por aquelles montes, năo haverá plantas exoticas de maior utilidade que supportem igualmente os rigores d'aquella regiăo? Năo tęm os lavradores um vasto campo a explorar na criaçăo dos pequenos animaes como as aves e os coelhos? Năo seria possivel fazer grandes reservas das aguas que no inverno correm em torrentes pelas montanhas? Se me năo illudo, os grandes males da regeneraçăo agricola do Douro năo vem da sua natureza physica de que com arte necessariamente poderiamos tirar proveito; o grande embaraço é a falta de instruçăo e de capitaes. Para restituir á cultura as suas terras agrestes e hoje em completo abandono, é necessario que o lavrador saiba e possa; e, dado que viesse a saber em pouco tempo, quantos mil contos de reis năo custaria a empresa? Subindo sempre, entramos em Hespanha, e pouco depois, vinhas e olivaes e amendoeiras, tudo nos desapparece para nos internarmos em plena regiăo montanhosa. Nenhuma cultura, mas a paizagem é granitica, cheia de grandeza, os contornos nitidos e arrojados. Seguem-se planaltos arenosos, cultivados na maior parte; rarissimas videiras, os cereaes dominam e, parece, formam o tronco, a parte essencial da lavoura, como, de resto, succede nas grandes elevaçőes do nosso clima. As aldeias năo săo frequentes, mas os campos murados e extremamente subdivididos. Sobreveio a noite. Pelos campos do Tormes, imagino que a paizagem năo muda até Salamanca, pois o que vim encontrar aqui é em tudo semelhante ao que deixei, com a simples differença de que as hortas abundam, consequencia manifesta das proximidades de um mercado urbano. Resta-me fallar de Salamanca, falta-me o tempo. De Paris conversaremos. * * * * * _Paris, 5 de Setembro._ Salamanca é uma cidade antiga. As cidades antigas săo como as grandes obras classicas que ora se encontram empoeiradas e amarellecidas na ediçăo original, em que o texto e a fórma conservam a harmonia e a exactidăo primitivas, ora se encontram nas ediçőes modernas, annotadas, corrigidas, sob uma nova fórma material, corrompidas e alteradas o mais das vezes até se tornarem uma obra nova. Săo raras as velhas ediçőes authenticas, e mais raras ainda essas outras especies de livros escriptos em pedra a que se chama cidades; porque, n'estas, as alteraçőes săo constantes, dia a dia, lentas e immediatamente imperceptiveis. Quando assim năo é, a cidade morreu. Salamanca, sem ter morrido, estacionou. É como estes velhos enrugados, magros, tomando com exactidăo rigorosa as suas refeiçőes, o seu jornal e o seu passeio, agasalhados n'um casaco que nenhuma tesoura hoje sabe talhar, o pescoço envolvido em gravatas cuja vastidăo nos assombra: vivem ainda e săo todavia um documento do passado. Entre elles e as cidades ha uma differença apenas: as cidades podem rejuvenescer, os homens nunca. As bilhas da agua d'uma fórma tradicional, archaica; o trajar dos homens do campo, de calçăo e polaina de coiro, jaqueta e larga faixa, o collete curto com duas ordens de grandes botőes de prata, a camisa sem collar, apertada com um só botăo de filigrana, o peito todo de rendas; os palacios d'outro tempo, com janellas de todo o genero, largos portaes em arco e as mais bellas ferragens, agora tăo infelizmente substituidas por informes pastas de ferro fundido; tudo nos transporta aos seculos passados e faz de Salamanca uma cidade interessante pelo valor instructivo, agradavel pelo desconhecido da impressăo e finalmente bella por uma certa harmonia de quadro antigo que a vida moderna năo logrou apagar. Năo quero especialisar. Era preciso ser artista e historiador e eu năo passo de simples lavrador, viajando intellectual e materialmente com a mesquinha bagagem de estudante. Duas observaçőes apenas sobre a cathedral que, dizem os _guias_, é obra maravilhosa de gothico moderno. Confesso que năo me arrebatou. Os rosarios de bispos e santos ornando as arcadas, estes paineis de reis magos com sandalias bordadas, elephantes e camęlos, anjos e oliveiras, christos e judeus, tudo acamado em muitas folhas de plantas desconhecidas, a Paixăo e a Palestina inteiras e completas na fachada d'uma cathedral, săo d'uma belleza que os meus olhos năo percebem, por demasiado complicada, talvez. Quer-me parecer que a harmonia na obra d'arte se estende ás relaçőes da substancia e da fórma e que os bordados, que convém ao linho e á sęda, săo absolutamente deslocados na pedra. Poderăo valer de muito como testemunho de perfeiçăo e habilidade do artifice, mas da sua belleza desconfio. Uma ultima observaçăo, antes de deixar Salamanca. Aqui, como em toda a Hespanha, abundam as côres vivas no trajar; e os escriptores tem por norma basear n'este facto os instinctos artisticos do povo, comparando-o com o norte sombrio e melancolico. Năo será antes uma prova de barbarie? Năo demonstra uma inferioridade de sensibilidade physica e tendencia a só perceber as côres que ferem a vista com maior intensidade? Junte-se a isto um excessivo cuidado no penteado das mulheres, tendo sempre em vista que a ethnographia mostra que a necessidade do adorno precedeu a necessidade do agasalho, e teremos sobre que reflectir. Sobre que reflectir, note-se; ponho uma interrogaçăo, năo faço uma affirmaçăo categorica. Os primeiros campos que vi depois de Salamanca foram os de Miranda do Ebro; campos de calcareo, poeirentos, com uma vegetaçăo frouxa, aldeias raras, distantes, escalavradas, denunciando uma vida estacionaria, a provincia bem sarjada de estradas e de ribeiros, ladeados de grandes choupos. Amiudam-se as aldeias, o campo e a habitaçăo tem certo aspecto de cultura, de ordem, de riqueza, de bem-estar, e entramos em Vitoria, uma cidade já muito á moderna, com boas ruas, casas altas e bem alumiadas, relvas, jardins, arvores e verdura em torno. Alteram-se os dois quadros anteriores durante algum tempo, passa-se uma série de tunneis. Estamos nos Pyrenéos. Os Pyrenéos! A Suissa sem neve e sem grandeza, a vida abundante, tranquilla, cerrada como aquelles horisontes! Os casaes dispersos, uma grande paz, a aldeia năo é precisa, vive-se só, os campos em volta da cabana, e em baixo, no curral, o ubere farto, generoso e inesgotavel das vaccas pacientes com grandes manchas brancas; ao lado o pomar, a macieira doirada de pômos, em baixo o campo de milho, senhor feudal d'aquelles campos, latejando de opulencia e de vigor, pelas encostas os prados, e lá até ao cimo da montanha a floresta espessa e baixa. A imagem da vida modesta, estreita, serena, sem miseria e sem paixőes. Depois, até ao cerrar da noite, os pinhaes sem fim da regiăo bordalenga e vamos acordar em Paris, Roma de uma nova Igreja a que preside um papa--a Devassidăo. * * * * * _Berlim, 5 de Setembro._ Dizem os economistas que a cidade substituiu a feira; ao mercado periodico e transitorio succedeu o mercado permanente. Se ha capital europeia que justifique este modo de vęr é por certo Paris. Nenhuma tem mais accentuado caracter de mercado, com barracas de todo o genero:--de espectaculos, de alimentos, de vestuario, de prostituiçăo e de politica. Porque--por exagerada que pareça a expressăo, é todavia verdadeira--a politica nos governos democraticos e representativos é um mercado, a sua lei a concorrencia; todos săo livres, todos săo iguaes, e para entrar, para vencer, para lançar măo do poder tudo é licito e bom, a honestidade, o civismo e a intelligencia, e a lisonja, a intriga, a corrupçăo e a sem-vergonha. Triumphos ephemeros! Apenas alguem trepou ao ultimo degrau tem atraz de si um exercito, uma multidăo, acotovelando-se, rasgando-se, batendo-se furiosamente, e o vencedor de hoje vai rolar amanhă na poeira ignorada e infecunda dos vencidos. O governo politico da França contribuiu manifestamente para dar a Paris o seu caracter actual. Dois elementos principaes formam uma cidade: o elemento governativo, o funccionario, o militar e a côrte, e o elemento mercantil, o commercio e a industria. Theatros, museus, bibliothecas, palacios, escólas, jardins, passeios e grandes ruas săo a consequencia natural da existencia d'aquelles dois elementos; ou representam satisfaçőes de prazer para uma populaçăo ociosa, ou săo condiçőes de trabalho e instrumentos de estudo para a populaçăo laboriosa: e, em qualquer caso, a sua vastidăo e grandeza derivam da necessaria proporçăo que existe entre a intensidade da vida social d'um povo e os seus orgăos. Acontece, porém, que nos governos monarchicos, mais ou menos absolutos, ao lado do elemento mercantil, cuja norma é a concorrencia e o lucro, está um outro, igualmente poderoso e influente, que tem por norma a ordem, a sujeiçăo e a obediencia e sempre uma apparencia séria e grave, embora muitas vezes occulte sentimentos e caracteres intimos que o năo săo; e este ultimo elemento, temperando o que o primeiro tem de excessivamente grosseiro e palrador, dava á cidade uns traços ligeiramente sombrios que, sem a tornarem triste, corrigiam o que porventura houvesse de demasiado estrepitoso e garrido. Ora a França, com a dissoluçăo do segundo imperio, escreveu por toda a parte Liberdade, Igualdade, Fraternidade, varreu os ultimos restos de dependencia hierarchica, nivelou todas as profissőes, o sabio, o politico e o mercador; e as instituiçőes sociaes e politicas, juntando-se ao caracter inquieto e vivo d'aquelle povo, abriram de par em par as portas de uma grande feira franca--Paris. Desde a madrugada até alta noite, compra-se e vende-se. Ao romper da manhă, os pesados _percherons_ arrastam ao mercado toda a riqueza que os campos enviam; depois, vem o politico em busca do poder, comprando por todo o preço o voto popular, lisonjeando-lhe no parlamento e na imprensa os caprichos e instinctos, cedendo sem pudor á traficancia e á corrupçăo; depois, vem o sportman e o titular, os cavallos e os vestidos caros, as carruagens, as rendas e os brilhantes, vem o livro escandaloso e o livro desvairado, vem a feira das vaidades, como lhe chamaria o romancista inglez; depois, os mercados do amor, a miseria que ri, a miseria embriagada da propria miseria; e sempre o marulhar d'esta onda constantemente inquieta que geme e apregôa, ameaça e implora. Á concorrencia desenfreada năo ha superioridade de especie alguma que resista; os mais bellos caracteres de raça, a lucidez, a alegria, os instinctos artisticos, a elegancia, a percepçăo viva e prompta da fórma e da côr, aniquilam-se, pervertem-se. Vencer é o fim ultimo e unico, e para lá chegar, a primeira coisa a pôr de parte é a qualidade fundamental de todo o espirito săo,--a sinceridade. Importa pouco ao estadista o seu proprio pensamento sobre as coisas politicas, năo precisa tel-o, nem muitas vezes o tem; o essencial é saber o que pensam aquelles por cujos hombros tem de trepar. Importa pouco ao artista e ao homem de letras ouvir a sua consciencia sobre o que ella lhe diz da belleza na obra d'arte; o essencial é saber o que pasma e arrebata aquelles que hăo de pagar-lhe em incenso e ouro. A vida consome-se febril e ardentemente, quasi heroicamente, n'um esforço ingente--chamar gente á sua barraca. Se houvesse de consultar os meus sentimentos sobre a vida de Paris cobriria estas folhas de lamentos; mas o critico escuta as vozes estranhas sem dar ouvidos á sua voz intima, observa, descreve e classifica os phenomenos e as ligaçőes das coisas, esquecendo as suas aspiraçőes e desejos. Se porém me é permittida uma pequena desobediencia a lei, confessarei quanto me repugna esta inanidade de vida moral, e o desprendimento da natureza e de todas as forças intimas e divinas que regem o homem e o mundo. Paris afigura-se-me uma fornalha de gelo, rubra como a chamma e fria como a neve; consome e năo dá calor, como se um dia no pólo todas as neves se incendiassem n'uma labareda ingente e em torno um frio agudo a prostrar na morte a humanidade. Sempre a tyrannia do horario dos caminhos de ferro! Tinha ainda duas palavras a dizer de Paris, de Berlim, e da viagem até aqui, mas só em Moscow poderei fazel-o. Já me resignei a nunca trazer estas notas em dia. * * * * * _Moscow, 13 de Setembro._ Ao vęr os arredores de Paris, coalhados de jardins e de pequeninas casas tratadas com esmero, dir-se-hia que aquella gente conserva sempre vivo um grande amor pelo silencio e pela paz da natureza. Do pequeno burguez ao grande banqueiro, todos ambicionam a arvore e a flôr, ou sejam em dois palmos de terra, comprados a peso de ouro, ou seja em vastos parques, traçados com arte e sabedoria; e ao domingo, o operario, o caixeiro, a legiăo innumera dos humildes vai a Saint Cloud, a Saint Germain, a Enghien, ou a qualquer outro arrabalde, onde tenha um retalho de relva e um farrapo de sombra para deitar-se um momento. Săo porém levados pelo amor da terra? Năo săo. Todas as grandes cidades tęm ao lado estes ninhos de verdura onde nas horas de ocio se acoita a populaçăo extenuada e anemica; săo uma necessidade hygienica, dependencias obrigadas, como os theatros, os museus e as escólas. Mas o que ahi se procura năo é a satisfaçăo d'um sentimento ha muito perdido no tumulto das ruas e na anciedade de enriquecer e gozar; procura-se saude, recuperar forças, um tonico, um alimento substancial, especie de ferro e de extracto de carne. Transportam-se para o campo os habitos da cidade, năo se vai para o campo a fugir da cidade; e na arvore mysteriosa e sagrada năo se adora um deus que o cerebro exangue já năo percebe nem sente, vę-se uma pomada, um balsamo que dá frescura e vigor á pelle, abrazada por um ar empestado e por uma actividade excessiva. A cidade é uma fornalha, o campo um hospital. Duas coisas admiro todavia n'uma cidade como Paris--a organisaçăo e a intensidade do movimento, e o poder instructivo. Ha qualquer coisa de assombroso n'este rio immenso em que simultaneamente se agitam e movem tantissimas correntes sem se aniquilarem; toda a grandeza da antiguidade é mesquinhez ao seu lado. De longe em longe, um desastre, uma pequenina mola que se partiu, um abalo ligeiro, quasi imperceptivel. Que foi? Um incendio, um naufragio, uma guerra, quinhentas, mil ou trezentas mil pessoas que desappareceram. Um movimento de espanto: a grande corrente năo pára, segue no seu leito tenebroso e revolto, e nas nevoas espessas da sua vastidăo sumiu-se ephemera a hecatombe que por longos annos faria estremecer de horror a velha Roma. A vida patriarchal e simples póde gerar todos os sentimentos bons e abrir ao espirito horisontes sufficientemente largos para lhe despertar o desinteresse de descobrir a ordem e as leis das coisas; mas, por isso mesmo que é simples, equilibrada e serena, nunca poderá suggerir-lhe noçőes dos typos excentricos. Para attingir estes pontos extremos é necessario levar o espirito a um estado de vibraçăo nervosa que năo é outra coisa senăo a loucura em differentes graus; e os casos d'essa ordem, esporadicos nas civilisaçőes passadas, săo frequentes e quasi normaes na vida febril contemporanea. É n'este sentido que reputo muito alto o valor instructivo das cidades, que nos vicios, na miseria e nas paixőes mostram uma complexidade e largueza da alma humana que em outras condiçőes se năo vęem, por isso que năo existem. Por este lado, a cidade moderna tornou-se um estudo essencial ao philosopho, ao poeta e a todos os que por qualquer motivo tem de lidar com os phenomenos psychologicos; as obras d'aquelles que porventura carecerem d'este elemento serăo necessariamente incompletas e imperfeitas. De Paris fui a Berlim. Parti á noite, amanheceu-me nas proximidades de Ličge e logo alli encontrei duas coisas que năo temos e que deveriamos ter,--a lavoura feita por cavallos,--n'uma terra polvilhada de branco. Nem lavramos com cavallos, nem usamos esses pós brancos que săo adubos mineraes. A utilidade d'estes năo padece duvida e, se os applicamos em tăo limitada escala, năo é por que geralmente se ponha em duvida o seu proveito; mas as condiçőes legaes e economicas do fabrico acarretam falsificaçőes e preços que fazem recuar o nosso lavrador, e com razăo. Que o estado dę garantias de genuinidade e estabeleça um regimen que abaixe os preços até os tornar accessiveis á nossa lavoura, e tenho por seguro que os adubos mineraes terăo entre nós tăo larga e proveitosa applicaçăo como nos paizes estrangeiros. Fora d'essas condiçőes é inutil prégar melhoramentos agricolas; a lavoura, mesmo sem contabilidade, arruina ou enriquece e, sendo uma industria e năo um capricho, só no ultimo caso poderá viver. Sobre o segundo ponto, a introducçăo do cavallo como principal motor agricola, divergem os lavradores, e săo-lhe contrarios na sua grande maioria, exceptuando o Alemtejo, em que o clima obriga ao serviço por muares. Todo o norte porém classificará de utopia o meu pensamento. Porque? Nenhuma razăo economica bem fundamentada se allega; o unico motivo é de natureza historica, a tradiçăo e o habito. Reconheço-lhe a grandeza, sei o que vale como factor da educaçăo do operario: póde muito em todo o mundo, vale muitissimo n'uma terra em que a educaçăo agricola é exclusivamente caseira. Mas se a aptidăo e os conhecimentos do operario nos incitam a proseguir na rotina, a concorrencia impőe-nos tentativas de reforma. Todos os paizes estrangeiros praticamente adoptaram esta fórma de divisăo de trabalho agricola, o gado cavallar como motor, o gado vaccum para a carne e para o leite. É um caso de divisăo de trabalho e nada mais; essencial, a meu vęr, porque para supportarmos a concorrencia e voltarmos aos tempos aureos da exportaçăo de gado, é manifestamente necessaria a melhoria das raças; e uma das suas condiçőes é um bom regimen hygienico de que faz parte a singularidade do destino do animal. Trabalho, engorda e leite serăo sempre mediocres emquanto forem individualmente simultaneos. O terreno accidentado d'esta regiăo de Ličge, os prados nas encostas, as mattas nas elevaçőes e a estreiteza dos valles recordam-me o que vi nos Pyrenéos; todavia é grande a differença. É possivel que o năo seja physicamente, quanto á natureza da terra e do clima, mas faltam lá os symptomas de riqueza que existem aqui--cultura esmerada, pujança de vegetaçăo nos prados, abundancia de gados, frequencia e boa construcçăo dos casaes, e finalmente jardins, _villas_ e pequenos palacios de gente rica. Pouco e pouco vai decahindo de intensidade a paizagem agricola, perdendo ao mesmo tempo em belleza; atravessam-se regiőes sem caracter em que a granja aceiada e o campo verdejante ladeiam a cabana na terra descuidada e inculta; só adiante, internando-nos na Allemanha, encontramos um novo typo. Estamos perto do Hanover, se me năo illudo; o campo é vasto, ligeiramente ondulado, quasi plano, mediocre, sem fartura nem esterilidade; as casas de lavoura espaçosas e sombrias com os seus altos telhados de ardosia destacando frouxamente no céo nublado; com os prados alterna a floresta de lamigueiro escura, fechada, a folhagem tingida de negro, os ramos erectos. A vastidăo, sem luz, sem brilho, pesada, asphyxiante! Preoccupaçăo scientifica ou evidencia de relaçőes, prendemos o caracter d'este povo ao aspecto da sua terra. Resta saber se ha sabedoria capaz de fazer partilha entre a natureza e a historia. Sempre attento ás coisas agricolas, para que me levam velhos e enraizados affectos, ao vęr como aqui se alternam o prado e o arvoredo, lembrei-me do mediocre resultado que temos tirado das poucas tentativas de creaçăo de prados e do nosso despovoamento florestal. Ha entre a floresta e o prado uma relaçăo intima e manifesta; e năo será talvez ousadia affirmar que este ultimo só poderá viver inteiramente săo sob o bafejo da arvore, tépido e humido. As condiçőes climatericas favoraveis aos pastos só poderăo alcançar-se pelo repovoamento florestal, principalmente nas regiőes do interior, ao abrigo das brisas e orvalhos maritimos. Foi em caminho de Berlim que tive o prazer de me encontrar com o snr. George Saunders correspondente do _Morning Post_ n'aquella cidade e um dos principaes collaboradores da _Pall Mall Gazette_. É um rapaz muito intelligente, instruido, possuindo em alto grau (creio ser o seu caracter intellectual dominante) esse espirito de critica serena e desapaixonada, que chamarei sympathico, e que faz vęr os homens e as coisas na sua verdadeira luz. As observaçőes sobre Berlim e a Allemanha, que tăo generosamente me communicou, pareceram-me singularmente justas e, por isso que d'ellas colhi proveito, manda a probidade e a gratidăo que faça mençăo d'este nome. * * * * * _Moscow, 14 de Setembro._*/ Em Paris deixamos uma feira; todas as cidades mais ou menos o săo, porque isso é da sua essencia, dentro de termos entre os quaes oscillam. O ponto da escala em que se encontram determina o seu caracter. Ora, suppondo que esses termos ultimos săo o estado-maior da politica e a feira, quem vier de Paris a Berlim cahiu de um no outro extremo. Á vozeria da rua, á confusăo dos pregőes e ao labutar dos mercadores succede o aprumo dos continuos e um caminhar pausado e surdo sobre tapetes, cortado de breves notas estridentes, ao sacudir das esporas. Berlim é a antecamara d'um imperador; muita farda e um grande silencio, sempre armada e sempre calada, perpetuamente preoccupada da força e da auctoridade. Sobre a cidade pesa um braço de ferro, a multidăo abdicou nas măos de uma vontade; só ella a move. A graça e a elegancia, a vivacidade e o riso foram banidos; o povo vai taciturno e lento. Ás vezes pára, observa, contempla; luziu-lhe no coraçăo um momento de aurora e sorriu. Olhava o retrato do imperador diante de tres crianças, seus filhos, em continencia militar; e tirou uma vibraçăo de jubilo, ingenuo, intimo, d'onde nós tirariamos uma gargalhada a tombar o maior dos cesares. O seu primeiro museu é o de artilheria; levam-se alli as crianças, collegios inteiros, a vęr os canhőes francezes rasgados como um farrapo pela metralha do Krupp. Um criado de hospedaria que diante da qualquer se curva até ao chăo, perante um capităo ou um coronel dobra-se attonito, fulminado. A piedade e a doçura, revelada no affecto da mulher, para que? A mulher é um animal, a sua lei a escravidăo. Se năo fosse... poderia supprimir-se, năo representa nada. A Allemanha, que Berlim nos mostra, afigura-se-me um elephante, a intelligencia e a força em um corpo informe. Toda a sua alma crystallisou n'esta aspiraçăo--ser forte, invencivel. Conta-se que Cellini, para fundir năo sei qual das suas estatuas, lançára no fogo toda a baixella; a Allemanha de hoje fundiu n'um só sentimento todas as joias do coraçăo do seu povo. Adora o exercito e o imperador, a expressăo concreta da sua alma, entregou-se-lhes manietada e n'uma obediencia absoluta. Conseguiu ser forte. As doutrinas dos philosophos de măos dadas com o genio militar alcançaram emfim dar-lhe uma rara força politica. Póde viver-se assim? É esta a ultima palavra da civilisaçăo ou simplesmente uma gloria ephemera, sahida da coincidencia das aptidőes d'um povo com as necessidades do momento historico? A revoluçăo franceza, iniciando-nos no conhecimento dos direitos individuaes, simultaneamente deu aos estados constituiçőes que conduzem á fraqueza e impotencia politicas; a Allemanha mostrou-nos novas vias conduzindo ao pólo opposto. Assim como só nós pudemos vęr os povos educados nas instituiçőes derivadas da revoluçăo, só os nossos filhos poderăo saber o que é um paiz educado na admiraçăo da força. Todas as prophecias serăo prematuras, embora vagamente presintamos que a civilisaçăo é mais alguma coisa do que a força. Dizia-me o snr. Saunders, fallando de musica, que as pequenas côrtes dos ducados e monarchias allemăes eram favoraveis ás letras e ás artes. Alargando o seu pensamento direi tambem que a Allemanha actual, com todo o seu saber e profundeza, sahiu d'essas côrtes minusculas; os que vierem depois de nós saberăo o que deu a Allemanha imperial. E visto que o leitor já deve estar habituado a vęr as minhas sympathias de permeio com a exposiçăo dos factos, impenitente, recahindo na velha falta, acrescentarei que a Allemanha, que vi em Berlim, produziu inesperada antipathia no meu espirito, educado n'outras idéas, n'outros costumes sobretudo. Dizem-me que Berlim năo é a Allemanha e que n'esse vasto imperio encontrarei costumes e idéas absolutamente oppostos; se assim năo fôr garanto aos allemăes a antipathia dos povos peninsulares. Năo existiriam talvez na Europa caracteres mais accentuadamente antagonicos. * * * * * _S. Petersburgo, 18 de Setembro._ Em caminho de Berlim para Varsovia, a alfandega russa, com uma severidade desusada, obriga-me a parar seis horas em Alexandrowo. A visita das bagagens é minuciosa, os passaportes săo apresentados e registados; o comboio vinha com atrazo, partiu quando muito bem quiz, e os viajantes que năo tinham ainda as suas coisas em ordem alli ficaram até novo comboio. Eram quarenta ou cincoenta, pelo menos; e este facto, que em qualquer parte da Europa levantaria uma tremenda algazarra, năo provocou um protesto. Aqui comecei a vęr a paciencia e a indifferença russas. Para mim năo foi desagradavel, antes me deu prazer, pois tive occasiăo de passear nos campos d'essa desventurada Polonia, que desde as margens do Vistula vinha observando. Săo grandes lavouras arenosas e planas, n'esta época cobertas de beterrabas e de pastos, cortadas de mattas de pinheiro de Riga, terrenos baixos, soltos como as dunas. A gente do campo anda geralmente descalça, e os cavallos desferrados, o que o commum dos viajantes attribue á miseria, mas que a meu vęr provém unicamente da natureza da terra; tal qual acontece no littoral norte do nosso paiz. Repete-se ahi o mesmo facto, sem que por isso as povoaçőes sejam mais ou menos ricas do que as do interior com habitos differentes. Uma arvore dá caracter a esta paizagem, o salgueiro, que com invariavel insistencia circumda os casaes cobertos de colmo, soltos e isolados, com largos intervallos, pelo meio das terras. N'estas planicies em que năo se avista uma montanha, sem uma unica nódoa intensa e viva na verdura desmaiada a prender-se ao céo nublado, o salgueiro, sem destruir a harmonia, dá á paizagem o brilho que comporta com a sua folhagem alva, replandecente e leve como a nuvem. A paizagem do occidente é tecida de ouro candente; esta é de prata polida e fria. Ao contrario do salgueiro, o pinhal, máte, sem brilho algum, assemelha-se na côr ás estatuas de bronze expostas ao tempo, o que reunido á brevidade das folhas e dos ramos, nivelando a superficie, o torna absolutamente differente do nosso pinhal, carregado na côr e cavado de manchas largas e profundas; resultado da ramagem longa e distante. Um é unido e plano, um lago coberto de cinza, o outro ondeado como as encostas do Vesuvio, feitas da tortura gigante da sua lava. Já acclimado n'uma inteira passividade e resignaçăo, segui de Alexandrowo a Varsovia com todos os atrazos e delongas proprios dos caminhos de ferro russos. Era um domingo e cęrca da meia noite quando cheguei. Por isso năo pasmei do extraordinario movimento das ruas, julgando que seria o terminar de um dia de festa e de repouso. Mas logo mudei de pensar na manhă seguinte: o que eu vira, era habitual e ordinario. Que contraste com a enfadonha e sombria Berlim! Mulheres bonitas, elegantes, trajando bem, animadas, vivas, um fuzilar de carruagens em correrias doidas, e as ruas atulhadas de gente, fallando, gesticulando, movendo-se emfim;--tem tudo isto Varsovia. E tem ainda mais: desordem, immundicie, igrejas a cada passo com grande abundancia de devotos, ajoelhados á porta ou benzendo-se na passagem. A um carro coberto de lama atrella-se um cavallo estropiado, com uns arreios inqualificaveis, mas onde falta coiro e graxa sobejam adornos e ferragens; e por aqui imagino o resto, imagino o que vai por casa d'estas mulheres que na rua vejo tăo airosas. Para nós, do sul da Europa, a vida intima das cidades como Varsovia ou Napoles, comprehende-se immediatamente. Săo os instinctos artisticos, o amor do luxo, das festas e da elegancia, alliados á desordem e á devassidăo dos povos excessivamente nervosos; săo a ociosidade e a imprevidencia revelados na devoçăo que entrega ás măos de Deus o que năo sabe conquistar pelo seu esforço. Folia emquanto ha dinheiro e saude, e valha-nos Deus, Nosso Senhor nos acuda para os tempos de miseria... Vivem n'um sensualismo irreprimido, no desgoverno de todos os impulsos e de todos os instinctos; o luxo para elles năo é, como por vezes succede na Inglaterra, o florir proporcionado de uma planta que tem no sólo boas e solidas raizes e nos ramos uma seiva abundante; năo é a coroaçăo da riqueza, é uma flôr precoce n'uma planta exhausta, consumindo todo o alimento e todo o vigor que devia nutrir o tronco, os ramos e a folhagem. Essas plantas florescem e como ellas morrem tambem as sociedades que năo souberam equilibrar a distribuiçăo da sua seiva. Grande liçăo a da Polonia para quem souber e quizer aproveital-a! * * * * * _A bordo do Finland, 19 de Setembro._ O vapor vai sereno e o tempo calmo; aproveitemos este serăo passado sobre o Baltico e conversemos. Deixando Varsovia, em poucas horas temos a paizagem do norte da Russia, que durante longas horas e longos dias nos ha de acompanhar com uma inquebrantavel monotonia. O que particularmente a distingue é a frequencia do vidoeiro, absorvendo e dominando completamente as restantes arvores, o abeto, a tilia, o carvalho, o pinheiro e outras poucas especies que apparecem raras e por isso năo tęm valor apreciavel. A ramagem pendente e o desbotado das folhas do vidoeiro, ao mesmo tempo que dăo á floresta um aspecto compacto, roubam-lhe toda a rutilancia das ramagens horisontaes e os angulos e nitidez de linhas proprios das arvores resistentes e firmes como o carvalho, por exemplo. A floresta é ligada e unida, as curvas suaves, nem sombras profundas nem resplendor; entre o claro e escuro, como entre os differentes tons, as transiçőes săo imperceptiveis. Disse que a paizagem da Russia se distinguia pela predominancia do vidoeiro e năo disse talvez a inteira verdade. Superior e porventura influindo muito intimamente na feiçăo esthetica do arvoredo, está a configuraçăo do terreno, um immenso Alemtejo, em planicies infindas, que assim se podem chamar umas depressőes tăo pequenas que năo prejudicam a linha do horisonte. Sobre essa vastidăo assentam aldeias, agglomeraçőes de casebres baixos e abafados, construidos de madeira e cobertos de colmo, sem divisőes interiores; em cada um ha, em regra, um pequeno ponto branco, a chaminé do forno sobre que no inverno dorme toda a familia. Ao lado, n'um pequeno pateo, intransitavel de esterco e de lama, estăo as córtes dos gados, năo mais vastas do que a habitaçăo do dono. Tambem ás vezes falta o forno e entăo o lavrador e os gados vivem promiscuamente sob o mesmo tecto. Mas, sob esta apparencia miseravel, existe frequentes vezes o aceio e a ordem e năo raro tambem a abundancia. As necessidades săo poucas, toda a industria é caseira; se o anno foi abundante de trigo e de batatas, com isso e com o leite das vaccas tem a familia boa escudela. Todo o paiz é assim até Moscow; aldeias, mattas e lavouras em terras sempre ouduladas mas quasi planas. Posso até dizer que em toda a regiăo da Russia que atravessei năo conheci outra paizagem. Por taes caminhos chegei a Moscow, cidade tăo gabada, sobre que o oriente tem dispendido tanto ouro como o occidente rhetorica enthusiastica. Olhei-a de longe com ancidade, passeei-a, subi ao monte a que Napoleăo subiu para a vęr antes de a conquistar, mirei-a muito emfim. Pois de quanto por lá pensei e observei conclui que para nós, latinos, enamorados da harmonia, da simplicidade, da proporçăo e da graça, năo tem belleza. Interessa e enthusiasma pelas evocaçőes historicas que d'ella brotam aos cardumes e prende pela estranheza e pelo pittoresco d'um mundo novo; mas que seja um prazer esthetico o que ella nós dá, desconfio. É uma cidade sem plano, sem principio nem fim, sem um centro de convergencia, caprichosa e emmaranhada, como a imaginaçăo oriental. Chamo a tudo aquillo byzantino, n'este sentido, que, á força de distinguir, confunde e enreda a mais năo poder resolver. Cada rua deseatranha-se em mil bęcos e ruas tăo grandes ou maiores que a via-măe; de cada florăo de architectura rebentam novos florőes que se emendam, sobrepőem, sobem, descem, voltam ao ponto de partida para recomeçarem a mesma teia; taes quaes as discussőes da nossa camara dos deputados. Săo as imaginaçőes insaciaveis de subtilezas no pensamento, nas artes e em tudo, porque o espirito humano é um para cada povo e para cada época; săo a negaçăo da lucidez e da precisăo. Com esta concepçăo da fórma esthetica coincide o brilho anteposto á côr. Indifferente ás delicadezas de colorido, o moscovita adora o ouro e as pedrarias: o bronze, a prata e o aço săo pouco, é preciso doural-os. As igrejas estăo recamadas de ouro, nos bazares abundam os bronzes trabalhados no paiz, mas sempre dourados; o thesouro do palacio imperial năo terá maravilhas de Cellini, mas tem ouro e pedras preciosas que bastam a adornar todas as côrtes da Europa. Pelos atalhos d'essa montanha de riquezas anda uma populaçăo mesclada, cossacos e chinezes, circassianos e finios; porque Moscow, uma terra de commercio, um bazar, um genuino e simples mercado, tem de notavel sobre os seus congeneres do occidente e do centro da Europa, ser intercontinental e trazer ás suas barracas uma populaçăo que dos mais remotos cantos da Europa vai quasi a tocar na America. Quasi, agora; quem sabe se um dia a tocará de facto, e que medonha convulsăo reserva ao mundo esse combate. Dizem ter mil e seiscentas igrejas, e creio ter devoçăo para edificar outras tantas. Năo ha casa sem uma imagem do Christo; nem os restaurantes com frequencia muito suspeita lhe escapam. As offrendas năo tęm numero, tudo se faz por milagre. Direi todavia que esta é a maior força d'aquelle povo. Entre Paris, o epicurismo, Berlim, a força, e Moscow, a religiăo, eu preferirei a ultima, porque n'este reconhecimento de uma vontade superior, de quem tudo dimana e provém, está o germen e o fundamento da paciencia, da resignaçăo e da obediencia, forças invenciveis que os factos externos deixam intactas e năo quebram. É difficil dizer onde termina a fraqueza e onde começa a doçura e a piedade, que dimanam d'essa essencia, mas é certo que a maior de todas as forças é a força de soffrer. Năo ha obstaculo mortal para a actividade de quem a possuir, e por isso o russo, apathico, soffredor, todo confiado á vontade de Deus, tem sobre todos nós, racionalistas do occidente, a maior das vantagens. * * * * * _Stockholmo, 22 de Setembro._ Vindo á Russia, năo pude roubar-me o prazer de visitar o conde Tolstoď, o famoso romancista que hoje todo o mundo conhece. Como tantos outros estrangeiros, dirigi-me pois á cidade de Tula e d'ahi a Yasuya Polyand, propriedade e habitaçăo de Tolstoď. Em torno d'este nome fez-se uma verdadeira lenda que representa o conde como um louco, fazendo sapatos e lavrando as terras. E na verdade tem năo sei que de singular e de poetico a sua vida. Um dia, um conde d'esse dourado imperio dos czars vestiu-se de _moujik_, e mais do que simplesmente, pobremente, foi esconder-se na sua aldeia e começou a ceifar o trigo, semear o grăo e construir a cabana. Tinha tudo o que a vaidade ambiciona, uma fortuna immensa, um nome illustre, uma mulher formosa e, sob traços grosseiros, uma rudeza viril alliada ao encanto d'um olhar limpido em que brilhava a doçura que lhe vinha da alma. Sobre tantos dons da natureza e da fortuna tinha ainda um prodigioso talento de artista. Nada lhe faltava para conquistar a lisonja e a veneraçăo do seu tempo, e esse homem, que podia ter uma côrte de admiradores e thuriferarios, tudo deixou pelo trabalho da terra e pela companhia do aldeăo, que ha pouco ainda era seu escravo. O mundo viu com espanto tamanha abnegaçăo, sorriu e, sem ousar dizel-o, chamou-lhe loucura. Năo o é; mas uma tal energia em conformar o sentimento e a acçăo surprehende n'uma época em que a simplicidade, a modestia, a religiăo e o christianismo, săo essencias preciosas para uso verbal e devaneios litterarios apenas. E todavia o proceder de Tolstoď está ainda muito longe do ascetismo de outras eras em que princezas e fidalgos abandonaram familia, os palacios e o luxo, trocaram todos os prazeres, os prazeres santos e os prazeres impuros, pelo extasi divino e pela solidăo do claustro. Vejamos brevemente que idéas e sentimentos levaram o conde ao novo claustro em que se encerrou. Dizia-me: Năo conheço naçőes, ha homens apenas; e a sua lei divina e christă é a fraternidade. Por ahi devemos regular as nossas acçőes e aferir o seu valor. Respondi-lhe que năo me parecia que o espirito nacional fosse incompativel com a fraternidade. Tomemos um exemplo, a protecçăo industrial aduaneira, uma consequencia do nacionalismo. Destroe a fraternidade? Năo; pelo contrario, realisa praticamente uma equitativa distribuiçăo de riqueza entre os differentes povos e, se năo, lembremo-nos dos effeitos da liberdade commercial que seria manifestamente a miseria para uns e a opulencia para outros. Concedendo que dos motivos concorrentes na actividade humana, os motivos de ordem moral devem governar os da ordem natural ou physica, temos que a fraternidade, o amor, ou como melhor deva dizer-se, carecem de dar aos ultimos a satisfaçăo devida para completa realisaçăo dos primeiros. E assim é necessario que para os povos haja naçőes, como para cada familia uma casa. Erro! replíca Tolstoď. Para lançar uma pedra sobre determinado ponto carecemos de apontar mais longe, e assim tambem, para vivermos segundo o christianismo, precisamos năo contar com os motivos de ordem natural. Elles se manifestarăo espontaneamente; pensar n'elles é mal empregar a razăo que deve guardar-se para as coisas superiores. Singular raciocinio, direi eu, que năo quer contar com um elemento cuja existencia reconhece! Por este caminho vamos ao nihilismo, e Tolstoď era perfeitamente logico quando acrescentava: Para que servem os governos? Se ámanhă Moscow e Petersburgo desabassem, que importava a esta aldeia? Seria inteira e completamente o que hoje é. E contava-me, como esclarecimento e demonstraçăo, que da Russia emigram familias inteiras, e na simples carroça que leva todos os seus bens văo muito longe, á Siberia e quasi á China, fazer as colheitas. Com o producto d'esse trabalho levantam a casa, estabelecem uma lavoura n'esses desertos incultos e săo felizes até que o governo os descobre para lhes pedir impostos e os filhos para o exercito. Nova illusăo, a meu vęr. Para que esta especie de nihilismo seja possivel săo precisas duas condiçőes, terra em extensăo superior ao pedido e a simplicidade de costumes do _moujik_. Desde o momento em que a terra necessite partilha, ahi temos inevitavelmente um principio de governo; e desde que a vida se complique, igualmente apparece a necessidade de uma actividade collectiva, uma força que mantenha a ordem, e preste os serviços communs. Ora pelo que respeita á terra todos sabemos se ella abunda, e pelo que respeita á simplicidade de vida a historia e a observaçăo dos instinctos naturaes săo sufficientemente claros. O desenvolvimento e complexidade da civilisaçăo demonstram historicamente uma tendencia irreprimivel e, se esta prova năo existisse, bastava attender aos appetites e desejos dos mais simples, para descobrirmos um inicio de evoluçăo para a complexidade. Na choupana do _moujik_ vamos encontrar um mealheiro e estampas coloridas a adornarem as paredes; entre essa choupana e a galeria de quadros do capitalista a relaçăo é manifesta, uma contém o germen da outra. De fórma que essa simplicidade, individualmente possivel, é collectivamente impossivel. O que năo importa a negaçăo de uma vida mais simples do que a actual, como fim ultimo da civilisaçăo; o balanço dos prazeres e penas da plena expansăo natural, combinado com os sentimentos piedosos e aspiraçőes christăs, conduzem a uma reducçăo reflectida das nossas necessidades, mas entre esta e o estado primitivo ha uma enorme differença que devemos vęr e pesar; e, sendo a simplicidade consciente um producto superior da civilisaçăo, seria erro esperal-a do vulgo que para a attingir carece de ser educado. D'este ultimo facto a necessidade de governo e instituiçőes educativas, que năo serăo portanto um mal e uma desobediencia á doutrina christă, mas sim a condiçăo da sua realisaçăo pratica. Como é de uso n'esta especie de palestra viemos de parte a parte a um interrogatorio sobre o estado social de Portugal e da Russia. Repeti o que disse na minha ultima carta, que a religiăo me parecia a maior força do moscovita. É e năo é religioso, respondeu-me o conde. Entre Gogol e Beliensky levantou-se um dia essa questăo e estou em dizer que ambos tinham razăo. Se julga pelo numero das igrejas e pela sua concorrencia, dir-lhe-hei que o russo năo é religioso; isso é um habito, como o alcool ou o chá, sem maior significaçăo psychologica. Mas acontece que, differentemente do que succedeu com a Igreja romana, traduzimos o evangelho ha novecentos annos e as suas maximas divulgaram-se no povo em que ainda agora actuam energicamente. Por este lado a Russia é um paiz religioso. Se me é dado acrescentar alguma coisa, direi que o é ainda por outro lado, o fundo fatalista, Deus, Acaso, Providencia, negaçăo da previdencia e reconhecimento de uma vontade superior incognoscivel. O proprio conde Tolstoď representa esta feiçăo. Mostra-a nas suas obras e conversando commigo sobre as fórmas futuras da propriedade, disse singelamente:--Quem póde prever o que acontecerá d'aqui a vinte annos? Ao vęr o enthusiasmo com que Tolstoď me mostrava a aldeia e as habitaçőes do _moujik_, ouvindo fallar dos campos e das seáras, fazendo a apologia ardente do trabalho braçal como tonico indispensavel para o corpo e para o espirito, comparando os actos e as palavras, pareceu-me que os grandes sentimentos que determinaram o seu modo de viver tăo anormal, foram o amor da terra e a humildade christă. Conhecendo profundamente toda a sociedade e a alma humana, só ahi encontrou paz e satisfaçăo á sua consciencia, e por isso envergou o habito e professou n'essa nova religiăo. Quizera reproduzir todo o longo discurso de Tolstoď, mas a memoria nunca me ajuda e muito menos n'este momento, em que a successăo e diversidade de materias a contrariam. Ficou-me porém esta impressăo--que o pensamento vôa mais alto em duas horas de palestra com um homem de genio do que em dois annos de meditaçăo solitaria. * * * * * _Copenhague, 26 de Setembro._ Deixamos em Moscow uma cidade, producto espontaneo, e portanto caracteristico, do genio d'um povo em cujo sangue se amalgamam differentes raças, e em S. Petersburgo vamos encontrar a capital d'um grande imperio consciente da sua grandeza; a primeira é uma construcçăo historica, a segunda a revelaçăo do pensamento e dos sonhos d'um imperador. A igreja da Assumpçăo, no Kremlim, na sua pequenez, com a profusăo dos seus adornos e do seu ouro, é gigante como documento da concepçăo artistica do moscovita; Santo Isac, de Petersburgo, com os seus monolithos de vinte metros de altura, singela, sobria e grande, foi traçada por um francez e, se demonstra alguma coisa, é a victoria da architectura greco-romana em todo o mundo civilisado. Aquella infinita variedade de fórmas e de linhas em que se fundiam ou baralhavam a China, a Persia, o Oriente e a Italia, perdeu-se nas margens do Neva, entregues á imitaçăo do occidente; e emquanto Moscow parece ter sahido da terra como o desenvolvimento natural e facil dos germens que continha, S. Petersburgo mostra uma vontade, um esforço de adaptaçăo a habitos, costumes e fórmas estranhas, reflectidamente julgados melhores. É uma cidade afrancezada, como de resto o săo todas as cidades modernas. Ha muito passou ao dominio da banalidade extasiar-se a gente perante a vastidăo de Petersburgo; mas essa vastidăo é unica no mundo, e por isso năo importa repetir o facto, porque vęl-a será sempre uma impressăo surprehendente. Entre o Neva abundante e profundo a espraiar-se n'um amor barbaro, insaciavel de terra, ao fundo d'essas planicies infindas povoadas de florestas e aldeias, para encerrar a corôa que liga as neves do Himalaya ás neves do Baltico era necessaria uma cidade, cuja vastidăo eclipsasse todas as capitaes do mundo. Ruas, igrejas, palacios, pontes e caes, tudo é d'uma largueza unica. Todavia, através d'essa grandeza, que é porventura espontanea, e através da imitaçăo do occidente, que é manifestamente pensada e deliberada, transparece certo sabor do torrăo, qualquer coisa de barbaro. Muitas vezes o pensei ao atravessar a perspectiva Nevsky. No _isvochik_ ligeiro e rapido, o cavallo ligado por uma especie de bridăo (_pavotkin_) ao arco (_duga_) que liga os varaes, o cocheiro envolvido n'um amplo _caftan_, curvado para a frente, braços abertos, cada uma das guias em sua măo, vai levado como o vento ao trote solto dos seus formosissimos animaes, A rua é um hippodromo de barbaros, no trenó o quadro será completo; a carruagem năo é ainda uma commodidade, é um meio de andar rapidamente. N'essa vastidăo da Russia é preciso voar para năo morrer antes de chegar ao ponto de destino. De repente, no breve espaço de uma noite, que contraste! Para atravessar o Baltico vim embarcar em Helsingfords, capital da Finlandia; do ruido e da vastidăo cahi na estreiteza e no silencio. Ou seja porque năo chegou até aqui o sangue oriental ou sómente porque as condiçőes da terra e do clima săo outras, o finio é absolutamente differente do moscovita e mais se aproxima dos seus irmăos do outro lado do mar do que d'aquelles a que está sujeito. É possivel qne a constituiçăo e quasi independencia da Finlandia proviesse simultaneamente de circumstancias historicas e do reconhecimento de insuperaveis difficuldades na russificaçăo d'este reino. Descendo o golfo, viemos a Abo, ainda na Finlandia, e d'ahi a Stockolmo. Com excepçăo de poucas horas, navegamos sempre por meio de ilhas de uma deliciosa belleza. Bem povoadas de abetos e vidoeiros, năo muito elevadas mas com as inclinaçőes abruptas, que só a firmeza das rochas graniticas permitte, aqui e além cabanas de pescadores, raros animaes na pastagem, e sempre um mar tranquillo em volta, essas bahias e ilhas tęm uma paizagem rica de sensaçőes e aspectos. Além, na planicie, o vidoeiro absorvia os abetos, aqui na collina e na montanha separaram-se, e cada um apparece com as suas fórmas. Săo paizagens d'um genero que geralmente se aprecia e, a meu vęr, por esta razăo săo as que encerram maior riqueza. Emquanto a planicie nos dá a maxima repetiçăo na minima e constante variedade, uma successăo de manchas repetindo-se innumeras vezes mas variando constantemente na successăo (como demonstraçăo offerecerei o effeito das pinturas japonezas em sęda), na montanha temos toda a belleza linear possivel na paizagem, resultante da nitidez de traços com que se desenha no espaço e do isolamento que no arvoredo provém da disposiçăo. Belleza a que o mar e os lagos dăo maior relevo ainda, porque introduzindo novos tons e novas côres ao mesmo tempo destacam, emmolduram, dăo luz. É o que n'essas ilhas acontece. Năo lhes chamarei marinhas, porque o mar aqui é accidental ou pelos menos năo tem maior valor do que os outros elementos constituintes. Esse nome reservo eu aos quadros que nos mostram o mar em toda a sua immensidade, tendo para mim que o prazer que em nós despertam provém năo tanto da côr ou da fórma, que é nulla, como de uma sensaçăo de grandeza de espaço e intensidade de luz. E se me perguntam porque razăo sobre esse espaço pőe tamanha belleza uma nuvem, uma vela, um ponto negro que seja, responderei que é um effeito de contraste para dar relevo ao elemento capital. Na escóla hollandeza encontraremos maravilhosos quadros n'este genero: grandes barcos no primeiro plano, uma torre ou um mastro no extremo horisonte, o mar, o céo e nada mais; e os olhos naturalmente fixam-se no espaço que medeia entre o primeiro plano e o horisonte contemplando a sua vastidăo, cheia de luz. A riqueza da paizagem nas ilhas e costas da Finlandia e da Suecia năo póde porém comparar-se com a riqueza das paizagens similares do occidente; a vegetaçăo é comparativamente pobre de vigor e de variedade, e a luz é frouxa. Ás horas do poente, em văo procurei a onda trespassada de esmeralda das minhas praias; apenas um collar de perolas desbotadas sobre o dorso negro da vaga. * * * * * _Paris, 29 de Setembro._ «Com o seu sólo e o seu clima, a Scandinavia năo póde ter senăo uma vegetaçăo pobre e uniforme.» Nos breves dias que passei em Stockolmo muitas vezes me lembraram estas palavras do meu _Boedeker_; pois năo é só a vegetaçăo mas toda a vida da Scandinavia que deriva das condiçőes do seu sólo e do seu clima. Nem conheço paiz em que a natureza physica tenha mais clara influencia na determinaçăo do caracter do povo. _Epiphania_ năo é a creaçăo da phantasia de um poeta. O «sangue côr de rosa», a «cinza que lhe inunda os hombros» quando pelos seus cabellos passa uma briza, os olhos «puros de sombra e de desejos» que «nunca sorriram e nunca choraram», esse typo de candidez impassivel coube em sorte a Scandinavia; todos os seus povos tiveram quinhăo no thesouro, embora a partilha fosse individualmente desigual como é regra em taes casos. E só uma terra pobre e um clima frio podiam dar-lh'o; um sangue mais rubro e uma circulaçăo mais activa prejudical-o-hiam inteiramente. D'ahi vem todas as suas qualidades moraes, a doçura, a serenidade, o bom-senso, que constituem o caracter scandinavo e săo a base da felicidade d'aquelles povos. A debilidade physica parou n'um justo equilibrio da actividade sem descer tăo baixo que chegasse á inacçăo e ao idiotismo; săo felizes porque săo fracos. Transportem-no a um clima ardente, dęem-lhe uma alimentaçăo abundante e toda a excitaçăo do calor e da luz, e o homem apparecerá apaixonado, cruel e febril. A vida será torrencial, sempre em correntes espumosas, edificando e destruindo, revolvendo e cavando a terra e a alma até ás suas mais intimas profundezas, heroica na natureza e no homem. Essas torrentes nunca passaram nos valles estreitos e frios da Scandinavia. Os olhos flammejantes de um gaiato de Napoles e a meiguice timida de uma criança de Stockolmo dizem-nos tudo o que as duas almas encerram. A fraqueza conduz á serenidade e á doçura; a reacçăo do individuo contra os accidentes da vida social e physica é proporcional á sua sensibilidade e á sua actividade. Por isso o scandinavo năo se revolta contra os homens e contra as coisas, difficilmente vulneravel, entre a indifferença e o perdăo. Os seus sentimentos săo os que se conformam com este temperamento que lhe vem da terra, săo a familia, a paz domestica, a fidelidade, tudo o que năo exija um grande esforço e dę o prazer que cabe na medida e esphera da sua capacidade; um prazer superior ou heterogeneo seria indifferente, porque năo poderia ser percebido. Passemos pelos museus: o parisiense pára diante dos quadros que lhe recordam a vida sensual; o prusso extasia-se perante os campos de batalha coalhados de trophéos e de cadaveres; o russo prefere os grandes dramas intimos, a dôr da viuvez ou o olhar allucinado do remorso; o scandinavo contenta-se com menos, o desembarcar do pescado n'um recanto da praia, a sopa fumegante sobre a mesa e a familia em torno. Abençoada fraqueza! Limitando a vida damos-lhe a maior garantia de felicidade. A maior? Năo, a unica. Sem esses limites a inquietaçăo é inevitavel, os tormentos săo tăo grandes como as aspiraçőes. Este mesmo clima que produziu um typo de actividade physica e psychologica de intensidade mediocre, mas por isso mesmo regular e equilibrada, porque năo tendo oppressőes congestivas năo tem igualmente as depressőes consequentes, esse mesmo clima concorre para manter intactos os costumes nacionaes, actuando constantemente sobre a sua base, o caracter do povo. Concorre apenas; pois n'este ponto a causa determinante principal póde com bons motivos encontrar-se na situaçăo geographica--quasi uma ilha, nos confins da Europa, desligada do continente pelo mar e pelo gelo, e durante longos mezes de inverno inteiramente isolada. O povo é pacifico e moderadamente trabalhador; nem guerras nem expansăo commercial que alterem o sangue primitivo pelo contacto ou liga de outro sangue. E assim o typo nacional, filho do clima e auxiliado pelo isolamento, conserva-se puro. Pureza relativa, já se vę; as mesmas causas geraes que crearam o cosmopolitismo, tendendo a fundir n'um só os caracteres e costumes dos differentes povos, essas mesmas causas actuam alli, contrariadas todavia por forças indestructiveis, d'onde vem a fixidez quasi unanimemente reconhecida pelos viajantes. Na Hespanha temos um caso que esclarece e completa o da Scandinavia: alli os costumes nacionaes apparecem como simples reminiscencias do passado que a civilisaçăo ainda năo logrou destruir, mas sem caracter algum de fixidez, condemnados a completa extincçăo. As guerras interiores, a pobreza e a difficuldade de communicaçőes prolongaram modos e fórmas de vida, que de futuro irăo provavelmente refundir-se nos cadinhos communs a todo o mundo. Do que fica dito facilmente se deprehende a feiçăo de Stockolmo, uma cidade burgueza, pacifica, aceiada, em ordem, sem grandes palacios nem grandes ruas, parcamente animada de commercio e de prazeres. Já assim năo é Copenhague, em que parei no regresso a Paris. Differe o povo e differe a cidade. Perdeu-se a delicadeza de traços e pureza de linhas que tinhamos frequentemente nas raparigas da Suecia, a dinamarqueza é mais corpulenta e grosseira, mais flamenga. Talvez ainda consequencias da natureza do sólo, pois descendo a Suecia, amiudam-se as planicies que na Dinamarca se aproximam e assemelham ás da Allemanha, e além tinhamos um terreno accidentado e granitico, proprio a crear o musculo enxuto produzido pelo esforço de uma imperceptivel mas constante gymnastica. A cidade participa principalmente do aspecto commercial maritimo, ao contrario de Stockolmo que, sendo na realidade porto de mar, parece ainda um mercado interno. Só as cidades maritimas podem dar-nos a impressăo n'um grande movimento commercial, porque só ahi se produz a accumulaçăo indispensavel a esse fim; só ahi se encontram as massas fabulosas que, distribuidas pelos mercados interiores, perderam esse effeito pelo facto de dispersăo. Por este lado, as cidades do interior, por grandes que sejam, săo sempre inferiores ás cidades maritimas. O movimento de povo nas ruas de uma cidade de prazer como Paris ou de uma grande secretaria de estado como Berlim, é mesquinho ao lado das montanhas de mercadorias que fluctuam nas cidades de Inglaterra, por exemplo. Umas movem-se como formigas, as outras como rhinocerontes; á superficie do mar vem de espaço a espaço um monstro e encostando-se á terra, começa a vomitar riquezas com uma prodigalidade que entontece de pasmo e esmaga de abundancia. Exceptúo Moscow, cidade do interior com o movimento das cidades maritimas; e, se as minhas viagens fossem mais longe, era possivel que tivesse de exceptuar todos os grandes mercados da Asia. A raridade e a distancia poderăo produzir accumulaçőes semelhantes ás que resultam do abastecimento de densos e frequentes povoados. Copenhague estabelece uma transiçăo para o grande bulicio do occidente, mas a posiçăo insular e as affinidades de raça deixam transparentes grandes laivos de parentesco com a Scandinavia e a Flandres. Direi mesmo que, emquanto por lá andei, lembrei-me mais frequentemente de Amsterdam do que de Stockolmo. * * * * * _Marselha, 2 de Outubro._ Fui descansar a Paris das longas jornadas da Russia. Poucas coisas me interessam mais n'uma cidade do que percorrer os mercados de toda a especie, vęr o que se produz e o que se consome; e o interesse ordinario aggravava-se agora com a circumstancia de vęr Paris immediatamente a impressőes diversas das que trazia da minha terra. Involuntariamente referia o que observava ao que tinha deixado na Suecia e na Dinamarca principalmente e, em quanto respeita a artes industriaes, essa comparaçăo era desvantajosa para a França. Năo tanto como na Allemanha, que em mau gosto na materia leva a palma a todos os paizes do mundo, as lojas de Paris, entre productos da mais fina e pura belleza, encerram, em grande quantidade, o que a imaginaçăo póde crear de mais absurdo e incoherente. Combinam-se e ligam-se as fórmas mais oppostas, juntam-se as côres mais desharmonicas; casa-se a simplicidade grega com os monstros japonezes e sobre os tapetes e porcelanas dansam desconchavadamente todas as côres. Nenhuma sabe do seu par. Já assim năo acontece com as rendas e porcelanas da Suecia e da Dinamarca, que me encantaram e surprehenderam (na minha ignorancia desconhecia o que, parece, é sabido de todo o mundo e até famoso). Combinaçőes de duas ou tres côres, desenhos simples, nada variados, repetindo-se com frequencia, e de tăo parcos elementos, esses paizes souberam tirar effeitos que a industria franceza năo conseguiu gastando e torturando a imaginaçăo. É bem simples a razăo, a meu vęr. Quiz o acaso que em Stockolmo parasse no deposito da mais afamada das suas fabricas de porcelana e faianças, justamente no momento em que me dirigia ao museu nacional; e pude vęr quanto os productos modernos differiam pouco dos modelos historicos. Muito de proposito aponto a ordem da observaçăo para que năo se julgue que no meu juizo houve preoccupaçőes de tradicionalista. Năo houve realmente; foi a evidencia de facto que me levou a cręr que, inspirando-se na tradiçăo, a industria encontrára alli o mais seguro guia de belleza e bom-gosto. Năo direi exactamente o mesmo do que vi em Copenhague. Ahi, embora as rendas e bordados se năo afastem tambem de modelos que tęm seculos de existencia, a pintura em louça tomou para base a cópia do natural. E inutil será acrescentar que, explorando esta via, năo chegou a resultados menos brilhantes do que os seus visinhos seguindo na tradiçăo. A nenhum d'estes tutores se quer sujeitar a moderna industria franceza, e, emancipada, entrega-se á phantasia excitada pela concorrencia que lhe pede novidade, invençăo. É talvez uma maneira de traduzir o espirito de liberdade n'este terreno, mas a extrema liberdade aqui como em tudo năo foi mais feliz do que a obediencia sensata e justa, consciente e reflectida. E, se năo, vejam-se os productos preciosos que, em França mesmo, nos apresentam as industrias que se năo afastaram da tradiçăo, o ferro forjado, por exemplo. É mais uma resurreiçăo dos antigos modelos do que uma industria nova; pois năo sei que se possa inventar coisa alguma de mais bello, e estou certo de que os estrangeiros que vierem a Paris hăo de dar-me razăo. Venho a concluir que das tres fontes de inspiraçăo apontadas, a natureza vegetal, a tradiçăo e a phantasia, só as duas primeiras nos levam por caminho seguro. A natureza vegetal năo tem desharmonias; filhas do mesmo solo e do mesmo clima, creadas com o mesmo alimento, a mesma humidade e a mesma luz, as plantas tęm a harmonia necessaria de productos dos mesmos factores. É isto que nos faz dizer bellas as flôres mais exoticas e extravagantes. Demais o homem recebe a educaçăo natural d'esses mesmos elementos e goza com o que é lhes conforme, soffre com o que os contraría. A tradiçăo, perpetuando fórmas e combinaçőes, demonstra _ipso facto_ a sua concordancia com a maneira intima de sentir de uma raça. D'outra fórma, desappareceriam como desapparece tudo o que é contrario ao seu caracter permanente, ainda que por qualquer motivo tivessem tido uma existencia mais ou menos duradoura. Mas a novidade e a phantasia săo perigosas, pois diz-nos a razăo e a historia que o poder creador năo é infinito, encerrado como está entre os limites objectivos, a constancia dos materiaes, e os limites subjectivos, a capacidade e a fórma de sentir de cada raça. As artes exoticas, que săo um dos muitos elementos que a sciencia e as descobertas modernas deram á phantasia, despertarăo sempre curiosidade intellectual como revelaçőes de civilisaçőes estranhas, mas, passado este primeiro deslumbramento, năo entrarăo nos museus, deixando no adorno domestico só o que se conforma com as nossas concepçőes estheticas? * * * * * _Oran, 6 de Outubro._ Despedi-me de Paris com saudades, digo-o com franqueza, por muito incoherentes que pareçam estas sympathias com o que disse nas minhas cartas anteriores; saudades aggravadas pela tristeza da cidade no dia da partida, um domingo, quasi tăo despovoado e silencioso como em Londres. Todo o mundo emigra e vai dispersar-se pelos arrabaldes. É ainda um pequenino facto a notar a differença do domingo entre Paris e Stockolmo. Alli o domingo, na cidade, é animado, os passeios, os museus e os espectaculos apinhados de povo; a vida dos dias de trabalho năo é tăo absolutamente extenuante como em Paris e por isso năo appareceu ainda a necessidade de tăo pleno repouso; nos prazeres e no trabalho mantem-se a sabedoria da modestia, que nem carece de se esfalfar na conquista de riquezas, nem demanda requintes de gozo. E, como nas aldeias, o domingo é para a palestra e para vęr os amigos, que na verdade o corpo năo se sente fatigado, só o espirito necessita de alimento e expansăo. Năo continuemos n'este thema; já muito tenho dito do que em Paris me magôa. É tempo de dar razăo das minhas saudades. Disse que Paris carecia de vida moral, nem outra coisa podia succeder a uma terra que, entre muitas outras causas d'esse estado, tem uma alluviăo de estrangeiros em busca de prazeres, incessantemente renovada. Mas, se o homem năo vive só de păo, năo vive tambem só do coraçăo e do amor divino; tem aspiraçőes complexas e irreductiveis, e embora em sua consciencia reconheça certa ordem dominante, nem ignora a existencia das outras tendencias concorrentes nem, quando é sincero, nega o prazer de as sentir satisfeitas. Vem isto a dizer que, independentemente da vida intima social ha uma outra vida social mais larga e menos profunda, que é uma necessidade e um prazer, e em que a sympathia rege o que na primeira é regulado pela amizade, e a urbanidade substitue a dedicaçăo paciente. Ora a este genero de vida, cuja actividade sentimos todos os dias e, póde dizer-se, todas as horas, a este genero de vida Paris deu todo o encanto real e attingivel, com as suas formulas de polidez e com uma comprehensăo instinctiva das pequeninas coisas que podem ferir ou magoar. Muito francez--diz-se como significando falta de sinceridade, e é possivel que um longo habito tornasse inconscientes actos e palavras que d'outro modo teriam valor moral; mas é incontestavel que embora essas formulas, esse modo de ser externo, năo tenham valor moral positivo, năo deixam por isso de ter reduzido ao minimo os espinhos e asperezas da convivencia; podem năo ser virtude nem peccado, mas săo em todo o caso uma arte com todos os prazeres de tal natureza. E, quando alguem os sente, abandona-os com a mesma tristeza com que os bons bebedores abandonam os bons vinhedos, onde por baixo preço sorvem com delicia todos os dias o precioso perfume a que mais querem. Emquanto assim pensava, aproximavam-se as bocas do Rhodano, cuja paizagem me deixou indifferente. Os campos săo largos, vastos, e por vezes viçosos e ferteis, e ao longe descobrem-se as ultimas ramificaçőes dos Alpes, mas os montes estăo excessivamente distantes para que possam entrar como valor importante, e a planicie, muito cultivada, tem uma variedade de vegetaçăo e regularidade de plantaçőes que destroe toda a harmonia natural. A paizagem carece pois de movimento. Parecerá absurda esta expressăo--movimento da paizagem--mas, observando e reflectindo, veremos que a repetiçăo de uma mesma curva acompanhada da repetiçăo simultanea dos mesmos tons de colorido e dos mesmos reflexos dá na realidade a impressăo de uma determinada ondulaçăo, um mesmo movimento, como acontece nas montanhas ou planicies povoadas de uma só especie vegetal, ou, pelo menos, de uma só especie dominante. Ora este effeito perde-se nas terras em que a cultura obriga á variedade. Voltando ao Rhodano--năo quero dizer que năo tenha quadros encantadores, para o que lhe basta a abundancia de luz. Săo todavia limitados e sem relaçăo entre si; săo para a grande paizagem o mesmo que os innumeros quadros da vida domestica săo para a grande pintura historica que condensa a epopęa d'um povo, lançando n'uma tela estreita seculos de vida. Caminhemos. Adiante encontramos Marselha, e á paizagem vem juntar-se a cidade para nos lembrar a distancia a que estamos de Paris e um pouco tambem para nos avivar as saudades. Marselha é um prenuncio da Hespanha: reappareceu o penteado tăo cuidado que năo tornára a vęr desde Salamanca, os cabellos pretos e a desenvoltura. Esta gente é irrequieta, o que é uma coisa bem differente da vivacidade franceza. A vivacidade, para mim, é constituida por gestos e movimentos da physionomia, breves em intensidade e duraçăo mas repetidos e revelando uma actividade de espirito simultanea e semelhante; a desenvoltura é prodiga de movimentos que nada dizem das suas relaçőes psychologicas. A vivacidade, quando ri, scintilla de sympathia; a desenvoltura, rindo, é egoista se năo encerra um sarcasmo. Os francezes săo mais vivos, a gente de Marselha mais desenvolta, como os hespanhoes. Estamos á beira-mar; mais vinte e quatro horas e bateremos ás portas do mundo arabe. Pela manhă trovejou, e das bandas de Africa sopra um vento asphyxiante e morno. A um canto do vapor uma criança ao collo repete com o olhar fixo de mysterioso scismar que as crianças tęm ás vezes: Pa... pá, pa... pá... Ao lado, uma mulher nova e galante conversa com o capităo, brandamente, n'um tom meigo de saudade. --Vamos, disse elle. --_Bon voyage._ --_Au revoir._ E abraçaram-se, silenciosos, mudos, sem uma lagrima. Ella seguiu pelo caes, voltou-se e olhou quando o vapor partia e perdeu-se no borborinho da rua, caminhando ao lado do filho, lenta, tranquillamente, o coraçăo envolto na dôr, na esperança a na virtude. Vi ainda uns vagalhőes titanicos e cambaleando deixei-me rolar como um fardo no canto de um divan. Na ancia e na fraqueza semi-febril obscurecem-se os limites do sonho e do pensamento consciente. Via o enterro d'um amigo; um enterro civil. A porta desconjuntada e carunchosa d'um quintalejo, n'um sitio ermo, veio uma carroça empoeirada de cal, puxada por um macho escuro, somnolento, orelha derrubada, uns arreios sujos, de pregos amarellos, resequidos e gretados do sol. O caixăo appareceu sobre a carroça, năo sei como, e sobre elle, o carroceiro, um soldado francez, de largas calças vermelhas e jaqueta azul, sentou-se, perna bamboleante, costas para o macho. Fallou-lhe e partiu. Ao lado da carroça pendia uma lanterna; no limiar da porta ficára uma mulher da Beira, morena, espadaúda e baixa, o cabello empastado na testa e as măos cruzadas debaixo do avental. --Năo quer a lanterna accesa, tio Manoel? --Năo é preciso, a noite está clara. E n'aquelle silencio sentiu-se só o estremecer da carroça sacudida no macadam da estrada á beira d'um juncal, caminho do cemiterio. --_Monsieur, nous sommes ŕ Alger_, disse alguem perto de mim. Levantei-me e subi. Na noite escura, mais escuro ainda um grande panno negro, uma montanha semeada de luzes; e em baixo sob um rosario de bicos de gaz, pernas e faces negras e nuas entre gorros vermelhos e farrapos brancos enxovalhados--foi o meu despertar no mundo arabe. Um sonho mau entre um quadro de amor domestico e um quadro de miseria--săo todas as minhas impressőes d'esse Mediterraneo azul, limpido, sereno, dissoluçăo filtrada de anilina que em tempos que já la văo faria a delicia dos janotas e a fortuna das engommadeiras de Lisboa, vendido a retalho. * * * * * _Granada, 9 de Outubro._ Argel, vista de noite, nas sombras da luz escassa, dá-nos a impressăo de uma grande miseria; mas, vindo a manhă, no movimento das ruas e dos mercados, essa miseria conver-te-se n'uma grande mascarada para os olhos surprehendidos do viajante europeu, pouco habituado ao contacto das civilisaçőes mescladas e exoticas. Rimos d'essa confusăo de arabes, de turcos, de francezes e marroquinos e rimos ainda mais do albornoz e do turbante; associados ao chapéo de sol e ás botas de elastico, vivendo em santa paz na mesma pessoa. Ao lado da franceza toda encalmada, de manga curta e collo descoberto, vęm as mulheres da terra, embiocadas em leves roupas brancas que a imaginaçăo do nosso povo escolheria para trajo das almas do outro mundo; entre os mercadores de blusa azul, de pé, lestos em attender o freguez, como os vemos pelas nossas praças, está o arabe, sentado, de pernas cruzadas, indifferente e moroso, com um lento pestanejar de ruminante. Rimos emquanto o pensamento năo nos inicia em caminho differente; porque logo, reflectindo, entre o grotesco e o comico de associaçőes disparates descobrimos o orgulho do vencedor, dominando imperioso e inflexivel, e, em baixo, a seus pés, a babugem de uma onda outr'ora forte e temerosa, agora fraca e quasi extincta, agitando-se semi-morta nas prisőes de ferro em que a Europa a lançou. N'uma cidade, como Argel, em que passeiam hombro a hombro vencedor e vencido, a derrota é patente todo o dia como na hora do combate. Quando a Allemanha venceu a França, cada um recolheu ás suas terras e ahi recobrou altivez; mas Argel vencida foi tambem conquistada e o povo arrasta as algemas de uma escravidăo mais ou menos real e mais ou menos consciente. Por aquellas ruas anda uma populaçăo que se agita e move, livre, risonha, altiva, calcando uma terra que lhe pertence, e rasteja tambem um denso rebanho que o pastor conduz, mas a que năo falla senăo para ordenar. N'uma hospedaria, um criado europeu manda vir o _arabe_ para acarretar as bagagens com a mesma entonaçăo com que mandaria vir um jumento. Respondem-me que essa gente vive livre e feliz, sómente sob as leis e regulamentos que foi necessario dar-lhes. Nem tanto mereciam. Năo derramarei lagrimas sob a sua sorte nem mesmo direi que seja má a sua condiçăo material e que tivessem merecimentos para melhor. Apenas aponto um facto; é que no momento actual Argel nos da o espectaculo altamente interessante e instructivo do aviltamento moral de uma raça conquistada em frente dos seus senhores. Uma outra coisa nos offerece Argel, năo menos interessante. É um bairro arabe, quasi uma cidade, que o camartello europeu ainda năo alcançou e em que os costumes, a gente, e as habitaçőes indigenas săo ainda de grande pureza. Nada direi d'essas viellas ingremes em que as casas quasi se tocam de um ao outro lado, especie de fortalezas com uma pequenina porta e raras frestas nos muros. Tudo está minuciosamente descripto em muitos livros e, de resto, esses recintos săo vedados aos simples viajantes. Deixaram-me uma pequena impressăo--pequenez e frescura. Tudo me pareceu acanhado e pequenino, fresco e humido como os logares profundos onde o sol năo penetra. O arabe vem descendo até aos bairros europeus, e ahi abundam as lojas e officinas. Bordam, tecem, costuram, tęm as suas cozinhas e cafés e tudo aquillo se assemelha tanto á nossa regularidade que naturalmente perguntamos como tende a aniquilar-se uma raça que chegou a organisar o trabalho, a arte, a familia, a religiăo, a politica, que creou uma civilisaçăo, uma ordem social, funccionando e correspondendo na sua organisaçăo á capacidade ethnica. Parece que um povo que chegou a este estado năo deveria ser tăo facilmente destruido e dominado dentro do seu proprio _habitat_. Năo soube defender-se--é a resposta que mais immediatamente encontramos no nosso espirito; se tivessem inventado os canhőes de Krupp talvez os seus destinos fossem outros. E vamos a dar razăo á Allemanha: Pois a primeira necessidade de um povo năo é ser forte? Virtude, grandeza d'alma, um ideal, para que? Se năo tem musculos săos, armados d'aço e lançando fogo, esse povo será devorado pelos lobos sempre á espreita das ovelhas. Mas lançados n'esta ordem de cogitaçőes encontramos a Allemanha receiosa e timida diante do cossaco esfarrapado que vi nos acampamentos da Polonia. Já năo vale a força; tudo ameaça dissolver-se n'essa infinita vastidăo em que já um dia se perderam setecentos mil homens. «Vive em paz com a Russia», recommendára, diz-se, o velho Guilherme moribundo a Frederico, seu filho; no seu espirito fluctuava já o desanimo com que Napoleăo voltou de Moscow ás margens do Niemen e antecipadamente se entregava a essa amizade obrigada. E o espirito perde-se buscando em văo uma base de força duradoura, eterna, indestructivel! Năo pensará assim o arabe, que tudo aceita sem espanto, como derivado da ordem logica e natural das coisas, se é que podemos aventurar-nos a penetrar tăo intimamente no espirito de uma raça estranha. Duvido. Muitas vezes na Argelia, pensando no arabe mysterioso, surgiu no meu espirito esta duvida. Podemos comprehender inteiramente a psychologia de uma raça estranha? Modos de vęr e de sentir differentes devem conduzir a differentes ordens de pensamento e, embora vejamos as suas conclusőes externas e praticas, no modo de funccionar intimo poderá existir qualquer coisa mysteriosa que nos escapa. Comprehendemos claramente a psychologia da criança; năo ha entre ella e nós senăo graus de desenvolvimento e de actividade sendo iguaes a tendencia evolutiva e o modo de funccionar, tendencia e modos que devem variar de raça para raça. É verdade que o nosso espirito năo concebe duas logicas, mas fóra d'esse estreito terreno commum que margem năo fica para variantes incomprehensiveis? Pasmamos muitas vezes da logica excentrica de certos espiritos, da maneira por que n'elles se prendem e ligam as idéas, e este facto, combinado com uma reconhecida differença de base physica, năo basta para nos levar a qualquer conclusăo mas deixa no espirito certa desconfiança quanto a affirmaçőes positivas sobre a psychologia das differentes raças. Talvez que sobre o espirito arabe o juizo mais acertado seja o de uma senhora americana muito instruida com quem conversei largamente sobre essa gente. «Só gostava de saber o que elles pensam...»--«Creio que pensam muito pouco», respondeu-me. É possivel que n'estas palavras se resuma toda a sua psychologia. Um clima ardente congestiona e opprime, como o frio entorpece; em qualquer caso ha uma paralysaçăo de vida. A indifferença arabe năo seria como a do russo uma conclusăo final do cogitar sobre a inanidade de todas as previsőes, seria uma abdicaçăo por indolencia, seria a aceitaçăo das coisas sobre o que o pensamento se nega a reflectir. Mata e morre friamente, n'um torpor de somnolencia invencivel. Sabe lavrar e conduzir os rebanhos na pastagem, caminha arrastadamente, e apto para o trabalho lento; năo sabe cavar, repugna-lhe o trabalho activo e diligente. Este mesmo clima que produziu uma raça avassallada pelo ardor do sol, movendo-se sob impulsos mysteriosos, creou a paizagem que deslumbra e cega os olhos do artista europeu educados na luz coada pelas nevoas do norte. Deu á sensualidade tudo o que ella podia exigir de mais intenso e vivo; e por isso se comprehende que a paizagem da Argelia tenha na pintura um culto reservado e distincto. Para a poder sentir é necessario ter olhos insaciavelmente cubiçosos e nem todos attingem tamanho vigor de Sensualidade visual. Para os que ficam áquem, esses prazeres perdem-se despercebidos, quando năo repugnam, ferindo e maguando. Uma luz abundantissima n'uma atmosphera sęcca; e todas as impressőes virăo aos nossos olhos nitidas, precisas, distinctas, vibrando rijamente, soltas e desvendadas da humidade attenuante que modera, corrige e confunde, mostrando-nos toda a natureza através d'uma atmosphera transparente sim, mas uniformemente colorida. A atmosphera tem portanto côr? Pela primeira vez surgiu no meu espirito este pensamento quando em Copenhague encontrei na exposiçăo pinturas japonezas em sęda, esboços grosseiros de paizagens sobre um fundo sem nuvens, unicolor. E todavia transmittiam-me a impressăo de uma paizagem por muito que me repugnasse cręr na realidade do céo e do ar amarello ou verde. Parece que da terra e do céo, de todos os reflexos fundidos resulta um prisma distincto para cada paizagem, através do qual a vemos e conhecemos. Talvez resultado d'este scismar, uma noite, em Argel,--ainda outro sonho!--vi essa terra como as ruinas do Coliseu de Roma. Era uma enorme bacia formada de montanhas escalvadas, de uma argilla vermelha que descia em degraus até ao fundo e sobre a terra, immoveis, equidistantes, os albornós brancos dos arabes; um espaço vermelho e cavado, maculado de pontos brancos. Assim toda a paizagem da Argelia estaria envolvida n'essa atmosphera vermelha. Năo contradiz este sonho o que acima disse relativamente á intensidade de impressăo resultante da seccura atmospherica. Uma coisa é o colorido ligeiro que provém da fusăo dos reflexos ambientes, outra a decomposiçăo da paizagem através da nevoa mais ou menos densa; essa attenua e confunde profundamente, a outra dá apenas um ligeiro colorido sem prejudicar a predominancia das impressőes primitivas; uma sente-se principalmente nos espaços vazios, a outra actua com igual força sobre toda a natureza terrestre. A paizagem da Argelia, pois, com a sua atmosphera propria, como as demais paizagens, e a sensualidade requintada da riqueza e intensidade de impressőes visuaes que resultam da seccura do ar associada á abundancia de luz. Explica-se d'esta fórma como nos quadros dos pintores que tęm estudado essas regiőes apparecem com tăo grande frequencia as montanhas, as ruinas e o mar; săo aquelles elementos em que este caracter de nitidez, de transparencia e de variedade consequente apparece mais distinctamente. Para nós, porém, a paizagem da Argelia năo tem o valor que lhe dá a gente do norte. Estes crepusculos em braza que se prolongam n'um esmorecer lento, a luz que á tarde doura o arvoredo, como com tanta saudade a vi nas mattas de pinheiros de Alepo, em Orleansville, nada d'isso é novo para nós com quem a natureza foi tăo prodiga. * * * * * _Sevilha, 13 de Outubro._ Duas coisas bem differentes temos que vęr no sul da Hespanha, os monumentos arabes e a Andaluzia, os vestigios d'uma raça e d'uma civilisaçăo extinctas n'esta parte do mundo e os povos e a civilisaçăo agora existentes na mesma regiăo. Ambas igualmente interessantes; a primeira porque encerra documentos de primeira ordem no seu genero, e a segunda pela importancia de todo o elemento activo contemporaneo. Nem a Alhambra nem a mesquita de Cordova nem o alcaçar de Sevilha destruiram a impressăo que a Argelia me tinha deixado da arte arabe; antes confirmaram o que ahi tinha pensado e que em certo modo se relaciona com o que em Moscow julguei de todo o Oriente. Aqui tambem como alli, encontrei uma concepçăo esthetica que năo é da nossa raça e năo se conforma com o nosso modo de sentir. N'este ponto as duas impressőes săo identicas. Differem porém: emquanto no moscovita domina a imaginaçăo insaciavel, um enredar infindo, parecendo que o seu pensamento năo consegue definir-se em certa ordem de linhas geraes, o arabe alcançou esse ultimo estado, definiu o seu conceito em fórmas precisas e determinadas. Depois de termos visitado os monumentos arabes, por longo tempo nos ficam diante dos olhos certas proporçőes e direi mesmo certos angulos, embora tenha a certeza de que os seus angulos variam de grandeza em numero infinito. Ha manifestamente uma tendencia, um movimento n'uma direcçăo fixa. D'esse conceito, d'essa visăo ultima e final, producto de series de impressőes successivas, resultam para mim duas idéas--a ausencia de grandeza e a preferencia do adorno sobre a estructura. Sobre esta creio năo haver duvida. _Dentelle_--foi a palavra que mais vezes ouvi do guarda da Alhambra que me acompanhava; rendas săo na verdade todos esses minusculos trabalhos em gesso de que os seus muros estăo cobertos. Para lhes dar todo o relevo estenderam-se sobre o ouro e as côres mais vivas, um azul intenso e um vermelho rutilante, e năo se pouparam as perspectivas que os projectassem sobre a grandeza do espaço e da luz; e, depois de os ter despendido com uma prodigalidade infatigavel, cobriram-se os intervallos que restavam com azulejos e couros de Cordova, rendas ainda, posto que d'outra materia. Năo se levantaram palacios, atapetaram-se alcovas de sultana. É de crer que me neguem a falta de grandeza nos monumentos arabes, adduzindo como primeira prova de contestaçăo a mesquita de Cordova. Ao que responderei que é d'esse mesmo documento que pretendo tirar a melhor prova do meu pensamento. Quando lá entrei, lembrou-me um pomar de macieiras frondosas e bem alinhadas, d'esses que os brazileiros da minha terra tęm alli pela Villa da Feira. Li depois que Theophilo Gautier a comparára a uma floresta, mas as florestas bracejam á vontade, erguem-se ao sol e desconhecem a linha recta, errando gigantes por onde a luz e a terra mysteriosamente as conduzem. Transcrevo as proporçőes d'esse edificio e o leitor dirá se n'ellas cabe grandeza. Supprimamos a capella-mór e vejamos só as proporçőes da mesquita no seu estado primitivo. Um quadrilatero, cento e sessenta e sete metros de comprimento, cento e dezenove de largura, dez d'altura; dezenove naves n'uma direcçăo e trinta e seis na outra, arcos mouriscos assentes em columnas de cerca de tres metros. É facil de imaginar o aspecto de tanta galeria tăo baixa, tăo estreita e tăo longa. A isto chamou-se grandeza, sendo aliás a sua negaçăo. A grandeza está nas proporçőes d'um só conceito, e o arabe, năo podendo alcançal-a, vingou-se na extensăo, repetindo n'um vasto campo o mesmo conceito. Incapacidade de espirito ou consequencia de um mau ponto de partida? Foi o espirito arabe que carecia de grandeza ou a grandeza era incompativel com a fórma d'arco que adoptára e que mais amava? E questăo que por certo os homens do officio terăo resolvido ha muito, e elles saberăo dizer-nos se com o arco arabe poderemos ir muito longe; para os meus olhos desprevenidos e ignorantissimos aquelle arco parece concluir sempre o edificio, tornando impossivel uma sobreposiçăo equilibrada apparentemente, já se vę, porque quanto á realidade năo ha duvida. Perdôem-me os expertos se n'isto vai grande barbaridade, mas em tempos de suffragio universal é permittido ouvir-se a voz do vulgo. De resto, questăo incidente; prosigamos. Ausencia de grandeza e abuso do adorno năo săo qualidades de gente guerreira, e por isso comprehendo Carlos V mandando arrasar parte da Alhambra e construindo no seu logar um palacio da mais bella renascença; foi ingenuamente o homem da sua raça. Quem dos jardins do Generalife vir os telhados da Alhambra, baixos como cabanas ao lado do palacio sumptuoso e altivo, comprehenderá porque razăo _isto_ venceu _aquillo_. Estăo alli duas architecturas e duas almas. Lamentamos e com razăo que se houvessem destruido tăo boas fontes de saber. Penetrar o espirito alheio, abranger na extensăo do nosso pensamento a vida de toda a terra e de todo o universo, se possivel, é para nós um tăo grande prazer como a contemplaçăo de quanto nos deleita a vista: e n'este sentido săo justas as lamentaçőes de todo o monumento perdido. Mas năo é menos justa a sympathia pela expansăo forte, viril e inconsciente dos instinctos de uma raça, ainda năo pervertida pela largueza intellectual que conduz ao scepticismo, pondo o _cant_ no logar da admiraçăo sincera: e entăo os actos barbaros como o de Carlos V tęm seus laivos de grandeza. E todavia quem falla d'esta fórma da arte arabe ainda hontem poderia ser surprehendido em flagrante delicto de admiraçăo diante da entrada de um casino de Sevilha. Que singeleza! Um vestibulo rectangular, ladrilhado de marmore, as paredes com uma cercadura de um metro de azulejo e depois gobelinos até ao tecto de madeira, apainelado; ao centro tres arcos sobre quatro columnas de marmore branco dando entrada para o pateo, quadrado, com uma ornamentaçăo semelhante á do vestibulo. Năo ha n'isto grandes reminiscencias dos mouros? Ha, decerto; toda a differença consiste năo em desconhecermos a belleza da sua arte mas em a tornarmos como subordinada a uma concepçăo mais alta. De fim ultimo e principal, os seus mais bellos elementos transformam-se ás nossas măos em accidente e complemento. É tempo de passarmos á formosa Andaluzia, formosa nas suas mulheres, no pittoresco dos costumes, retardatarios da desnacionalisaçăo, porque a formosura dos seus campos soffre grandes reservas. Pelos montes e outeiros predominam os olivaes, e a palmeira (_chamćrops humilis_), as agaves, o esparto, a giesta, e as lavouras de trigo preenchem os intervallos; as terras baixas săo mimosas, onde tęm agua, mas com esta indecifravel confusăo de plantas dos terrenos bem cultivados, perdem toda a fôrça e caracter como paizagem. Para esta ficam só as terras altas e que pouco dizem porque as oliveiras estăo muito distantes entre si e as outras plantas muito dispersas para darem qualquer fórma ou colorido definido. Ainda assim, onde o olival é basto accentua-se certo caracter de calor e suavidade; a folha da oliveira, leve de colorido e pouco brilhante, semelhando cobre velho oxydado, desenrola sobre a terra um tapete que se sente profundo e leve, sem a dureza polida e fria das vastas superficies luzentes. Caracter que as restantes plantas partilham: o brilho é proprio das plantas viçosas e aqui năo as ha, tęm falta d'agua. A propria palmeira é bem differente d'aquillo que parece nos nossos jardins, mais coriacea, năo se expande nesse viço que é uma phase brilhante de estiolamento. E todavia năo faltará quem se extasie diante do Guadalquivir e do Genil em que se reflecte a alvura da Serra Nevada. Se me năo illudo, é o caso tăo frequente da confuzăo do bem-estar physico com a belleza da paizagem. Para os que vęm dos montes abrazados, o valle humido e tepido dá uma sensaçăo balsamica que nos induz a chamar bello a quanto nos rodeia. Esta sensaçăo associada á cubiça de riquezas, foi talvez uma das grandes forças da conquista arabe; por aquellas veigas sorria um prazer que para lá do mar era bem raro e o mouro vinha buscal-o, impetuoso, como uma onda negra espumando sangue. N'estes climas tăo ricos, a vegetaçăo vai desde o trigo até á vinha, a oliveira, a laranjeira e a tamara; nos poucos metros d'um jardim percorrem-se quasi completamente as zonas de todo o mundo. D'aqui a belleza da gente, creada na abundancia, com os frios moderados que avigoram, sem a molleza lymphatica dos calores excessivos. O clima tudo lhes deu: uma alimentaçăo variada, abundante e să, e as alternativas e graduaçőes de temperatura convenientes para dar ao corpo plena expansăo de vigor. Vigor indomavel, latejante e transparente: a belleza das raparigas do norte palpita apenas; na andaluza, os olhos e os cabellos negros, a pelle mimosa e branca, tęm relampagos de sensualidade. Mas a mocidade é breve, segue-se uma vida mais sedentaria, e quando na casa a mesa é farta e a doença e o trabalho năo castigam, um corpo tăo săo tem comsigo um inimigo invencivel da belleza--a obesidade. É ahi que vai naufragar o melhor da formosura da Andaluzia; nas ruas, nos passeios e nos caminhos de ferro encontra-se esta phylloxera em todos os estados, desde a mulher de trinta annos de uma redondeza acabada, até á sexagenaria informe. Mudou a physionomia mas o caracter é sempre o mesmo, é em toda a idade a desenvoltura de que já em Marselha tivemos prenuncios. Dar exercicio aos musculos, palrando com grandes gestos, saracoteando-se e cantando, constitue a primeira necessidade d'esta gente. É sabido como os hespanhoes adoram a rua e os cafés. Pois năo é porque bebam muito; o que precisam é fallar e agitar-se, ruido e movimento. A mesma musica tem este caracter de agilidade; as depressőes alternadas de andamento rapido e lento săo manifestas como na musica italiana a predilecçăo pela cadencia prolongada. Parece que só a Allemanha tirou da musica a expressăo d'uma paixăo intima e moral; os outros povos contentam-se em reduzil-a á simples traducçăo do seu modo de ser sensual. Para que tudo esteja d'harmonia--e esta harmonia é para mim o mais bello da Andaluzia--a habitaçăo é tambem o que melhor se podia conformar com o clima. O pateo, com a fonte de marmore ao centro, rodeado por uma galeria em arcos ou sobre columnas é quasi geral nas casas da Andaluzia; adornado com plantas dá um canto de frescura para passar no verăo as horas de calma, ao mesmo tempo que é um elemento de belleza. Năo foi a Andaluzia que o inventou, é romano ou arabe, é talvez de todos os povos. Adoptal-o, porém, foi o grande impulso de bom-senso. Porque năo fizemos o mesmo em Lisboa, preferindo a imitaçăo parisiense, tăo pouco justificada? Porque năo teremos o pateo alumiado, fresco e aceiado em logar da escada sombria, abafada e negra? Porque năo fizemos uma avenida ladeada de casas peninsulares em logar d'um _boulevard_? Descuidadamente, fui a fallar das coisas de casa. Pois năo voltarei atraz. Recolho ao ninho, que já năo é sem saudade. Ao abeirar-me d'essa natureza que encerra o vidoeiro e a palmeira, com tanto amor bafejada da fertilidade e belleza, ao contacto d'essa alma tăo nobre que na corrupçăo e na miseria tem ainda scintillaçőes de heroismo, esmorece a sympathia pela gente que deixei para além dos Pyrenéos e dos Alpes. A sua alegria é um sorriso frouxo na sombra tremula e fria do vidoeiro e do abeto, e a alegria da minha terra vai desde a alvorada de primavera rutilante e fresca até á gargalhada estridente e pagă, entre o perfume do louro e o vigor do pampano. A sua melancolia é o brando palpitar d'um crepusculo de outono, e a melancolia da minha terra é ardente e ampla, um clamor de bronze vibrado nas labaredas do estio. Bem vindo seja pois esse ninho tecido de miserias e de grandeza! INDICE Pag. Dedicatoria V Advertencia VII Modos de viajar 2 O Minho 4 O Douro 6 Entrada em Hespanha 7 Salamanca 9 Miranda do Ebro 12 Os Pyrenéos 13 Paris 14 Ličge 23 Lavoura por cavallos 24 Campos de Ličge 25 O Hanover 26 Prados e florestas 27 O snr. G. Saunders 28 Berlim 29 De Berlim a Varsovia; a alfandega russa 33 A paisagem da Polonia 34 Varsovia 36 A paizagem do norte da Russia 38 A aldeia da Russia 39 Moscow 40 Visita a Tolstoď 44 S. Petersburgo 53 A Finlandia 55 A paizagem 56 A Scandinavia 59 Copenhague 64 A industria moderna 67 O domingo em Paris 72 Seducçőes de Paris 73 Paizagem do Rhodano 75 Marselha 76 Caminho d'Argel 77 Argel 80 Paizagens 87 Os monumentos arabes 91 A Andaluzia 97 DO MESMO AUCTOR: _Estudos sobre litteratura contemporanea_ 1 vol. _O Snr. Oliveira Martins e o seu projecto de lei sobre o fomento rural_ Folh. _A arte d'estudar_ (versăo do inglez) 1 vol. _A Democracia_ Folh. End of Project Gutenberg's Cidades e Paisagens, by Jaime de Magalhăes Lima *** END OF THIS PROJECT GUTENBERG EBOOK CIDADES E PAISAGENS *** ***** This file should be named 24774-8.txt or 24774-8.zip ***** This and all associated files of various formats will be found in: http://www.gutenberg.org/2/4/7/7/24774/ Produced by Pedro Saborano Updated editions will replace the previous one--the old editions will be renamed. Creating the works from public domain print editions means that no one owns a United States copyright in these works, so the Foundation (and you!) can copy and distribute it in the United States without permission and without paying copyright royalties. Special rules, set forth in the General Terms of Use part of this license, apply to copying and distributing Project Gutenberg-tm electronic works to protect the PROJECT GUTENBERG-tm concept and trademark. 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20,865 words • 347h 45m read

— End of Cidades e Paisagens —

Book Information

Title
Cidades e Paisagens
Author(s)
Lima, Jaime de Magalhães
Language
Portuguese
Type
Text
Release Date
March 7, 2008
Word Count
20,865 words
Library of Congress Classification
PQ
Bookshelves
Browsing: Literature, Browsing: Travel & Geography
Rights
Public domain in the USA.